Walter Hugo Khouri, o maior de nossos cineastas, depois de um flerte com o film noir americano no excelente ESTRANHO ENCONTRO (1958), conseguiu financiamento e apoio para uma produção com dinheiro estrangeiro, rodado, tanto em inglês como em português. Infelizmente a versão em português está dada como perdida, mas podemos comemorar o fato de que existe a versão em inglês, que pode não ser exatamente o FRONTEIRAS DO INFERNO (1959), mas sua versão irmã gêmea, LONESOME WOMEN. De todo modo, ter acesso a uma obra como essas já é uma bênção para quem é fã da obra do mestre.
Assim como a obra anterior, FRONTEIRAS DO INFERNO lembra mais cinema americano do que cinema europeu. A partir de NOITE VAZIA (1964), ele faria um cinema que lembraria tanto Ingmar Bergman quanto Michelangelo Antonioni. Aqui o que temos é uma espécie de western passado numa cidade pequena cujo principal motor econômico é o garimpo. Trata-se de uma cidade amaldiçoada, com as pessoas (principalmente as mulheres), sentindo-se como se estivessem vivendo numa espécie de inferno.
O filme começa com a presença de um homem idoso que encontra um diamante de tamanho generoso. Como é garimpeiro há anos, sabe que o dono das terras lhe pagaria apenas uma pequena quantia por aquela preciosa pedra, que poderia ser sua chance de sair daquele lugar com sua filha (Aurora Duarte). A chance de fugir dali vem quando surge na cidade um homem estrangeiro (Hélio Souto), cujo carro é capaz de passar por terras acidentadas. Logo aquele homem também será alvo da agressão e opressão do líder dos garimpeiros, que suspeita que ele está com a pedra, depois que o pobre velho morre, em seus braços.
Por mais que possa parecer um filme à moda antiga sobre um herói que vem de longe para salvar a mocinha, FRONTEIRAS DO INFERNO traz algo que seria uma das marcas do cinema de Khouri: a importância das personagens femininas. Aqui elas são várias e vivendo em diferentes realidades. Todas elas possuem motivos mais do que suficientes para fugirem daquele lugar e encontram na figura do forasteiro a chance. Como um filme sobre a cobiça, porém, já não é tão marcante. O cinema americano já fez exemplares tão melhores a respeito. Por isso, o que marca mesmo nesta produção de encomenda é o quanto de atmosfera khouriana já é possível perceber.
A cópia que chegou em minhas mãos é ripada de um VHS da Something Weird Video nos anos 1990. Está com as cores esmaecidas, mas já é uma surpresa ser um filme em cores. Com dinheiro brasileiro, Khouri só faria um filme em cores em 1970, com O PALÁCIO DOS ANJOS.
+ TRÊS FILMES
MINHA FAMA DE MAU
A gente torce para que o filme encontre o seu prumo, mas infelizmente há muita coisa sem tesão ou apresentada de maneira tão ruim que seria melhor que tivesse sido deletada, como a cena da apresentação da canção "Amigo", por exemplo. O filme ficaria menos falho sem essa parte. Aliás, o ator que faz o Roberto não convence (e canta mal, ainda por cima). Já o Chay Suede está bem como o Erasmo. Ele já havia se mostrado muito bem em RASGA CORAÇÃO. Falta também força nas canções, principalmente nas melhores dessa primeira fase da dupla Roberto-Erasmo. Direção: Lui Farias. Ano: 2019.
INTIMIDADE ENTRE ESTRANHOS
Antes de entrar para a sessão deste filme eu já estava pensando: antes ver um filme brasileiro fraco do que um americano fraco. E é assim mesmo que eu penso. No caso deste aqui, que conta com roteiro de Matheus Souza, é possível ver com algum prazer até o final, principalmente por causa da personagem de Rafaela Mandelli. Os dois homens da história são dois bocós, embora a gente se solidarize um pouco com o jovem que se apaixona pela mulher mais velha que ele, mas bastante atraente. O final é meio constrangedor e podia ser evitado, a partir do roteiro. Direção: José Alvarenga Jr. Ano: 2018.
DIAMANTINO
Uma coisa não dá para negar de DIAMANTINO: sua singularidade. E é um filme que abraça o seu protagonista a ponto de se tornar um com ele. Ou algo próximo disso, já que há vários momentos em que apenas o espectador ri das situações. Diamantino não tem consciência do que está acontecendo, embora como narrador onisciente ele passe a ter. Há também as boas alfinetadas na extrema direita e no que o mundo vem se tornando. Direção: Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt. Ano: 2018.
quarta-feira, maio 29, 2019
sexta-feira, maio 24, 2019
ALADDIN
Que bela surpresa este novo ALLADIN (2019)! Embora se trate de um remake da animação dos anos 90, representa mais do que isso, com um frescor impressionante, ao trazer de volta o fascínio pelo conto retirado do clássico As Mil e uma Noites. Me entusiasmei com as aventuras do jovem ladrão de ruas gentil e apaixonado pela princesa de seu reino.
Quanto às canções, para quem não gosta tanto de musicais, elas não apenas não incomodam, como são importantes para que o clima de fantasia e de magia contagie o espectador. Tudo pode acontecer em um filme em que um gênio sai de dentro de uma lâmpada. Quem espera um "senta, que lá vem música" bem chato já pode se animar, pois as canções emocionam tanto pela beleza da melodia quanto pelo conjunto da cena, como no momento em que Aladdin e Jasmine passeiam em cima do tapete mágico.
A Disney tem uma característica que pode ser vista como um defeito, mas também como uma qualidade: o fato de querer fazer filmes como se ainda estivesse na década de 1950. E por isso há quem ache algumas de suas produções, especialmente essas que lidam também com canções, como foi também o caso de A BELA E A FERA, de Bill Condon, como algo velho, embora uma obra excelente como MOGLI, O MENINO LOBO, de Jon Favreau, pareça bastante moderna em certos aspectos.
Em um ano em que temos três adaptações de clássicos da animação da casa do Mickey para live action - o primeiro foi DUMBO, de Tim Burton, e o próximo será O REI LEÃO, de Jon Favreau -, ALADDIN, dirigido pelo irregular Guy Ritchie, encanta com seu colorido à Bollywood, seu dinamismo narrativo e uma trinca de personagens principais bastante carismáticos: Will Smith, como o gênio da lâmpada; Mena Massoud, como o Aladdin; e Naomi Scott, como a princesa Jasmine.
E que princesa! Naomi Scott já havia aparecido em POWER RANGERS, mas é neste filme que sua beleza e brilho se destacam. E muito em breve vamos poder vê-la na nova versão de AS PANTERAS. Ela justifica o espectador torcer pelo Aladdin, ao se colocar em seu lugar na jornada. Afinal, quem nunca fantasiou sobre ter a possibilidade de ter direito a três desejos realizados em um passe de mágica?
Além do mais, ALADDIN é um filme sobre ter sabedoria na hora de exercitar os seus desejos, a fim de não se deixar levar pela ambição cega. Que é basicamente o caminho do personagem de Marwan Kenzari, que interpreta o vizir, o conselheiro do Sultão. Quanto à princesa, vale destacar o quanto ela é mais valorizada nesta versão em comparação com a animação. Isso se deve tanto ao roteiro quanto à própria atriz, que empresta um encanto muito bem-vindo à personagem.
Assim, a história de amor com Aladdin ganha força. Ainda que a aventura e a fantasia sejam talvez os elementos mais fortes do filme, o que leva o herói a fazer o que faz é o amor que ele sente pela princesa. Um amor que é recíproco, mas que tem como primeiro obstáculo o fato de que ela deve se casar, segundo a lei, apenas com um outro príncipe, não com um plebeu qualquer como Aladdin. Mas o que seriam das histórias de amor sem os obstáculos?
Quanto às canções, os clássicos de Alan Menken e Howard Ashman para a animação de 1992 retornam, mas há uma novidade feita especialmente para Jasmine, "Speechless", música de Menken, e letra de Pasek & Paul, cantada com entusiasmo e brilho pela própria Naomi Scott em um momento particularmente cheio de emoção. Pois é. Há muitos motivos para ficar entusiasmado com este filme que parecia ter um destino um tanto incerto.
+ TRÊS FILMES
NASCE UMA ESTRELA (A Star Is Born)
Gostei mais deste do que do filme do Minelli! Mas ainda tenho meus problemas com a parte musical. Queria ter gostado mais das canções, já que elas são tão importantes para o todo. E embora a presença de Lady Gaga seja ótima, a interpretação do Bradley Cooper é que está sensacional. Tocante, emocionante como o personagem do artista decadente. Bela estreia na direção também. Direção: Bradley Cooper. Ano: 2018.
PAPILLON
Filmes sobre tentativas de fuga de prisões quase sempre são bons de ver. Mas a intenção do novo PAPILLON parece ser mais ambiciosa. Infelizmente acabamos sentindo um pouco de indiferença pelos personagens, por mais que goste do personagem do Malek. E também gosto do fato de ser um filme sobre amizade. Mas depois de ver UMA NOITE DE 12 ANOS, o horror da prisão do Papillon até perde força. Direção: Michael Noer. Ano: 2017.
CEMITÉRIO MALDITO (Pet Sematary)
O legal desta nova versão de CEMITÉRIO MALDITO são as surpresas. Quem acha que vai ver a mesma história do filme de Mary Lambert vai ver algumas situações que tornam a obra até melhor. Embora a conclusão não tenha sido tão boa, não deixa de ser um belo trabalho sobre uma tragédia familiar de grandes proporções, a partir da atração pelo mal. Sempre bom ter um ator gigante como John Lithgow presente. E a garotinha também é muito boa. Não lembro se o anterior ou mesmo o romance de Stephen King (que eu adoro!) tem o flashback da irmã da esposa/mãe da família. Direção: Kevin Kölsch e Dennis Widmyer. Ano: 2019.
quinta-feira, maio 16, 2019
A GAROTA DE LUGAR NENHUM (La Fille de Nulle Part)
Faleceu no último sábado, 11, Jean-Claude Brisseau, 74, um dos cineastas mais brilhantes surgidos nas últimas quatro décadas, ainda que sua popularidade seja restrita a um círculo relativamente pequeno de apreciadores de cinema. O filme que escolhi para ver em sua homenagem foi um de seus últimos trabalhos, A GAROTA DE LUGAR NENHUM (2012), que até tem um sabor de filme-despedida, ao mesmo tempo em que é também um trabalho de satisfação no fim da vida.
Há uma série de questões filosóficas que são discutidas, inclusive de natureza judaico-cristãs, e há também um namoro com o sobrenatural, coisa que já havia sido abordada fortemente no anterior ERÓTICA AVENTURA (2008). Aqui, diferente do anterior, porém, o erotismo é praticamente deixado de lado. O que combina com a proposta do filme, mas ligado à filosofia, ao misticismo e às angústias existenciais (fala-se tanto nas possibilidades de comunicação com os mortos quanto em reencarnação).
Assim como em OS ANJOS EXTERMINADORES (2006), há algo hostil que ronda o protagonista, Michel Deviliers, vivido pelo próprio Brisseau. Fenômenos paranormais passam a acontecer em sua residência (a locação é o próprio apartamento do cineasta) a partir do momento em que ele abriga uma garota que estava sendo agredida em seu prédio. Dora (Virginie Legeay), a jovem, traz para aquele velho e amargurado professor mais gosto pela vida, embora a relação entre os dois seja mais de pai e filha, devido principalmente à grande diferença de idade.
Solitário, mas bastante à vontade com a própria solidão, tendo os estudos como aliado, principalmente depois da morte da esposa, Deviliers passa a perceber em Dora alguém com quem ele pode compartilhar seus pensamentos, que estão sendo transpostos para um livro, bem como ajudá-lo a se sentir menos só. Os diálogos entre os dois são tão ricos e densos que seria interessante parar o filme em determinados momentos para anotar e refletir a respeito de certas questões.
Algumas cenas são particularmente marcantes, seja do ponto de vista da ternura, como em uma cena aparentemente independente da trama principal, que mostra uma ex-aluna de Deviliers abordando-o na rua para agradecê-lo por ter sido tão importante para que ela abrisse os olhos para o cinema e para as artes; seja do ponto de vista do medo, como na cena do fantasma com uma faca na mão adentrando o quarto do protagonista. Há também uma muito interessante cena de sessão espírita que pode assombrar espectadores mais impressionados. Momentos marcantes não faltam para ficar na memória neste penúltimo filme de Brisseau.
+ TRÊS FILMES
VARDA POR AGNÈS (Varda par Agnès)
Seria muito bom se cada grande cineasta pudesse fazer em vida o que a Agnès Varda fez aqui, aos 90 anos, e perfeitamente lúcida e bem-humorada: fazer um balanço de sua carreira e de suas obsessões como artista. No caso de Varda, hoje considerada a maior das cineastas mulheres de todos os tempos, ela prefere contar sua história como diretora - e também como mulher - como num fluxo de consciência, não exatamente seguindo uma ordem cronológica. Assim o filme segue numa linha narrativa muito bonita. Uma pena que até entre os estudantes de cinema presentes em sua palestra, apenas alguns "gatos pingados" viram seu filme mais conhecido, CLÉO DAS 5 ÀS 7 (1962). Há muito a se descobrir, portanto. Falo por mim também, que só vi três de seus filmes. Ano: 2019.
SUPREMA (On the Basis of Sex)
Certas histórias merecem ser contadas e ao final da sessão em que estive houve até salva de palmas, mas uma pena que a história de Ruth Bader Ginburg tenha resultado em um filme tão quadradinho e monótono. A força está basicamente na protagonista e em sua luta para conquistar a igualdade de gênero nos Estados Unidos, ela que sofreu preconceito sendo mulher na faculdade de Direito em Harvard. Direção: Mimi Leder. Ano: 2018.
DIE BEISCHLAFDIEBIN
Terceiro trabalho de Christian Petzold para a televisão e que continuava sua obsessão por mostrar pessoas marginais em busca de um escape para a vida. Aqui acompanhamos uma mulher que ganha a vida executando golpes em homens durante primeiros encontros em bares e hotéis. O filme cresce quando ela parte para a casa da irmã e ocorre um dinamismo interessante entre as duas, que são bem diferentes. Há um misto de melodrama com algo próximo de UM CORPO QUE CAI, que seria algo que o diretor trabalharia em PHOENIX (2014) no futuro. Ano: 1998.
Há uma série de questões filosóficas que são discutidas, inclusive de natureza judaico-cristãs, e há também um namoro com o sobrenatural, coisa que já havia sido abordada fortemente no anterior ERÓTICA AVENTURA (2008). Aqui, diferente do anterior, porém, o erotismo é praticamente deixado de lado. O que combina com a proposta do filme, mas ligado à filosofia, ao misticismo e às angústias existenciais (fala-se tanto nas possibilidades de comunicação com os mortos quanto em reencarnação).
Assim como em OS ANJOS EXTERMINADORES (2006), há algo hostil que ronda o protagonista, Michel Deviliers, vivido pelo próprio Brisseau. Fenômenos paranormais passam a acontecer em sua residência (a locação é o próprio apartamento do cineasta) a partir do momento em que ele abriga uma garota que estava sendo agredida em seu prédio. Dora (Virginie Legeay), a jovem, traz para aquele velho e amargurado professor mais gosto pela vida, embora a relação entre os dois seja mais de pai e filha, devido principalmente à grande diferença de idade.
Solitário, mas bastante à vontade com a própria solidão, tendo os estudos como aliado, principalmente depois da morte da esposa, Deviliers passa a perceber em Dora alguém com quem ele pode compartilhar seus pensamentos, que estão sendo transpostos para um livro, bem como ajudá-lo a se sentir menos só. Os diálogos entre os dois são tão ricos e densos que seria interessante parar o filme em determinados momentos para anotar e refletir a respeito de certas questões.
Algumas cenas são particularmente marcantes, seja do ponto de vista da ternura, como em uma cena aparentemente independente da trama principal, que mostra uma ex-aluna de Deviliers abordando-o na rua para agradecê-lo por ter sido tão importante para que ela abrisse os olhos para o cinema e para as artes; seja do ponto de vista do medo, como na cena do fantasma com uma faca na mão adentrando o quarto do protagonista. Há também uma muito interessante cena de sessão espírita que pode assombrar espectadores mais impressionados. Momentos marcantes não faltam para ficar na memória neste penúltimo filme de Brisseau.
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VARDA POR AGNÈS (Varda par Agnès)
Seria muito bom se cada grande cineasta pudesse fazer em vida o que a Agnès Varda fez aqui, aos 90 anos, e perfeitamente lúcida e bem-humorada: fazer um balanço de sua carreira e de suas obsessões como artista. No caso de Varda, hoje considerada a maior das cineastas mulheres de todos os tempos, ela prefere contar sua história como diretora - e também como mulher - como num fluxo de consciência, não exatamente seguindo uma ordem cronológica. Assim o filme segue numa linha narrativa muito bonita. Uma pena que até entre os estudantes de cinema presentes em sua palestra, apenas alguns "gatos pingados" viram seu filme mais conhecido, CLÉO DAS 5 ÀS 7 (1962). Há muito a se descobrir, portanto. Falo por mim também, que só vi três de seus filmes. Ano: 2019.
SUPREMA (On the Basis of Sex)
Certas histórias merecem ser contadas e ao final da sessão em que estive houve até salva de palmas, mas uma pena que a história de Ruth Bader Ginburg tenha resultado em um filme tão quadradinho e monótono. A força está basicamente na protagonista e em sua luta para conquistar a igualdade de gênero nos Estados Unidos, ela que sofreu preconceito sendo mulher na faculdade de Direito em Harvard. Direção: Mimi Leder. Ano: 2018.
DIE BEISCHLAFDIEBIN
Terceiro trabalho de Christian Petzold para a televisão e que continuava sua obsessão por mostrar pessoas marginais em busca de um escape para a vida. Aqui acompanhamos uma mulher que ganha a vida executando golpes em homens durante primeiros encontros em bares e hotéis. O filme cresce quando ela parte para a casa da irmã e ocorre um dinamismo interessante entre as duas, que são bem diferentes. Há um misto de melodrama com algo próximo de UM CORPO QUE CAI, que seria algo que o diretor trabalharia em PHOENIX (2014) no futuro. Ano: 1998.
segunda-feira, maio 13, 2019
LONGA JORNADA NOITE ADENTRO (Di Qiu Zui Hou De Ye Wan)
O cinema é a forma de arte que mais se aproxima do sonho, por mais que a intenção de boa parte dos cineastas seja a busca de uma impressão de realismo. E é até compreensível, levando em consideração que nem todos conseguem trabalhar de maneira satisfatória com o sonho no cinema. Ao falar de sonho lembra-se de Luis Buñuel, de David Lynch, de Alejandro Jodorowsky, de Alain Resnais, de Andrei Tarkovski, de Ingmar Bergman. São poucos, na verdade, os cineastas que conseguem transformar o cinema em matéria de sonho.
Eis que, do cinema chinês, que atualmente vem tratando mais de questões sociais e políticas em seus dramas, surge o jovem cineasta Gan Bi e seu impressionante LONGA JORNADA NOITE ADENTRO (2018), que pega emprestado o título da peça de Eugene O’Neill, embora não guarde muita relação. O título é explicativo quando entramos na segunda metade do filme, que usa um longo plano-sequência para nos levar para uma jornada noturna em busca de uma mulher. Por mais que a primeira parte seja hermética e por vezes confusa, uma vez que passamos por ela, somos tragados por uma das mais fascinantes viagens já mostradas pelo cinema.
A primeira parte lida com o tempo escorregadio e o caráter vago da memória. A memória de quase duas décadas, quando o protagonista Luo Hongwu (Jue Huang) conheceu uma mulher misteriosa, Wan Qiwen (a bela Wei Tang, de DESEJO E PERIGO). Fragmentos de memória parecem se juntar a imagens de ficção ou de sonhos, como que de um filme visto por Hongwu que talvez tenha se misturado às lembranças.
Em entrevista à revista Cinema Scope, de setembro de 2018, Gan Bi disse que sempre se sentiu em perigo durante as filmagens, como se ele sempre estivesse prestes a destruir o filme, a fazer alguma decisão errada, ou a destruir a si mesmo. Algo parecido pode ser refletido no espectador, como uma espécie de angústia, ao mesmo tempo em que a sensação de se perder na noite é extremamente excitante.
É como saber que se está em um sonho, mas que aquele espaço/tempo é o único possível para que o encontro daquele homem com a mulher de sua vida seja materializado. Embora a palavra matéria não seja exatamente algo que se possa pensar de uma obra tão pouco tangível. Lembrar do filme e dessas sensações que ele provoca é aumentar ainda mais o amor, o respeito e o fascínio por essa maravilha sombria e romântica, lindamente orquestrada por um cineasta que, em seu segundo longa-metragem, mostrou um virtuosismo impressionante.
O que dizer da cena do ping-pong com o garoto na mina? E da raquete mágica? E a do encontro com a garota da sinuca? E a conversa com a mulher da tocha? São cenas tão cheias de elementos oníricos fortes que nos arrebatam como poucos. E ainda por cima há todo um cuidado visual. Há o vestido verde de Wan Qiwen: sempre que a cor aparece nos lembramos dela. Há um cuidado todo especial com cada enquadramento, cores e cenário, mesmo sendo tudo tão sombrio e noturno. Meus amigos, estamos diante de um dos grandes filmes do novo século.
Um detalhe curioso da carreira comercial de LONGA JORNADA NOITE ADENTRO é que o filme teve uma campanha de marketing na China semelhante à de um blockbuster (há a utilização de tecnologia 3D na segunda metade em algumas salas, o que ajuda), mas que ocasionou muitas reclamações. Afinal, ninguém estava preparado para um filme de arte. Assim, houve uma saída em peso de pessoas no meio dessas sessões iniciais. Assim, o filme acabou faturando bastante no dia da abertura, embora tenha caído nos dias seguintes. Ou seja, parte do público foi enganado, mas nem por isso deixou de ser, ainda que não admita, privilegiado.
+ TRÊS FILMES
YOUR NAME. (Kimi No Na Wa)
A trama desta bela animação lembra um pouco A CASA DO LAGO, de Alejandro Agresti. Começa com uma troca de corpos entre um menino e uma menina que moram em lugares diferentes do Japão. Ambos intervêm de alguma maneira na rotina do outro, da mesma forma que passam a conhecer a vida um do outro. Há uma reviravolta que eleva o filme e torna o que estava ficando repetitivo em algo valioso e urgente. Direção: Makoto Shinkai. Ano: 2016.
OS SONÂMBULOS
Acho importante que tenhamos filmes que discutam nossa situação política sombria, mas é ruim quando esses filmes têm uma linguagem um pouco mais próxima da audiência. Nada contra hermetismos, mas nesse caso aqui, dura quase duas horas e chega um momento que a narração tediosa convida ao sono. Além do mais, há o problema de o filme tratar de uma situação menos grave do Brasil, de quando o problema era apenas o país ter sido vítima de um golpe. Agora a situação é muito pior. Que novos filmes tenham a chance de falar a respeito. Direção: Tiago Mata Machado. Ano: 2018.
ALBATROZ
Não me lembro de ter visto na filmografia brasileiro um filme tão assumidamente lynchiano. Há referências explícitas a VELUDO AZUL e a trama é mais intrincada (deveria dizer, perdida, no caso) do que CIDADE DOS SONHOS e ESTRADA PERDIDA. É uma pena, pois a brincadeira começa até bem, mas vai se perdendo à medida que vai chegando perto da conclusão. Na verdade, bem antes disso. É bom que exista um filme como esse, um corpo estranho dentro de lançamentos brasileiros e num cinema de shopping, ainda por cima, mas que pena que um elenco tão legal tenha sido mal aproveitado em um enredo que apostou na confusão e achou que era o suficiente para ganhar o espectador que gosta de desafios. Direção: Daniel Augusto. Ano: 2019.
Eis que, do cinema chinês, que atualmente vem tratando mais de questões sociais e políticas em seus dramas, surge o jovem cineasta Gan Bi e seu impressionante LONGA JORNADA NOITE ADENTRO (2018), que pega emprestado o título da peça de Eugene O’Neill, embora não guarde muita relação. O título é explicativo quando entramos na segunda metade do filme, que usa um longo plano-sequência para nos levar para uma jornada noturna em busca de uma mulher. Por mais que a primeira parte seja hermética e por vezes confusa, uma vez que passamos por ela, somos tragados por uma das mais fascinantes viagens já mostradas pelo cinema.
A primeira parte lida com o tempo escorregadio e o caráter vago da memória. A memória de quase duas décadas, quando o protagonista Luo Hongwu (Jue Huang) conheceu uma mulher misteriosa, Wan Qiwen (a bela Wei Tang, de DESEJO E PERIGO). Fragmentos de memória parecem se juntar a imagens de ficção ou de sonhos, como que de um filme visto por Hongwu que talvez tenha se misturado às lembranças.
Em entrevista à revista Cinema Scope, de setembro de 2018, Gan Bi disse que sempre se sentiu em perigo durante as filmagens, como se ele sempre estivesse prestes a destruir o filme, a fazer alguma decisão errada, ou a destruir a si mesmo. Algo parecido pode ser refletido no espectador, como uma espécie de angústia, ao mesmo tempo em que a sensação de se perder na noite é extremamente excitante.
É como saber que se está em um sonho, mas que aquele espaço/tempo é o único possível para que o encontro daquele homem com a mulher de sua vida seja materializado. Embora a palavra matéria não seja exatamente algo que se possa pensar de uma obra tão pouco tangível. Lembrar do filme e dessas sensações que ele provoca é aumentar ainda mais o amor, o respeito e o fascínio por essa maravilha sombria e romântica, lindamente orquestrada por um cineasta que, em seu segundo longa-metragem, mostrou um virtuosismo impressionante.
O que dizer da cena do ping-pong com o garoto na mina? E da raquete mágica? E a do encontro com a garota da sinuca? E a conversa com a mulher da tocha? São cenas tão cheias de elementos oníricos fortes que nos arrebatam como poucos. E ainda por cima há todo um cuidado visual. Há o vestido verde de Wan Qiwen: sempre que a cor aparece nos lembramos dela. Há um cuidado todo especial com cada enquadramento, cores e cenário, mesmo sendo tudo tão sombrio e noturno. Meus amigos, estamos diante de um dos grandes filmes do novo século.
Um detalhe curioso da carreira comercial de LONGA JORNADA NOITE ADENTRO é que o filme teve uma campanha de marketing na China semelhante à de um blockbuster (há a utilização de tecnologia 3D na segunda metade em algumas salas, o que ajuda), mas que ocasionou muitas reclamações. Afinal, ninguém estava preparado para um filme de arte. Assim, houve uma saída em peso de pessoas no meio dessas sessões iniciais. Assim, o filme acabou faturando bastante no dia da abertura, embora tenha caído nos dias seguintes. Ou seja, parte do público foi enganado, mas nem por isso deixou de ser, ainda que não admita, privilegiado.
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YOUR NAME. (Kimi No Na Wa)
A trama desta bela animação lembra um pouco A CASA DO LAGO, de Alejandro Agresti. Começa com uma troca de corpos entre um menino e uma menina que moram em lugares diferentes do Japão. Ambos intervêm de alguma maneira na rotina do outro, da mesma forma que passam a conhecer a vida um do outro. Há uma reviravolta que eleva o filme e torna o que estava ficando repetitivo em algo valioso e urgente. Direção: Makoto Shinkai. Ano: 2016.
OS SONÂMBULOS
Acho importante que tenhamos filmes que discutam nossa situação política sombria, mas é ruim quando esses filmes têm uma linguagem um pouco mais próxima da audiência. Nada contra hermetismos, mas nesse caso aqui, dura quase duas horas e chega um momento que a narração tediosa convida ao sono. Além do mais, há o problema de o filme tratar de uma situação menos grave do Brasil, de quando o problema era apenas o país ter sido vítima de um golpe. Agora a situação é muito pior. Que novos filmes tenham a chance de falar a respeito. Direção: Tiago Mata Machado. Ano: 2018.
ALBATROZ
Não me lembro de ter visto na filmografia brasileiro um filme tão assumidamente lynchiano. Há referências explícitas a VELUDO AZUL e a trama é mais intrincada (deveria dizer, perdida, no caso) do que CIDADE DOS SONHOS e ESTRADA PERDIDA. É uma pena, pois a brincadeira começa até bem, mas vai se perdendo à medida que vai chegando perto da conclusão. Na verdade, bem antes disso. É bom que exista um filme como esse, um corpo estranho dentro de lançamentos brasileiros e num cinema de shopping, ainda por cima, mas que pena que um elenco tão legal tenha sido mal aproveitado em um enredo que apostou na confusão e achou que era o suficiente para ganhar o espectador que gosta de desafios. Direção: Daniel Augusto. Ano: 2019.
quinta-feira, maio 09, 2019
COMANDO NEGRO (Dark Command)
Que saudade do tempo em que eu conseguia fazer as chamadas peregrinações pelas obras de vários cineastas. Quem acompanhou este blog em seu auge deve lembrar do quanto eu me entusiasmei em ler e falar de obras de feras como Hitchcock, Ford, Hawks, Ray, Cukor, Truffaut, Rohmer. De preferência, de posse de um livro que abordasse suas obras, sejam livros de entrevistas ou livros de ensaios. Daí o livro Afinal, Quem Faz os Filmes, de Peter Bogdanovich, ser tão importante pra mim. Sabiam que até hoje não terminei de ler o livro, só porque quero ver os filmes dos diretores que são entrevistados? Um deles é Raoul Walsh, o sujeito que roubou o cadáver de um amigo apenas para assustar o outro. Pois é, em Hollywood tinha dessas coisas.
Conhecido como o cineasta aventureiro, Walsh poderia ser tão adorado quanto Ford, até por ter dirigido mais filmes do que ele, e também ter tantos clássicos de variados gêneros em sua filmografia. Vários de seus filmes da fase silenciosa estão infelizmente perdidos, mas como são 139 títulos (de acordo com o IMDB), incluindo curtas e longas, creio que nunca conseguirei terminar de ver todos os filmes dele, a não ser que me dedicasse exclusivamente a ele. Sem falar que alguns desses trabalhos muito provavelmente não estão disponíveis tão facilmente. Digo, aqueles que não são dados como perdidos.
Mas o importante é que um filme como COMANDO NEGRO (1940) está à disposição. Engraçado a minha história com essa obra. Tenho interesse em vê-lo desde que vi sendo destaque de uma sessão de lançamentos em VHS da revista SET. Na época, a crítica o colocou ao lado de JOHNNY GUITAR, de Nicholas Ray. E são filmes bem diferentes, na verdade, embora ambos sejam westerns.
Walsh dirigiu COMANDO NEGRO logo após o sucesso de público e crítica do drama criminal HERÓIS ESQUECIDOS (1939), uma belezura que marcou a safra rica dos filmes de gângster de Hollywood. E COMANDO NEGRO marca a reunião de Walsh com John Wayne, com quem trabalhou em um dos títulos mais famosos da fase inicial da carreira do caubói, A GRANDE JORNADA (1930). Aliás, foi Walsh quem praticamente criou John Wayne, que antes desse filme de 1930 ainda não tinha adotado o seu nome - ainda se chamava Marion Morrison, um nome feminino, mas seu nome de batismo.
Infelizmente a entrevista contida no livro de Bogdanovich não chega a iniciar a fase falada de Walsh. COMANDO NEGRO se passa em um momento anterior à Guerra Civil Americana, quando o personagem de Wayne, um caubói iletrado, chega a uma cidadezinha com seu amigo médico picareta, para ganhar algum dinheiro: Wayne bateria nos homens, que por sua vez, iriam arrancar o dente com o amigo dele. A trapaça deixaria de fazer parte da vida do protagonista no momento em que ele se tornaria o xerife eleito da cidade, vencendo o professor (Walter Pidgeon) que posteriormente se mostraria o verdadeiro vilão, ao começar a roubar e matar usando fardas de soldado da confederação quando a guerra eclode.
O motivo do herói ficar na cidade é um só: uma bela mulher (Claire Trevor), de família nobre, e que é constantemente convidada a se casar com o professor. Mas seu coração balança pelo charmoso iletrado de bom coração que chegou à cidade. Algo acontece que os afasta do casamento e a história se desenvolve com uma rapidez característica das obras de Walsh, um homem que provavelmente faria sucesso nos dias rápidos de hoje também.
Há quem diga que os heróis de Walsh são homens em crise pessoal, homens que não têm nada com o que se agarrar. O herói de COMANDO NEGRO surge assim. Porém, ele sente que tem algo a que se apegar quando se apaixona. E depois quando se dedica à profissão de homem da lei. É um homem que se reinventa de fato, como diz o crítico americano Dave Kehr no ensaio "Crisis, Compulsion, and Creation: Raoul Walsh’s Cinema of the Individual", um dos mais belos textos sobre a personalidade dos filmes do diretor.
+ TRÊS FILMES
DUMBO
Provavelmente seja um dos clássicos da Disney que mais envelheceu com o tempo. Feito após o sucesso de crítica de Fantasia, este filme tenta trabalhar com as possibilidades da animação sem necessariamente se preocupar tanto com a história, que aqui é um fiapo. Tanto que o filme só tem uma hora e poucos minutos de duração. A sequência em que Dumbo finalmente voa demora e eu esperava que fosse um pouco mais emocionante. Podiam ter explorado mais a tristeza da separação dele da mãe. E acho que os corvos hoje em dia talvez fosse uma escolha de gosto duvidoso, representado com vozes de negros. Mas, enfim, não deixa de ser um interessante retrato de uma época. Direção: Samuel Armstrong, Norman Ferguson, Wilfred Jackson, Jack Kinney, Bill Roberts, Ben Sharpsteen, John Eliotte. Ano: 1941.
PERSONA/QUANDO DUAS MULHERES PECAM (Persona)
Ver PERSONA no cinema não tem preço. Foi minha primeira vez, embora já tenha visto o filme em casa três vezes. Mas é um filme tão etéreo, tão pouco palpável, que é como se fosse um sonho que a gente esquece. Um sonho importante e de imagens poderosas. E de texto poderoso. Como Bergman conseguia isso?! É impressionante. Cada quadro, cada cena merece um estudo à parte. E que valorização dos rostos das mulheres! Não sei se outro diretor era capaz disso. Direção: Ingmar Bergman. Ano: 1966.
SEM LEI E SEM ALMA (Gunfight at the O.K. Corral)
Depois de ter visto o excelente A LEI DA FRONTEIRA, de Allan Dwan, fica difícil não fazer uma série de comparações com mais este filmes que trata de Wyatt Earp e Doc Holliday. Além de não trabalhar tão bem a amizade dos dois, o clímax chega a ser até enfadonho. O que eu mais gostei foi da parte técnica. A fotografia em technicolor é linda e a cópia em 720p dá uma dimensão do que deve ter sido ver esse filme no Vistavision, na época. Direção: John Sturges. Ano: 1957.
Conhecido como o cineasta aventureiro, Walsh poderia ser tão adorado quanto Ford, até por ter dirigido mais filmes do que ele, e também ter tantos clássicos de variados gêneros em sua filmografia. Vários de seus filmes da fase silenciosa estão infelizmente perdidos, mas como são 139 títulos (de acordo com o IMDB), incluindo curtas e longas, creio que nunca conseguirei terminar de ver todos os filmes dele, a não ser que me dedicasse exclusivamente a ele. Sem falar que alguns desses trabalhos muito provavelmente não estão disponíveis tão facilmente. Digo, aqueles que não são dados como perdidos.
Mas o importante é que um filme como COMANDO NEGRO (1940) está à disposição. Engraçado a minha história com essa obra. Tenho interesse em vê-lo desde que vi sendo destaque de uma sessão de lançamentos em VHS da revista SET. Na época, a crítica o colocou ao lado de JOHNNY GUITAR, de Nicholas Ray. E são filmes bem diferentes, na verdade, embora ambos sejam westerns.
Walsh dirigiu COMANDO NEGRO logo após o sucesso de público e crítica do drama criminal HERÓIS ESQUECIDOS (1939), uma belezura que marcou a safra rica dos filmes de gângster de Hollywood. E COMANDO NEGRO marca a reunião de Walsh com John Wayne, com quem trabalhou em um dos títulos mais famosos da fase inicial da carreira do caubói, A GRANDE JORNADA (1930). Aliás, foi Walsh quem praticamente criou John Wayne, que antes desse filme de 1930 ainda não tinha adotado o seu nome - ainda se chamava Marion Morrison, um nome feminino, mas seu nome de batismo.
Infelizmente a entrevista contida no livro de Bogdanovich não chega a iniciar a fase falada de Walsh. COMANDO NEGRO se passa em um momento anterior à Guerra Civil Americana, quando o personagem de Wayne, um caubói iletrado, chega a uma cidadezinha com seu amigo médico picareta, para ganhar algum dinheiro: Wayne bateria nos homens, que por sua vez, iriam arrancar o dente com o amigo dele. A trapaça deixaria de fazer parte da vida do protagonista no momento em que ele se tornaria o xerife eleito da cidade, vencendo o professor (Walter Pidgeon) que posteriormente se mostraria o verdadeiro vilão, ao começar a roubar e matar usando fardas de soldado da confederação quando a guerra eclode.
O motivo do herói ficar na cidade é um só: uma bela mulher (Claire Trevor), de família nobre, e que é constantemente convidada a se casar com o professor. Mas seu coração balança pelo charmoso iletrado de bom coração que chegou à cidade. Algo acontece que os afasta do casamento e a história se desenvolve com uma rapidez característica das obras de Walsh, um homem que provavelmente faria sucesso nos dias rápidos de hoje também.
Há quem diga que os heróis de Walsh são homens em crise pessoal, homens que não têm nada com o que se agarrar. O herói de COMANDO NEGRO surge assim. Porém, ele sente que tem algo a que se apegar quando se apaixona. E depois quando se dedica à profissão de homem da lei. É um homem que se reinventa de fato, como diz o crítico americano Dave Kehr no ensaio "Crisis, Compulsion, and Creation: Raoul Walsh’s Cinema of the Individual", um dos mais belos textos sobre a personalidade dos filmes do diretor.
+ TRÊS FILMES
DUMBO
Provavelmente seja um dos clássicos da Disney que mais envelheceu com o tempo. Feito após o sucesso de crítica de Fantasia, este filme tenta trabalhar com as possibilidades da animação sem necessariamente se preocupar tanto com a história, que aqui é um fiapo. Tanto que o filme só tem uma hora e poucos minutos de duração. A sequência em que Dumbo finalmente voa demora e eu esperava que fosse um pouco mais emocionante. Podiam ter explorado mais a tristeza da separação dele da mãe. E acho que os corvos hoje em dia talvez fosse uma escolha de gosto duvidoso, representado com vozes de negros. Mas, enfim, não deixa de ser um interessante retrato de uma época. Direção: Samuel Armstrong, Norman Ferguson, Wilfred Jackson, Jack Kinney, Bill Roberts, Ben Sharpsteen, John Eliotte. Ano: 1941.
PERSONA/QUANDO DUAS MULHERES PECAM (Persona)
Ver PERSONA no cinema não tem preço. Foi minha primeira vez, embora já tenha visto o filme em casa três vezes. Mas é um filme tão etéreo, tão pouco palpável, que é como se fosse um sonho que a gente esquece. Um sonho importante e de imagens poderosas. E de texto poderoso. Como Bergman conseguia isso?! É impressionante. Cada quadro, cada cena merece um estudo à parte. E que valorização dos rostos das mulheres! Não sei se outro diretor era capaz disso. Direção: Ingmar Bergman. Ano: 1966.
SEM LEI E SEM ALMA (Gunfight at the O.K. Corral)
Depois de ter visto o excelente A LEI DA FRONTEIRA, de Allan Dwan, fica difícil não fazer uma série de comparações com mais este filmes que trata de Wyatt Earp e Doc Holliday. Além de não trabalhar tão bem a amizade dos dois, o clímax chega a ser até enfadonho. O que eu mais gostei foi da parte técnica. A fotografia em technicolor é linda e a cópia em 720p dá uma dimensão do que deve ter sido ver esse filme no Vistavision, na época. Direção: John Sturges. Ano: 1957.
quarta-feira, maio 01, 2019
EM TRÂNSITO (Transit)
Alguns dos trabalhos dos grandes autores do cinema já têm em seu primeiro filme a semente do que veríamos quando o referido autor se torna um dos grandes. É o que acontece quando vemos, por exemplo, PINOTINNEN (1995), primeiro longa-metragem de Christian Petzold, feito para a televisão. Esse filme já antecipava o que veríamos em obras mais consagradas do cineasta, como a chamada trilogia do amor em tempos de sistemas opressivos, composta por BARBARA (2012), PHOENIX (2014) e o novo EM TRÂNSITO (2018).
O novo filme, inclusive, retoma o cenário dos personagens tristes e largados em cafés como ponto de partida, como podemos ver tanto no primeiro filme quanto no segundo, CUBA LIBRE (1996). Nesse segundo filme, aliás, também temos personagens em busca de lugares que sirvam como oásis para sua vida fracassada. Também como os primeiros filmes, EM TRÂNSITO tem um aspecto mais ensolarado no modo como destaca as principais cenas à luz do dia, contrastando com a ideia de que se trata de uma espécie de film noir, com vários elementos desse subgênero que teve o seu auge nas décadas de 1940 e 50, inclusive com o uso de uma voice-over, ainda que em terceira pessoa, dando um ar de fábula à narrativa.
Engraçado que quando comecei a ver o filme, talvez influenciado por alguma sinopse, jurava que se tratava de um drama de época. Mais especificamente nos tempos da ocupação alemã na França, durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, só fui perceber que aquilo ali estava mais para uma distopia se passando numa espécie de presente ou futuro próximo depois de ver pequenas coisas mais modernas, como um telão de LED, e depois os carros, que não tinham nada de exemplares dos anos 40.
Como atualmente vivemos um período de ascensão da extrema direita e do neonazismo e também um momento de falta de sensibilidade para com os refugiados, vistos como ameaças por muitos, é fácil estabelecer uma conexão entre o filme e este mundo ensolarado para uns, mas bem triste para os demais, com a série crescente de absurdos acontecendo de modo que a cada dia fiquemos acostumados à violência. Há uma cena no filme em que os alemães buscam uma mulher refugiada de um apartamento e arrastam-na pelo corredor enquanto várias pessoas apenas testemunham, de certa forma aliviadas por aquilo não estar acontecendo com elas.
E até agora não falei do fio condutor principal, que faz do filme um melodrama. Temos a história de Georg (Franz Rogowski, ator que lembra fisicamente Joaquin Phoenix), um homem que vive uma vida despida de muito sentido. Quando ele entra em um apartamento e se apossa dos manuscritos e dos documentos de um escritor que cometeu suicídio, aquilo posteriormente será a chance para que ele mude de identidade e finalmente possa ir embora para outro lugar do mundo - o México ou os Estados Unidos.
Mas o grande impulso para Georg está em ter se apaixonado por uma mulher (Paula Beer, de FRANTZ), que embora viva com outro homem, tem como meta de vida encontrar o marido desaparecido. O peso do filme no triângulo amoroso confere à obra um tom mais universal, embora se distancie bastante das histórias de amor mais usuais. Petzold ainda prefere apostar na melancolia de personagens à deriva desse novo velho mundo do início do novo milênio.
+ TRÊS FILMES
PILOTINNEN
É muito interessante descobrir as obras iniciais de um cineasta que agora está no seu auge. No caso de Christian Petzold, ele começou de maneira bem modesta mesmo: primeiro com vídeo e depois com uma série de filmes para a TV. Este foi o primeiro desses filmes. A narrativa é ágil, mas às vezes parece falhar em alguns momentos, como nas más explicações dos relacionamentos das duas mulheres e seus homens. Mas acho que deve ser proposital isso, já que os caras são mesmo uns pulhas. Ano: 1995.
FAMÍLIA SUBMERSA (Familia Sumergida)
Eis um filme que é um exemplo de resistência. Mais exatamente de resistência para quem assiste. Do público presente na sessão, mais da metade saiu no meio. Achei complicado o meu envolvimento com o drama da personagem de Mercedes Morán, que é ótima sim, mas devido aos experimentalismos deste trabalho o impacto de seu sofrimento parece confuso. Há um flerte com o cinema de horror em alguns momentos, com as imagens de possíveis fantasmas vistos por ela, mas isso também tem pouco impacto na criação de uma atmosfera de medo ou estranheza. Lembrei um pouco de alguns trabalhos de Lucrécia Martel, que também costumam me incomodar. Não por acaso a diretora foi atriz de A MENINA SANTA, de Martel. Direção: María Alché. Ano: 2018.
AYKA
Mais um desses filmes que exageram na dose do "quanto mais desgraça melhor". Mas ao menos este aqui não utiliza de música ao fundo para puxar à força a tristeza. Por isso o sucesso de premiações do filme, que tem destacado a atuação da protagonista. Até por ela estar tão presente no filme, inclusive nos momentos mais íntimos de sua rotina sofrida. Vemos aqui a história de uma imigrante clandestina que foge de uma maternidade depois de ter a criança e está devendo dinheiro à máfia, tendo que trabalhar em empregos pouco atraentes para conseguir sobreviver. Direção: Sergei Dvortsevoy. Ano: 2018.
O novo filme, inclusive, retoma o cenário dos personagens tristes e largados em cafés como ponto de partida, como podemos ver tanto no primeiro filme quanto no segundo, CUBA LIBRE (1996). Nesse segundo filme, aliás, também temos personagens em busca de lugares que sirvam como oásis para sua vida fracassada. Também como os primeiros filmes, EM TRÂNSITO tem um aspecto mais ensolarado no modo como destaca as principais cenas à luz do dia, contrastando com a ideia de que se trata de uma espécie de film noir, com vários elementos desse subgênero que teve o seu auge nas décadas de 1940 e 50, inclusive com o uso de uma voice-over, ainda que em terceira pessoa, dando um ar de fábula à narrativa.
Engraçado que quando comecei a ver o filme, talvez influenciado por alguma sinopse, jurava que se tratava de um drama de época. Mais especificamente nos tempos da ocupação alemã na França, durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, só fui perceber que aquilo ali estava mais para uma distopia se passando numa espécie de presente ou futuro próximo depois de ver pequenas coisas mais modernas, como um telão de LED, e depois os carros, que não tinham nada de exemplares dos anos 40.
Como atualmente vivemos um período de ascensão da extrema direita e do neonazismo e também um momento de falta de sensibilidade para com os refugiados, vistos como ameaças por muitos, é fácil estabelecer uma conexão entre o filme e este mundo ensolarado para uns, mas bem triste para os demais, com a série crescente de absurdos acontecendo de modo que a cada dia fiquemos acostumados à violência. Há uma cena no filme em que os alemães buscam uma mulher refugiada de um apartamento e arrastam-na pelo corredor enquanto várias pessoas apenas testemunham, de certa forma aliviadas por aquilo não estar acontecendo com elas.
E até agora não falei do fio condutor principal, que faz do filme um melodrama. Temos a história de Georg (Franz Rogowski, ator que lembra fisicamente Joaquin Phoenix), um homem que vive uma vida despida de muito sentido. Quando ele entra em um apartamento e se apossa dos manuscritos e dos documentos de um escritor que cometeu suicídio, aquilo posteriormente será a chance para que ele mude de identidade e finalmente possa ir embora para outro lugar do mundo - o México ou os Estados Unidos.
Mas o grande impulso para Georg está em ter se apaixonado por uma mulher (Paula Beer, de FRANTZ), que embora viva com outro homem, tem como meta de vida encontrar o marido desaparecido. O peso do filme no triângulo amoroso confere à obra um tom mais universal, embora se distancie bastante das histórias de amor mais usuais. Petzold ainda prefere apostar na melancolia de personagens à deriva desse novo velho mundo do início do novo milênio.
+ TRÊS FILMES
PILOTINNEN
É muito interessante descobrir as obras iniciais de um cineasta que agora está no seu auge. No caso de Christian Petzold, ele começou de maneira bem modesta mesmo: primeiro com vídeo e depois com uma série de filmes para a TV. Este foi o primeiro desses filmes. A narrativa é ágil, mas às vezes parece falhar em alguns momentos, como nas más explicações dos relacionamentos das duas mulheres e seus homens. Mas acho que deve ser proposital isso, já que os caras são mesmo uns pulhas. Ano: 1995.
FAMÍLIA SUBMERSA (Familia Sumergida)
Eis um filme que é um exemplo de resistência. Mais exatamente de resistência para quem assiste. Do público presente na sessão, mais da metade saiu no meio. Achei complicado o meu envolvimento com o drama da personagem de Mercedes Morán, que é ótima sim, mas devido aos experimentalismos deste trabalho o impacto de seu sofrimento parece confuso. Há um flerte com o cinema de horror em alguns momentos, com as imagens de possíveis fantasmas vistos por ela, mas isso também tem pouco impacto na criação de uma atmosfera de medo ou estranheza. Lembrei um pouco de alguns trabalhos de Lucrécia Martel, que também costumam me incomodar. Não por acaso a diretora foi atriz de A MENINA SANTA, de Martel. Direção: María Alché. Ano: 2018.
AYKA
Mais um desses filmes que exageram na dose do "quanto mais desgraça melhor". Mas ao menos este aqui não utiliza de música ao fundo para puxar à força a tristeza. Por isso o sucesso de premiações do filme, que tem destacado a atuação da protagonista. Até por ela estar tão presente no filme, inclusive nos momentos mais íntimos de sua rotina sofrida. Vemos aqui a história de uma imigrante clandestina que foge de uma maternidade depois de ter a criança e está devendo dinheiro à máfia, tendo que trabalhar em empregos pouco atraentes para conseguir sobreviver. Direção: Sergei Dvortsevoy. Ano: 2018.