quarta-feira, maio 01, 2019

EM TRÂNSITO (Transit)

Alguns dos trabalhos dos grandes autores do cinema já têm em seu primeiro filme a semente do que veríamos quando o referido autor se torna um dos grandes. É o que acontece quando vemos, por exemplo, PINOTINNEN (1995), primeiro longa-metragem de Christian Petzold, feito para a televisão. Esse filme já antecipava o que veríamos em obras mais consagradas do cineasta, como a chamada trilogia do amor em tempos de sistemas opressivos, composta por BARBARA (2012), PHOENIX (2014) e o novo EM TRÂNSITO (2018).

O novo filme, inclusive, retoma o cenário dos personagens tristes e largados em cafés como ponto de partida, como podemos ver tanto no primeiro filme quanto no segundo, CUBA LIBRE (1996). Nesse segundo filme, aliás, também temos personagens em busca de lugares que sirvam como oásis para sua vida fracassada. Também como os primeiros filmes, EM TRÂNSITO tem um aspecto mais ensolarado no modo como destaca as principais cenas à luz do dia, contrastando com a ideia de que se trata de uma espécie de film noir, com vários elementos desse subgênero que teve o seu auge nas décadas de 1940 e 50, inclusive com o uso de uma voice-over, ainda que em terceira pessoa, dando um ar de fábula à narrativa.

Engraçado que quando comecei a ver o filme, talvez influenciado por alguma sinopse, jurava que se tratava de um drama de época. Mais especificamente nos tempos da ocupação alemã na França, durante a Segunda Guerra Mundial. Porém, só fui perceber que aquilo ali estava mais para uma distopia se passando numa espécie de presente ou futuro próximo depois de ver pequenas coisas mais modernas, como um telão de LED, e depois os carros, que não tinham nada de exemplares dos anos 40.

Como atualmente vivemos um período de ascensão da extrema direita e do neonazismo e também um momento de falta de sensibilidade para com os refugiados, vistos como ameaças por muitos, é fácil estabelecer uma conexão entre o filme e este mundo ensolarado para uns, mas bem triste para os demais, com a série crescente de absurdos acontecendo de modo que a cada dia fiquemos acostumados à violência. Há uma cena no filme em que os alemães buscam uma mulher refugiada de um apartamento e arrastam-na pelo corredor enquanto várias pessoas apenas testemunham, de certa forma aliviadas por aquilo não estar acontecendo com elas.

E até agora não falei do fio condutor principal, que faz do filme um melodrama. Temos a história de Georg (Franz Rogowski, ator que lembra fisicamente Joaquin Phoenix), um homem que vive uma vida despida de muito sentido. Quando ele entra em um apartamento e se apossa dos manuscritos e dos documentos de um escritor que cometeu suicídio, aquilo posteriormente será a chance para que ele mude de identidade e finalmente possa ir embora para outro lugar do mundo - o México ou os Estados Unidos.

Mas o grande impulso para Georg está em ter se apaixonado por uma mulher (Paula Beer, de FRANTZ), que embora viva com outro homem, tem como meta de vida encontrar o marido desaparecido. O peso do filme no triângulo amoroso confere à obra um tom mais universal, embora se distancie bastante das histórias de amor mais usuais. Petzold ainda prefere apostar na melancolia de personagens à deriva desse novo velho mundo do início do novo milênio.

+ TRÊS FILMES

PILOTINNEN

É muito interessante descobrir as obras iniciais de um cineasta que agora está no seu auge. No caso de Christian Petzold, ele começou de maneira bem modesta mesmo: primeiro com vídeo e depois com uma série de filmes para a TV. Este foi o primeiro desses filmes. A narrativa é ágil, mas às vezes parece falhar em alguns momentos, como nas más explicações dos relacionamentos das duas mulheres e seus homens. Mas acho que deve ser proposital isso, já que os caras são mesmo uns pulhas. Ano: 1995.

FAMÍLIA SUBMERSA (Familia Sumergida)

Eis um filme que é um exemplo de resistência. Mais exatamente de resistência para quem assiste. Do público presente na sessão, mais da metade saiu no meio. Achei complicado o meu envolvimento com o drama da personagem de Mercedes Morán, que é ótima sim, mas devido aos experimentalismos deste trabalho o impacto de seu sofrimento parece confuso. Há um flerte com o cinema de horror em alguns momentos, com as imagens de possíveis fantasmas vistos por ela, mas isso também tem pouco impacto na criação de uma atmosfera de medo ou estranheza. Lembrei um pouco de alguns trabalhos de Lucrécia Martel, que também costumam me incomodar. Não por acaso a diretora foi atriz de A MENINA SANTA, de Martel. Direção: María Alché. Ano: 2018.

AYKA

Mais um desses filmes que exageram na dose do "quanto mais desgraça melhor". Mas ao menos este aqui não utiliza de música ao fundo para puxar à força a tristeza. Por isso o sucesso de premiações do filme, que tem destacado a atuação da protagonista. Até por ela estar tão presente no filme, inclusive nos momentos mais íntimos de sua rotina sofrida. Vemos aqui a história de uma imigrante clandestina que foge de uma maternidade depois de ter a criança e está devendo dinheiro à máfia, tendo que trabalhar em empregos pouco atraentes para conseguir sobreviver. Direção: Sergei Dvortsevoy. Ano: 2018.

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