quinta-feira, maio 16, 2019

A GAROTA DE LUGAR NENHUM (La Fille de Nulle Part)

Faleceu no último sábado, 11, Jean-Claude Brisseau, 74, um dos cineastas mais brilhantes surgidos nas últimas quatro décadas, ainda que sua popularidade seja restrita a um círculo relativamente pequeno de apreciadores de cinema. O filme que escolhi para ver em sua homenagem foi um de seus últimos trabalhos, A GAROTA DE LUGAR NENHUM (2012), que até tem um sabor de filme-despedida, ao mesmo tempo em que é também um trabalho de satisfação no fim da vida.

Há uma série de questões filosóficas que são discutidas, inclusive de natureza judaico-cristãs, e há também um namoro com o sobrenatural, coisa que já havia sido abordada fortemente no anterior ERÓTICA AVENTURA (2008). Aqui, diferente do anterior, porém, o erotismo é praticamente deixado de lado. O que combina com a proposta do filme, mas ligado à filosofia, ao misticismo e às angústias existenciais (fala-se tanto nas possibilidades de comunicação com os mortos quanto em reencarnação).

Assim como em OS ANJOS EXTERMINADORES (2006), há algo hostil que ronda o protagonista, Michel Deviliers, vivido pelo próprio Brisseau. Fenômenos paranormais passam a acontecer em sua residência (a locação é o próprio apartamento do cineasta) a partir do momento em que ele abriga uma garota que estava sendo agredida em seu prédio. Dora (Virginie Legeay), a jovem, traz para aquele velho e amargurado professor mais gosto pela vida, embora a relação entre os dois seja mais de pai e filha, devido principalmente à grande diferença de idade.

Solitário, mas bastante à vontade com a própria solidão, tendo os estudos como aliado, principalmente depois da morte da esposa, Deviliers passa a perceber em Dora alguém com quem ele pode compartilhar seus pensamentos, que estão sendo transpostos para um livro, bem como ajudá-lo a se sentir menos só. Os diálogos entre os dois são tão ricos e densos que seria interessante parar o filme em determinados momentos para anotar e refletir a respeito de certas questões.

Algumas cenas são particularmente marcantes, seja do ponto de vista da ternura, como em uma cena aparentemente independente da trama principal, que mostra uma ex-aluna de Deviliers abordando-o na rua para agradecê-lo por ter sido tão importante para que ela abrisse os olhos para o cinema e para as artes; seja do ponto de vista do medo, como na cena do fantasma com uma faca na mão adentrando o quarto do protagonista. Há também uma muito interessante cena de sessão espírita que pode assombrar espectadores mais impressionados. Momentos marcantes não faltam para ficar na memória neste penúltimo filme de Brisseau.

+ TRÊS FILMES

VARDA POR AGNÈS (Varda par Agnès)

Seria muito bom se cada grande cineasta pudesse fazer em vida o que a Agnès Varda fez aqui, aos 90 anos, e perfeitamente lúcida e bem-humorada: fazer um balanço de sua carreira e de suas obsessões como artista. No caso de Varda, hoje considerada a maior das cineastas mulheres de todos os tempos, ela prefere contar sua história como diretora - e também como mulher - como num fluxo de consciência, não exatamente seguindo uma ordem cronológica. Assim o filme segue numa linha narrativa muito bonita. Uma pena que até entre os estudantes de cinema presentes em sua palestra, apenas alguns "gatos pingados" viram seu filme mais conhecido, CLÉO DAS 5 ÀS 7 (1962). Há muito a se descobrir, portanto. Falo por mim também, que só vi três de seus filmes. Ano: 2019.

SUPREMA (On the Basis of Sex)

Certas histórias merecem ser contadas e ao final da sessão em que estive houve até salva de palmas, mas uma pena que a história de Ruth Bader Ginburg tenha resultado em um filme tão quadradinho e monótono. A força está basicamente na protagonista e em sua luta para conquistar a igualdade de gênero nos Estados Unidos, ela que sofreu preconceito sendo mulher na faculdade de Direito em Harvard. Direção: Mimi Leder. Ano: 2018.

DIE BEISCHLAFDIEBIN

Terceiro trabalho de Christian Petzold para a televisão e que continuava sua obsessão por mostrar pessoas marginais em busca de um escape para a vida. Aqui acompanhamos uma mulher que ganha a vida executando golpes em homens durante primeiros encontros em bares e hotéis. O filme cresce quando ela parte para a casa da irmã e ocorre um dinamismo interessante entre as duas, que são bem diferentes. Há um misto de melodrama com algo próximo de UM CORPO QUE CAI, que seria algo que o diretor trabalharia em PHOENIX (2014) no futuro. Ano: 1998.

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