sexta-feira, julho 31, 2015
O GORILA
Um cinema brasileiro muito especial segue praticamente invisível em nosso circuito. Por isso é preciso olhar com carinho para a nossa cinematografia que, contrariando o que pode parecer para muitos, está sim passando por uma excelente fase criativa.
Um exemplo disso é o sensacional O GORILA (2012), de José Eduardo Belmonte. Trata-se, muito provavelmente, do melhor trabalho do cineasta brasiliense. Nem o trailer nem muito menos o cartaz ou o título oferecem a dimensão do que o filme oferece, com seu flerte com o gênero suspense, enquanto conta também uma história de solidão. Uma solidão também sentida e refletida, de modo solidário ao protagonista, pelos poucos (e privilegiados) presentes à sessão.
Na trama, que se passa provavelmente na década de 1990, Otávio Müller é um ex-dublador que se aposenta precocemente por causa de um grave problema nos dentes. Sentindo-se sozinho e evitando se socializar, ele cria um personagem para diminuir sua solidão, bem como trazer um pouco de alegria para aquelas (e aquele) para quem ele liga usando o codinome "Gorila". Com sua voz aveludada, ele conquista quem está do outro lado da linha.
Sua brincadeira é perturbada quando alguém liga para ele anonimamente lhe pedindo ajuda. A inversão de papéis o incomoda, ainda mais quando, pelo menos aparentemente, deixa de ser um simples trote e se torna um evento especialmente perturbador em sua vida. Isso faria com que o pano que cobria o Gorila daqueles a quem ele ligava começasse a cair.
Alessandra Negrini interpreta a mais adorável das moças para quem ele liga anonimamente. E a brincadeira de ela usar também um pseudônimo (Rosalinda) acaba acentuando essa impressão. Sem falar que a atriz, com sua beleza e o fascínio que geralmente nos causa, consegue facilmente simbolizar o exemplo de amor perfeito. Ou algo próximo disso, ao menos.
Acontece que Afrânio, o nome verdadeiro do Gorila, não tem a imagem de nenhum príncipe encantado ou algo do tipo. Mais um dos motivos de ele se esconder em sua voz – o jeito como o personagem de Eucir de Souza, o gay enrustido – o descreve é exemplar desse tipo de dissonância do que se imagina e do que se é. Mas nada nos prepara para uma das cenas de encontro entre Afrânio e Cíntia, vivida por Mariana Ximenes. A atriz continua tendo um sex appeal fenomenal. E usa-o a seu favor, para a construção de sua personagem.
O mix de sentimentos que O GORILA passa faz transbordar as emoções do espectador, seja utilizando uma trilha de suspense quando o personagem parece saído de uma obra de Franz Kafka, seja quando o filme também lida com os sentimentos de Afrânio, uma figura de fácil identificação para quem experimenta com certa frequência a solidão. É, possivelmente, o personagem da vida de Otávio Müller, que já havia trabalhado com Belmonte em BILLI PIG (2012) e ALEMÃO (2014), que na verdade, foi filmado depois.
Quanto ao final, ele serve para coroar a obra com uma beleza inenarrável, criando uma sensação contraditória que só faz o filme crescer no pensamento. Dá até vontade de conhecer a novela de Sérgio Sant'Anna, que deu origem ao filme, e que está presente no livro O Voo da Madrugada. Lembrando que Sant'Anna é também autor de outra obra que rendeu uma adaptação belíssima: CRIME DELICADO (2005), de Beto Brant.
quinta-feira, julho 30, 2015
SOBRENATURAL – A ORIGEM (Insidious – Chapter 3)
Poderíamos dizer que faltou a mão boa de James Wan, diretor de SOBRENATURAL (2010) e SOBRENATURAL – CAPÍTULO 2 (2013) para que o prequel SOBRENATURAL – A ORIGEM (2015) atingisse o mesmo nível de qualidade. Mas há que se também culpar o próprio roteiro, que não chega a ser inventivo quanto os anteriores. A única novidade mesmo é a forma como o demônio da vez se apresenta para assombrar outra família.
Assim, SOBRENATURAL – A ORIGEM acaba se sustentando bastante nos sustos e nas tentativas de utilizar os clichês a seu favor, como em uma cena tão emblemática de filmes de assombração como o momento em que a personagem olha para debaixo da cama. O que tem debaixo da cama deve ter feito parte do medo de quase toda criança em algum momento e talvez por isso seja tão usada nesse tipo de filme.
Este terceiro exemplar da franquia, assinado pelo roteirista dos anteriores Leigh Whannell, acompanha a história de uma adolescente, Quinn Brenner (Stefanie Scott), que, ao tentar contato com sua falecida mãe, acaba por atrair uma entidade maligna e poderosa, que quer matá-la e se apossar de sua alma. Ela pede ajuda à médium Lindsay Seim (Lin Shaye), a principal chave entre este prequel e os filmes anteriores – ou narrativas posteriores, no caso.
Lindsay se mostra relutante. Pretende deixar de usar o seu dom, pois da última vez, ao tentar usá-lo para entrar em contato com o falecido esposo, acabou por trazer consigo uma entidade que jurou matá-la. Enquanto a jovem Quinn sofre os ataques do demônio, Lindsay vai aos poucos tentando criar coragem para ajudá-la.
Alguns momentos são particularmente bons e surpreendentes. E por isso não é interessante revelá-los aqui - refiro-me a um dos primeiros incidentes com Quinn. A entrada de Lindsay no mundo das trevas para salvar Quinn também é bem interessante, embora não cause nem o mesmo medo nem o mesmo fascínio que provocam os títulos anteriores. O diretor/roteirista acaba optando por um alívio cômico, tanto na figura dos dois caça-fantasmas, quanto em determinado momento do embate de Lindsay com uma entidade maligna.
Ainda assim, não deixa de ser um fechamento relativamente digno para uma das melhores franquias de terror desta década, ao se esquivar de trazer de volta a família Lambert e procurar uma aventura diferente usando uma personagem que agradou o público, como a médium Lindsay. Pode até ser uma sequência caça-níquel, mas diante do atual cenário do gênero esta produção acaba sendo até que bem-vinda.
terça-feira, julho 28, 2015
NOSFERATU – O VAMPIRO DA NOITE (Nosferatu: Phantom der Nacht / Nosferatu the Vampyre)
Muito interessante este NOSFERATU - O VAMPIRO DA NOITE (1979), remake que Werner Herzog, muito corajosamente, fez do clássico NOSFERATU (1922), de F.W. Murnau. Klaus Kinski ficou perfeito como a criatura sugadora de sangue e Isabelle Adjani está linda como Lucy, com a pele tão alva quanto a pele branca do vampiro. A cor de sua pele pode até sugerir uma tentativa de trazer à personagem a pureza necessária para se sacrificar a fim de destruir o monstro, embora, no fim, provavelmente devido à mudança dos tempos, ela não pareça tão pura quanto a protagonista do filme de Murnau.
Já Bruno Ganz, na pele de Jonathan Harker (desta vez não houve problema em utilizar os nomes dos personagens do livro de Bram Stoker), pareceu um tanto velho para o papel, embora isso não seja necessariamente um grande problema. Só me ocorreu que, de alguma maneira, ele não seria a pessoa adequada. Acho que fiquei pensando, inconscientemente, em seu papel em A QUEDA! AS ÚLTIMAS HORAS DE HITLER, ou outro filme que tenha feito.
De todo modo, pode-se dizer que a recriação de Herzog, apesar de dar um final diferente do original e ainda não muito satisfatório, foi bem-sucedida. Deixa mais claras algumas coisas que ficam no ar no filme mudo e há pelo menos uma cena digna de figurar entre as mais belas e sinistras que já vi em filmes de vampiros: o momento em que Drácula entra furtivamente no quarto de Lucy e não vemos seu reflexo no espelho, mas a sombra na parede. Depois ele aparece ao lado. Sequência fantástica.
A ideia de usar alho para imobilizar Jonathan funciona até certo ponto. Não sei se consta no romance de Stoker. Mas o problema que vejo do filme é o mesmo que vejo com o de Murnau, ou seja, por trazer uma história já vista, ainda que de outras maneiras, em outros filmes, a novidade acaba ficando por conta dos detalhes. No caso deste filme, em particular, há a comparação direta com o trabalho que ele reflete.
As sombras do expressionismo alemão são também usadas e homenageadas por Herzog, embora aqui haja a cor, e com ela vem o sangue vermelho, que já, àquela altura, fora bastante explorado nas produções da Hammer. De todo modo, embora não seja um filme assustador, há algo de inquietante e momentos bem inspirados que valem bastante a conferida. Até porque Herzog não é um cineasta qualquer.
segunda-feira, julho 27, 2015
12 CURTAS VISTOS NO CINE CEARÁ
Devia ter feito isso antes. Agora que já está com um mês do evento, mal consigo lembrar da maior parte dos curtas vistos na 25ª edição do Cine Ceará. Mas como me obrigo a escrever sobre tudo que vejo, vamos ver se dá pra sair alguma coisa, puxando pela memória.
MÓVEIS ADEGUER (Muebles Adeguer)
Foi o único curta da mostra dedicada ao cinema espanhol que eu vi e infelizmente não me fisgou. Na verdade, MÓVEIS ADEGUER (2015), de Irene M. Borrego, é aquele tipo de filme que termina e a gente fica sem entender o que acabou de ver. Vemos imagens de pessoas trabalhando numa loja de móveis, fazendo coisas comuns e nada mais. Logo, há algo que perdi no meio disso tudo. Eis um dos problemas dos curtas: muitas vezes, basta piscar para sequer deixar de entender uma suposta intenção do realizador.
KYOTO
Um dos meus favoritos dentre os que vi, KYOTO (2014, foto), de Deborah Viegas, é mais um filme que trafega pelo gênero fantástico, coisa que tem sido feita com muita propriedade por vários novos realizadores, o que muito me alegra. Em KYOTO, acompanhamos uma garotinha que tem uma tarefa de casa a cumprir: escrever uma redação sobre suas férias. Acontece que ela diz que foi a Kyoto e a professora devolve, querendo que ela escreva sobre coisas reais. Há uma atmosfera bem interessante no ar e um cuidado com o que é mostrado e o que não é mostrado, conferindo ao filme uma simplicidade e ao mesmo tempo um rigor muito interessante. Sem falar no arrepio que pode causar na plateia.
MIRAGEM
É talvez o caso de reavaliar o filme e ver com mais carinho. Trata-se do principal representante cearense da premiação dos curtas e o que mais saiu com prêmios dedicados a produções da terra. MIRAGEM (2014), de Virgínia Pinho, é experimental, brinca com sobreposição de imagens, usa voice-over, mostra a geografia de Fortaleza, e para o que se propõe, isto é, não ter exatamente um fim narrativo especificamente, deve ser visto de maneira diferente.
QUINTAL
Como eu mesmo falei ao próprio diretor ao final da noite, QUINTAL (2015) fez a alegria daquela noite no Cine São Luiz. Trata-se do mais novo trabalho de André Novais Oliveira, e o cineasta mineiro aproveita novamente o bem-sucedido trabalho com seus pais em ELA VOLTA NA QUINTA (2014) para construir com muito bom humor uma história envolvendo uma espécie de fenda extradimensional que muda a rotina de seus pais. Impagável o momento em que o Seu Norberto está ocupado vendo filmes pornôs e a mãe pede ajuda.
MICRO-MACRO
Diego Akel brinca novamente com as possibilidades que o movimento pode proporcionar. Diferente de FLUXOS (2014) e LINHAS E ESPIRAIS (2009), em que foi utilizada animação em stop-motion, o novo MICRO-MACRO (2015) foi feito sem ter dado muito trabalho ao realizador. Utilizando o seu aparelho celular, ele constrói uma sucessão de imagens que não necessariamente precisam ter um sentido. Ou tem, dependendo da livre interpretação do espectador.
AVENIDA PRESIDENTE KENNEDY
O documentário de Adalberto Oliveira aborda a rotina de uma das mais importantes avenidas de Recife. AVENIDA PRESIDENTE KENNEDY (2014) possui um formato que mistura reportagem jornalística com algo de experimental, o que o torna interessante, embora as imagens que mostram pessoas acorrentadas em ônibus possa ser uma metáfora um tanto óbvia.
HISTÓRIA DE ABRAIM
Muito bonito plasticamente, com sua fotografia em preto e branco e enquadramento estático de uma casa de taipa e nada mais, ouvimos o som do diretor Otavio Cury entrevistando um homem que trabalha com cajus. É muito bonito e agradável ouvir o som do vento sem precisar imaginar o que se passa no extracampo. A sinopse de HISTÓRIA DE ABRAIM (2015) já chama a atenção: "Abraim foi trocado por uma vaca". Daí pra esperar o que virá do belo diálogo entre um homem simples e um cineasta vindo de São Paulo.
FLORES
Primeiro dos curtas de Armando Praça e Janaína Marques apresentado na noite, FLORES (2015) nos apresenta a um velho e sua neta a caminho de um simples cemitério da cidadezinha. A narrativa não tem pressa para chegar ao local, toma o ritmo do senhor, mas o que acontece lá no cemitério mexerá com as emoções daquele homem viúvo.
SILÊNCIO
O segundo curta da dupla, SILÊNCIO (2015), aproveita a mesma menina do anterior, mas brinca com o gênero terror em torno de um casebre no sertão, uma garotinha atenciosa e um homem moribundo, com resultados interessantes. Para os dois curtas, o Cine São Luiz estava lotado de pessoas da localidade onde foram feitas as filmagens. Gente muito orgulhosa, e com razão, do trabalho que desempenharam em curto espaço de tempo, mas com muito carinho e dedicação.
COMO SÃO CRUÉIS OS PÁSSAROS DA ALVORADA
Este curta de João Toledo tem estilo, embora eu precise rever para lembrar melhor da atmosfera e da trama. COMO SÃO CRUÉIS OS PÁSSAROS DA ALVORADA (2015) acompanha a rotina de alguns jovens em busca de prazer, com destaque para um protagonista. A fotografia em scope fornece imagens bem bonitas, seja do rapaz no quarto, seja de uma espécie de suruba entre a turma, ou da imagem do horizonte enquanto dois amigos bebem cerveja.
FEIO, VELHO E RUIM
O filme de Marcus Curvelo aborda a questão da insegurança em tempos de selfies e exposição de supostas qualidades nas redes sociais. Em FEIO, VELHO E RUIM (2015), o próprio cineasta apresenta, através de fotos de diferentes fases de sua vida, uma espirituosa voice-over em que destaca, como que para vender o próprio peixe, suas qualidades. Na voz, ele conversa com uma atendente de telemarketing. Filme muito simpático.
VIRGINDADE
Tiraram as crianças da sala antes de exibir este VIRGINDADE (2015), de Chico Lacerda. Não por causa do tema da homossexualidade, mas por causa das cenas de nudez explícitas. Gostando ou não (eu gostei), o filme relata, também usando fotos diversas, as experiências iniciais do cineasta, suas descobertas sexuais desde a infância, o interesse por meninos etc. É um trabalho pungente e corajoso. Que bom que saiu do gueto dos festivais LGBT para chegar a festivais mais amplos.
domingo, julho 26, 2015
ANTES, O VERÃO
Uma série de injustiças fez com que ANTES, O VERÃO (1968) se tornasse uma obra esquecida. A primeira delas veio da fraca repercussão do filme em sua época, já que tratava de questões sentimentais de duas pessoas burguesas, algo que não era muito bem visto pelos cinemanovistas, que valorizavam apenas filmes com questões políticas e sociais, como forma de combater pela arte a repressão da ditadura militar. Fazendo isso, eles acabavam fazendo, também, uma forma de censura.
A segunda veio da iniciativa do próprio diretor Gerson Tavares em queimar os negativos originais, de tão desgostoso que ficou com a sua vida de cineasta. Ele já havia realizado AMOR E DESAMOR (1966) e alguns curtas e resolveu, então, sair de cena. Se já era/é difícil fazer cinema no Brasil, imagine sendo maltratado até pelos colegas de profissão.
Curiosamente, Walter Hugo Khouri, aquele que eu considero o melhor diretor de nossa cinematografia, estava pouco se lixando para o pessoal do Cinema Novo e continuou fazendo seu cinema autoral e lidando sempre com o que ele conhecia: o mundo burguês. Mas é sempre bom lembrar que Khouri tinha uma carreira solidificada desde os tempos da Vera Cruz, nos anos 1950, com uma segurança na direção que fez com que ele atravessasse seis décadas de serviços prestados ao cinema.
Mas se os negativos foram queimados, como ANTES, O VERÃO veio à tona? A restauração foi feita por Rafael de Luna Freire, que teve a curiosidade de saber quem era Gerson Tavares e por que aquele filme estava esquecido nos porões de uma cinemateca, sofrendo degeneração. Com a certeza de que queria restaurar os dois longas de Tavares, uma vez que foi feita a restauração a partir dessa cópia, uma mostra chamada Raros e Esquecidos tratou de apresentar os filmes para a audiência. No meio da audiência estava um velho senhor fragilizado que se apresentou como Gerson Tavares. Ele quis saber como descobriram sua obra.
No pequeno documentário que passa antes de ANTES, O VERÃO, percebem-se as inúmeras vezes em que o depoimento de Tavares é cortado por causa da emoção do cineasta. A idade e o fato de ser finalmente reconhecido mexeram muito com as emoções daquele senhor gentil.
Quanto ao filme, só o fato de trazer um gigante como Jardel Filho, uma estrela como Norma Bengell e um coadjuvante de peso como Paulo Gracindo já era motivo para chamar a atenção. Mas o filme é mais do que o elenco. Embora pareça ter uma narrativa simples, a adaptação do livro de Carlos Heitor Cony se torna também complexa com a montagem, alternando passado e futuro a partir do atropelamento deliberado e misterioso a um homem (Hugo Carvana, outro coadjuvante de peso) na praia, dando um ar de film noir.
O atropelamento trás o personagem de Jardel Filho a um passado recente, em forma de flashbacks. Acompanhamos o momento em que ele decide comprar uma casa de verão em Cabo Frio e levar a esposa e os filhos para passar as férias. É também um momento de crise do casal, e, para completar, o protagonista ainda conhece uma bela loira na região (Gilda Grillo), com quem tem um pequeno caso. Mas, embora as cenas com Gilda sejam boas, é uma cena ao mesmo tempo comovente e erótica, perto do final, que eleva ANTES, O VERÃO ao status de uma pequena joia que merece mesmo ser descoberta.
sábado, julho 25, 2015
WAYWARD PINES
Dos cineastas surgidos na virada do milênio, M. Night Shyamalan foi um dos que mais se destacaram. O problema é que, além de seus filmes não serem exatamente uma unanimidade, ele de fato entrou em algumas barcas furadas mais recentemente, embora seja muito mais interessante lembrar o que de melhor ele fez. Até hoje, só a citação de seu nome em uma conversa gera muita discussão, inclusive convidam para a participação aqueles que odeiam o seu trabalho.
De todo modo, foi o nome de Shyamalan à frente da minissérie WAYWARD PINES (2015) que chamou a atenção para esta produção da Fox – ele é um dos produtores executivos e dirige o primeiro episódio. O elenco também ajudou (Matt Dillon, Carla Gugino, Shannyn Sossamon, Toby Jones, Melissa Leo, Hope Davis, Terrence Howard e Juliette Lewis, para citar os mais conhecidos), bem como a trama intrigante, que se passa em uma cidade que parece saída de um episódio de ALÉM DA IMAGINAÇÃO.
Na trama, Matt Dillon é Ethan Burke, um agente do FBI enviado a uma cidadezinha chamada Wayward Pines, no estado de Idaho, para investigar o desaparecimento de dois agentes naquele lugar. O próprio nome do lugar, assim como a geografia e o comportamento estranho das pessoas fazem lembrar TWIN PEAKS, mas, hoje em dia, a série de David Lynch e Mark Frost serve de referência e homenagem a várias outras, de THE KILLING a TRUE DETECTIVE, para citar as mais recentes.
Depois de um acidente do qual ele não se recorda, Ethan acorda em um hospital e é logo atendido por uma enfermeira que mais parece uma bruxa de contos de fadas (Melissa Leo), dado o seu comportamento. Mas o pior viria com o fato de Ethan não conseguir contato fora daquela estranha cidade onde ninguém usa aparelho celular. Nem para o seu trabalho, nem para sua casa. Enquanto isso, sua esposa, Theresa (Shannyn Sossamon), e o filho, Ben (Charlie Tahan), tentam a todo custo saber o paradeiro de Ethan. A ponto de tomarem a iniciativa de ir até a tal cidade.
Há uma série de reviravoltas na trama de mistério e o grande barato de WAYWARD PINES é que a série não se alonga muito nas revelações. Tanto que o melhor episódio é justamente "The Truth", o quinto, que traz à tona a verdade sobre aquela cidade e o porquê das proibições de fuga – há uma enorme cerca eletrificada que impede qualquer pessoa de fugir e quem tentar será executado em praça pública.
Mas a grande revelação da série pra mim foi Shannyn Sossamon, essa linda atriz que até então eu desconhecia – ou não havia prestado atenção, nos poucos filmes que vi com sua presença. Tanto que ela foi o principal chamariz para que eu visse finalmente CAMINHO PARA O NADA, de Monte Hellman. Impressionante o quanto sua interpretação discreta e sua elegância são eficazes para a construção de uma personagem adorável.
No terreno dos vilões, ou daqueles que podem ser pintados como vilões, destaque para Hope Davis, no papel de uma professora responsável por direcionar os jovens alunos da cidade no sentido de dizer a verdade sobre o lugar e fazer também um pouco de terrorismo, e Terrence Howard, como o primeiro xerife da cidade, um sujeito que tem prazer em sacrificar os rebeldes em praça pública.
Pena que os últimos minutos finais estraguem um pouco o belo trabalho que vinha sendo feito ao longo dos dez episódios. Dá a impressão de que os criadores tiveram que estragar deliberadamente a própria obra, de modo a mostrar para a emissora aberta que precisavam de mais tempo e mais liberdade criativa para dar à série um final adequado. Por isso tanta gente anda dizendo que as melhores séries estão mesmo nos canais a cabo e nos serviços de streaming. De todo modo, continuo defendendo e recomendando WAYWARD PINES pelas suas muitas qualidades.
sexta-feira, julho 24, 2015
A FORCA (The Gallows)
Que a safra de filmes de terror anda fraca, isso já sabemos. Mas talvez seja por isso mesmo, e pelas baixas expectativas geradas pelo grande número de críticas negativas que A FORCA (2015) anda recebendo que acabei achando o filme interessante, principalmente pela boa construção atmosférica e por saber aproveitar os clichês do gênero, ainda que se aproveitando dessa moda já desgastada do found footage, que A BRUXA DE BLAIR tratou de tornar coqueluche no cinema produzido nos Estados Unidos e em outros países também.
A FORCA começa com uma imagem em VHS da apresentação de uma peça de teatro escolar em que um rapaz chamado Charlie morreu misteriosamente. Passados 20 anos desse trágico incidente, um grupo da escola resolve reencenar o texto. O foco da ação passa a ser Reese, que apesar de péssimo ator procura se esforçar para assumir o papel de protagonista, mesmo com seus amigos tirando sarro dele e com o fato de ele estar envolvido com a turma de meninos estudiosos chefiada pela CDF Pfeifer, uma garota que depois ficamos sabendo ser o motivo de Reese estar na peça.
O conteúdo do vídeo, supostamente guardado pelo Governo dos Estados Unidos, foi gravado em sua maior parte por Ryan, melhor amigo de Reese, que, sem largar a câmera em momento algum, dá ao amigo a ideia de destruir o cenário na véspera da estreia, para que não passe vergonha. Ryan é mostrado como um dos sujeitos mais amorais do filme, assim como sua amiga Cassidy, a chearleader da escola, que também faz questão de estar presente para a destruição do cenário.
Acontece que as coisas não saem como o esperado e os três, mais Pfeifer, que surge lá, para desespero dos demais, são jogados em uma espiral de medo patrocinada pelo espírito de Charlie, que trata de punir aqueles que ousaram desrespeitar a sua peça e a sua morte. Seria um ato de profanação.
Um dos momentos mais interessantes do filme é quando a câmera se aproxima da escuridão e não vemos praticamente nada. A ausência de música também provoca um bem-vindo desconforto. É quando os jovens cineastas Travis Cluff e Chris Lofing atingem o auge na trama. Embora o roteiro seja um dos pontos fortes de A FORCA, sem a atmosfera de tensão que ganha a atenção do público a modesta produção seria só mais um título a engrossar a grande lista de obras fracas do gênero. Entre os pontos fracos, a figura do "monstro" não chega a ser suficientemente forte ou assustadora, embora o contexto seja, e o filme poderia ter acabado um minuto antes.
Talvez eu esteja sendo um pouco generoso com o filme, tendo em vista o cenário fraco do horror contemporâneo, mas espero que este trabalho de Cluff e Lofing abra terreno para mais e melhores filmes do gênero que estão por vir ainda este ano, como CORRENTE DO MAL e SOBRENATURAL – A ORIGEM. Oremos.
quarta-feira, julho 22, 2015
CAMINHO PARA O NADA (Road to Nowhere)
Aquela teoria de que não somos nós que encontramos os filmes, eles é que nos encontram, tem uma ponta de verdade. Nem sei se é bem o caso da minha relação com CAMINHO PARA O NADA (2010), do mítico cineasta Monte Hellman. Lembro que o filme estava em cartaz em uma sessão no CineSesc de São Paulo, numa das épocas mais felizes em que visitei a cidade. Mas por algum motivo não foi possível vê-lo. E a distribuição do filme foi muito restrita. O tempo foi passando e, apesar dos elogios de gente que eu considero muito, CAMINHO PARA O NADA acabou não sendo um objeto de busca da minha parte.
Eis que, assistindo a minissérie WAYWARD PINES e me encantando a cada episódio com a beleza da atriz Shannyn Sossamon, que interpreta Theresa Burke, a esposa do protagonista vivido por Matt Dillon, e comentando isso com os amigos na rede social, dois dos meus amigos (Marcelo e Osvaldo) comentam que já haviam se apaixonado por ela desde CAMINHO PARA O NADA.
Se Shannyn ainda é uma atriz pouco conhecida, na época da realização do filme de Hellman, era ainda mais. O que não foi nenhum problema para sua escalação mais do que merecida em um dos papéis principais, de musa inspiradora de um cineasta. Aliás, no próprio filme, há uma brincadeira do cineasta rejeitando Leonardo DiCaprio e Scarlett Johansson para os papéis principais. E assim como acontece em WAYWARD PINES,Shannyn encanta sem fazer muito esforço.
Quanto a CAMINHO PARA O NADA, é um desses filmes mágicos, que podem facilmente entrar numa dessas listas de melhores do novo milênio com todos os méritos. E é uma obra referencial, que diz muito do próprio cineasta, de suas idiossincrasias, de suas obsessões, de suas paixões, como a paixão pelo cinema, que é explicitada não apenas nos momentos em que o protagonista está no set de filmagens, mas também quando ele, junto à sua musa descoberta, assiste a três filmes em seu quarto: AS TRÊS NOITES DE EVA, de Preston Sturges; O SÉTIMO SELO, de Ingmar Bergman; e O ESPÍRITO DA COLMEIA, de Victor Erice. Inclusive, é um dos raros trabalhos que mostram a apreciação de alguém a uma obra fílmica, embora foque nos momentos finais, com a reação de respeito e encanto pelo que acabou de ver.
Uma das coisas que chama muito a atenção em CAMINHO PARA O NADA é a forma como Hellman filma as cenas "reais" como se fossem encenadas (ou até mal encenadas, dada a estranheza da dramaturgia) e as cenas filmadas de forma mais realista, muitas vezes confundindo-as com a realidade fictícia apresentada, a da história do cineasta e de um crime envolvendo o passado sombrio da atriz.
Por isso muitos comparam CAMINHO PARA O NADA com a obra-prima CIDADE DOS SONHOS, de David Lynch. É quando lembramos que Hellman é o cara que fez aqueles westerns existencialistas maravilhosos, estrelados por Jack Nicholson: DISPARO PARA MATAR (1966) e A VINGANÇA DO PISTOLEIRO (1966). São filmes que nos deixam sem chão.
E é assim mais uma vez que nos sentimos durante e ao final de CAMINHO PARA O NADA. Em determinado momento do filme, alguém comenta algo sobre não entender os filmes de Mitchell Haven (o alter-ego de Hellman, vivido por Tygh Runyan), e ele, rindo, responde algo do tipo: se as pessoas entenderem, não seria um filme dele. Ele teria cometido um erro.
Por isso, querer procurar um nexo na trama de assassinato e identidades falsas em meio a flashbacks que nos confundem com cenas filmadas ou algo do tipo é perder tempo e não entrar no espírito da obra. CAMINHO PARA O NADA, assim como os citados westerns e certamente outros trabalhos de Hellman, pede que o espectador se deixe perder na teia de intrigas e adentre o universo de sonhos com o carinho e o respeito que essa obra merece.
segunda-feira, julho 20, 2015
3 CORAÇÕES (3 Coeurs)
Mas que filme mais estranho esse 3 CORAÇÕES (2014), hein?! Talvez seja por isso que ele mereça ser visto, pois é um falso melodrama com influências de ANTES DO AMANHECER, de Richard Linklater, e TARDE DEMAIS PARA ESQUECER, de Leo McCarey, mas que aos poucos vai revelando sua verdadeira face, quando muda de registro, sem comprometer o resultado. Ao contrário, o que parecia ser uma obra desagradável e digna de desprezo, vai nos conquistando cada vez mais.
O que não quer dizer que seja uma obra bem-acabada. O encontro de Marc (Benoît Poelvoorde) e Sylvie (Charlotte Gainsbourg) não chega a encantar a audiência, como um encontro entre dois estranhos em um filme romântico seria capaz. Talvez porque ambos parecem muito estranhos e feios. Charlotte está de cara limpa, aparentemente sem maquiagem o filme inteiro; Poelvoorde é feio feito um ogro, com aquele nariz de Galvão Bueno, barriga de cerveja e cabelo ruivo ralo.
Tudo isso pode parecer feito de propósito por Benoît Jacquot, diretor de ADEUS, MINHA RAINHA (2013) e O DIÁRIO DE UMA CAMAREIRA (2015), mas soube que a atriz que interpretaria Sylvie inicialmente seria a musa Marion Cotillard, que certamente precisaria de boas doses de maquiagem para ficar feia.
Escolher um cara como Poelvoorde como pivô de um triângulo amoroso capaz de despertar grandes paixões nem é exatamente um problema, pois nem sempre são os bonitinhos que conquistam as belas no mundo real. É mais algo de magnetismo pessoal. O problema é que o personagem Marc é um sujeito totalmente desprovido de graça, de autoconfiança, de charme, não conquistando nem mesmo a solidariedade do espectador em seu drama.
Na trama, Marc é um sujeito sem sorte na vida que acabou de perder o último trem para Paris, lugar onde mora e trabalha, como fiscal do imposto de renda. Na noite em que ele fica preso em uma cidadezinha, acaba conhecendo uma solitária Sylvie, que muito gentilmente concede àquele estranho a companhia até o dia amanhecer. Os dois se comprometem em se encontrar em determinado dia em um lugar e hora específico. Ela comparece; ele, além de ficar preso no trabalho, ainda sofre um infarto. Assim, de uma só lapada, Jacquot citou os já mencionados filmes de Linklater e McCarey.
Como os dois são burros o suficiente para não trocarem telefones (nem mesmo nomes, pra completar), acabam não se encontrando mais. Ela segue sua vida, insatisfeita, indo morar nos Estados Unidos com um namorado de que não gosta. Ele conhece por ironia do destino a irmã dela, Sophie (Chiara Mastroianni), que também está em uma situação depressiva e é facilmente capturada pelo abutre Marc, que se aproveita do momento para dar o bote. A bela moça termina o namoro com um rapaz para ficar com Marc.
Não dá para pintar Marc como vilão da história. Ele é apenas um sujeito fraco e covarde que tem a sorte de casar com uma amorosa e dedicada jovem, que, não por acaso, tem uma relação muito próxima com alguém que ele conheceu e gostou muito. E é aí que entra tanto um narrador onisciente em voice-over quanto uma música em tons graves, como que para acentuar uma tragédia iminente.
E é a partir daí que o filme se torna mais interessante e passamos a ignorar ou esquecer um pouco seus defeitos e abraçar sua estranheza. Afinal, a narrativa é fluida, o elenco é bom (tem a Catherine Deneuve como mãe de Sophie e Sylvie) e o que parecia ser um melodrama se transforma em algo parecido com um thriller de suspense. E Jacquot e o outro roteirista sabem muito bem qual a melhor maneira de terminar o seu estranho filme.
domingo, julho 19, 2015
QUATRO FILMES BIOGRÁFICOS
Segue mais uma postagem curta e grossa para dar conta da quantidade de filmes vistos e ainda não comentados aqui no blog. O tema agora são filmes biográficos. No caso, duas produções de ficção sobre a vida ou parte da vida de duas figuras brasileiras do mundo artístico e dois documentários respeitosos sobre seus objetos de estudo. Vamos aos filmes, que o tempo urge.
TIM MAIA
A cinebiografia TIM MAIA (2014), de Mauro Lima, que depois ganhou uma versão em minissérie um tanto polêmica na Rede Globo, por pintar Roberto Carlos como um sujeito que só ajudou Tim Maia, e que foi rejeitada pelo próprio cineasta, não tem ousadias formais, mas apresenta um dos nossos maiores intérpretes sem precisar de esconder seus defeitos. Na verdade, ao apresentar esses defeitos, a figura de gênio de Tim se torna ainda mais acentuada. Com três atores assumindo a figura do protagonista em diferentes estágios da vida, o filme segue a infância humilde, seguido do momento em que ele forma um conjunto musical com Roberto Carlos e tem a chance de aparecer na televisão, sua fase conturbada nos Estados Unidos, seu retorno para o Brasil para testemunhar o fenômeno da Jovem Guarda e do Rei e suas tentativas de alcançar finalmente o sucesso merecido como o mestre do soul brasileiro. Como suas canções são fantásticas, ver este filme no cinema com sua música em alto e bom som é um prazer inenarrável.
TRINTA
Diferente de TIM MAIA, a biografia de Joãosinho Trinta prefere focar em determinado momento da vida do carnavalesco mais famoso do país. Matheus Nachtergaele incorpora muito bem Joãosinho, desde o tempo em que ele é rejeitado pela família por optar por uma vida de bailarino (para seus familiares, isso é coisa de veado) até o seu batismo de fogo como carnavalesco da escola de samba Salgueiro, em 1974. TRINTA (2014) ao nos apresentar os dias que faltam para o Carnaval, por exemplo, ajuda a criar um muito bem-vindo suspense, já que o que ele fez foi muito complicado, dada a dificuldade de conseguir dinheiro e amigos influentes. O diretor Paulo Machline já havia sido dirigido um documentário intitulado A RAÇA SÍNTESE DE JOÃOSINHO TRINTA (2009), que acabou passado despercebido por muitos. Eu mesmo, nunca tinha ouvido falar.
LIFE ITSELF - A VIDA DE ROGER EBERT (Life Itself)
Amar cinema é um tanto paradoxal, pois há um apego com as coisas desse mundo, já que nos tornamos humanistas, e ao mesmo tempo também há algo de espiritual, de valorização de algo que transcende o mero materialismo. Por isso que acompanhar a vida de um crítico e amante de cinema como Roger Ebert é emocionante, pois nos solidarizamos com seu drama, no caso, a brava luta contra um câncer que o deixou sem falar e sem se alimentar nos últimos anos de sua vida. LIFE ITSELF – A VIDA DE ROGER EBERT (2014), de Steve James, é um documentário que tem um efeito de melodrama, no sentido de que sofremos um pouco com o crítico, ao mesmo tempo em que admiramos sua maneira ímpar de tratar tudo com senso de humor e de continuar exercendo sua profissão até o fim.
O SAL DA TERRA (The Salt of the Earth)
Alguns acham que O SAL DA TERRA (2014, foto) tem o problema de não apresentar os defeitos de seu objeto de estudo, Sebastião Salgado, um dos mais conhecidos fotógrafos do mundo. Se tem, isso não chega a atrapalhar o produto final. Dirigido por seu filho, Juliano Ribeiro Salgado, e pelo alemão Wim Wenders, o documentário traça rapidamente um agradável painel da vida de Salgado em sua juventude, para depois centrar nas viagens que ele faz para territórios inóspitos, a fim de capturar momentos impressionantes da história humana. Não deixa de ser estranho ele fazer fotos tão belas de imagens tão tristes, como a de crianças africanas tão magras quanto esqueletos, mas se não fosse assim ele não teria chamado a atenção do mundo. O filme é também uma viagem por diversas partes do mundo e nesse sentido trata-se de uma das obras mais gostosas de ver exibidas em 2015. Além do mais, a viagem é tanto geográfica quanto histórica e antropológica, pois passamos a conhecer coisas que sem o filme e sem o trabalho de Salgado não teríamos conhecido. Destaque para o encontro do fotógrafo com uma curiosa e pura tribo indígena na Amazônia.
sábado, julho 18, 2015
HOMEM-FORMIGA (Ant-Man)
A satisfação que HOMEM-FORMIGA (2015) causa no espectador é tanta que não seria exagero vê-lo como um dos cinco melhores filmes de super-heróis da Marvel e talvez até mesmo o melhor do estúdio. Se a intenção, desde o primeiro HOMEM DE FERRO (2008) era criar um perfeito equilíbrio entre humor e aventura e raramente os realizadores eram bem-sucedidos nesse casamento (por esse motivo, os filmes do Capitão América, por optarem por um registro mais sério, acabavam se destacando dos demais), finalmente eles encontraram o ponto certo neste trabalho do especialista em comédias Peyton Reed.
Reed é o homem por trás de filmes bacanas como TEENAGERS – AS APIMENTADAS (2000), ABAIXO O AMOR (2003), SEPARADOS PELO CASAMENTO (2006) e SIM SENHOR (2008), mas que estava se perdendo trabalhando como operário padrão para a televisão americana. Como o tom de HOMEM-FORMIGA era também de comédia, embora houvesse interessantes elementos dramáticos, como duas questões envolvendo pai e filha, não seria de todo mal a escolha do diretor. Até porque ele teria que se adequar ao padrão Marvel.
Percebe-se que a Marvel não escolhe seus diretores à toa, embora não se caracterize por trazer autores que possam atrapalhar o plano de unidade entre os filmes. Mas HOMEM-FORMIGA chega a ofuscar boa parte dos demais trabalhos do estúdio por suas qualidades. Do começo ao fim, trata-se de uma obra agradável de ver, sem nenhum momento que possamos dizer que seja ruim ou chato. Pode-se reclamar dos diálogos excessivamente rápidos em alguns momentos, mas isso faz parte da dinâmica, não chega a ser um defeito.
Uma sacada muito boa dos roteiristas (Edgar Wright, Joe Cornish, Adam McKay e Paul Rudd) é terem colocado um velho Hank Pym, o primeiro Homem-Formiga nos quadrinhos. Aqui ele é interpretado por Michael Douglas, passando o cetro para o ex-presidiário e especialista em roubos Scott Lang para que ele seja o novo herói capaz de diminuir ao tamanho de um inseto e trabalhar em uma missão de combate contra o vilanesco Darren Cross (Corey Stoll), que está prestes a descobrir o segredo de Pym.
Antes disso, somos apresentados ao simpático personagem de Rudd, em um ritual de despedida da prisão, e tentando ver a filha pequena em seu aniversário. A essa altura, ele é persona non grata em sua casa por causa de seus antecedentes criminais, e, mesmo tentando viver honestamente, acaba tentando muita dificuldade de conseguir um emprego.
Paralelamente, somos apresentados a uma trama de espionagem, envolvendo Pym, seu maior inimigo, Cross, e sua filha que age como agente dupla, Hope (Evangeline Lilly). Ela trabalha para o pai como espiã, mas não concorda com a ideia de trazer um ladrão para sua casa e fazer um trabalho que ela faria melhor. O pai, porém, não quer perder a filha em uma missão tão perigosa.
A cena envolvendo a primeira vez que Lang fica minúsculo, dentro de uma banheira, é fantástica. Faz lembrar o quão divertidos eram os filmes que lidavam com pessoas em tamanho de miniatura, mas com uma tecnologia de efeitos especiais tão admirável que nos faz crer que o cinema não tem mais limites de criação nos aspectos técnicos. Com um orçamento de 100 milhões, aproximadamente, HOMEM-FORMIGA usa efeitos de ponta e os usa a favor da história.
No mais, temos também uma excelente escolha de elenco, com Paul Rudd se saindo muito bem como um super-herói, uma participação pra lá de divertida do Falcão (Anthony Mackie), momentos de dar boas gargalhadas ao longo de todo o filme (com um humor que dessa vez não soa deslocado, como ocorre horrivelmente em outros filmes da companhia), boas cenas de luta, e coadjuvantes carismáticos como Michael Peña e Bobby Cannavale.
E é sempre bom avisar: não deixe de ficar até o final dos créditos. Há duas cenas muito boas e importantes para o futuro do Universo Marvel no cinema.
quarta-feira, julho 15, 2015
HACKER (Blackhat)
Às vezes a gente reclama quando um filme de um grande diretor é rejeitado pelas distribuidoras locais, mas depois de ver HACKER (2015) chega a ser até compreensível que o mais novo trabalho de Michael Mann tenha tido a tela pequena como fim. Afinal, se até a crítica e os fãs do cineasta têm encarado HACKER como um dos seus menos inspirados filmes, o que dizer do público comum, que entraria por acaso na sala de cinema por causa de um cartaz com o Chris Hemsworth? Se é que o ator tem suficiente popularidade para isso.
Aquela máxima de Truffaut de que o pior filme de um cineasta-autor é melhor que o melhor filme de um não-autor acaba servindo mais para cinéfilos e críticos, que enxergam o filme problemático dentro do conjunto da obra. Assim, quem não tem qualquer intimidade com o trabalho de Michael Mann pode se sentir ainda mais incomodado com HACKER e sua narrativa confusa, arrastada e a falta de densidade nas emoções e nas motivações dos personagens.
Ainda assim, há ecos de MIAMI VICE (2006), uma de suas obras-primas, especialmente nas cenas noturnas, as que mais evidenciam o uso da câmera digital. Sem falar no fato de haver também uma personagem feminina oriental forte, vivida pela mesma Wei Tang do excelente DESEJO E PERIGO, de Ang Lee. Aliás, quem dera as cenas de amor entre ela e Hemsworth fossem um décimo daquilo que pudemos testemunhar na obra de Lee.
Mas o que podemos perceber também é que, entre o amor e os tiroteios, Mann prefere os tiroteios. Vide os cortes nos momentos em que a questão do casal é posta em discussão, como se o amor dos dois não fosse importante. Por isso, entre as cenas tipicamente confusas de um filme de espionagem, há poucas mas intensas cenas de ação e violência, como a que vitima o melhor amigo do protagonista, desde já um dos pontos altos de HACKER.
Para não dizer que não falei da história, HACKER é sobre um homem que está preso (Hemsworth) e que é convidado a fazer parte de uma missão com o FBI e o governo chinês, a fim de capturar um hacker que conseguiu elevar em mais de 100% o preço da soja, além de outros ataques a sistemas financeiros. O homem preso é solto sob a condição de ser livre se conseguir capturar o vilão.
Com locações nos Estados Unidos, na China, na Indonésia e na Malásia, os 70 milhões de dólares do orçamento parecem ter sido bem investidos, embora na tela pequena e com aquela câmera na mão o investimento não parece o de uma superprodução. Exceto, talvez, a cena que se passa em uma celebração anual chinesa, em que foram usados 3.000 extras. A cena é também outro ponto alto, mas poderia ser muito mais.
De todo modo, a figura do herói solitário contra um sistema, que permeia outros trabalhos de Mann, como PROFISSÃO: LADRÃO (1981), O ÚLTIMO DOS MOICANOS (1992), FOGO CONTRA FOGO (1995) e O INFORMANTE (1999), está presente e é um dos elementos mais fortes de HACKER, embora seja suavizado pelos personagens que protegem o protagonista, em especial por seu interesse amoroso. Isso passa uma impressão positiva, elevando o filme a um patamar aceitável, dentro do alto padrão de qualidade da obra do diretor.
terça-feira, julho 14, 2015
O CONTO DA PRINCESA KAGUYA (Kaguyahime no Monogatari)
É triste, mas é verdade: o estúdio Ghibli, o mais prestigiado dos estúdios de animação japonesa, está encerrando suas atividades, embora tenha saído uma notícia de que Hayao Miyazaki estaria fazendo um curta-metragem em computação gráfica. As animações desse estúdio, tão queridas por muitos, têm a característica de ser à moda antiga.
O caso de O CONTO DA PRINCESA KAGUYA (2013), de Isao Takahata, é ainda mais especial, pois os traços muitas vezes parecem simples e grossos, mas mesmo dentro de seu estilo mais despojado, há momentos de sublime beleza. Caso de quando a Princesa tem um ataque de fúria e corre por uma vastidão, como se tivesse a força de um super-herói. O pincel de Takahata parece emular essa sensação de fúria da personagem.
O CONTO DA PRINCESA KAGUYA é uma história de amor, mas amor no sentido mais amplo do termo. A Princesa, desde muito pequena, sorri para a vida e à medida que vai crescendo assustadoramente rápido vai se tornando cada vez mais amiga das coisas simples da vida, que nos são dadas de graça, como a natureza e a amizade.
Assim, podemos dividir o filme em pelo menos três momentos: aquele em que a Princesa vive no vilarejo e é feliz; o momento em que é levada para a cidade grande para viver uma vida de luxo e ser cortejada por vários homens da nobreza; e o seu mágico momento final, que traz sequências de encher os olhos – ou de lavar os olhos – e momentos arrebatadores, num verdadeiro convite para que tiremos os pés do chão.
O filme é baseado em um conto folclórico japonês muito popular chamado "O Corte do Bambu". Na trama, um velho cortador de bambu encontra dentro de um bambu brilhante uma pequena garota em miniatura, que cabe na palma de sua mão. Ele fica encantado, se diz ser uma pessoa de sorte e abençoado pelos deuses e a leva para casa, onde ela será cuidada por ele e sua esposa. Logo no primeiro dia, a menina cresce bastante, em poucos minutos está do tamanho de um bebê normal e continua crescendo a olhos vistos.
A garotinha se encanta com tudo ao seu redor naquele cenário rural. O sabor de um melão, o pular de um sapo, o voar dos pássaros, tudo é motivo de alegria para ela. Inclusive, entre os amiguinhos que conhece no vilarejo há até um que se aproxima de um interesse amoroso. Mas tudo muda quando os pais decidem levá-la para a cidade grande para ter uma vida de uma verdadeira princesa, aprender a se comportar como uma dama e ter que se enquadrar nos costumes pouco simpáticos da nobreza do Japão feudal.
O CONTO DA PRINCESA KAGUYA conta com umas gordurinhas, especialmente no momento em que a protagonista é cortejada por príncipes e até por um rei, e isso acaba por arrastar o filme por mais de duas horas de duração sem a mesma graça do primeiro terço inicial. Felizmente, o último ato é de uma beleza tão difícil de descrever que compensa o que seria uma falha. Assim como a passagem da Princesa Kaguya pela Terra, podemos encarar a entrada deste filme em nosso circuito exibidor como uma dádiva divina.
segunda-feira, julho 13, 2015
NOSFERATU (Nosferatu, eine Symphonie des Grauens)
NOSFERATU (1922) é daqueles filmes obrigatórios. Especialmente para alguém que se autointitula "cinéfilo". Mas eu sei que tenho muitas lacunas e não procuro escondê-las. Tinha visto um trecho do filme uma ou duas vezes na televisão, sem falar que é o tipo de obra que, mesmo não vendo, é como se tivesse visto, captado da memória do inconsciente coletivo, se é que existe tal coisa. Essa impressão naturalmente se deve também às tantas citações do filme em documentários ou em livros. Assim, a aparição de Max Schreck no papel do vampiro de visual animalesco, parecendo um rato e antecipando as unhas de Zé do Caixão, deixa de ser uma novidade.
Também temos que ter em mente que quando NOSFERATU foi feito, todos os clichês que conhecemos de filmes de vampiro não existiam ainda. E a própria figura do Conde Orlok, que não é chamado de Drácula por causa de problemas com direitos autorais com a família de Bram Stoker, seria mudada radicalmente a partir de DRÁCULA, de Tod Browning, no começo da era do cinema falado, quando o príncipe das trevas ganharia um ar de conquistador.
O fato de ser dirigido por F.W. Murnau dá um ar de ainda maior respeitabilidade à obra, já que se trata de um dos maiores e mais criativos cineastas de todos os tempos. Por mais que NOSFERATU não seja tão inventivo e tão cheio de manobras quanto A ÚLTIMA GARGALHADA (1924) e principalmente AURORA (1927), trata-se de uma obra singular.
O que conta é mais o visual e a forma como é contada a história do que a história em si, que é velha conhecida de todos hoje em dia. Na trama, o jovem Hutter é enviado ao castelo do Conde Orlok, na Transilvânia, a fim de lhe vender uma casa localizada justamente em frente à sua. A caminhada até o castelo é complicada e cheia de obstáculos (sem falar no medo dos habitantes do vilarejo), mas o pior estaria lá no tal castelo. Orlok aceita comprar a casa e fica especialmente interessado na esposa de Hutter, Ellen.
NOSFERATU é um dos filmes que melhor representam o Expressionismo Alemão, junto com O GABINETE DO DR. CALIGARI, de Robert Wiene. Muito provavelmente a situação político-social na Alemanha nazista acabou sendo propícia para que filmes do gênero horror combinassem mais com o movimento e com o momento em si, ainda que no caso dessas obras isso possa ter ocorrido inconscientemente. No fim das contas, Murnau só queria mesmo filmar uma boa história de horror, possivelmente o seu gênero favorito, já que faria anos depois FAUSTO (1926) e em AURORA o horror também está presente, só que de maneira mais realista, o que acaba sendo mais pungente.
NOSFERATU ganharia um remake bem interessante, dirigido por Werner Herzog em 1979, mas isso é assunto para outra postagem.
domingo, julho 12, 2015
CINCO DRAMAS HISTÓRICOS
Muitas vezes a ficção não dá conta de inventar histórias. A vida real é que trata de criá-las, por mais difíceis de acreditar que elas sejam. Então o cinema procura se alimentar dessas histórias, seja por serem singulares, seja por ser importante lembrá-las ou divulgá-las. Falemos de cinco títulos que tratam de dramas baseados em acontecimentos reais.
CAÇADORES DE OBRAS-PRIMAS (The Monuments Men)
Filme visto em fevereiro do ano passado, já estava passando da hora de eu colocá-lo aqui no blog. Trata-se do quinto trabalho como direor de George Clooney e certamente o mais fraco, embora nos apresente a uma história bem interessante: a de um pelotão responsável por salvar obras de arte roubadas por nazistas e levá-las de volta para seus donos. CAÇADORES DE OBRAS-PRIMAS (2014) seria uma bela ode à arte em meio a odes à vida ou mesmo à pátria, tão mais comuns de encontrar em filmes de guerra. Pena que o tom leve acabe prejudicando o que poderia ser mais um bom filme no currículo de diretor de Clooney.
DUAS IRMÃS, UMA PAIXÃO (Die Geliebten Schwestern)
O cineasta alemão Dominik Grag é mais experiente do que sabemos. Dirige filmes desde os anos 1970, mas como o cinema alemão anda cada vez mais invisível em nosso circuito, poucos trabalhos chegam aqui. DUAS IRMÃS, UMA PAIXÃO (2014, foto) é um desses raros exemplares. O filme conta a interessante e conturbada história do triângulo amoroso existente entre o poeta e pensador do Romantismo Friedrich Schiller e duas irmãs. As duas se apaixonam por ele e tentam arranjar uma maneira de compartilhá-lo sem que a sociedade perceba. As coisas, porém, tomam rumos inesperados e difíceis para os três envolvidos. A narrativa é envolvente e o drama dos protagonistas é doloroso e fácil de conquistar nossa solidariedade. Infelizmente vi numa cópia não muito boa em digital, o que talvez tenha prejudicado a apreciação da fotografia, que pelas fotos de divulgação parece ser muito bonita.
A ESTRADA 47
A participação brasileira na Segunda Guerra Mundial parece tão pequena ou pouco importante que a nossa cinematografia quase não tem filmes que abordam o assunto. A ESTRADA 47 (2013), de Vicente Ferraz, é um dos raros exemplares. E faz isso com muito cuidado e vigor. Pode não ser um filme de guerra fenomenal, mas cumpre o que propõe, ou seja, traça um painel bem intimista da guerra do ponto de vista de alguns soldados brasileiros e seu relacionamento com militares de países do Eixo (um italiano e um alemão) que estão em fuga ou contra as decisões políticas de seus países. Esqueça cenas de bombardeio ou tiros, como nas produções de gênero americanas. O maior interesse aqui é lidar com os aspectos psicológicos dos personagens, embora também trate de seus atos heróicos. A ESTRADA 47 foi vencedor do Kikito de ouro de melhor filme no Festival de Gramado.
PROMESSAS DE GUERRA (The Water Diviner)
A estreia de Russell Crowe na direção chegou a impressionar a alguns, mas não passa de um filme convencional, sem muita invenção ou mesmo sequências emocionantes para o tema que propõe. Em PROMESSA DE GUERRA (2014), o próprio Crowe é um pai de família australiano que perdeu os três filhos na Batalha de Gallipoli, na Turquia. Depois que sua esposa morre e afirma que ele não soube cuidar de seus próprios filhos, ele decide ir até o local da batalha buscar os restos mortais de seus entes queridos. A busca não será fácil, mas o personagem tem uma capacidade especial de encontrar coisas, já que ele consegue encontrar água com facilidade em um local deserto. Quem acaba ganhando o filme é Olga Kurylenko, que está mais bela do que nunca no papel da gerente de um hotel que não só o ajuda a encontrar o caminho das pedras, como também acaba sendo o seu interesse amoroso. É quando o filme ganha um respiro mais interessante, trazendo um final feliz que deve ter sido muito romantizado para que tenha sido de fato um acontecimento.
NERUDA
O grande poeta chileno Pablo Neruda merecia um filme melhor neste momento em que faz aniversário de nascimento. NERUDA (2014), de Manuel Basoalto, parece um telefilme vagabundo, com todo o respeito com os telefilmes. O fato de a fotografia ser em scope não engana. O filme foca no momento em que o poeta é senador da república, mas que precisa fugir, pois o Presidente do Chile começa a adotar medidas ditatoriais. Há espaço também para flashbacks da infância e juventude, muito mal posicionados ao longo da aborrecida narrativa. É o tipo de filme que a gente fica torcendo para acabar logo, embora só tenha 90 minutos de duração, e que nos faz questionar a razão de ter sido feito, se é pra fazer com tanta incompetência no uso da linguagem de cinema e de dramaturgia. Só com muita boa vontade mesmo para ver até o fim.
sexta-feira, julho 10, 2015
CIDADES DE PAPEL (Paper Towns)
Uma bela surpresa este drama juvenile baseado no best-seller de John Green, o mesmo autor de A Culpa é das Estrelas, que rendeu um bom melodrama em 2014 e levou milhões de pessoas ao cinema. CIDADES DE PAPEL (2015) tem um apelo comercial menor, é menos carregado nas emoções e isso tem o seu lado bom e ruim. O ruim está em não emocionar como talvez intencionasse, mas isso pode ser confundido com sutileza.
O bom é que, com uma maior sobriedade, percebe-se melhor a boa condução narrativa do pouco conhecido diretor Jake Schreier. Foi uma oportunidade de ele alcançar um grande público em seu segundo longa-metragem. O elenco, aliás, também é composto por atores desconhecidos da grande audiência. De certo modo, até lembra alguns filmes juvenis da década de 1980, o que eu vejo como sendo mais um fator positivo. Inclusive, toca uma versão de "The Lady in Red", de Chris de Burgh, uma canção que fez muito sucesso nos 80s, foi considerada cafona por um tempo e hoje é cultuada, como várias outras canções dessa década.
CIDADES DE PAPEL conta a história da obsessão de um rapaz pela garota que mora ao lado. É uma paixão que ele nutre desde a infância, quando ela veio morar na vizinhança, mas que permaneceu na juventude, quando ela deixou de fazer parte do círculo de amizade de sua vida. Até que certa noite ela entra na janela de seu quarto e o convida a sair com ele para fazer algumas coisas na calada da noite. Na verdade, ela quer se vingar do ex-namorado e de alguns desafetos.
O rapaz, Quentin (Nat Wolff), vive a melhor noite de sua vida naquele momento, embora não tenha rolado nem mesmo um beijo. Mas ele sentiu uma conexão forte com ela, Margo (Cara Delevigne). Ele não contava com o fato de ela desaparecer da cidade e ninguém saber o seu paradeiro logo no dia seguinte. Como ela era ligada a mistérios, ele acredita na teoria de que ela estaria oferecendo dicas para que ele a encontre. E Quentin sai à sua procura junto com seus fiéis companheiros.
O filme tem outro mérito: continua interessante com a saída de cena de Margo, inclusive porque também se transforma num agradável road movie em boa parte de sua metragem. Ainda assim, falta algo para que o espectador compre melhor a trama. Talvez a atriz, por não ser tão bonita ou carismática, acaba não contribuindo para que nos apaixonemos pela personagem, assim como acontece com outros filmes do gênero. Desse modo, acabamos vendo a história de Quentin e de seus amigos com certa distância.
Ao contrário de AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL, para citar um filme juvenil da melhor estirpe dos últimos anos e que trata também de amores e de ritos de passagem, é possível que seja um filme que fale mais às novas gerações do que a um público mais amplo. O discurso de Margo com relação ao modo como a vida deve ser vivida não chega a ser exatamente novo, nem ela parece ser suficientemente sábia para dar lições.
Além do mais, usar Leaves of Grass, de Walt Whitman, como uma espécie de catálogo telefônico ou algo do tipo não é muito respeitoso, embora possa despertar o interesse em alguns jovens pela sua poesia. Ainda assim, não dá para negar a beleza toda própria de CIDADES DE PAPEL, que se destaca como um dos melhores na categoria “filme juvenil contemporâneo”.
quinta-feira, julho 09, 2015
DE MENOR
Diante de um filme tão belo quanto DE MENOR (2013), eu me perguntei, por que raios os distribuidores locais não trouxeram este filme para o nosso circuito? Nem é um trabalho difícil, nem nada. Essa coisa de querer visualizar sempre uma possibilidade de má bilheteria através de resultados em outras praças é péssimo para o nosso cinema. Assim, o melhor do cinema brasileiro fica invisível na maior parte das cidades do país.
DE MENOR é a estreia na direção de Caru Alves de Souza, que já havia feito alguns curtas e trabalhos para a televisão. Seu trabalho de estreia transborda sensibilidade, carinho, delicadeza. Em tempos em que a bancada evangélica e outros direitistas ferrenhos querem de todo modo demonizar as crianças e adolescentes que se comportam mal, um filme como esses é só amor.
Na trama, que se passa na cidade de Santos, Rita Batata é Helena, uma jovem advogada especializada em defender menores. Ela vive com o irmão menor Caio (Giovanni Gallo), um rapaz um tanto inquieto e provavelmente ainda muito triste pela perda dos pais. No caso, então, ela é a responsável legal por ele. No começo do filme, a relação dos dois é um tanto estranha. Dá a entender que são namorados, pela pouca idade dela e pelo modo físico com que demonstram o amor que sentem um pelo outro.
Paralelamente, acompanhamos a vida profissional de Helena, o interesse quase obsessivo que ela tem em livrar aqueles jovens infratores de uma internação para delinquentes juvenis. Nem sempre ela consegue, mas faz alguns esforços tão bonitos que chega a ser comovente. Como no caso em que ela vai até casa da mãe do menino que não tem mais onde morar.
Mas, como em casa de ferreiro o espeto é de pau, já era de se esperar que o irmão de Helena fosse aprontar. E que aquilo iria doer pra caramba em todos os envolvidos. Até mesmo no procurador de justiça vivido por Rui Ricardo Diaz e para o juiz interpretado por Caco Ciocler.
Com alguns momentos de cortar o coração e um andamento narrativo tão agradável, quando o filme chega ao final, tem-se a impressão de que se passou apenas meia hora. E dizer isso é um tremendo elogio a um filme como esse, que prima pelo cuidado com a história, com os personagens, com a direção e a montagem. Quem ainda não viu DE MENOR, faça um favor a si mesmo e veja. Até para cultivar mais amor no coração.
quarta-feira, julho 08, 2015
DESONRADA (Dishonored)
Terceira parceria do cineasta Josef Von Sternberg com sua musa Marlene Dietrich, DESONRADA (1931) é, até o momento, o que eu menos gostei dos três que pude ver. Mas é um filme que melhora bastante em sua terceira parte, quando começa a ganhar contornos mais dramáticos. Não que as cenas cômicas sejam ruins, mas parecem só estranhas hoje – lembro especialmente de Dietrich humilhando um oficial do exército russo no quarto de uma taberna. Ele, completamente bêbado; ela, disfarçada de camareira.
DESONRADA ajuda a diversificar a galeria de personagens de Dietrich. Depois de ser uma dançarina de cabaré em O ANJO AZUL (1930) e uma cantora de festas para a Legião Estrangeira em MARROCOS (1930), ela agora sobe de escada para uma espiã do governo austríaco, durante a invasão russa ao país, no início do século XX. Se bem que, como o homem que a convida para ser espiã lhe avisa, ser espiã é a menos nobre das profissões.
Mais uma vez Dietrich apresenta uma personagem que trafega entre o sensual e o vulgar já a partir de sua primeira aparição. Ela está numa rua escura, próxima ao prédio onde mora, e levanta uma de suas meias que estava baixa, dando um nó para disfarçar o elástico quebrado. É neste lugar que ela conhece um homem do governo, que a convida para ser X-27, depois de ouvi-la dizer que não teme a morte nem a vida.
A sequência do engajamento é simples, mas, antes disso, ela prova o seu poder de sedução e capacidade de enganar. No episódio de uma festa à fantasia, ela tem a sua primeira missão: eliminar dois espiões russos. Ela prova ser bem-sucedida com um deles, mas o outro de alguma maneira a seduz.
O problema do filme é que Victor McLaglen, o ator que faz o tal espião russo que aos poucos conquista o coração da X-27 é bem pouco simpático. Tem cara de vilão da pior estirpe, com aquele sorriso cínico no rosto. Assim, torna-se pouco interessante a relação dos dois. Torci mais para que ela o pegasse do que por ele escapar.
Embora o filme tenha tintas feministas e Dietrich possa até ser vista como um símbolo do poder da mulher, neste terceiro filme a atriz interpreta novamente uma personagem que se sacrifica. Acontece em MARROCOS, e é muito bonito e comovente, pois é um sacrifício pelo amor e também uma explosão do ego. Desta vez, há um sacrifício também, e o suposto amor pela pátria é problematizado em contraste com o amor romântico, o que é um ponto positivo, e que acaba por render a melhor cena de todo o filme.
terça-feira, julho 07, 2015
PENNY DREADFUL – SEGUNDA TEMPORADA (Penny Dreadful – Season Two)
Infelizmente houve uma queda de qualidade considerável nesta segunda temporada de PENNY DREADFUL (2015). O começo foi promissor e com alguns elementos bem sinistros, mas os roteiristas não souberam desenvolver bem o trabalho, de modo que até o texto, que era um dos pontos fortes da série, saiu prejudicado. Os melhores momentos, em termos de diálogos, foram dos encontros de Vanessa Ives com Mr. Clare, a melancólica criatura de Frankenstein, em um abrigo de leprosos.
Mais uma vez, como na temporada anterior, o melhor episódio foi de um flashback de Vanessa. Desta vez, de seu encontro com uma bruxa que chegou a lhe ensinar as artes da feitiçaria e que também a apresentou, indiretamente, a uma irmã maligna, que é justamente a grande vilã da temporada. O tal episódio mostrou que não precisamos mais dos outros personagens, que se tornaram chatos, sem graça, ainda muito ligados a suas raízes literárias. Com exceção, talvez, de Ethan Chandler, que aqui se revela finalmente como um lobisomem. Se a série toda fosse composta de flashbacks de Vanessa por episódio eu ficaria satisfeito.
Um dos pontos fortes da série continua intacto, felizmente, que é a direção de arte. Há uma sequência digna de nota, que acontece no episódio do baile, na mansão de Dorian Gray. Além de toda a pompa do lugar, há um momento lindo, que é quando Vanessa se vê numa chuva de sangue. É tanto vermelho vivo que até lembrou alguns trabalhos de Dario Argento. Na verdade, ela estava perturbada por presenças malignas no local.
Uma das coisas mais chatas e pouco inteligentes desta temporada veio de uma tentativa de decifrar códigos de diversas línguas para descobrir os planos do demônio. O embate entre Deus e o diabo é o principal ponto da temporada e o que mais deixa a personagem de Vanessa desestabilizada, já que ela não quer perder sua alma para Satã, mas lida com bruxaria e comete um pecado grave.
No mais, a temporada está recheada de momentos ruins, como o namoro de Sir Malcolm com a vilã, o envolvimento de Dorian Gray com um travesti, a falta de aprofundamento no problema que atormenta Ethan, a broxante tentativa de Ethan e Vanessa estabelecerem um vínculo amoroso e um personagem novo que teve pouco a acrescentar à trama, o Sr. Lyle. Pelo menos encerraram a temporada de maneira digna e apontando para um possível futuro diferente. Só não sei se acompanharei mais.
segunda-feira, julho 06, 2015
WINTER SLEEP (Kış Uykusu)
Quem teve o privilégio de ver a obra-prima ERA UMA VEZ EM ANATÓLIA (2011), especialmente no cinema, certamente ficou bastante ansioso para conferir o novo trabalho do cineasta turco Nuri Bilge Ceilan, ainda mais levando em consideração que WINTER SLEEP (2014) ganhou a Palma de Ouro.
Mas talvez o prêmio máximo em Cannes tenha sido mais para mostrar o grau de merecimento com que suas obras já vinham sido tratadas no festival – antes disso, DISTANTE (2002) já havia ganhado o Grande Prêmio do Júri, CLIMAS (2006), o prêmio FIPRESCI, 3 MACACOS (2008), o prêmio de melhor direção, e ERA UMA VEZ EM ANATÓLIA, novamente o Grande Prêmio do Júri.
E o curioso disso tudo é que demorou para que o hype em torno do cineasta chegasse ao nosso circuito alternativo. Também não ajudou o fato de seus dois últimos trabalhos, justamente os mais elogiados, terem uma duração um tanto quanto longa. Trata-se de um tempo necessário para a maturação do enredo, mas que acaba tomando o espaço de dois filmes de menor duração na programação de uma sala.
Mas o importante é que tivemos a chance de ver WINTER SLEEP finalmente no cinema. Ainda que não tenha sido exatamente um sucesso de público e a narrativa lenta afaste alguns espectadores, é um dos mais belos e importantes filmes do ano. Muito provavelmente demorei a escrever a respeito por sentir dificuldade em externar o que senti, um misto de angústia pelos dramas dos três personagens principais juntamente com os longos planos contemplativos que nos convidam a se afastar um pouco da dor dos personagens e apreciar a beleza da obra. Ou da vida.
Na trama, Aydin (Haluk Bilginer) é um ator aposentado que cuida agora de um hotel e escreve crônicas para um jornal local. É algo que lhe dá prazer. Ajuda a compensar um pouco o distanciamento que ele sente de sua bela esposa jovem, Nihal (Melissa Sözen). Ela tem se mostrado uma mulher de pensamentos independentes e um tanto incomodada com sua atual situação. A terceira personagem de maior importância é a irmã de Aydin, Necla (Demet Akbag), uma mulher amarga que se instalou no hotel por causa do divórcio e de uma depressão.
Uma das cenas mais incômodas é justamente um longo diálogo entre Aydin e Necla. Ela faz questão de diminuir o ego do homem, mesmo em se tratando de coisas simples, como o seu prazer em escrever as tais crônicas. É uma cena com pouquíssimos movimentos de câmera e isso acaba contribuindo para sua excelência e o sentimento de inquietude que provoca.
Podemos destacar mais duas cenas impactantes, pelo menos: a da festa organizada por Nihal, em que Aydin não é convidado; e a visita de Nihal a uma casa pobre, de pessoas que devem ao marido o aluguel atrasado. Ambas são desconfortáveis: a primeira por sentirmos a dor de Aydin; a segunda por razões que é melhor não dizer aqui, mas que intoxica o nosso sangue com sua carga emocional. Essas três cenas e mais o belíssimo final são o bastante para pensarmos em WINTER SLEEP como um dos filmes mais belos exibidos em nosso circuito nos últimos anos.
domingo, julho 05, 2015
MEU PASSADO ME CONDENA 2
Quem já viu MEU PASSADO ME CONDENA – O FILME (2013) não pode sair reclamando da sessão de sua continuação, MEU PASSADO ME CONDENA 2 (2015). Aliás, creio que são poucas as pessoas que saem reclamando, já que apesar de ser uma comédia romântica cheia de clichês “inspirados” no cinema americano, as pessoas estão ali para rir das presepadas já conhecidas de Fábio Porchat e se encantar mais uma vez com a simpatia e o charme de Miá Mello.
Um fato que pode gerar um maior interesse, inclusive até entre os que não simpatizaram com o primeiro filme ou com as comédias nacionais como um todo, é a direção de Julia Rezende, que neste ano se mostrou capaz de dirigir uma história de amor muito boa, que não fica a dever às atuais histórias do gênero produzidas em Hollywood atualmente. Trata-se de PONTE AÉREA (2015), o tocante filme estrelado por Caio Blat e Letícia Colin.
Infelizmente, ou felizmente para alguns, PONTE AÉREA não funciona como uma ponte para MEU PASSADO ME CONDENA 2, que volta ao registro cômico e no piloto automático do primeiro filme, que já se aproveitava da boa química entre Fábio e Miá da série de televisão homônima (2012-2013).
O novo filme inverte a situação – de uma lua de mel para uma crise num casamento de dois anos – para permanecer igual, já que há novamente uma viagem envolvida (bom aproveitar para apreciar a paisagem rural de Portugal), bem como um novo quadrado amoroso. O tal quadrado ocorre quando Fábio encontra uma ex-namorada dos tempos de adolescência, Ritinha, vivida pela belíssima Mafalda Pinto, que por sua vez tem um namorado ciumento que em certo momento cria certa tensão com Miá, Álvaro (Ricardo Pereira).
De todo modo, as terras lusitanas fazem bem ao filme, já que há situações que funcionam muito bem, como a própria dificuldade em chegar ao vilarejo, passando pela confusão no velório da avó de Fábio. Isso em meio a um casamento prestes a explodir, devido à insatisfação de Miá com Fábio, que ainda é um meninão. A bronca toda é justamente essa: Miá quer que ele seja uma pessoa mais responsável. Por outro lado, ele, embora não queira a separação, fica um tanto cansado das reclamações da esposa.
Alguns momentos quebram o ritmo da narrativa, como a subtrama envolvendo o avô de Fábio e uma mulher que quer extorquir seu dinheiro. Há também uma leveza excessiva nas cenas do envolvimento de Fábio com Ritinha. Não faria mal se houvesse um pouco mais de tensão e quem sabe um pouco de culpa ali. Mas falar isso seria querer que MEU PASSADO ME CONDENA 2 fosse outro filme, quando a intenção da diretora é mesmo deixar tudo bem leve, fazer com que o público saia da sala com um sorriso no rosto. Mesmo que esqueça o que acabou de ver durante o lanche pós-cinema.
sábado, julho 04, 2015
O EXTERMINADOR DO FUTURO – GÊNESIS (Terminator Genisys)
Cada vez mais Hollywood tem se especializado em criar diversões tão escapistas e divertidas quanto esquecíveis. A própria franquia O Exterminador do Futuro, embora tenha marcado gerações, com seus dois primeiros títulos dirigidos por James Cameron, no fundo não se levava muito a sério. E justamente o filme que mais se levou a sério da franquia é o mais esquecível e mais chato, O EXTERMINADOR DO FUTURO – A SALVAÇÃO (2009), de McG. Logo o McG, um cara que ganhou fama com dois filmes tão divertidos no currículo (os dois das Panteras).
Pois bem. Um dos méritos do novo O EXTERMINADOR DO FUTURO – GÊNESIS (2015) é não se levar a sério. Além do mais, é divertido brincar com a questão das viagens no tempo e no quanto isso altera os possíveis futuros, criando diversas linhas do tempo. Na época de O EXTERMINADOR DO FUTURO (1984), de James Cameron, não havia essa cultura, o público talvez não estivesse preparado para isso. Era tudo muito simples até.
E se a franquia estava mesmo uma bagunça (sem falar que depois apareceu uma série de televisão de duas temporadas e até livros), nada como ignorar pelo menos os dois anteriores da série e tentar fazer algo totalmente diferente. Afinal, com uma série que se estende por mais de 30 anos, é um saco ter que ficar lembrando de detalhes ou ter que ficar revendo os filmes para poder se preparar para a nova produção, embora seja isso mesmo que Hollywood queira de nós.
No comando de O EXTERMINADOR DO FUTURO – GÊNESIS está Alan Taylor, um homem mais famoso pelos ótimos episódios que dirigiu para GAME OF THRONES do que pelo fraco THOR – O MUNDO SOMBRIO (2013) para a Marvel. Sem falar que da série sangrenta e política da HBO ele trouxe consigo a bela Emilia Clarke, que é a melhor coisa do elenco. Sim, tem o Arnold Schwarzenegger, dono de um grande carisma, mas ele é mais o sujeito que surge de vez em quando para salvar os necessitados. A história gira, mais do que nunca, em torno de Sarah Connor (Clarke).
Emilia Clarke ajuda a compensar a falta de carisma de Jai Courtney, que vive Kyle Reese, o homem que volta ao ano de 1984 a fim de salvar Sarah de um exterminador enviado para matá-la, como vimos no filme de 1984. Reese foi enviado pelo líder da resistência humana contra as máquina e filho de Sarah, John Connor (Jason Clarke), em 2029.
Até aí não há nada diferente do primeiro filme. Inclusive, a chegada do primeiro exterminador e de Reese são recriadas de maneira bem criativa, só que dessa vez com algumas mudanças. Sarah não é mais uma donzela prestes a ser salva pelo herói do futuro, mas uma guerreira preparada para lutar contra os robôs e a ajudar o aguardado e atordoado Kyle Reese quando de sua chegada.
A partir daí o filme segue com várias cenas de ação pouco empolgantes, ainda que sirvam para entreter, e também na questão das viagens temporais e dos destinos supostamente marcados de Sarah e Kyle. Mas uma coisa eles não esperavam: a aparição do próprio John Connor na história. Mas não do jeito que gostariam.
No meio desse roteiro que privilegia esses personagens, o exterminador amigável vivido por um envelhecido Schwarzenegger às vezes é deixado de lado, ainda que roube a cena com seu jeitão todo particular e com o acumulado de experiência com humor que o “governator” teve ao longo de sua carreira, provando ser mais versátil do que se pensava. Só o fato de darem uma explicação plausível para seu envelhecimento já conta pontos a favor do filme.
Resta saber se este quinto título da franquia vai resistir ao tempo ou se se tornará tão esquecível quanto o terceiro e o quarto. Ao que parece, a intenção é fazer uma espécie de nova trilogia a partir dos acontecimentos deste novo filme. Antes disso, porém, Schwarzenegger tem mais duas continuações anunciadas: uma de IRMÃOS GÊMEOS e um terceiro filme com o herói bárbaro Conan.
sexta-feira, julho 03, 2015
CINEMA PARADISO (Nuovo Cinema Paradiso)
Falar de CINEMA PARADISO (1988), pra mim, é falar de um momento muito especial na minha vida: o momento de minha iniciação à cinefilia – o filme foi lançado aqui em 1990, no saudoso Cine Fortaleza. Talvez ver este trabalho de Giuseppe Tornatore naquele momento tenha consolidado o amor que eu até hoje nutro pelo sétima arte. Afinal, como pude constatar hoje, em sua reexibição em cópia nova em DCP, no agora Cine-Teatro São Luiz, o filme lida com o cinema e o amor como dois elementos que estão de mãos dadas o tempo todo.
Estão juntos quando o pequeno Totó (vivido na fase infantil por Salvatore Cascio) se apaixona pelo cinema e pelos bastidores da magia apresentados pelo projecionista Alfredo (Philippe Noiret). Junte a isso o terno vínculo de amizade que surge entre os dois. Já que o pai de Totó foi à guerra e não voltou, Alfredo é o que mais se aproxima de uma figura paterna. E essa relação entre eles é algo de enternecer o coração do mais bruto dos seres humanos. Como não chorar, por exemplo, na cena da estação?
O amor romântico por uma jovem moça também anda de mãos dadas com o cinema. O jovem Totó/Salvatore (Marco Leonardi) apaixona-se à primeira vista por Elena (Agnese Nano) e a primeira coisa que ele faz é filmá-la com sua pequena câmera. A imagem que ele tem de Elena é também filtrada pela câmera, tornando-a ainda mais apaixonante e bela.
CINEMA PARADISO também traz toda a simplicidade do povo do sul da Itália e o comportamento na sala de cinema. Fazem-se coisas no cinema daquele lugar e época que custamos a acreditar. É um momento de transição entre a censura imposta pelo padre a todo e qualquer beijo e o momento em que finalmente liberam até cenas de nudez, como a de Brigitte Bardot.
Giuseppe Tornatore é tão feliz em sua homenagem ao cinema que é até difícil citar apenas duas ou três cenas. Uma das mais mágicas é uma em que o público sedento por cinema se recusa a sair da sala e Alfredo faz a projeção em praça pública. Há outra sequência linda, que é a da chuva durante uma exibição ao ar livre de ULYSSES. Novamente, Tornatore une o cinema ao amor, dessa vez ao amor romântico, já que surge Elena para mudar aquela noite solitária de Salvatore. Não se sabe o que é mais bonito: ver Kirk Douglas gritando na chuva ou ver Salvatore e Elena aos beijos. Aliás, como esquecer a sequência de beijos no final?
CINEMA PARADISO é para ver mesmo com os olhos molhados. Até porque italiano tem essa coisa mais carregada nas emoções, sem medo de parecer cafona. Por isso uma cena de funeral é um convite às lágrimas, ainda que as lembranças de Salvatore daquele homem extraordinário que foi Alfredo sejam todas de afeto e gratidão. E é por isso que quem já viu o filme uma vez fica ainda mais emocionado na citada cena da estação de trem.
A exibição de CINEMA PARADISO no reformado Cine São Luiz foi uma celebração não apenas do filme de Tornatore, mas da ressurreição de um cinema de rua até pouco tempo atrás dado como quase morto. Ver aquele palácio lindo lotado de pessoas ávidas por um espetáculo memorável e vendido a preços populares, a revitalização de boa parte do Centro da cidade, gente saindo da sessão e andando para suas paradas de ônibus depois das dez da noite, tudo isso é um presente para Fortaleza, uma cidade que anda tão carente de atenção e cuja população precisa tomar de volta os seus espaços. Que isso seja só o início de uma linda conquista.
A Val, Babita e Sonia.
quarta-feira, julho 01, 2015
CINCO CURTAS BRASILEIROS
Mais uma pequena porção de curtas vistos. O interessante é que são filmes totalmente distintos um do outro. Temos experimentações com espaços vazios, paródia de ficção científica, drama de terror, romance misterioso e até uma espécie de documentário paródico com toques internacionais.
GIGANTE
Uma experimentação interessante, que parece ser bastante pessoal para seu realizador, Rafael Spínola. GIGANTE (2014) é um filme que é construído basicamente de fotos ou de imagens sem personagens, de espaços vazios de uma grande casa prestes a ser vendida. O prólogo é tocante, com a descrição em voice-over do diretor (?) narrando um encontro em sonho com sua avó, enquanto vemos fotos da família. O interessante é justamente o filme contar uma história abrindo mão dos aspectos mais comuns de uma narrativa tradicional.
MASTER BLASTER – UMA AVENTURA DE HANS LUCAS NA NEBULOSA 2907N
Curioso como há um interesse por alguns jovens cineastas em fazer filmes de ficção científica, ainda que se destaquem pelo deslocamento e pela estranheza, já que não são reproduções do cinema produzido em Hollywood. Lembra BRANCO SAI, PRETO FICA, de Adirley Queirós, não por acaso presente no elenco. Em MASTER BLASTER – UMA AVENTURA DE HANS LUCAS NA NEBULOSA 2907N (2013), de Raul Arthuso, há até uma narração em uma língua estranha e uma fotografia em preto e branco em janela clássica. O mistério do investigador gira em torno de um sol vermelho que apareceu em uma cidade e mudou a rotina de todos. Pena que o filme é longo demais e chega a aborrecer perto do final.
O BOM COMPORTAMENTO
Mais um filme que opta pela janela 1,33:1, embora isso não chegue a influenciar muito na apreciação. O BOM COMPORTAMENTO (2014), de Eva Randolph, é um trabalho que deixa uma série de perguntas desde o início, mas isso faz parte da atratividade do filme, que nos apresenta a um grupo de jovens numa espécie de retiro. Algumas coisas estranhas acontecem (fica no ar a relação de um adolescente com um celular), mas aos poucos vamos percebendo que se trata de um filme de gênero (horror), ou com elementos suficientes para podermos classificarmos dessa maneira, já que não é à toa que se conta a história de uma jovem grávida que morreu na cachoeira e que até hoje assombra o lugar. Ao mesmo tempo, vemos a paixão intensa entre um rapaz e uma moça. Um filme bem interessante.
O COMPLETO ESTRANHO
É interessante acompanhar a carreira de Leonardo Mouramateus. Meu primeiro contato com um filme seu foi em 2011, com FUI À GUERRA E NÃO TE CHAMEI, feito em parceria com outros dois amigos. Na época, nem gostei. Só em 2013, quando MAURO EM CAIENA (2012) foi um dos grandes premiados do Cine Ceará que eu comecei a prestar mais atenção em seus demais trabalhos. Sem falar que ele tem se tornado cada vez mais interessante como diretor. O COMPLETO ESTRANHO (2014, foto) é mais uma obra inspirada dele. Interessante como MAURO EM CAIENA termina com uma cena (deslocada?) de festa e esse aqui se passa, boa parte, em uma festa. Embora o melhor aconteça quando as luzes se apagam e a protagonista conhece o tal estranho do título, em um papo de atmosfera interessante e que ainda brinca com a metalinguagem. Vale destacar também o jogo de câmera e de olhares. Sem falar que a curta cena de sexo e nudez mostra que o cinema cearense tem evoluído nesse aspecto também.
BASHAR
Este eu vou ter que puxar da memória. Não consegui cópia dele por aí e o vi já faz algum tempo em uma dessas mostras promovidas pelo Cinema do Dragão. Lembro de não ter gostado muito de BASHAR (2014), de Diogo Faggiano. Talvez por não estar preparado para um misto de documentário e paródia sobre a Guerra da Síria. O filme nem parece brasileiro, nesse sentido. Há muitas discussões políticas a se tratar referente às relações entre Síria e Estados Unidos e sobre o presidente Bashar Al-Assad. Então, ver o filme é uma tarefa um tanto complicada sem fazer alguma pesquisa sobre o assunto ou sem saber um pouco de política exterior. Desse modo, como comprar, além de tudo, a paródia?