sábado, dezembro 02, 2023

FLORA E FILHO – MÚSICA EM FAMÍLIA (Flora and Son)



Tem dias que a gente está mais sensível. Na quinta-feira, testei positivo para Covid e fiquei um tanto triste. Afinal, eu tinha planejado algumas coisas especiais para o fim de semana. Com isso, nem vi nada do Cine Ceará. Ao menos estou conseguindo ver, ainda que lentamente, alguns filmes em casa. Quando se está doente, perde-se um pouco a paciência até para ver filmes. Na quinta-feira estava mais sensibilizado com tudo, e muito grato pelo carinho da Giselle, dos meus amigos do trabalho e da minha família. Cheguei a chorar vendo algumas coisas pelo celular, como o vídeo do Alexandre Linck sobre AFTERSUN enviado pelo Renato e um vídeo com a canção “Céu de Santo Amaro” (com Flávio Venturini e Caetano Veloso cantando), enviado pela Giselle. Juntou tudo isso e lá fui eu escolher para ver um filme de um diretor que geralmente me emociona muito.

Adoro John Carney. E além de tudo ele fez com que eu me envolvesse bastante com um filme, mesmo enfrentando a chateação de estar doente. Isso se dá por ele ser um cineasta que não tem medo de enfiar o pé na jaca no que se refere à manifestação dos sentimentos em seus filmes. Seus trabalhos não são arthouse e também não se enquadram em produções para grandes audiências. Então, acabam ficando numa espécie de limbo, ainda que seja um limbo frequentado por muita gente. 

FLORA E FILHO – MÚSICA EM FAMÍLIA (2023), por exemplo, teve uma disputa acirrada de compra por duas empresas gigantes do streaming: a Amazon Prime e a Apple TV+. A Apple venceu, comprando o filme por U$ 20 milhões. Lembremos que a empresa deu muita sorte quando apostou suas fichas em NO RITMO DO CORAÇÃO, de Sian Heder, e o filme acabou surpreendentemente ganhando o Oscar na categoria principal no ano passado. Então, essa opção por trabalhos com cara de independentes e potencial de agradar um público maior sem muito esforço pode render bons frutos.

O que me encanta nos filmes de Carney é o modo como ele coloca a música como uma espécie de remédio para a vida das pessoas. Em FLORA E FILHO, a música une uma jovem mãe e um filho adolescente que não costumavam se dar muito bem. E há também a relação dessa mulher (Eve Hewson, ótima) com um professor de violão pela internet, vivido por Joseph Gordon-Levitt. São nas cenas entre os dois que eu mais vejo a mágica acontecer, embora a cena que tenha mais me feito chorar foi numa situação entre mãe e filho.

Assim como nos deliciosos APENAS UMA VEZ (2007), MESMO SE NADA DER CERTO (2013) e SING STREET – MÚSICA E SONHO (2016), a música comparece como elemento quebrantador de corações e modificador de vidas. A cena em que Gordon-Levitt fala sobre a boa música ser capaz de mudar a vida de alguém em apenas três minutos é representativa de um forte sentimento de gratidão do cineasta pela música e por seus criadores.

Há uma canção linda que comparece no filme, de Hoagy Carmichael, que eu conheci através do Renato Russo. Chama-se "I get along without very well" e traz a dor como elemento essencial para a constituição e crescimento de uma pessoa. Essa dor é valorizada também nos diálogos dos dois, quando eles estão se conhecendo e reconhecendo as cicatrizes que carregam. Outra canção famosa que ganha destaque como uma obra-prima no filme é “Both sides now”, de Joni Mitchell.

O modo como o filme acaba também me deixou muito surpreso. Por mais que seja uma obra muito leve e capaz até de ser exibida numa Sessão da Tarde, não dá para dizer que é previsível ou banal. Carney opta mais por sentimentos que flutuam no ar do que por enfatizar um tipo de relacionamento mais concreto, e é isso que o torna tão especial e singular. Assim como o casal de APENAS UMA VEZ nunca concretiza seu amor, mesmo estando tão próximos, e assim como os personagens de Keira Knightley e Mark Ruffalo em MESMO SE NADA DER CERTO não chegam a se beijar (que eu me lembre). Em ambos os filmes o amor à música está à frente do amor romântico. No caso de FLORA E FILHO, há uma questão envolvendo o filho que fará com que os planos da protagonista tomem outro rumo, ou pelo menos sejam adiados.

As canções originais que o filme traz nem são tão brilhantes assim (Carney podia ter conseguido melhores parceiros musicais, como anteriormente), mas elas são honestas e coerentes com o fato de terem sido compostas por pessoas comuns fazendo música a partir de suas limitações, e a partir daquilo que as move, seja o amor romântico, seja o relacionamento em família, ou mesmo a intenção nem tão simples assim de conquistar uma garota, como é o caso do rap composto pelo filho de Flora, Max (Orén Kinlan).

No mais, é interessante notar a queda de popularidade das comédias românticas e até dos dramas românticos em língua inglesa na atualidade, pelo menos nos cinemas. Eles estão mais presentes nos streamings, como foi o caso no ano passado de CHA CHA REAL SMOTH – O PRÓXIMO PASSO, de Cooper Raif. Alias, é bom lembrar que o próprio John Carney é o principal nome por trás de uma das séries de antologia mais legais da atualidade, AMOR MODERNO, que rendeu até agora duas temporadas, uma em 2019 e outra em 2022. Recomendo bastante para os apreciadores de histórias de amor à moda antiga, mas com cenários e personagens bem atuais.

+ DOIS CURTAS

NOW AND THEN – THE LAST BEATLES SONG

Este doc de apenas 12 minutos sobre a última canção dos Beatles, lançada dias atrás, passa tão rápido que parece ter apenas três minutos. NOW AND THEN – THE LAST BEATLES SONG (2023), de Oliver Murray, é bonito de ver, dá aquele quentinho no coração, mas também dá aquela sensação triste de que para chegar ao fim definitivo é só questão de tempo. O documentário tem a intenção maior de mostrar o interessante processo de destacar a voz de John Lennon de uma fitinha cassete com qualidade ruim, graças à tecnologia que Peter Jackson desenvolveu para a  maravilhosa minissérie THE BEATLES – GET BACK (2021). Os Beatles remanescentes fizeram bem em esperar, portanto, embora eu não tenha gostado muito da canção. 

THE BEATLES – NOW AND THEN

Confesso que bateu uma sensação de estranheza quando vi a montagem das imagens que mostram John e George junto com Ringo e Paul. Podiam ter caprichado um pouco mais. Não sei se Peter Jackson fez o videoclipe de NOW AND THEN (2023) com alguma pressa. Se bem que, dentro desse cenário mais artificial e cheio de efeitos, até o Ringo ficou parecendo uma figura criada no computador. De todo modo, é interessante poder dar atenção à música e às lembranças materializadas em fotografias e vídeos do passado, dos quatro quando jovens. Achei lindo o instante rápido em que vemos John e George pertinho, no último concerto ao vivo que fizeram, em 1966. Quanto à canção em si, está mais para um trecho de canção que foi expandido e realizado com uma produção classe A do que algo completo. Mas, se é o que tem, então, tudo bem.

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