No início dos anos 2000, o nome de Alexandre Aja foi celebrado como um dos expoentes de um vindouro novo cinema de horror produzido na França. Tal foi o rebuliço que causou o seu ALTA TENSÃO (2003), que trazia alguns elementos de violência gráfica que seriam bastante característicos daquela década, que trouxe exemplares extremos como A INVASORA, de Alexandre Bustillo e Julien Maury; EM MINHA PELE, de Marina de Van; MÁRTIRES, de Pascal Laugier; (A) FRONTEIRA, de Xavier Gens; e, por que não?, IRREVERSÍVEL, de Gaspar Noé, e DESEJO E OBSESSÃO, de Claire Denis.
Aja foi logo acolhido por Hollywood e seu primeiro filme nos Estados Unidos também foi bem recebido, embora fosse um remake de um clássico, VIAGEM MALDITA (2006). Pena que seus trabalhos seguintes não foram assim tão inspirados. ESPELHOS DO MEDO (2008) é bem esquecível; o remake PIRANHA 3D (2010) tem um interessante tom de comédia; e os posteriores, AMALDIÇOADO (2013) e A NONA VIDA DE LOUIS DRAX (2016), praticamente passaram batidos. Ou seja, nos Estados Unidos, Aja ganhou a fama de só ter tido sucesso com duas refilmagens.
Por isso seu nome deixou de ser tão importante agora, quando surge com o novo trabalho. PREDADORES ASSASSINOS (2019) é vendido com o nome de Sam Raimi, um tanto afastado da direção há alguns anos e agora assumindo mais a cadeira de produtor. O que temos neste novo filme de Aja é uma obra bem despretensiosa sobre uma garota que tenta salvar o pai de uma tempestade, mas tem mesmo é que salvar a ele e a si mesma de dois jacarés enormes que estão no porão da velha casa da família.
As questões familiares são poucos exploradas. Apenas o suficiente para que saibamos da ligação de proximidade entre Haley (Kaya Scodelario, que parece estar se "especializando" em filmes de gênero) e seu pai, Dave (Barry Pepper). Interessante notar que ambos estiveram na franquia MAZE RUNNER. Esse pode ter sido um dos motivos da reunião da dupla nesta difícil luta contra dois animais imensos e ávidos por carne e sangue.
O filme tem o mérito não só de nos manter tensos e na torcida pela salvação dos heróis, quanto pela criatividade em trazer tentativas dos personagens de lidarem com essa situação desesperadora. Não bastasse o fato de eles estarem feridos e incomunicáveis com a cidade, o nível da água está subindo e o tempo que lhes resta é muito pouco para ficarem simplesmente esperando a tempestade passar.
Como filmar na água é por si só uma tarefa complicada para qualquer cineasta, há que se dar o devido crédito a Aja, que leva seus heróis a situações bem intensas e até mesmo apavorantes. Outra coisa positiva é que o diretor não queria fazer um filme sobre jacarés tornados gigantes através de radiação ou coisa do tipo. Ou muito menos jacarés girando dentro de um tornado (para citar a franquia trash SHARKNADO). Isso faz com que seu trabalho fique mais próximo do realismo e muito mais fácil de ser comprado pelo espectador.
+ TRÊS FILMES
GODZILLA II - REI DOS MONSTROS (Godzilla - King of the Monsters)
Mais uma superprodução que é um desperdício de tudo: do talento de seus atores, do dinheiro gasto e também de nosso tempo na sala escura. Logo o tempo, o mais precioso dos bens. Mas, enfim, cinema é risco também e eu tinha gostado do primeiro GODZILLA. Este aqui é fraco em tudo: tanto no desenvolvimento dos personagens, quanto na idealização e luta dos monstros, quanto na falta de uma história minimamente interessante (já que a direção também não ajuda). É possível que haja público interessado e até entusiasmado, mas para isso é preciso comprar o filme desde o início, já que o filme parece não querer ganhar o espectador em nenhum momento. A primeira cena do Godzilla é para ser algo épico, mas é só mais um monstro em CGI que ninguém (ou pouca gente) liga. Direção: Michael Dougherty. Ano: 2019.
BRIGHTBURN - FILHO DAS TREVAS (Brightburn)
Muito bom quando vemos um filme de terror com tal domínio de narrativa e inteligente ao reinventar a origem do Superman: o que aconteceria se o garoto que caiu na Terra fosse poderoso e também muito malvado? BRIGHTBURN é envolvente e parece um exemplar raro de filme de terror de qualidade estreando em nosso circuito. Fiquei até curioso para ver o longa anterior do diretor, A COLMEIA (2014), que deve ter estreado só em algum canal de streaming e quase ninguém deve ter visto. Direção: David Yarovesky. Ano: 2019.
OPERAÇÃO OVERLORD (Overlord)
Não vi em IMAX, mas acho que vale ver sim, para melhorar a experiência. Foi um dos filmes recentes que mais me surpreendeu positivamente. O trailer não me pareceu nada atraente. Quando vi estava dentro de um drama de guerra intenso que descamba para um horror com gore e tudo. E é um filme que não se prejudica com os seus excessos. Muito bom! As cenas iniciais no avião são tão boas, que lembram as cenas de aviação dos filmes dos anos 30. Direção: Julius Avery. Ano: 2018.
domingo, setembro 29, 2019
quarta-feira, setembro 25, 2019
15 CURTAS BRASILEIROS
O HOMEM NA CAIXA
Belo conto de horror sobre um mágico que, por um infortúnio, vai preso. Dizer mais do filme pode estragar as surpresas. Os diretores conseguem criar um interesse pelo personagem e pelo seu destino a todo instante. No começo, pensei se tratar de um drama político, depois fui vendo que se tratava de outra coisa. A animação é simples, mas realista, e com efeitos de movimento muito eficientes. O final fecha tudo com chave de ouro, lembrando, por alguma razão, algum conto de Poe. Direção: Alvaro Furloni, Ale Borges e Guilherme Gehr. Ano: 2018.
PLANTAE
Animação em tons épicos e sem nenhum diálogo sobre a repercussão fantástica de uma árvore que acabou de ser cortada frente ao homem responsável pelo ato. Podia funcionar como um belo libelo a favor da natureza, mas acabei não vendo muita graça, por mais que haja beleza na arte desenhada e na música utilizada para enfatizar o aspecto espiritual da árvore. Direção: Guilherme Gehr. Ano: 2018.
LÉ COM CRÉ
Animação lindinha e muito inteligente que traz depoimentos reais de crianças sobre determinados temas, sendo que elas são substituídas em imagens por bonecos (um elefante, uma criança, um adulto etc.). Adoro a maneira poética como a criança descreve certas coisas, como o dinheiro, o medo, e a diferença entre meninos e meninas, exatamente os temas abordados no curto espaço de tempo de LÉ COM CRÉ. Bem que podia ser um pouco maior na duração. Direção: Cassandra Rios. Ano: 2018.
ORAÇÃO AO CADÁVER DESCONHECIDO
Muito interessante esta incursão na ficção científica dentro de uma trama com clima de sonho. Há algo entre a primeira e a última semana que me pareceu fora de lugar, mas que talvez por isso tenha feito com que o filme tenha um caráter enigmático para mim. Fiquei impressionado com os efeitos visuais para um filme de orçamento muito limitado. Direção: Sávio Fernandes. Ano: 2019.
MARCO
Antes de mais nada, fiquei impressionado com a atriz principal do filme, que até já conhecia de um filme do Leonardo Mouramateus, se não me engano. Aqui ela é uma jovem mulher que volta à sua cidade natal por um motivo muito especial. Antes de chegar lá, o filme a mostra passando em um bar, andando com uma amiga, conversando com um tio, saindo com os amigos, para só entrar na questão do drama familiar. Que fica um tanto confuso no final, mas o que temos é um conjunto de belas cenas. Direção: Sara Benvenuto. Ano: 2019.
O TEMPO DO OLHAR E O OLHAR NO TEMPO
Samuel Brasileiro já havia mostrado em outros filmes, pelo menos os que eu vi, como no coletivo O ANIMAL SONHADO (2015) e o curta BIQUÍNI PARAÍSO (2015), que tem domínio da linguagem narrativa mais convencional, por assim dizer. Aqui o que temos é um trabalho mais experimental, com a presença da avó e de fotos sendo descritas. Basicamente é isso, mas há algo de muito poético no modo como ele dispõe as imagens e a fala. Ano: 2019.
MARIE
Alguém banque logo um longa-metragem para Leo Tabosa. Tudo neste filme é tão profissional e bonito e intenso que eu fiquei maravilhado. Ele teve a sorte de trabalhar antes, no curta NOVA YORK, com Hermila Guedes. Aqui é com Rômulo Braga, um baita ator. A história envolve dois amigos de infância que viajam para enterrar um senhor idoso em longo trajeto. Um deles passou pela transição de gênero e agora se chama Marie. O filme é composto por umas seis ou sete cenas, mas é impressionante como cada uma é disposta de maneira elegante, com um enquadramento específico com câmera parada, a fotografia deslumbrante de Petrus Cariry e a intensidade dramática. Há uma em especial que me deixou muito arrepiada. É o tipo de filme que a gente lamenta não ser visto por mais pessoas, justamente por ser um curta. A atriz transgênero Wallie Ruy é sensacional! Ano: 2019. (Foto)
RUA AUGUSTA, 1029
Interessante como este filme nos coloca dentro de um cenário de ocupação, tendo a polícia no encalço, parecendo ser muito real e transitando ora pela linguagem do documentário, ora pela dos filmes de found footage (se é que foi essa a intenção ou foi algo acidental). O filme é bem conciso, mas reflete um mês em que houve uma forte ocupação de prédios em São Paulo, durante o ano de 2015. Em um cenário político em que os empresários e a elite são os donos de tudo, inclusive da verdade, é preciso lembrar que a moradia é um direito de todos. Direção: Mirrah Iañez. Ano: 2019.
O GRANDE AMOR DE UM LOBO
O filme que mais alegrou o público no festival por conta de seu jeito moleque de contar a história de um garoto que quer ser cineasta e conta exatamente como será seu filme. Há muita inteligência em usar tanto o humor quanto os poucos recursos para que haja um resultado mais do que satisfatório. A história se passa no município de São Miguel do Gostoso, lugar paradisíaco que tem uma estreia ligação com a história do Diário de um Cinéfilo. Curiosamente, o produtor do filme é Eugenio Puppo, que deve ter ajudado os jovens talentos lá da cidade para a materialização desta obra. Direção: Adrianderson Barbosa e Kennel Rógis. Ano: 2019.
ILHAS DE CALOR
Filme simpático sobre grupo de estudantes de uma escola de Viçosa, uma cidade do interior de Alagoas. O filme traz tanto a realidade de uma sala de aula, sempre um tanto complicada para quem é professor, tendo que lidar com agente da ordem para dirimir o caos, mas há principalmente a liberdade dos estudantes fora da sala de aula, mas dentro das dependências da escola, seja para brincar, seja para namorar. O personagem Fabrício inicia e finaliza o filme. É seu o ponto de vista mais explorado. Direção: Ulisses Arthur. Ano: 2019.
POP RITUAL
Mais uma vez Mozart Freire dá uma aula de filme caprichado na direção de arte. Este aqui talvez seja o seu trabalho mais bem acabado até o momento. O que vemos é um padre que prende um vampiro em uma cama para utilizar de seu sangue. Há ecos de NOSFERATU pela aparência do rapaz que faz o vampiro, mas há quem vá se lembrar de A FORMA DA ÁGUA também. É um filme que se sustenta apenas com as imagens, sem a necessidade de diálogos, e ainda consegue passar uma mensagem política dentro desse cinema de gênero. Ano: 2019.
EU, MINHA MÃE E WALLACE
Filme muito bonito, todo pautado nos silêncios, nos olhares, nos diálogos curtos, na tensão entre os personagens a partir da chegada de um rapaz que esteve distante de todos (Fabricio Boliveira). Não há trilha sonora, e os olhos são todos muito discretos e simples, mas a carga emocional que o filme é capaz de passar é impressionante. Direção: Irmãos Carvalho. Ano: 2018.
COPACABANA-AUSCHWITZ
Filmes sobre o holocausto sempre me doem muito, pois lembramos o quão baixo o ser humano é capaz de chegar em termos de maldade. Este curta aqui é narrado por um sobrevivente dos campos de concentração e o diretor opta por um registro mais de imagens da natureza, opondo o céu azul do Brasil com o céu cinza da Alemanha no inverno dos anos 40. A simplicidade está mais a favor do que contra o filme, mas ainda assim, eu esperava me emocionar mais. Porém, sei que o problema pode ser comigo, que ando com a sensibilidade um pouco alterada. Direção: Jaiê Saavedra. Ano: 2018.
NOIR BLUE - DESLOCAMENTOS DE UMA DANÇA
Um filme que teve um hype bem grande entre o circuito mais fechado de cinéfilos. Eu particularmente gosto mais do filme graças à voz doce da diretora, que fala sem pressa de sua ida à África em busca de suas origens, do quanto ela tem em comum, como brasileira negra, com aquele continente tão receptivo e alegre. São as palavras dela que dão o tom de prazer do doc, mais do que as imagens. E é isso que me incomoda um pouco. Se bem que, como eu sou um apreciador forte das palavras, então, está valendo. Direção: Ana Pi. Ano: 2018.
A PRIMEIRA FOTO
O filme faz parte de uma leva de obras afetivas e familiares que lidam com a questão da ausência/presença de alguém. O diretor (ou eu lírico), que foi rejeitado pelo pai, assume o avô como verdadeiro pai e o que vemos é uma bonita homenagem a um homem. Há o recurso da fala suave presente em outros trabalhos do tipo (inclusive em NO INTENSO AGORA, do João Moreira Salles) e aqui das imagens esmaecidas ou desgastadas pelo tempo. Achei que poderia ser de menor duração, mas entendo e respeito o tempo e a necessidade do artista. Direção: Tiago Pedro. Ano: 2018.
segunda-feira, setembro 23, 2019
O MAL NÃO ESPERA A NOITE – MIDSOMMAR (Midsommar)
Quando Ari Aster estreou em longa-metragem com o ótimo HEREDITÁRIO (2018), muita gente ficou impressionada com a habilidade e a elegância do cineasta em lidar com a câmera. Estávamos diante de um novo caso de garoto prodígio do cinema. Agora com A MORTE NÃO ESPERA A NOITE - MIDSOMMAR (2019), que traz uma dose bem maior de humor, procura-se ainda mais tentar decifrar as intenções de seu realizador.
Pesquisando por seus curtas no IMDB podemos notar que a maior parte deles possui a combinação drama-terror-comédia. Logo, se tivermos a oportunidade de ver essas obras iniciais poderemos compreender melhor esse novo cineasta. Afinal, um diretor cujo primeiro filme é sobre um filho que molesta sexualmente o próprio pai não deve ser muito normal. O que, em se tratando de cinema, e para quem gosta, por exemplo, de David Lynch, é uma maravilha.
Em entrevista ao The Guardian, Aster contou que assistiu aos 11 anos de idade a LARANJA MECÂNICA e a VELUDO AZUL e odiou ambos por considerá-los extremamente perversos. Porém, não parou de rever os tais filmes para compreender o fato de não ter gostado. Entendeu, então, que seu destino era também fazer filmes que incomodassem.
MIDSOMMAR (melhor tratar a partir daqui pelo título original) é descrito pelo cineasta como um filme de fim de relacionamento. Não deixa de ser curioso, mas conta o cineasta que o roteiro foi inspirado em uma situação pessoal de rompimento.
Na trama, Florence Pugh é Dani, uma jovem com problemas de depressão que tem seu mundo devastado com a notícia da morte de sua família. Seu único amigo é o namorado Christian (Jack Reynor). Os amigos de Christian não gostam nada da garota, consideram-na grudenta e problemática. Daí ficam irritados quando Dani resolve ir com eles a uma viagem para a Suécia, mais especificamente para uma cidadezinha chamada Hälsingland, um paraíso que promove a cada ano um festival pagão milenar um tanto estranho para olhos estrangeiros.
Lembrando à primeira vista o clássico O HOMEM DE PALHA (1973), o filme acompanha de forma lenta a descoberta do grupo de jovens americanos aos costumes locais e também a situações bem bizarras, como o desaparecimento de alguns jovens estrangeiros.
A beleza das imagens, a maioria delas na deslumbrante luz do dia (a noite, nessa época do ano, é bem curta) faz do filme um diferencial diante da grande maioria dos filmes de horror, que optam pela noite como momento ideal para as cenas de ação e medo. Aqui alguns momentos que chocam os personagens acontecem com o sol bem presente, como a cena do sacrifício dos anciões da aldeia.
Talvez um dos problemas do filme seja não ser tão forte no que se refere a trazer a loucura para o espectador, já que, há, ao longo da narrativa, um prazer narrativo que nos distancia do incômodo, diferente, por exemplo, de LARANJA MECÂNICA, para citar um dos filmes que incomodou o pequeno Aster. Há, inclusive, uma cena de sexo desconcertante que provoca mais risos que mal estar, ainda que o espírito bizarro esteja lá presente. Aliás, mais uma vez, é sempre bom levar em consideração o senso de humor todo próprio do cineasta.
O nome de Ari Aster se tornou tão importante quanto o de Robert Eggers. Ambos são jovens cineastas que estão chegando ao segundo filme de horror depois de estreias que chamaram muito a atenção da crítica e do público mais exigente e mais interessado em ter novas experiências dentro do gênero. Assim, do mesmo modo que esperávamos com ansiedade MIDSOMMAR esperamos agora a volta de Eggers com O FAROL, previsto para estrear aqui no Halloween.
E podemos dizer que o que Aster traz em seu MIDSOMMAR, e que já havia mostrado em HEREDITÁRIO, é muito mais herdeiro de um cinema de horror mais ligado ao paganismo do que aquele tradicionalmente cristão. A BRUXA também o é, mas traz uma oposição, uma quebra com os preceitos cristãos, a fim de trazer uma ideia de liberdade de espírito bastante transgressora.
Em MIDSOMMAR, os personagens não se mostram religiosos. A presença deles naquele espaço novo é, a princípio, excitante pelo que há de diferente, de exótico. Depois, uma vez que o desaparecimento de alguns deles e o sacrifício humano é mostrado como algo pertencente às tradições milenares daquela comunidade, o elemento do horror vai se formando, mas isso independe do Cristianismo. Aliás, um dos personagens até faz uma comparação de certas tradições com costumes presentes na cultura indiana.
Um elemento claramente comum entre HEREDITÁRIO e MIDSOMMAR é a performance poderosa das duas atrizes protagonistas. No primeiro, Toni Collette; no novo filme, Florence Pugh, jovem que já havia chamado muito a atenção no ótimo LADY MACBETH.
Que Aster continue a nos surpreender. MIDSOMMAR, que hoje divide opiniões, tem tudo para se tornar um clássico no futuro próximo.
+ TRÊS FILMES
VERÃO DE 84 (Summer of 84)
Interessante este filme que bebe na onda de saudosismo dos anos 80. Aqui a semelhança com STRANGER THINGS é grande, embora seja um filme com um pé no realismo. Não há nada de sobrenatural, apenas a história de um garoto que acredita que o policial que mora na casa ao lado é o serial killer que está aterrorizando sua região. E aí ele sai com os outros três amigos usando walkie-talkies para investigar por conta própria o caso. Há também a linda moça vizinha que é desejada/sonhada por ele e que tem um papel bem simpático. Gosto da escolha que os diretores fizeram de demorar bastante até entrar sequências de ação. Desse modo, é até um filme leve, embora surpreenda em sua conclusão. Direção: François Simard, Anouk Whissell e Yoan-Karl Whissell. Ano: 2018.
HISTÓRIAS ASSUSTADORAS PARA CONTAR NO ESCURO (Scary Stories to Tell in the Dark)
Muito interessante este filme com ar de terror oitentista (os protagonistas parecem versões mais velhas dos meninos de STRANGER THINGS (de novo!), com seus walkie-talkies), embora se passe em 1968. A trama principal envolve um livro encontrado em uma casa assombrada. Este livro será fundamental para o destino dos personagens. Legal que o filme se preocupa com a evolução dos personagens e a parte dos monstros também é uma boa sacada. O que cansa um pouco é a resolução, como é de praxe na maioria dos filmes do gênero. Direção: André Øvredal. Ano: 2019.
BRINQUEDO ASSASSINO (Child's Play)
Uma refilmagem que ganha pontos por uma série de coisas, como a atualização/mudança da história original. Além do mais, o filme conta com a presença maravilhosa de Aubrey Plaza. ❤ E eu gostei do garoto também, Gabriel Bateman, que havia aparecido em QUANDO AS LUZES SE APAGAM. A fuga da questão sobrenatural foi interessante, assim como a beleza das cores, das imagens, o ponto de vista do brinquedo, a tecnologia e o senso de humor. Pena que lá pelo meio o filme perca o rumo e se transforme em algo tão desnecessário quanto já imaginávamos inicialmente que fosse. Direção: Lars Klevberg. Ano: 2019.
domingo, setembro 22, 2019
PITTY NA PRAÇA VERDE DO DRAGÃO DO MAR - FORTALEZA, 21 DE SETEMBRO DE 2019
Minha mania de achar que vou ficar deprimido ao ir a um show sozinho não chegou a se dissipar totalmente com essa experiência aqui, mas é tudo questão de estado de espírito. Talvez não estivesse tão feliz comigo mesmo a ponto de ignorar o meu sentimento de solidão e inadequação que tem me incomodado recentemente. De todo modo, foi bom ter a chance de enfrentar esse pequeno e inofensivo monstro. Ainda mais, durante um show como esses, em que as pessoas que estão lá estão todas (ou quase todas) em sintonia com a artista, em comunhão.
Como meu interesse era ver o show de uma artista cujo trabalho eu muito aprecio e já acompanho há muito tempo, e nunca tinha visto nada ao vivo mesmo, embora já tenha assistido quase todos os registros ao vivo dela lançados em DVD (o {Des}concerto ao Vivo, de 2007, segue sendo o melhor registro de um show dela e um dos melhores feitos no Brasil em todos os tempos, por uma série de motivos, mas principalmente pela energia única). Ter chegado atrasado para a apresentação dela no Ceará Music de 2010 foi muito triste pra mim (só peguei as canções finais, mas adorei o que vi/ouvi).
Vale dizer que conseguir companhia para ir a um show da cantora não foi muito fácil para mim. No ano passado, quando ela esteve aqui para a primeira fase da turnê Matriz, convidei umas cinco ou seis pessoas, que não quiseram ir. Acabei desistindo de ir. Deve ser um problema generacional, não sei. As pessoas da minha idade não apreciam ou não conhecem muito o trabalho da cantora. Se bem que eu também convidei pessoas mais jovens do que eu. Enfim, não gastei muita energia para convidar tantas pessoas assim este ano, estando desde já disposto a ir sozinho desta vez. Primeira experiência em um show ao vivo só. E devo dizer que valeu, embora o sentimento de uma leve tristeza estivesse um tanto presente em mim ao longo da noite.
Ainda assim, apreciei o trabalho do DJ que se apresentou antes e principalmente da banda de abertura, a cearense Ouse, que faz um trabalho voltado explicitamente para questões relativas aos direitos das mulheres. O som deles é muito bom e a vocalista July Pessoa tem uma presença de palco incrível. Aliás, só de ver pessoas da geração dela fazendo rock nesses tempos em que o pop impera no cenário internacional já é muito bom. O rock está, desde o início dos anos 2000, em estado de resistência. Mas falemos da Pitty, de seu show.
A cantora e sua banda entra no palco ao som de "Ninguém é de ninguém", do álbum novo. A recepção é calorosa e a canção já está na boca do público. Logo depois vem duas dos primeiros discos, "Admirável chip novo" e "Memórias" (essa com elementos de "bad guy", da Billy Eilish). São duas canções que ainda guardam um frescor impressionante, mesmo tendo sido tantas vezes cantadas e ouvidas. Mas "Memórias" funcionou melhor e fez o público pular, até pela pungência das guitarras (ou união forte do baixo com a guitarra).
"Setevidas", do álbum homônimo de 2014, segue sendo uma canção ainda muito forte nos shows. O álbum, aliás, é um dos mais felizes da banda. Feliz no sentido de ser bem-sucedido, não no sentido do clima do disco, feito após uma experiência de quase morte da cantora, de maior consciência da própria finitude.
A conexão com o disco novo retorna com "Noite inteira", um dos momentos mais bonitos da noite. Para mim, desde a primeira vez que escutei essa canção eu já percebi o potencial incendiário para uma apresentação ao vivo, tanto por ser dançante quanto pelo belo casamento do baixo com a guitarra. "Te conecta" é outra que também funciona bem ao vivo e traz o público para um momento mais relaxante, já que se trata de um reggae. O cheirinho de erva subiu quando essa canção rolou, em versão um pouco mais estendida. Pitty estava curtindo o som.
A candidata a melhor canção da Pitty ever, "Na sua estante", uma porrada sobre a falta que uma pessoa faz depois do fim de um relacionamento, aliado à busca de seguir em frente para esquecer, a faz especialmente forte. Afinal, quem nunca passou por isso? De arrepiar a estrofe final: "Só por hoje não quero mais te ver/só por hoje não vou tomar minha dose de você".
O clima de balada e relacionamentos segue com "Motor", do novo disco. Trata-se de uma canção da banda baiana Maglore de 2013, e que também vem ganhando força recentemente na voz de Gal Costa. Para mim, lembra as canções de dor de cotovelo do Tim Maia. E isso é um elogio. Mas não deixa de ser algo estranho de ver dentro de um álbum da Pitty, que sempre só cantou músicas próprias. Aliás, não é a única cover do disco, não.
Logo em seguida, veio a parte acústica do show, com direito a três banquinhos, com a presença apenas do guitarrista Martin Mendonça, da própria Pitty, claro, e do baixista Guilherme Almeida, todos de posse de seus violões. Foi um momento bem especial, talvez o momento mais bonito do show inteiro. Rolou uma versão diferente e bonitona de "Teto de vidro" e logo em seguida uma homenagem a um dos nossos maiores cantores e compositores do Ceará e do Brasil, Belchior. "Sujeito de sorte" tem um sido um hino para esses dias difíceis. "Ano passado eu morri, mas este ano eu não morro" segue sendo uma espécie de mantra. "Salve Belchior", ela disse ao final. Senti-me um privilegiado neste momento, ao vê-la cantando esta canção.
Logo em seguida, um resgate de uma canção do projeto Agridoce, a linda "Dançando". Nessa hora eu vi algo muito bonito do meu lado. Um casal de garotas que assistiam ao show abraçadinhas. A garota que estava na frente, deixava cair algumas lágrimas enquanto os versos "O mundo acaba hoje e eu estarei dançando com você" ecoavam. Para aquela garota aquele momento certamente vai ser para a vida toda. E fiquei feliz por ela.
Logo em seguida, em momento de transição da fase acústica com a elétrica, vem "Submersa", do novo disco, e a animada "Roda", com participação não exatamente presente da banda BaianaSystem. "Me adora", grande hit, foi a única do disco Chiaroscuro a entrar no setlist. "Máscara" segue sendo imprescindível e foi a que fechou o show antes de a banda voltar para mais duas canções: "Equalize" e "Serpente".
Aliás, é fantástico como "Serpente" ganhou esse espaço para encerramento dos shows da cantora desde a turnê do SETEVIDAS. Nada mais justo, tanto pela beleza e sentimento de serenidade da canção, como pelo fato de ela seguir ressoando até a nossa volta para as nossas casas. Guardadas as devidas proporções, virou uma espécie de "Hey Jude" da cantora, no sentido de que o público segue cantando à capela ao final do show.
Foi um belo e marcante espetáculo. Quanto à minha tristeza, a canção que encerrou o show já dizia tudo: "a sustentação é que amanhã já vem".
sábado, setembro 21, 2019
RAMBO - ATÉ O FIM (Rambo - Last Blood)
Sylvester Stallone perdeu a chance de fazer um baita filme de vingança com o novo RAMBO - ATÉ O FIM (2019), dirigido por Adrian Grunberg, de PLANO DE FUGA (2012). As motivações que ele tem depois que membros de um cartel mexicano sequestram sua filha adotiva são suficientes para esquecermos o quão estereotipados eles são mostrados. O resgate de um familiar sequestrado já é algo que estamos acostumados a ver nos filmes de ação estrelados por Liam Neeson. O diferencial aqui é colocar o lendário John Rambo no encalço dos bandidos.
E também há um diferencial na questão da vulnerabilidade. Stallone não é como Tom Cruise, por exemplo, que quer sempre sair bem na fita nos filmes de ação, com um ego gigante. Stallone parece não se importar, por exemplo, em aparecer levando uma surra de dezenas de homens e ficar no chão. Afinal, seu surgimento foi levando muita porrada no lindo ROCKY, UM LUTADOR.
John Rambo só quer ficar em paz, mas as pessoas não deixam. Isso, aliás, é basicamente o plot do pequeno clássico RAMBO - PROGRAMADO PARA MATAR (1982). Ele só queria curtir a sua solidão em paz. Em ATÉ O FIM ele aparece ainda mais pacífico, bem mais velho e morando com uma família formada por uma garota órfã de mãe e abandonada pelo pai biológico. Ele é o Tio John, mas é o mais próximo de um pai que a garota tem. Há também uma senhora mexicana que cuida da casa e funciona como uma espécie de mãe.
A garota, na ânsia de conhecer o pai biológico, vai parar no México, contra a vontade de John, e acaba sendo raptada e colocada em um grupo de mulheres forçadas a se prostituir. John Rambo vai até lá com o intuito de resgatá-la. E é com essa simplicidade de trama que se constrói RAMBO - ATÉ O FIM.
E dá-lhe cenas de violência gráfica explícita, que até há alguns anos poderia ser mais celebrada pelos fãs de filmes de ação e terror, mas que não parecem chocar a audiência dos dias de hoje. Mas o problema é mesmo a falta de uma melhor solução para a trama, que leva o personagem para o velho exército de um homem que não empolga e esfria o interesse pela vingança, esse elemento tão fácil de gerar a solidariedade do espectador. No mais, o filme poderia ter aproveitado melhor a personagem de Paz Vega, que parece saída de algum filme dos anos 70. Falta de sensibilidade e inteligência dos realizadores, nesse sentido? Talvez.
+ TRÊS FILMES
RAINHAS DO CRIME (The Kitchen)
Estreia na direção da roteirista Andrea Berloff. Não chega a ser um filme ruim, mas é meio problemático na incapacidade de trazer sentimentos de angústia e incômodo tanto pelas cenas violentas quanto pela mudança radical de vida das três mulheres, que passam a chefiar a máfia da Cozinha do Inferno depois que os três maridos são presos. O filme tem uma veia feminista forte e isso é um de seus méritos. Também gosto das três atrizes, mas sempre acho injusto quando surge uma Elisabeth Moss para humilhar as demais. Se bem que a Tiffany Haddish está ótima também. Podia ser algo melhor nas mãos de um bom diretor, talvez. Ano: 2019.
VELOZES & FURIOSOS - HOBBS & SHAW (Fast & Furious Presents: Hobbs & Shaw)
No começo, este spin off da galinha dos ovos de ouro da Universal parece até ser bem bacana, com uma boa maneira de unir novamente os dois protagonistas que se odeiam para uma missão. Há um paralelismo bem interessante, assim como temos uma Vanessa Kirby pra lá de sensual e carismática. Mas depois o filme se estende por tempo demais e quando chega na parte de Samoa a gente quer que tudo termine. Outro problema desses filmes de ação sem muita novidade é que eles ficaram muito para trás depois do evento John Wick, pelo menos dentro do cinema ocidental contemporâneo. Também incomoda um pouco o modo como a franquia foi se distanciando da fisicalidade para ingressar em um pastiche de James Bond com toques de ficção científica no meio. E sem conseguir um resultado bacana com isso. Direção: David Leitch. Ano: 2019.
ATENTADO AO HOTEL TAJ MAHAL (Hotel Mumbai)
Interessante que aqui não temos a Índia colorida de O EXÓTICO HOTEL MARIGOLD. A intenção é mesmo provocar um choque de contraste entre a extrema miséria das ruas de Mumbai e o luxo de cair o queixo do hotel onde se passa a história. É um thriller envolvente e eficiente feito por um diretor iniciante para longas. Os atores estão bem como heróis nascidos das circunstâncias; todo os cinco atores principais. E até os terroristas saem um pouco do preto no branco na cena da ligação de um deles para o pai. No fim, todos são vítimas. Atenção para a bela iraniana Nazanin Boniadi. Já tinha visto a moça em HOMELAND, mas não sabia de onde a conhecia. Direção: Anthony Maras. Ano: 2018.
E também há um diferencial na questão da vulnerabilidade. Stallone não é como Tom Cruise, por exemplo, que quer sempre sair bem na fita nos filmes de ação, com um ego gigante. Stallone parece não se importar, por exemplo, em aparecer levando uma surra de dezenas de homens e ficar no chão. Afinal, seu surgimento foi levando muita porrada no lindo ROCKY, UM LUTADOR.
John Rambo só quer ficar em paz, mas as pessoas não deixam. Isso, aliás, é basicamente o plot do pequeno clássico RAMBO - PROGRAMADO PARA MATAR (1982). Ele só queria curtir a sua solidão em paz. Em ATÉ O FIM ele aparece ainda mais pacífico, bem mais velho e morando com uma família formada por uma garota órfã de mãe e abandonada pelo pai biológico. Ele é o Tio John, mas é o mais próximo de um pai que a garota tem. Há também uma senhora mexicana que cuida da casa e funciona como uma espécie de mãe.
A garota, na ânsia de conhecer o pai biológico, vai parar no México, contra a vontade de John, e acaba sendo raptada e colocada em um grupo de mulheres forçadas a se prostituir. John Rambo vai até lá com o intuito de resgatá-la. E é com essa simplicidade de trama que se constrói RAMBO - ATÉ O FIM.
E dá-lhe cenas de violência gráfica explícita, que até há alguns anos poderia ser mais celebrada pelos fãs de filmes de ação e terror, mas que não parecem chocar a audiência dos dias de hoje. Mas o problema é mesmo a falta de uma melhor solução para a trama, que leva o personagem para o velho exército de um homem que não empolga e esfria o interesse pela vingança, esse elemento tão fácil de gerar a solidariedade do espectador. No mais, o filme poderia ter aproveitado melhor a personagem de Paz Vega, que parece saída de algum filme dos anos 70. Falta de sensibilidade e inteligência dos realizadores, nesse sentido? Talvez.
+ TRÊS FILMES
RAINHAS DO CRIME (The Kitchen)
Estreia na direção da roteirista Andrea Berloff. Não chega a ser um filme ruim, mas é meio problemático na incapacidade de trazer sentimentos de angústia e incômodo tanto pelas cenas violentas quanto pela mudança radical de vida das três mulheres, que passam a chefiar a máfia da Cozinha do Inferno depois que os três maridos são presos. O filme tem uma veia feminista forte e isso é um de seus méritos. Também gosto das três atrizes, mas sempre acho injusto quando surge uma Elisabeth Moss para humilhar as demais. Se bem que a Tiffany Haddish está ótima também. Podia ser algo melhor nas mãos de um bom diretor, talvez. Ano: 2019.
VELOZES & FURIOSOS - HOBBS & SHAW (Fast & Furious Presents: Hobbs & Shaw)
No começo, este spin off da galinha dos ovos de ouro da Universal parece até ser bem bacana, com uma boa maneira de unir novamente os dois protagonistas que se odeiam para uma missão. Há um paralelismo bem interessante, assim como temos uma Vanessa Kirby pra lá de sensual e carismática. Mas depois o filme se estende por tempo demais e quando chega na parte de Samoa a gente quer que tudo termine. Outro problema desses filmes de ação sem muita novidade é que eles ficaram muito para trás depois do evento John Wick, pelo menos dentro do cinema ocidental contemporâneo. Também incomoda um pouco o modo como a franquia foi se distanciando da fisicalidade para ingressar em um pastiche de James Bond com toques de ficção científica no meio. E sem conseguir um resultado bacana com isso. Direção: David Leitch. Ano: 2019.
ATENTADO AO HOTEL TAJ MAHAL (Hotel Mumbai)
Interessante que aqui não temos a Índia colorida de O EXÓTICO HOTEL MARIGOLD. A intenção é mesmo provocar um choque de contraste entre a extrema miséria das ruas de Mumbai e o luxo de cair o queixo do hotel onde se passa a história. É um thriller envolvente e eficiente feito por um diretor iniciante para longas. Os atores estão bem como heróis nascidos das circunstâncias; todo os cinco atores principais. E até os terroristas saem um pouco do preto no branco na cena da ligação de um deles para o pai. No fim, todos são vítimas. Atenção para a bela iraniana Nazanin Boniadi. Já tinha visto a moça em HOMELAND, mas não sabia de onde a conhecia. Direção: Anthony Maras. Ano: 2018.
sexta-feira, setembro 20, 2019
O FIM DA VIAGEM, O COMEÇO DE TUDO (Tabi no Owari Sekai no Hajimari)
Considerado por muitos um dos maiores cineastas de cinema de horror da atualidade, Kiyoshi Kurosawa tem, com frequência, demonstrado interesse em variar. Basta lembrar que um de seus mais recentes trabalhos, PARA O OUTRO LADO (2015), por mais que adentre o terreno do espiritual, não opta pelo medo como fator principal, é sobre um grande amor que retorna da morte, tudo de maneira muito serena. O FIM DA VIAGEM, O COMEÇO DE TUDO (2019), seu mais recente filme, exibido no Festival de Locarno, é de uma delicadeza impressionante. É, desde já, um dos melhores lançamentos deste ano.
O filme nos apresenta a uma repórter de um programa de variedades do Japão que está com sua equipe no Uzbequistão para gravar a história de um lendário peixe de dois metros de comprimento que habita, supostamente, um lago. Como não conseguem gravar o tal peixe, a equipe procura alguma coisa que possa ser interessante para o tal programa. Enquanto passa esse tempo em território estrangeiro, a protagonista de nome Yoko procura conhecer os pontos turísticos do lugar, ao mesmo tempo que lida com a solidão e o sentimento de saudade do namorado e uma forte insegurança também, tendo em vista que em determinado momento ele deixa de retornar suas mensagens.
Yoko é protagonizada por Atsuko Maeda, em terceira colaboração com Kurosawa. A primeira foi, inclusive, em outro filme ambientado fora do Japão, com ela como protagonista. Trata-se de O SÉTIMO CÓDIGO (2013). Outra informação muito interessante sobre Atsuko é que ela é uma cantora famosa no Japão, uma cantora que se tornou atriz, e que em O FIM DA VIAGEM.. canta em duas lindas cenas. Ela canta uma versão em japonês de "Hino ao Amor" nas duas cenas, mas o sentido da canção muda de acordo com o que acontece na vida da personagem e com o fluxo de seus sentimentos.
Impressionante como o filme nos faz próximos de Yoko. Sentimos medo quando ela sente medo; sentimos solidão quando ela se sente só; sentimos o seu mal estar diante do trabalho quando ela assim se sente; o sentimento de não pertencimento etc. Só por isso o filme já é louvável. Por isso o diretor não economiza elogios a Atsuko, que consegue passar aquilo que sente estando sozinha em cena. E há muitas cenas em que ela está sozinha naquele país estrangeiro e estranho.
Há uma cena especialmente tocante: ela tem a ideia de rodar uma matéria sobre um bode que está preso em uma casa e ela deseja libertar o animal. Como a equipe compra a ideia, eles vão em busca de realizar esta ação. E as cenas de Yoko com o bode e o reencontro são tão cheias de ternura que só aumentam ainda mais o grau de quase inocência que a personagem transmite. De vez em quando personagens assim fazem bem para nosso espírito. E por isso filmes assim são tão valiosos.
+ TRÊS FILMES
RETRATO DO AMOR (Photograph)
Uma baita decepção este novo trabalho de Ritesh Batra, depois do lindo LUNCHBOX e do muito bom NOSSAS NOITES. Aqui a história de amor parece não funcionar em momento algum. Faltam tanto ao rapaz quanto à moça carisma e também química entre os dois. Talvez o excesso de "sutileza" tenha resultado em algo quase nulo. A trama fica tão morna que nem mesmo cheguei a torcer pelos dois. O filme não traz tanto do habitual caos nas ruas tão comuns nos filmes indianos. É mais focado na relação entre os dois e na mentira que criam para a avó do sujeito. Se bem que não deixa de ser um diferencial ver um personagem homem e heterossexual sofrendo a pressão de ter que casar. Geralmente só vemos isso em personagens femininas. Ano: 2019.
VISION
É o tipo de filme que a gente quer gostar, que contém cenas muito bonitas e um enredo complicado e que é meio que a cara de filmes japoneses de ficção científica e de alguns animes cabeça, mas que se revela um problema ao final da projeção. Naomi Kawase parece desde o começo puxar um sentimentalismo através de imagens (as lágrimas da personagem de Juliette Binoche ao presenciar o espaço geográfico milenar japonês), mas que precisa de uma maior conexão com o espectador para que se efetive. Gosto das duas cenas discretas de sexo, mas isso é mérito principalmente da beleza e da sensualidade de Binoche. É algo que já estamos acostumados a ver em filmes franceses. No final, a tal erva vision me pareceu bem pouco compreensível. Mas como eu acho que cinema é mais para sentir do que para entender, nem foi esse o problema. Ano: 2018.
BANGLA
E, ao que parece, nasce um novo talento das comédias românticas. O jovem Phaim Bhuiyan dirige e protagoniza esta história de amor sobre um jovem bengali que se apaixona por uma italiana. Como sua religião não permite sexo antes do casamento, isso começa a perturbá-lo, e muito. Um dos méritos do filme é nos fazer torcer pelo romance dos dois, entender os obstáculos, se apaixonar pela moça (que adorável que é Carlotta Antonelli!) e saber que toda grande história de amor traz obstáculos para que a tensão se estabeleça e a união seja possível. Saí do cinema leve. Se a vida real não está sendo tão gentil, às vezes é o cinema que traz um desses sonhos materializados. Ou quase. Ano: 2019.
O filme nos apresenta a uma repórter de um programa de variedades do Japão que está com sua equipe no Uzbequistão para gravar a história de um lendário peixe de dois metros de comprimento que habita, supostamente, um lago. Como não conseguem gravar o tal peixe, a equipe procura alguma coisa que possa ser interessante para o tal programa. Enquanto passa esse tempo em território estrangeiro, a protagonista de nome Yoko procura conhecer os pontos turísticos do lugar, ao mesmo tempo que lida com a solidão e o sentimento de saudade do namorado e uma forte insegurança também, tendo em vista que em determinado momento ele deixa de retornar suas mensagens.
Yoko é protagonizada por Atsuko Maeda, em terceira colaboração com Kurosawa. A primeira foi, inclusive, em outro filme ambientado fora do Japão, com ela como protagonista. Trata-se de O SÉTIMO CÓDIGO (2013). Outra informação muito interessante sobre Atsuko é que ela é uma cantora famosa no Japão, uma cantora que se tornou atriz, e que em O FIM DA VIAGEM.. canta em duas lindas cenas. Ela canta uma versão em japonês de "Hino ao Amor" nas duas cenas, mas o sentido da canção muda de acordo com o que acontece na vida da personagem e com o fluxo de seus sentimentos.
Impressionante como o filme nos faz próximos de Yoko. Sentimos medo quando ela sente medo; sentimos solidão quando ela se sente só; sentimos o seu mal estar diante do trabalho quando ela assim se sente; o sentimento de não pertencimento etc. Só por isso o filme já é louvável. Por isso o diretor não economiza elogios a Atsuko, que consegue passar aquilo que sente estando sozinha em cena. E há muitas cenas em que ela está sozinha naquele país estrangeiro e estranho.
Há uma cena especialmente tocante: ela tem a ideia de rodar uma matéria sobre um bode que está preso em uma casa e ela deseja libertar o animal. Como a equipe compra a ideia, eles vão em busca de realizar esta ação. E as cenas de Yoko com o bode e o reencontro são tão cheias de ternura que só aumentam ainda mais o grau de quase inocência que a personagem transmite. De vez em quando personagens assim fazem bem para nosso espírito. E por isso filmes assim são tão valiosos.
+ TRÊS FILMES
RETRATO DO AMOR (Photograph)
Uma baita decepção este novo trabalho de Ritesh Batra, depois do lindo LUNCHBOX e do muito bom NOSSAS NOITES. Aqui a história de amor parece não funcionar em momento algum. Faltam tanto ao rapaz quanto à moça carisma e também química entre os dois. Talvez o excesso de "sutileza" tenha resultado em algo quase nulo. A trama fica tão morna que nem mesmo cheguei a torcer pelos dois. O filme não traz tanto do habitual caos nas ruas tão comuns nos filmes indianos. É mais focado na relação entre os dois e na mentira que criam para a avó do sujeito. Se bem que não deixa de ser um diferencial ver um personagem homem e heterossexual sofrendo a pressão de ter que casar. Geralmente só vemos isso em personagens femininas. Ano: 2019.
VISION
É o tipo de filme que a gente quer gostar, que contém cenas muito bonitas e um enredo complicado e que é meio que a cara de filmes japoneses de ficção científica e de alguns animes cabeça, mas que se revela um problema ao final da projeção. Naomi Kawase parece desde o começo puxar um sentimentalismo através de imagens (as lágrimas da personagem de Juliette Binoche ao presenciar o espaço geográfico milenar japonês), mas que precisa de uma maior conexão com o espectador para que se efetive. Gosto das duas cenas discretas de sexo, mas isso é mérito principalmente da beleza e da sensualidade de Binoche. É algo que já estamos acostumados a ver em filmes franceses. No final, a tal erva vision me pareceu bem pouco compreensível. Mas como eu acho que cinema é mais para sentir do que para entender, nem foi esse o problema. Ano: 2018.
BANGLA
E, ao que parece, nasce um novo talento das comédias românticas. O jovem Phaim Bhuiyan dirige e protagoniza esta história de amor sobre um jovem bengali que se apaixona por uma italiana. Como sua religião não permite sexo antes do casamento, isso começa a perturbá-lo, e muito. Um dos méritos do filme é nos fazer torcer pelo romance dos dois, entender os obstáculos, se apaixonar pela moça (que adorável que é Carlotta Antonelli!) e saber que toda grande história de amor traz obstáculos para que a tensão se estabeleça e a união seja possível. Saí do cinema leve. Se a vida real não está sendo tão gentil, às vezes é o cinema que traz um desses sonhos materializados. Ou quase. Ano: 2019.
quarta-feira, setembro 11, 2019
PACARRETE
A edição do festival Cine Ceará deste ano foi talvez a mais bonita, a mais bem-sucedida, a que mais encheu a nossa alma de amor e orgulho. Amor nestes tempos de ódio e intolerância; orgulho do nosso cinema brasileiro, e do nosso cinema cearense, especificamente, que nunca esteve em fase tão boa, tanto em quantidade quanto em qualidade. Não por acaso, tivemos um filme de um diretor cearense abrindo o festival, o premiado A VIDA INVISÍVEL, de Karim Aïnouz; um que ganhou a mostra competitiva, GRETA, de Armando Praça; e o filme que encerrou o festival, PACARRETE (2019), de Allan Deberton. E é deste filme, que chegou com oito kikitos de Gramado, que falaremos agora.
Conheço o trabalho de Deberton desde o ótimo curta DOCE DE COCO (2011), que já mostrava um cineasta que tinha uma sensibilidade muito especial para lidar com questões humanas, com pessoas passando por situações de fragilidade. O curta apresenta uma garota que engravida de um rapaz conquistador de sua cidadezinha. O filme seguinte, O MELHOR AMIGO (2013), trata do amor platônico que um rapaz sente pelo amigo; depois veio OS OLHOS DE ARTHUR (2016), um trabalho que lida com um personagem autista. Ou seja, já dá para ver que desde os seus trabalhos iniciais, Deberton procura fazer uma espécie de defesa de pessoas incompreendidas.
Não é diferente com PACARRETE, sua estreia em longa-metragem no cinema. O que temos aqui é a história de uma mulher considerada louca pela cidade em que mora. A personagem é baseada na verdadeira Pacarrete, uma senhora excêntrica e espalhafatosa de Russas-CE que tentava mostrar o valor da arte e da dança para o povo simples da cidade. A verdadeira Pacarrete se chamava Maria Araújo Lima.
Quem encarna a versão para o cinema da personagem é a ótima Marcélia Cartaxo (prêmio de melhor atriz em Berlim por A HORA DA ESTRELA, de Suzana Amaral, entre outros vários prêmios). Ela esteve presente no curta de estreia de Allan Deberton e novamente se mostra um amuleto de sorte para o jovem cineasta.
É normal ficar um pouco incomodado a princípio com o tom que é dado à personagem. O filme começa com Pacarrete varrendo a calçada de sua casa dançando, lembrando um bocado os musicais da velha Hollywood, especialmente CANTANDO NA CHUVA. O belo colorido da fotografia, com auxílio da luz forte do Ceará, emula o technicolor dos anos de ouro do cinema americano. Depois vemos o quanto a personagem é exagerada na fala, o tom sempre acima. É quando vemos que estamos diante de uma comédia popular, pronta para ser apreciada por um público maior do que o dos festivais.
E, uma vez que nos acostumamos e aceitamos os trejeitos de Pacarrete, fica fácil gostar da personagem, de se solidarizar com ela. Inclusive, há uma fala que ela cita a falta de interesse das pessoas por arte que fez com que o Cine São Luiz em peso batesse palmas.
No elenco, há um personagem que representa uma espécie de contraponto para Pacarrete, o amoroso comerciante Miguel, vivido por João Miguel. Ele tem um carinho todo especial pela bailarina aposentada e isso faz com que ela nutra por ele um sentimento de amor platônico. Pacarrete mora sozinha com a irmã mais velha Chiquinha que vive em uma cadeira de rodas, vivida por Zezita Matos. Ela é outra personagem que traz uma sobriedade que equilibra as falas de Pacarrete. Há também a empregada da casa, Maria, vivida por Soia Lira.
Pacarrete tem interesse em aproveitar a comemoração dos 200 anos da cidade de Russas para apresentar à cidade o seu número de balé, que há tempos ela se dedica em casa, desde que voltou de Fortaleza, para cuidar da irmã mais velha. Porém, ela não é bem recebida pelos funcionários da prefeitura, que acreditam que seu trabalho não é de interesse do público, que quer mesmo uma festa com forró. Sem falar, que não acreditam na sanidade dela.
Em algum momento do filme, o melodrama entra forte e arrepiante. É louvável a transição tranquila que o cineasta consegue fazer da comédia para o melodrama e vice-versa. E muitas vezes de uma hora para outra, como se quisesse emprestar muito da molecagem cearense para o seu filme, como em certo momento muito triste que logo é seguido de uma piada que fez a plateia chorar de rir.
Entre o choro breve e o riso farto, PACARRETE é um dos mais bonitos exemplares recentes do nosso cinema. E chega em um momento muito necessário. Assim como a bailarina que não deixou de lado o seu sonho, precisamos seguir em frente nestes tempos difíceis para a cultura e para a própria sanidade mental. O filme deve estrear em todo o Brasil no primeiro trimestre de 2020.
+ TRÊS FILMES
MARIA DO CARITÓ
Filme simpático, mas que talvez falhe em buscar cenas engraçadas nem sempre sendo bem-sucedido. O mais interessante do filme é o absurdo da situação, da moça vitalina em busca de marido, mas cujo pai a guardou para um santo. Depois veremos que o filme também funciona como uma metáfora da situação política atual no Brasil. Aliás, quase todo filme brasileiro nos faz lembrar da realidade, por mais inocente que pareça. Curiosamente, é um filme que dialoga com A VIDA INVISÍVEL, ao abordar a questão das mulheres sendo enganadas pelos homens, geralmente os pais, representando um patriarcado decadente. Direção: João Paulo Jabur. Ano: 2019.
CANÇÃO SEM NOME (Canción sin Nombre)
Duas histórias paralelas que se cruzam: a da jovem mulher em busca do filho recém-nascido sequestrado e a do jornalista que procura, em um Peru ainda sob domínio da ditadura militar (1988), ajudar aquela mulher. O maior destaque é visual. A fotografia, em 4x3 e em preto e branco, lembra bastante o cinema mudo dos anos 20, com uso de muitas sombras e uma sensação de opressão o tempo inteiro. Ainda assim, há muitas imagens lindas, especialmente as feitas em exteriores. Senti falta de uma maior conexão com o drama dos personagens, mas isso pode ser mais problema meu do que do filme. Direção: Melina Léon. Ano: 2019.
RAFIKI
Senti muita falta de me envolver com as personagens, de me importar com o destino e a união das duas. E isso já diz muito do filme para mim. Por mais que haja a intenção de abordar o tema do preconceito em um país extremamente preconceituoso como o Quênia, não me empolgou em momento algum. Ainda assim, gosto das meninas, que estão muito bem em seus papeis. Direção: Wanuri Kahiu. Ano: 2018.
Conheço o trabalho de Deberton desde o ótimo curta DOCE DE COCO (2011), que já mostrava um cineasta que tinha uma sensibilidade muito especial para lidar com questões humanas, com pessoas passando por situações de fragilidade. O curta apresenta uma garota que engravida de um rapaz conquistador de sua cidadezinha. O filme seguinte, O MELHOR AMIGO (2013), trata do amor platônico que um rapaz sente pelo amigo; depois veio OS OLHOS DE ARTHUR (2016), um trabalho que lida com um personagem autista. Ou seja, já dá para ver que desde os seus trabalhos iniciais, Deberton procura fazer uma espécie de defesa de pessoas incompreendidas.
Não é diferente com PACARRETE, sua estreia em longa-metragem no cinema. O que temos aqui é a história de uma mulher considerada louca pela cidade em que mora. A personagem é baseada na verdadeira Pacarrete, uma senhora excêntrica e espalhafatosa de Russas-CE que tentava mostrar o valor da arte e da dança para o povo simples da cidade. A verdadeira Pacarrete se chamava Maria Araújo Lima.
Quem encarna a versão para o cinema da personagem é a ótima Marcélia Cartaxo (prêmio de melhor atriz em Berlim por A HORA DA ESTRELA, de Suzana Amaral, entre outros vários prêmios). Ela esteve presente no curta de estreia de Allan Deberton e novamente se mostra um amuleto de sorte para o jovem cineasta.
É normal ficar um pouco incomodado a princípio com o tom que é dado à personagem. O filme começa com Pacarrete varrendo a calçada de sua casa dançando, lembrando um bocado os musicais da velha Hollywood, especialmente CANTANDO NA CHUVA. O belo colorido da fotografia, com auxílio da luz forte do Ceará, emula o technicolor dos anos de ouro do cinema americano. Depois vemos o quanto a personagem é exagerada na fala, o tom sempre acima. É quando vemos que estamos diante de uma comédia popular, pronta para ser apreciada por um público maior do que o dos festivais.
E, uma vez que nos acostumamos e aceitamos os trejeitos de Pacarrete, fica fácil gostar da personagem, de se solidarizar com ela. Inclusive, há uma fala que ela cita a falta de interesse das pessoas por arte que fez com que o Cine São Luiz em peso batesse palmas.
No elenco, há um personagem que representa uma espécie de contraponto para Pacarrete, o amoroso comerciante Miguel, vivido por João Miguel. Ele tem um carinho todo especial pela bailarina aposentada e isso faz com que ela nutra por ele um sentimento de amor platônico. Pacarrete mora sozinha com a irmã mais velha Chiquinha que vive em uma cadeira de rodas, vivida por Zezita Matos. Ela é outra personagem que traz uma sobriedade que equilibra as falas de Pacarrete. Há também a empregada da casa, Maria, vivida por Soia Lira.
Pacarrete tem interesse em aproveitar a comemoração dos 200 anos da cidade de Russas para apresentar à cidade o seu número de balé, que há tempos ela se dedica em casa, desde que voltou de Fortaleza, para cuidar da irmã mais velha. Porém, ela não é bem recebida pelos funcionários da prefeitura, que acreditam que seu trabalho não é de interesse do público, que quer mesmo uma festa com forró. Sem falar, que não acreditam na sanidade dela.
Em algum momento do filme, o melodrama entra forte e arrepiante. É louvável a transição tranquila que o cineasta consegue fazer da comédia para o melodrama e vice-versa. E muitas vezes de uma hora para outra, como se quisesse emprestar muito da molecagem cearense para o seu filme, como em certo momento muito triste que logo é seguido de uma piada que fez a plateia chorar de rir.
Entre o choro breve e o riso farto, PACARRETE é um dos mais bonitos exemplares recentes do nosso cinema. E chega em um momento muito necessário. Assim como a bailarina que não deixou de lado o seu sonho, precisamos seguir em frente nestes tempos difíceis para a cultura e para a própria sanidade mental. O filme deve estrear em todo o Brasil no primeiro trimestre de 2020.
+ TRÊS FILMES
MARIA DO CARITÓ
Filme simpático, mas que talvez falhe em buscar cenas engraçadas nem sempre sendo bem-sucedido. O mais interessante do filme é o absurdo da situação, da moça vitalina em busca de marido, mas cujo pai a guardou para um santo. Depois veremos que o filme também funciona como uma metáfora da situação política atual no Brasil. Aliás, quase todo filme brasileiro nos faz lembrar da realidade, por mais inocente que pareça. Curiosamente, é um filme que dialoga com A VIDA INVISÍVEL, ao abordar a questão das mulheres sendo enganadas pelos homens, geralmente os pais, representando um patriarcado decadente. Direção: João Paulo Jabur. Ano: 2019.
CANÇÃO SEM NOME (Canción sin Nombre)
Duas histórias paralelas que se cruzam: a da jovem mulher em busca do filho recém-nascido sequestrado e a do jornalista que procura, em um Peru ainda sob domínio da ditadura militar (1988), ajudar aquela mulher. O maior destaque é visual. A fotografia, em 4x3 e em preto e branco, lembra bastante o cinema mudo dos anos 20, com uso de muitas sombras e uma sensação de opressão o tempo inteiro. Ainda assim, há muitas imagens lindas, especialmente as feitas em exteriores. Senti falta de uma maior conexão com o drama dos personagens, mas isso pode ser mais problema meu do que do filme. Direção: Melina Léon. Ano: 2019.
RAFIKI
Senti muita falta de me envolver com as personagens, de me importar com o destino e a união das duas. E isso já diz muito do filme para mim. Por mais que haja a intenção de abordar o tema do preconceito em um país extremamente preconceituoso como o Quênia, não me empolgou em momento algum. Ainda assim, gosto das meninas, que estão muito bem em seus papeis. Direção: Wanuri Kahiu. Ano: 2018.