Sei que eu meio que prometi escrever primeiro sobre A DAMA DAS CAMÉLIAS (1936), mas tive de dar um salto temporal na filmografia de George Cukor pois, ao tentar copiar o dvd de NASCE UMA ESTRELA (1954), vi que o filme perderia metade da qualidade da imagem e do som, se compactado para um dvd de 4,7 Gb. O dvd da Warner é de dupla camada, em widescreen (o primeiro ano do cinemascope) e excelente qualidade de som e imagem. Logo, a gravação ia sair uma porcaria. Desse modo, tive que ver NASCE UMA ESTRELA antes dos outros, mesmo estando com uma certa má vontade, já que não sou exatamente um entusiasta desses musicais clássicos americanos, cheios de sapateado. Além do mais, a versão lançada em dvd é a estendida, com três horas de duração. Porém, heroicamente, respirei fundo e topei encarar o desafio.
NASCE UMA ESTRELA é um remake luxuoso da primeira versão de 1937, dirigida por William A. Wellman. Houve ainda uma terceira versão em 1976, da era hippie, estrelada por Barbra Streisand. A versão de George Cukor representou também uma tentativa de trazer de volta ao estrelato Judy Garland, a mulher de olhos estranhos mais conhecida pelo papel de Dorothy em O MÁGICO DE OZ (1939). Ela tinha 17 anos quando estrelou O MÁGICO DE OZ e o filme foi ao mesmo tempo uma bênção e uma maldição, já que ela assinou um contrato com os executivos da MGM para não engordar e não perder a voz. Assim, ela começou a tomar remédios para emagrecer e, com o tempo, foi se tornando viciada em drogas e álcool. Sem falar nas tentativas de suicídio. Com tantos problemas, ela acabou sendo demitida da MGM e passou uns tempos na Inglaterra, dedicando-se mais à música que aos filmes. Na época de NASCE UMA ESTRELA, ela era casada com Vincent Minnelli, que fez alguns dos melhores musicais da Era de Ouro de Hollywood. Foi da união dos dois que nasceu Liza Minelli.
O filme é quase autobiográfico, tendo muito do que ela passou, através de sua personagem e do personagem de James Mason, que no filme faz o papel de um ator alcóolatra e demitido da companhia pelo abuso com a bebida e pelo fracasso de seus filmes. Ele se casa com a jovem que ele "descobriu" - interpretada por Garland - e enquanto ela vai cada vez mais se tornando uma estrela adorada pelas multidões, ele vai descendo ao fundo do poço. O filme teria tudo para me agradar, mas o problema é essa minha implicância (ou falta de interesse mesmo) com esse tipo de musical, que acabou atrapalhando a minha apreciação. Achei muito chatas as seqüências cantadas. (Talvez se Garland fosse bonita como a Grace Kelly ou tivesse pernas maravilhosas como a Cyd Charisse eu me interessaria mais.) George Cukor afirma que Garland só não ganhou o Oscar no ano seguinte - perdeu para a princesa Grace Kelly - porque os produtores cortaram quarenta minutos de seu filme. Nem tudo pôde ser recuperado nessa restauração, mas achei interessante as passagens que mostram apenas fotos estáticas ou com zoom, substituindo os trechos perdidos, com diálogos recuperados.
Trata-se de um dos mais importantes musicais da época e a sua fotografia em technicolor em sua abundância de cores vivas ajudou a tornar o filme um ícone gay. Talvez porque a própria Judy Garland já fosse um ícone gay desde O MÁGICO DE OZ. Curiosamente, no dia de seu funeral, cinco dias depois da morte da atriz e cantora, em 22 de junho de 1969, foi o dia de um dos acontecimentos mais importantes da comunidade GLS, o famoso incidente de Stonewall. Esse era o nome de um bar nova-iorquino freqüentado por gays e travestis que, nesse dia, enfrentaram a polícia, que costumava prender principalmente os travestis. E naquela noite, com os ânimos acirrados e a dor pela morte de Garland, os gays resolveram resistir e não arredar o pé do lugar. Esse incidente foi homenageado no primeiro álbum solo do Renato Russo.