Continuando minha peregrinação pela obra de Jean-Luc Godard, falo sobre UMA MULHER É UMA MULHER (1961), segundo longa-metragem e primeira experiência com as cores e com o cinemascope do diretor. O filme é muito agradável de se ver. Brinca - ou subverte - com a comédia romântica e com o musical clássico americano. A assinatura do diretor é inconfundível e a fotografia é linda. Gosto muito dos travellings no clube de striptease.
UMA MULHER É UMA MULHER foi o trabalho que marcou o início da parceria de Godard com Anna Karina, que apareceria em mais seis filmes do diretor - VIVER A VIDA (1962), O PEQUENO SOLDADO (lançado em 1963 mas produzido em 1960, antes, então, de UMA MULHER É UM MULHER), BAND À PART (1964), ALPHAVILLE (1965), O DEMÔNIO DAS ONZE HORAS (1965) e MADE IN USA (1966). Ela foi a musa do diretor durante esse período. Dizem que quando o relacionamento dos dois acabou, Godard ficou ranzinza, nunca mais foi o mesmo. O caso Godard-Karina é um exemplo clássico de como uma mulher influencia fortemente a obra de um artista. Basta lembrar também das mulheres que passaram pela vida de Woody Allen (Diane Keaton, Mia Farrow) e de Tim Burton (Lisa Marie, Helena Bonham Carter). Temos também o caso de Kenneth Branagh, que praticamente afundou sua carreira depois da separação com Emma Thompson. Outros exemplos de parceria marcante de diretor e atriz/esposa: Rossellini e Ingrid Bergman, Antonioni e Monica Vitti.
Alguns dos momentos mais divertidos de UMA MULHER É UMA MULHER são aqueles que mostram Jean-Claude Brialy e Anna Karina xingando-se com a utilização de livros, já que eles não estavam falando um com o outro. Eles se levantam da cama, pegam o abajur e vão atrás de livros nas estantes, procurando palavras ou frases que possam agredir o outro. Achei bastante estranho o relacionamento dos dois. Karina faz o papel de uma mulher que trabalha como stripper para ajudar na renda familiar. Achei estranho também o fato de o seu namorado não ser possessivo ou ciumento. Ela deseja engravidar e ele não gosta nada da idéia, fugindo como o diabo foge da cruz.
UMA MULHER É UMA MULHER é um filme muito bem humorado. Mas é aquele humor tipicamente godardiano. Não é filme pra rir, mas pra sorrir. O único momento melancólico do filme é aquele que mostra Karina e Jean-Paul Belmondo num bar e a vitrola tocando uma canção de Charles Aznavour. ATIREM NO PIANISTA, de Truffaut, inclusive, é citado numa cena. Parece que os amigos da Nouvelle Vague ajudavam-se mutuamente.
Ainda não foi o filme que me tornou um fã de Godard - ACOSSADO (1960) continua liderando minhas preferências -, mas é, sem dúvida, um belo filme. Não virei fã talvez por não ser adepto desse cinema excessivamente autoconsciente de ser cinema, de nunca se levar a sério. Mas isso é Godard. Sei que não posso querer algo diferente vindo dele. Ao menos nesse período.
A cópia que eu consegui foi ripada do DVD da Criterion. Coisa fina.
Agradecimentos à Carol, que me conseguiu essa cópia. Inclusive, quem estiver interessado em filmes do acervo dela, é só passar um e-mail para ela. A Carol tem cópias raras, algumas delas com legendas em português, de vários filmes de vanguarda.