terça-feira, março 14, 2006
ACOSSADO (À Bout de Souffle)
Estava pensando em "pular" ACOSSADO (1960) na minha peregrinação pela obra de Jean-Luc Godard, mas esse filme é muito importante pra que eu não faça uma revisão. Dizem que os filmes de Godard tendem a crescer na revisão (assim falou Sergio Alpendre num comentário), e revendo ACOSSADO eu só tenho a concordar com essa afirmação. Além do mais, como minha memória não é das melhores, em certos momentos, parecia que eu estava vendo o filme pela primeira vez. O único Godard que eu não pretendo rever tão cedo é ALPHAVILLE (1965), que eu acho incrivelmente chato.
ACOSSADO é para muitos a obra-prima maior de Godard. O filme tem uma leveza, uma vontade de viver impressionante. Também gosto muito da refilmagem americana de Jim McBride, A FORÇA DO AMOR (1983), que inverteu um pouco a relação dos progonistas. No lugar de um francês com uma americana, o filme de McBride mostrava um americano (Richard Gere) e uma linda e gostosa francesinha (Valérie Kaprisky). O filme de McBride também tem a vantagem de ser mais convencional e se assumir como uma tragédia, ao contrário de Godard, que parece ter sempre um certo distanciamento; nunca nos esquecemos de que aquilo ali é cinema. Outra coisa: como Richard Gere não era tão canalha como Jean-Paul Belmondo, acabamos simpatizando mais com ele, até porque não é todo dia que aparece um personagem fã do Surfista Prateado.
Um dos grandes trunfos de ACOSSADO é a presença maravilhosa de Jean Seberg, uma americana descoberta por Otto Preminger - ela havia feito JOANA D'ARC (1957) e BOM DIA, TRISTEZA (1958) -, mas que acabou atuando mais no cinema europeu, após o sucesso de ACOSSADO. Suas feições delicadas, seu cabelo curto deixando de fora sua linda nuca, sua graça, tudo contribui para que ela deixe todos os espectadores apaixonados. Dá até raiva quando ela está no quarto com Belmondo e ela fica tentando falar de literatura (Dylan Thomas e William Faukner) e de pintura (Renoir e Picasso) e o ignorante do Belmondo nem liga. Se bem que diante dela, as artes mais nobres parecem mesmo pequenas. Seberg morreu jovem, aos 40 anos, de overdose de barbitúricos.
Em ACOSSADO, Godard já se mostrava bastante interessado na linguagem escrita e na filosofia, como na cena em que Seberg entrevista Jean-Pierre Melville. Adoro quando ela pergunta pra ele sobre a sua maior ambição e ele diz: "tornar-me imortal e, então, morrer". ACOSSADO é um dos maiores marcos do cinema. Ao lado de OS INCOMPREENDIDOS, de Truffaut, o filme de Godard representa um momento culminante na história da sétima arte. A Nouvelle Vague acabou por influenciar o cinema de todo o mundo nos anos 60 e fez com que o cinema tradicional americano entrasse em decadência e precisasse de uma reformulação, que só aconteceria no final da década de 60. O que mais se percebe em ACOSSADO, por exemplo, é a montagem sincopada, a descontinuidade narrativa, a estruturação fragmentada, a câmera na mão, o jazz, o homem contemporâneo e suas idéias.
O filme foi realizado a partir de uma história de Truffaut. Parece que os dois eram grandes amigos no começo, mas foram se distanciando cada vez mais. No campo estético, ainda mais, já que Godard abandonaria o cinema de ficção nos anos 70 e passaria a fazer herméticos ensaios cinematográficos. Li que numa pesquisa da revista MovieMaker, Godard foi considerado o quarto cineasta mais influente de todos os tempos, atrás apenas de Orson Welles, D.W. Griffith e Alfred Hitchcock. Não é brincadeira não.
Algumas curiosidades sobre o filme: dizem que, para passar uma maior sensação de espontaneidade, Godard só passava as falas para os atores à medida que as cenas iam sendo filmadas. Outra curiosidade interessante é que, como não tinha condições de comprar uma dolly, Godard colocou a câmera numa cadeira de rodas em várias cenas do filme. Deve haver muitas outras histórias fascinantes sobre a realização do filme.
Na próxima semana, se tudo der certo, voltarei a falar de Godard, depois que ver pela primeira vez UMA MULHER É UMA MULHER (1961).
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