Interessante a comparação que costumam fazer entre Fritz Lang e Alfred Hitchcock. Ambos seguem trajetórias com algumas similaridades, como o ótimo uso do suspense. Porém, foi Hitchcock quem soube melhor enfatizar este aspecto e ganhar o título de mestre do gênero. Mas temos outro ponto em comum: no ano de lançamento de FÚRIA (1936), Lang e Hitchcock trabalharam com a mesma atriz. Sylvia Sidney também esteve em SABOTAGEM, produção inglesa do mestre do suspense. Mas sua parceria seria maior com Lang, com quem faria uma trilogia que acompanhava o cinema social americano dos anos 1930. Depois de FÚRIA, os filmes seguintes foram VIVE-SE UMA SÓ VEZ (1937) e CASAMENTO PROIBIDO (1938).
É importante vermos que Lang era um estranho em terras americanas. Chegou até mesmo a ser tido como arrogante ou metido a besta por ter vergonha de atender uma ligação do chefão da MGM Louis B. Mayer, por causa de seu inglês ruim. Porém, acabou sendo um ótimo aluno e adentrou a cultura americana através de jornais, de ouvir conversas em ônibus e bares, e até mesmo de visitar tribunais para poder trazer mais realismo para sua primeira realização nos Estados Unidos. Quanto ao inglês, foi uma língua que ele fez questão de falar, já que queria evitar o alemão por causa da relação que naquela época havia com o nazismo, que ele mesmo abominava.
Quando comecei a ver o filme lembrei-me de O HOMEM ERRADO, obra-prima da década de 1950 de Hitchcock. Afinal, o principal momento de ação e suspense de FÚRIA começa com Joe Wilson (Spencer Tracy) sendo confundido com um sequestrador de crianças. Ele é preso e tenta poupar sua noiva Katherine (Sidney) dessa situação complicada. Katherine esperava por ele, depois de muito tempo que os dois viviam em estados separados para construírem uma situação financeira melhor e se casarem.
Eis que a multidão daquela pequena cidade fica sabendo que aquele que seria o sequestrador de crianças estava na delegacia e resolve, então, entrar e fazer justiça com as próprias mãos, não importando se o xerife e seus subordinados estavam ali para tentar impedir a entrada. O pobre Joe percebe a encrenca em que se encontra e a multidão incendeia a delegacia. Katherine consegue chegar a tempo de ver o seu amado noivo nas grades, em meio às chamas. Ela, então, desmaia. É uma situação extremamente tensa e perturbadora. Lembra um outro filme feito em Hollywood nos anos 1940, CONSCIÊNCIAS MORTAS, de William Wellman, que também discute o linchamento.
Apesar de eu estar escrevendo sobre a trama do filme aqui, imagino que este texto seja lido para quem já viu o filme, já que surpresas acontecem. Eu preferi ver o filme sem saber nada do enredo e isso foi muito positivo, até para não estar preparado para algo o que viria a seguir. Uma mudança de ritmo é adotada na segunda metade da narrativa, após a loucura que foi a cena da invasão à delegacia.
Uma coisa que eu preciso prestar mais atenção nesses filmes mais antigos de Hollywood é a participação dos negros, ainda que em papéis muito pequenos. Aqui, como se trata de um filme sobre linchamento, poderiam muito bem fazer um filme sobre algo que ocorria com certa frequência nos Estados Unidos: linchamentos de pessoas negras.
Lang não faz um filme para apontar o culpado ou os culpados. Ele, assim como em M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (1931), torna complexa a situação das pessoas que carregam a culpa. Até a obra anterior, LILIOM (1934), também trazia essa questão da necessidade do perdão, ou pelo menos da compreensão dos atos. No caso das pessoas que agiram com a vontade de linchar o homem, vemos que eles agem, principalmente, por causa de uma espécie de explosão de revolta que costuma acometer multidões em circunstâncias de extrema tensão. Por outro lado, vemos um personagem que, de certa pureza apresentada até então, é dominado pelo ódio e pelo sentimento de vingança.
A ida de Lang para os Estados Unidos foi um presente para o cinema americano.
+ TRÊS FILMES
REDEMOINHO (Maelström)
Talvez o menos inspirado dos filmes de Denis Villeneuve, mas fundamental para ajudar a compor a sua filmografia tão coerente. Aqui, mais uma vez temos um protagonista vivendo as pegadinhas da vida. Isso é possível ver em toda a obra do diretor. De 32 DE AGOSTO NA TERRA (1998) até BLADE RUNNER 2049 (2017). Há uma questão moral que me incomodou um pouco, mas depois o filme se acerta. Ah, e Marie-Josée Croze é encantadora. Ano: 2000.
UM HOMEM DE FAMÍLIA (A Family Man / The Headhunter's Calling)
Pode até não ser lá tão bom, mas é um eficiente melodrama sobre trabalho vs. família quando um membro da família está muito doente. Como teve pelo menos um momento que me levou ás lágrimas, já ganhou o meu respeito, mesmo que daqui a um tempo eu o esqueça. Direção: Mark Williams. Ano: 2016.
DOCINHO DA AMÉRICA (American Honey)
Até dá pra entender o motivo de um filme como esse cair direto no Netflix, já que não é de tão fácil digestão. E tem também a questão da duração. Mas há filmes bem mais difíceis e que não passaram por Cannes que vão parar no circuito alternativo. AMERICAN HONEY é um mergulho pelo interior dos Estados Unidos e dos sentimentos da protagonista, uma moça que resolve largar tudo para encarar o novo. Até porque a vida que levava era bem ruim. Direção: Andrea Arnold. Ano: 2016.
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