quinta-feira, maio 31, 2012

MTV AO VIVO - TRIBUTO À LEGIÃO URBANA



Muito boa a oportunidade que a MTV nos ofereceu, ao transmitir ao vivo os dois shows do tributo à Legião Urbana com Wagner Moura no vocal. Ele já havia cantado canções da banda em dois filmes – VIPS e O HOMEM DO FUTURO – e isso acabou servindo como vitrine para ele participar de uma das noites mais emocionantes de sua vida. O ator (e cantor) aceitou a proposta dos membros remanescentes de fazer esse especial, que acabou sendo a mais bela homenagem já feita à banda mais querida do Brasil. Se ele desafinou e se o Bonfá errou a letra de "Teatro dos vampiros" na primeira noite, entre outros problemas, não interessa. O que interessa é a energia, o amor, o entusiasmo que esse show provocou.

O setlist foi especial, tendo também canções nunca tocadas ao vivo: "A Via Láctea" e "Esperando por mim", do álbum A TEMPESTADE, e "Antes da seis", do disco póstumo UMA OUTRA ESTAÇÃO. Mas o grosso do repertório saiu do álbum DOIS, embora tenha tido também muito de AS QUATRO ESTAÇÕES. O segundo show, obviamente, foi menos problemático, menos cara de ensaio, mas acho que perdeu um pouco na emoção. Dado não chorou como na noite de terça, por exemplo. Em vez disso, ele perdeu a cabeça quando um sujeito xingou a sua mãe e ele chamou o cara para subir ao palco, para brigar com ele. Depois que o sujeito foi levado embora pelos seguranças, ele pediu desculpas à plateia.

Mas a grande surpresa da segunda noite foi a alteração do setlist com a inclusão, no finalzinho, de "Faroeste caboclo", que, segundo Wagner Moura, não foi ensaiada nenhuma vez. A decisão de tocá-la veio quando ele viu o público cantando a música em uníssono e ele ficou presenciando aquilo com um sorriso no rosto, de admiração. Moura encarou a letra quilométrica com coragem e mandou muito bem. Como bom ator que é, soube lidar com todas as texturas da canção, seja nos momentos mais calmos, seja nos mais violentos.

Eu diria que o único erro do repertório foi ter colocado "Monte Castelo". A canção é linda, mas mesmo com a orquestra que eles arranjaram, Moura não deu conta de cantá-la propriamente. É uma canção muito difícil de se cantar. Por outro lado, ele se saiu muito bem em outras faixas bem calmas e igualmente lindas, como "Giz" e "Andrea Doria". Assim, a mistura de canções mais rock com outras mais calmas contribuiu para que o resultado fosse muito melhor do que o esperado.

Uma das coisas mais impressionantes da Legião, como também de qualquer outra banda de qualidade, é o quanto as canções mais tocadas ainda continuam a emocionar. Caso de "Pais e filhos", por exemplo, uma canção que começa falando de suicídio, de jovens carentes ou sem família, de uma forma fragmentada. E que na época que tocavam ao vivo, Renato Russo teve a boa sacada de incluir no meio "Stand by me", uma colagem/citação que dialoga perfeitamente com a canção da Legião. Enfim, falar de cada canção da Legião Urbana é coisa para levar noites e noites de bom papo. Com quem gosta da banda, claro. Parabéns ao Capitão Wagner Moura por sua performance apaixonada que honra a banda e o querido e saudoso Renato Russo.

terça-feira, maio 29, 2012

MINHA FELICIDADE (Schastye Moe)



Quando estive em março passado em São Paulo, assisti alguns filmes no cinema, entre eles, o ucraniano MINHA FELICIDADE (2010), do cineasta bielorrusso Sergei Loznitsa. O diretor inclusive esteve em Cannes, apresentando seu novo trabalho, IN THE FOG (2012). Demorei a falar sobre MINHA FELICIDADE aqui no blog porque eu simplesmente mais dormi do que vi o filme no cinema. Foi patético. Com o andamento muito lento, é preciso estar com o sono em dia e a mente alerta para cada introdução de novos personagens e novas subtramas que o filme vai apresentando. Tive a oportunidade de revê-lo em casa, e aí sim posso dizer que se trata de um grande filme.

MINHA FELICIDADE inicialmente acompanha um dia na vida de Georgy, um jovem caminhoneiro que leva um carregamento e que é abordado por policiais rodoviários que abusam do pequeno poder que lhes é atribuído. Georgy consegue fugir deles e segue em frente. Conhece um velho a quem dá carona e este lhe conta, em forma de um breve flashback, de um período em que ele era oficial da União Soviética, na época da Segunda Guerra. Ele se envolveu num incidente que acabou por deixá-lo clandestino, sem identidade.

A falta de identidade é um aspecto muito importante para o filme. Seria uma metáfora da atual Ucrânia, um país esfacelado, que parece possuir pessoas tão pobres quanto os países mais subdesenvolvidos. E mais adiante vemos que a perda de identidade do protagonista também é importante para percebermos o grau de decadência e violência a que o país chegou. Para vermos a imagem triste dos atuais ucranianos, o filme utiliza um belo plano-sequência, que mostra o quanto Loznitsa é virtuoso. A fotografia, aliás, é de uma beleza ímpar, e ainda há um trabalho de aproveitamento do scope e de profundidade de campo que é muito importante para a observação nítida de ações em segundo plano.

No mais, o que pode dificultar um pouco o filme é a quantidade constante de personagens que vêm e que vão ao longo da narrativa. E quando o protagonista sai de cena temporariamente, ficamos um pouco sem chão, tendo que recomeçar de novo com elementos estranhos. Mas é uma questão de acompanhar com atenção e ver que tudo está interconectado. Algumas cenas de destaque: o ataque ao caminhoneiro à noite, o ataque de dois militares marginalizados a um homem que mora sozinho com o filho, o abuso de poder dos policiais rodoviários, que mais parecem psicopatas de filmes de horror rurais americanos. Como se vê, o titulo do filme é de uma grande ironia.

domingo, maio 27, 2012

A GUERRA ESTÁ DECLARADA (La Guerre Est Déclarée)



Por mais que se diga que A GUERRA ESTÁ DECLARADA (2011) é um filme sobre câncer que abre mão do sentimentalismo, há vários momentos extremamente emocionais. A própria natureza do enredo e o fato de ser um garotinho o portador da doença contribuem para que acompanhemos as preocupações do jovem casal de pais, Romeo (Jérémie Elkaïm) e Juliette (Valérie Donzelli), em relação, inicialmente, a coisas aparentemente banais, como por que o filho chora tanto, por que ele está vomitando, por que ele demora tanto a andar etc. São preocupações que qualquer casal deve sentir.

Dirigido pela própria atriz, Valérie Donzelli, o filme começa com o filho do casal sendo submetido a uma daquelas terríveis tomografias, numa daquelas máquinas gigantes e barulhentas que remetem a O EXORCISTA. A partir daí a narrativa volta no tempo até o momento em que os dois se conhecem numa festa e se sentem feitos um para o outro, até pela coincidência de terem os nomes de batismo dos personagens shakespearianos. Aí vem o bebê, Adam. Que torna a vida do casal muito mais difícil e que os levam preocupados a diversos médicos, até descobrirem a doença da criança.

Alguns momentos são particularmente dignos de nota por serem quase como um choro abafado, como na sequência em que Juliette está no hospital, em Marseille, abalada com a notícia de que o filho tem um tumor no cérebro e liga para o celular do marido, que ficou em Paris, cuidando da casa. O momento é intensificado pela escolha da música de fundo: Vivaldi, mais particularmente o Concerto nº 4 em Fá menor, Op.8, Inverno, das Quatro Estações, provavelmente o trecho ao mesmo tempo mais tenso e mais belamente intenso da obra. A beleza extraordinária da música contrasta com a dor daquela situação e gera uma emoção que só não chega a ser conflitante porque a tragédia, para a obra de arte, é algo dotado de extrema beleza.

No mais, com a dedicação do casal ao filho, a entrega total de suas vidas, o desgaste emocional que prejudica a relação, há momentos em que o filme precisa fugir daquele ambiente do hospital, e Romeo e Juliette se permitem ir a uma festa (em uma das melhores sequências do filme) ou a um parque de diversões. Esses momentos servem para nos lembrar da vida lá fora, que eles estão perdendo, que o pequeno Adam está perdendo. Mesmo um momento à Honoré, como a sequência cantada dos dois, que traz um pouco de irregularidade ao filme, também contribui com mais beleza.

A GUERRA ESTÁ DECLARADA foi escolhido para representar a França no Oscar de filme em língua estrangeira este ano. Valérie Donzelli e Jérémie Elkaïm são casados e também são autores do roteiro. Este é o segundo projeto dos dois e um terceiro está a caminho, também a ser dirigido por Valérie.

sábado, maio 26, 2012

MEDO X (Fear X)



Depois da repercussão de DRIVE (2011), o cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn virou a bola da vez, tanto em Hollywood, quanto no resto do mundo. MEDO X (2003) foi o primeiro filme dele falado em inglês e com um rosto conhecido no elenco: John Turturro. Interessante que a produção do filme envolve dinheiro de quatro países: Dinamarca, Reino Unido, Canadá e Brasil! Além de Turturro, aparecem no elenco também Deborah Kara Unger e James Remar (mais conhecido hoje como o pai fantasma de DEXTER). Meu interesse por MEDO X vem de ouvir falar que é o trabalho de Refn que mais lembra David Lynch.

Se DRIVE já guarda uma ambientação que lembra o sumido Lynch, MEDO X remete mais ainda ao trabalho do cineasta americano. A ambientação é ajudada pelos sintetizadores de Brian Eno, que colabora com a tensa e discreta música do filme. MEDO X mostra o drama de um homem que é segurança de um shopping (Turturro), e que teve há alguns meses a sua esposa assassinada misteriosamente. Sua principal rotina ao sair do trabalho é conferir as fitas de segurança do local onde ela levou o tiro. Esse primeiro momento do filme remete bastante a BLOW UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO, de Michelangelo Antonioni, e a UM TIRO NA NOITE, de Brian De Palma. Isso porque há toda aquela tarefa minuciosa de ver e dar pausa no vídeo para procurar, numa imagem sem nitidez, alguma pista que lhe dê pelo menos uma resposta de por que sua mulher foi assassinada.

MEDO X tem um desenvolvimento bastante instigante e o encontro do protagonista com o sujeito que matou a sua esposa é memorável. Talvez seja o momento mais importante do filme. Também vale destacar o momento em que a narrativa muda de ponto de vista, mesmo que de modo breve. Quando ficamos acostumados com o ponto de vista de determinado personagem e essa visão é violentamente mudada, percebemos com estranheza esse instante. Mesmo depois de tantos anos passados de PSICOSE, de Alfred Hitchcock, essa mudança ainda é um tanto ríspida. Se MEDO X não é o mais brilhante dos filmes do cineasta, é um trabalho que aponta para um diretor de futuro. Pena que na época pouca gente deu bola.

sexta-feira, maio 25, 2012

PLANO DE FUGA (Get the Gringo / How I Spent My Summer Vacation)



Uma pena um artista como Mel Gibson estar sendo tratado como um ator de segundo escalão ao ter seu novo filme lançado direto em video on demand nos Estados Unidos. O sistema video on demand é o que permite a assinantes de TV a cabo pagarem o filme em pay per view, no caso, no mesmo dia em que ele está sendo lançado nos cinemas de países como o Brasil. Isso parece muito uma espécie de castigo pela série de presepadas que o ator/diretor andou aprontando nos últimos anos. Nem mesmo o filme UM NOVO DESPERTAR, que sua amiga Jodie Foster dirigiu pensando nele, serviu como redenção.

Deixando de lado um pouco esse problema, é bom ver "Mad Mel" de volta aos cinemas. E dessa vez fazendo um filme de ação bem movimentado, como nos velhos tempos. O trailer de PLANO DE FUGA (2012) já anuncia que os produtores são os mesmos de APOCALYPTO e CORAÇÃO VALENTE, dois filmes dirigidos pelo próprio ator e que têm como uma de suas características mais marcantes a violência. Assim, não falta ao filme dedos decepados e corpos explodindo com granadas. Mas nada realmente tão violento assim. Os três últimos filmes dirigidos por Gibson são bem mais fortes nesse quesito. Provavelmente o fato de o filme não se levar a sério, de ser também uma comédia, contribui para essa atenuação.

Em PLANO DE FUGA não sabemos o nome do protagonista. Só que ele acabou de roubar uma boa quantia em dinheiro e está fugindo da polícia usando uma máscara de palhaço. Como ambas as polícias, tanto a do México, quanto a dos Estados Unidos, são corruptas, sobra espaço para que o bandido se torne herói do filme. Na prisão em que ele é colocado, que mais parece uma cidade, ele se torna amigo de um garoto, que de alguma forma é especial para um grupo de mafiosos que já matou seu pai. O papel de Gibson é manter o seu jeito de quem aguenta tudo, já conhecido de quem viu qualquer um dos filmes da série MÁQUINA MORTÍFERA, e mostrar seu tradicional senso de humor.

Confesso que esperava me divertir mais com o filme, mas, por enquanto, para quem é fã de Mel Gibson, é o que temos. E para o futuro, só o que o aguarda, por hora, é uma participação em MACHETE KILLS, continuação do filme de Robert Rodriguez, um cineasta famoso por ser um tanto desleixado, mas que de vez em quando acerta. Aguardemos melhores notícias.

quinta-feira, maio 24, 2012

THE WOMAN



Poucos filmes fizeram eu me sentir tão desapontado em ser representante do sexo masculino quanto este THE WOMAN (2011), de Lucky McKee. O filme apresenta uma mulher selvagem que é encontrada por um sociopata e presa num celeiro sem necessariamente o consentimento da mulher e dos filhos do sujeito. Até porque todos o temem. A esposa, interpretada pela atriz-fetiche de McKee, Angela Bettis, morre de medo do marido; a filha adolescente é a mais sensata, e vive seus problemas particulares, que só se agravam com o comportamento do pai e ao ver a humilhação e o sofrimento da mulher selvagem; o filho adolescente herda o gene maléfico do pai; e a pequena garotinha é inocente a tudo.

THE WOMAN é provavelmente o trabalho mais brilhante de McKee, que já havia feito uma bela estreia solo com MAY – OBSESSÃO ASSASSINA (2002) e dirigiu meio que uma versão em tons de verde de SUSPIRIA – A FLORESTA (2006). Gostei também do belo trabalho que ele fez para a antologia MASTERS OF HORROR, o média-metragem CRIATURA MALIGNA (2006), que também lida com um tema caro ao diretor, que é a natureza, através de um triângulo amoroso entre duas mulheres e um inseto. Não cheguei a ver RASTROS DE VINGANÇA (2008), que foi um de seus filmes menos badalados. Fico devendo esse, então. Dá para notar que esses filmes só chegaram em locadoras. THE WOMAN, porém, continua inédito comercialmente no Brasil até o momento.

O filme, até por lidar com a violência, especialmente a violência contra a mulher, incomoda bastante e intoxica o sangue. É para nervos fortes. Claro que existem filmes mais violentos por aí, mas THE WOMAN ainda assim surpreende nesse sentido. Não dá para falar das cenas de destaque sem entregar as surpresas que o filme traz, mas adianto que o horror de se capturar uma mulher inocente para fazer dela objeto de um sádico odioso é só o começo.

terça-feira, maio 22, 2012

RAUL SEIXAS – O INÍCIO, O FIM E O MEIO



"Quem não tem presente, se conforma com o futuro."

Não precisou de muito esforço da parte do diretor Walter Carvalho e de seus colaboradores para que RAUL SEIXAS – O INÍCIO, O FIM E O MEIO (2012) se tornasse um belo documentário, por mais tradicional que seja na forma. O cantor e compositor baiano, considerado o nosso "rei do rock", é mostrado através de imagens de arquivo e ilustrado com depoimentos de gente como o irmão Plínio Seixas, as ex-esposas, filhas e companheiras de Raul, Nelson Motta (ele está em todas, mesmo), Pedro Bial, Paulo Coelho, Cláudio Roberto, Caetano Veloso, Marcelo Nova, entre outros.

O filme inicia com uma imagem de SEM DESTINO, filme de Dennis Hopper que foi precursor da "nova Hollywood" e um exemplar importante da chegada da contracultura em Hollywood. Dos filmes americanos, aparece também trecho de BALADA SANGRENTA, um dos vários filmes que Elvis Presley protagonizou e que foi uma obra que mexeu com a cabeça do jovem Raul, que se espelhou no "rei do rock" para construir a sua carreira de músico. No documentário, há, inclusive, depoimento de um dos colegas de infância que fez parte do fã clube de Elvis.

Como quase todo documentário ligado a uma pessoa que já morreu, é praticamente inevitável não encerrar com certa melancolia. A morte, que foi tema de uma das canções mais mórbidas de Raul, sempre nos leva a pensar sobre o sentido da vida e a mexer com nossas emoções. Há sempre o começo, com a personalidade a se formar e um futuro quase sempre brilhante pela frente; o meio, com o artista em seu auge de criatividade e popularidade; e o fim, no caso, a decadência física representada pelo uso abusivo das drogas e da bebida, que gera complicações em sua saúde já debilitada e que repercute nas apresentações tristes de fim de carreira, mal podendo ficar em pé, ao lado de Marcelo Nova.

Entre os depoimentos mais importantes, os de Paulo Coelho são talvez os mais curiosos. Por ser um escritor que não é exatamente uma unanimidade no Brasil, ele quase sempre não é bem visto. Ele lava as mãos quando diz que não se sente culpado por ter levado o então "careta" Raul para o caminho das drogas e da magia negra, que aquela era a sua filosofia de vida e que o cantor já tinha idade suficiente para decidir o que fazer da vida. Na biografia "O Mago", de Fernando Morais, é possível saber muito mais detalhes da parceria dos dois, inclusive o momento em que Coelho resolve deixar a magia negra e a vida que levava – ainda que no livro essa seja uma das várias histórias difíceis de acreditar.

Falando em magia, interessante também o depoimento de dois membros de um culto que os dois participavam, que comentam de maneira rápida acerca da ideia de demônio que a Igreja Católica construiu a partir dos mitos gregos. O fato é que esse esoterismo acabou se tornando a principal marca de Raul Seixas. Sem essa marca, o cantor não seria tão cultuado até hoje e suas canções, ainda que tão diretas que chegavam a todas as classes sociais, não seriam objeto de admiração, reflexão ou mesmo repulsa ou medo, por causa das letras ousadas (boa parte delas do Paulo Coelho) ou heréticas para os mais dogmáticos.

Talvez o que falte ao filme seja mais profundidade, já que há tanto a se falar sobre o cantor, mas isso seria impossível de se fazer com menos de duas horas de duração. Do jeito que ficou, é o suficiente para deixar o espectador emocionado, olhando para a tela do cinema em respeito, por alguns minutos, enquanto os créditos sobem. As imagens finais do documentário são de arrepiar, assim como o trecho escolhido para congelar a imagem e encerrar o filme.

domingo, maio 20, 2012

POSSUÍDAS PELO PECADO



Entre os poucos filmes de Jean Garrett que tenho em meu acervo, vi que ainda não tinha visto POSSUÍDAS PELO PECADO (1976), feito após AMADAS E VIOLENTADAS (1976), já comentado aqui no blog. É o menos brilhante entre os que eu vi do diretor, mas acho que deve ser porque já nivelei o trabalho do cineasta por cima, com o excelente A MULHER QUE INVENTOU O AMOR (1979). Ainda assim, POSSUÍDAS PELO PECADO tem todos os ingredientes que o tornam acima da média da produção da Boca do Lixo da época. É mais uma produção da Dacar de David Cardoso e conta com Helena Ramos, uma Nicole Puzzi bem novinha e o próprio Cardoso.

O filme já começa com um ótimo plano-sequência, mostrando uma festa regada a muito álcool, mulher pelada e libertinagem. Trata-se de mais uma das festas patrocinadas pelo velho empresário alcóolatra, rico e amargurado Dr. Leme (Benjamin Cattan). Ele costuma fazer essas festas para esquecer o fato de nunca ter tido um filho e, divorciado da esposa (Meiry Vieira), vive acompanhado das secretárias Jussara (Zilda Mayo) e Anita (Helena Ramos), e do chofer (David Cardoso). Na casa, há ainda a empregada Isaura e sua filha adolescente Dorinha (Nicole Puzzi). A trama principal, inicialmente, guarda semelhança com o estereótipo do film noir americano: a ex-esposa de Leme quer que o seu amante (Cardoso) arranje um jeito de matar o velho afogado na piscina, num dia em que ele estiver bêbado. Assim, ela ficaria rica e os dois se casariam.

Acontece que o chofer e amante hesita e ainda aparece pelo caminho Dorinha, a jovem apaixonada pelo rapaz e que não descansa até levá-lo para a cama. Entre os coadjuvantes, há Agnaldo Rayol no papel de um desenhista que eles conhecem num inferninho. Helena Ramos aparece como alcóolatra, sempre pedindo por uísque; e o velho Leme sempre a deixando em situação de humilhação. Foi ele que a viciou. Chega a ser até desagradável ver Helena Ramos em papel tão degradante, depois de vê-la tão bela em MULHER OBJETO, de Silvio de Abreu. Mas são ossos do ofício e a atriz desempenha até que bem o seu papel nesse show de horrores dirigido por Garrett, com a ajuda de seu bom companheiro de roteiro Ody Fraga.

O filme só peca em não trazer a dimensão trágica dos outros dois filmes citados de Garrett. O personagem de Cattan também não me agradou por ser histriônico demais. Isso pode até ser proposital, mas não deixa de ser um pouco irritante. No que se refere a sexo, o filme também não chega a ser excitante ou nada do tipo. A nudez e o sexo são mais mostrados como uma degradação moral. Exceto nas poucas e rápidas cenas envolvendo Cardoso e Puzzi.

sábado, maio 19, 2012

O CORVO (The Raven)



A trama de O CORVO (2012), de James McTeigue, não é de todo ruim. A ideia é aproveitar o mistério em torno dos últimos dias da vida de Edgar Allan Poe e criar uma história fantástica, envolvendo um assassino serial que se inspira nos contos de horror do escritor para cometer os seus crimes. Talvez para o público que desconheça a vida e a obra de Poe, o filme sirva como um bom thriller detetivesco, semelhante a uma aventura de Sherlock Holmes. Mas para quem conhece e gosta do escritor, o resultado não é dos melhores. A começar pela escolha infeliz de contratar John Cusack para viver o mais célebre contista americano. A comparação com o ótimo THE BLACK CAT, de Stuart Gordon, com Jeffrey Combs interpretando o escritor, deixa Cusack em situação ainda mais inferior.

Logo se sabe que todos os crimes são uma mensagem do assassino ao próprio escritor. Assim, quem conhece alguns dos trabalhos de Poe, vai reconhecer os poemas "Annabel Lee" e "O Corvo" e as citações aos contos de horror e mistério "O Barril de Amontillado", "A Máscara da Morte Rubra", "O Poço e o Pêndulo", "O Coração Denunciador", "O Mistério de Marie Rogêt", "O Sepultamento Prematuro", entre outros. Aliás, o que de melhor o filme pode fazer é introduzir um pouco de Poe para o público que não o conhece, de modo que o torne atraente para as novas gerações.

Há referências sobre o alcoolismo do escritor, à morte triste de sua esposa Virginia, ao prestígio conseguido na França, à total falta de respeito dos habitantes locais, às tentativas de conseguir sobreviver escrevendo artigos para um jornal de Baltimore, sendo boa parte deles de críticas mordazes a outros escritores. São, enfim, ainda que fragmentários, elementos que quem conhece ao menos um pouco de Poe vai reconhecer.

Um dos principais elementos fictícios da história é um novo interesse amoroso para Poe, na figura da bela Alice Eve, que poderá ser vista também em MIB³ - HOMENS DE PRETO 3. Ela aparece já declamando o poema "Annabel Lee", que não deixa de ser arrepiante, ainda que fora de contexto. Porém, mais do que um fictício novo amor na vida de Poe, a personagem serve mais para desempenhar o papel de donzela em perigo. E isso acaba só comprovando que O CORVO é só um thriller de psicopata bem ordinário.

P.S.: No blog do Diário do Nordeste, uma pequena nota (com trailer) sobre ROMAN POLANSKI: A FILM MEMOIR, documentário narrado pelo próprio cineasta e exibido em Cannes na última quarta-feira.

sexta-feira, maio 18, 2012

UM HOMEM DE SORTE (The Lucky One)



Esses filmes baseados nos romances açucarados de Nicholas Sparks têm dado um bom lucro para Hollywood há mais de uma década. Não sei se UM HOMEM DE SORTE (2012) deu tanta sorte assim quanto os anteriores, mesmo tendo no elenco um rapaz que seria um chamariz para as meninas: Zac Efron. As adaptações de Sparks para o cinema começaram bem, com bons melodramas como UMA CARTA DE AMOR (1999), com Kevin Costner; UM AMOR PARA RECORDAR (2002), com Mandy Moore; DIÁRIO DE UMA PAIXÃO (2004), com Rachel McAdams; NOITES DE TORMENTA (2008), com Richard Gere e Diane Lane; QUERIDO JOHN (2010), com Amanda Seyfried; e A ÚLTIMA MÚSICA (2010), com Miley Cyrus.

E o curioso é que, meio sem querer, eu vi praticamente todos. A exceção foi A ÚLTIMA MÚSICA, que eu nem lembro se passou nos cinemas daqui. Sei que eu tenho uma atração por melodramas, mas geralmente vejo esses filmes com um pé atrás. Porém, de vez em quando é possível ter boas surpresas. No caso de UM AMOR PARA RECORDAR, por exemplo, confesso que não segurei as lágrimas. NOITES DE TORMENTA eu vi logo depois do brasileiro BODAS DE PAPEL, que eu achei infinitamente melhor e tem uma história parecida, então, não me provocou nenhuma reação. E em QUERIDO JOHN, acho que rolou uma lágrima furtiva. Os demais me provocaram certa indiferença.

UM HOMEM DE SORTE não é um filme chato, aborrecido. E tem até algumas cenas emocionantes, destaque para uma cena de Zac Efron com o garotinho, filho da mulher por quem ele procura. Na trama, ele é um militar que sobreviveu a uma guerra no Iraque, numa missão em que quase todos os seus colegas de pelotão morreram. E graças à fotografia de uma mulher que ele encontra no chão, ele escapa de uma bomba. Ele passa a andar com essa fotografia, acreditando que a sua sorte se deve a ela. E fala para si mesmo e para seus colegas, que, se sair vivo, procurará essa mulher para agradecê-la.

Como o filme não quer perder muito a paciência do espectador, ele acaba encontrando a moça bem rapidamente. Pela paisagem, ele descobre que ela mora no Louisiana. Seu nome é Beth, vivida pela ainda pouco conhecida Taylor Schilling, e trabalha num lugar especializado em cuidar de cachorros. Ele tenta falar a verdade desde a primeira vez que a encontra, mas ela acha que ele está procurando emprego. Ele acaba aceitando e deixando rolar aquela nova vida. Enfrenta pelo caminho a hostilidade do ex-marido de Beth, um policial que gosta de mostrar que tem poder, e ganha o carinho e a confiança do filho dela. O resto já é possível imaginar: os dois se apaixonarão. Resta saber se o filme terá um final feliz ou triste para o casal. Em geral, nos filmes baseados nos best-sellers de Sparks, o final é triste. Mas nunca se sabe. No mais, UM HOMEM DE SORTE é apenas razoável em sua tentativa de emocionar. A direção é de Scott Hicks, de SHINE – BRILHANTE (1996).

quinta-feira, maio 17, 2012

O ENCOURAÇADO POTEMKIN (Bronenosets Potyomkin)



Entre os filmes mudos que me perseguiam e eu sempre fugia estava O ENCOURAÇADO POTEMKIN (1925), de Sergei Eisenstein. O motivo de eu ter fugido durante tanto tempo do filme está no fato de ele ser uma obra carregada de uma aura muito pesada. Além do mais, eu já havia tentado vê-lo uma vez, numa exibição na TV Cultura, mas não tinha conseguido passar do segundo ato. É aquele tipo de filme que é mais citado do que visto. Quem nunca viu a homenagem feita por Brian De Palma em OS INTOCÁVEIS da famosa cena das escadarias de Odessa? Viram a homenagem, mas dificilmente viram o original. E eu estava nesse grupo até bem pouco tempo.

De todo modo, O ENCOURAÇADO POTEMKIN está na minha lista de filmes que eu mais respeito do que exatamente gosto. Como CIDADÃO KANE, por exemplo. Ou CASABLANCA. Ainda assim, valeu a pena ter visto o filme e me senti preparado para ver outros trabalhos famosos de Eisenstein, como OUTUBRO (1928), ALEXANDRE NEVSKY (1938) e as duas partes de IVAN, O TERRÍVEL (1944, 1958). Até porque, no caso de OUTUBRO, é um filme que me interessa mais pelo contexto histórico e os demais por já serem filmes falados. Sim, apesar de toda essa maratona e de ter descoberto pérolas preciosas no caminho, ainda sou um pouco resistente ao cinema silencioso.

Mas como não dá para ignorar a importância de Eisenstein para a história do cinema, é preciso ver os seus trabalhos. E O ENCOURAÇADO POTEMKIN é comumente visto em listas de melhores filmes de todos os tempos e muitas vezes encabeçando a lista de melhor filme da década de 1920. Em eleição recente da Liga dos Blogues Cinematográficos, ele ficou na quinta posição. Além do mais, Eisenstein já pensava em cinema antes mesmo de existir cinema. Quer dizer, sua teoria da montagem já era utilizada antes no teatro, mas foi adaptada com o surgimento do cinema, caindo como uma luva.

A montagem do filme é realmente um caso à parte. Admirável. Algumas tomadas gerais, como a dos marinheiros fazendo uma espécie de mosaico com sua formação é impressionante. Mas é a sequência de 11 minutos da escadaria a mais memorável, quando vemos o povo sendo massacrado pelos guardas do Czar russo. Na época, após a Revolução de 1917, toda a arte soviética estava impregnada de propaganda política. E com o cinema não seria diferente. A trama, apesar de se passar em 1905, já é uma mostra à nova nação de que o caminho era aquele. De que o movimento socialista veio para ficar e salvar a população dos antigos dominadores. Ainda assim, nos tempos atuais, o filme pode ser visto de maneira independente de seu contexto histórico: como um exemplar da união do povo diante da crueldade dos poderosos para construção de um novo modelo de vida.

P.S.: Vejam o resultado final da eleição da Liga AQUI. O trabalho conjunto ficou superbonito, com textos da turma e novamente a arte espetacular do Egidio La Pasta Jr.

quarta-feira, maio 16, 2012

OS NOMES DO AMOR (Le Nom des Gens)



É impressão minha ou os franceses estão fazendo melhores comédias? Anos atrás eu sempre achava que eles erravam no tom ou eu mesmo não estava em sintonia com seu tipo de humor, mais cerebral. Também tem o fato de eu conhecer apenas um pouco da produção francesa. Isso foi reavaliado depois de eu me engasgar de tanto rir em uma sessão de FAÇA-ME FELIZ, de Emmanuel Mouret. O caso de OS NOMES DO AMOR (2010), de Michel Leclerc, é diferente. Apesar de ter momentos que convidam o espectador à gargalhada, a maior parte de sua duração é de tentativa (bem sucedida) de conquistar o espectador. No começo, o filme até parece se esforçar demais, ao usar uma narrativa rápida para apresentar os dois protagonistas e suas origens.

Ela, Baya Benhmamoud (Sara Forestier, uma graça), é de origem árabe; ele, Arthur Martin, (Jacques Gamblin) é de origem judia. Ela é uma jovem de vinte e poucos anos, ativista de esquerda e tem uma família bem liberal; ele é um quarentão um pouco quadrado cuja família é cheia de travas, já que a mãe teve seus pais mortos no holocausto e evita falar sobre isso ou qualquer coisa que lembre o assunto a todo custo. O filme lembra um pouco as screwball comedies que os americanos sabiam fazer tão bem nos anos 1930. Só que com um pouco mais de pimenta, já que o tema do sexo não fica só no verbal: a moça é vista totalmente nua diversas vezes no filme. E em momentos engraçados e surreais, como na cena do metrô.

O fio do enredo é por si só já bastante atraente: Baya é uma moça que tem como principal hobbie, quase uma razão de viver, aliás, transar com homens de direita até torná-los esquerdistas. Ela tem, inclusive, um álbum com fotos dos homens com quem transou, com o antes e o depois de eles a conhecerem. Isso é demais para a cabeça de Arthur Martin, mas aquela garota de olhos azuis, sorriso bonito, corpo perfeito e cheia de espontaneidade é difícil de não gostar, mesmo achando estranho o convite imediato dela para transar logo no primeiro convite e na primeira conversa, do tipo, "vamos primeiro comer ou transar?". A primeira cena de sexo dos dois é bonita e sensual, com uma espécie de strip-tease ao contrário.

E quando mal esperamos o filme nos conquistou. Baya nos conquistou também, mas o filme tem essa qualidade de conquistar o espectador aos poucos. Assim fica fácil entender o sentimento de amor crescente de Arthur por ela. Fica fácil também gostar dela quando vemos o amor que ela dedica ao seu pai, que é um sujeito que acredita que sua obrigação na vida é trabalhar e não fazer o que gosta, que é pintar. A cena das duas famílias juntas é um dos pontos altos do filme. Além do mais, OS NOMES DO AMOR é um filme que discute, sem complicar, política, racismo, ideologias, intolerância das mais variadas formas. É, enfim, o que se espera de uma comédia inteligente e engraçada.

terça-feira, maio 15, 2012

BATTLESHIP – A BATALHA DOS MARES (Battleship)



A expectativa em torno de BATTLESHIP – A BATALHA DOS MARES (2012) já era baixa. E o filme ainda consegue mostrar que tudo pode piorar quando a intenção dos executivos de Hollywood é só empurrar mais uma produção barulhenta e sem alma para um público pouco exigente. Ou que eles acreditam ser pouco exigente. Com um gordo orçamento de 200 milhões de dólares, o filme de Peter Berg tem apostado nas referências a TRANSFORMERS para atrair a audiência. E, por incrível que pareça, BATTLESHIP consegue ser pior do que os dois primeiros filmes dos carros-robôs gigantes.

Outra esperança depositada estava na presença de Liam Neeson, ator de prestígio que já deu dignidade a muitas produções de ação. Mas no caso de BATTLESHIP, além de seu papel ser pequeno, é ridículo, como tudo nesta produção. Pelo menos, antes de o filme partir para a ação e os alienígenas genéricos aparecerem no mar, há o interesse amoroso do protagonista (Taylor Kitsch), que aparece no bar no dia de seu aniversário, celebrado com o irmão, da Marinha dos EUA (Alexander Skarsgård). A tal moça é a bela Brooklyn Decker, que poderá ser vista no elenco da comédia O QUE ESPERAR QUANDO VOCÊ ESTÁ ESPERANDO. Como se vê, é um time de jovens atores em que Hollywood tem apostado. Taylor Kitsch começou logo com um grande fracasso de bilheteria, JOHN CARTER, e se BATTLESHIP naufragar também, o ator pode ganhar a fama de "pé frio".

A trama, baseada no jogo Batalha Naval, é bem simples: objetos voadores não-identificados caem em diversas partes do mundo, causando morte e destruição e uma tropa de navios americanos procura lutar contra a ameaça. O filme logo deixa de mostrar os problemas dos outros países (quem liga pra eles, não é?) e foca no que acontece no mar, especialmente no navio em que está o tenente Alex Hopper, o personagem de Kitsch, que pretende encarar de frente a ameaça desconhecida. Depois de mostrar os efeitos especiais à TRANSFORMERS e muito barulho, em certo momento, chega a hora de vermos o visual dos aliens feiosos. Entre uma cena e outra, temos que aguentar as falas monossilábicas e constrangedoras da cantora pop Rihanna, que aqui estreia como "atriz". Ainda assim, por incrível que pareça, pode ser que BATTLESHIP encontre o seu público.

segunda-feira, maio 14, 2012

MEMÓRIAS DO CÁRCERE



Vendo um filme como MEMÓRIAS DO CÁRCERE (1984) é que temos novamente a certeza de que Nelson Pereira dos Santos é um dos gigantes de nosso cinema. Ele tem uma obra irregular, mas uma coisa a gente percebe, acompanhando seus filmes em ordem cronológica e sabendo um pouco dos bastidores: filmes em que ele trabalha com muitos anos de obsessão e entusiasmo saem maravilhosos. Caso de VIDAS SECAS (1963) e de COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS (1972). E assim como aconteceu com VIDAS SECAS, MEMÓRIAS DO CÁRCERE foi pensado durante muito tempo. Quase vinte anos antes ele havia pensando em adaptar o livro de Graciliano Ramos, mas diante de uma ditadura brutal como aquela um filme como esses era inviável.

Mas cada coisa com o seu tempo e MEMÓRIAS DO CÁRCERE, apesar de mostrar a dor da prisão de uma pessoa inocente, um intelectual que foi preso por suas ideias e não por ter cometido crime algum, o tempo de sua realização "coincidiu" com o do período da redemocratização do Brasil. E cada vez que o Hino Nacional é tocado ou cantado no filme, dá um arrepio no corpo, não exatamente de emoção patriótica, mas por ser um cantar pela pátria associado também à dor, ao que ela nos causou, como Jimmy Hendrix tocando "Star Spangled Banner", o Hino Nacional americano, no Woodstock. Há ali toda uma contradição: uma pátria que tanto maltratou os negros, mas que, no entanto, ele mesmo assim a abraça.

Em MEMÓRIAS DO CÁRCERE, tudo parece ter conspirado para dar certo: a escolha de Carlos Vereza para interpretar Graciliano; a jovem Glória Pires, como sua esposa frágil, mas capaz de não só suportar o ocorrido com o marido, mas também de procurar ajudá-lo enquanto ele estava na prisão; o elenco de coadjuvantes de peso, como José Dumont, Nildo Parente, Jofre Soares, Wilson Grey, Tonico Pereira, entre outros; e depois de tantas dificuldades nas filmagens (orçamento apertado e locações complicadas), a glória de receber prêmio da Crítica Internacional em Cannes (junto com PARIS, TEXAS, de Wim Wenders) e o prêmio de melhor filme no Festival de Havana, quando o Cine Charles Chaplin foi abaixo com tantos aplausos ao mestre.

Curiosamente, a cópia que eu peguei do filme foi um VHSrip em duas partes. Eu, sem saber, comecei a ver da segunda parte, que já começa com ele se despedindo da esposa e sendo levado pelos militares. E quando o filme acaba, tão rapidamente, eu fico feito besta. Só então fui ver as primeiras duas horas de filme. Devia ter desconfiado da falta dos créditos iniciais, mas é que o filme flui tão bem que, uma vez que deixamos rolar, nem dá vontade de interromper. Mas se eu gostei tanto do filme vendo-o assim, com as partes invertidas, imagino como seria se o tivesse visto na ordem correta.

Outra coisa que se percebe e que eu não canso de comentar quando o assunto é o cinema de Nelson é o tratamento diferenciado que o cineasta dá às mulheres em seus filmes. No caso de MEMÓRIAS DO CÁRCERE, como não li o livro, não pude fazer uma comparação, mas segundo Helena Salem, autora de "Nelson Pereira dos Santos – O Sonho Possível do Cinema Brasileiro", "embora a adaptação do livro tenha sido bastante rigorosa, em relação às personagens femininas ele se permitiu maiores liberdades – no clima. As mulheres da cela 4 são leves, riem, dançam, brincam entre si – apesar da cadeia. Enquanto que no livro não, na cela 4 há o mesmo clima pesado existente na ala dos homens."

E vale lembrar que, entre as mulheres da cela 4, estava Olga Benário, mulher de Luis Carlos Prestes, que é levada grávida, deportada para a Alemanha, para ser assassinada pelos nazistas, numa história já bastante conhecida. Achei morbidamente curiosa essa relação estreita entre Graciliano e Olga. A sequência é emocionalmente intensa, vista de um buraco que vai da ala dos homens para a pequena cela das mulheres.

No mais, há tanto a se falar sobre esse filme extraordinário, mas o post está ficando longo. Completo, então, falando dessa coisa tão importante chamada liberdade, que a gente geralmente tem e não dá valor. No caso do filme, há uma cena em que os presos passam dias em suas celas, sem poderem sair para a ala maior, depois de terem quebrado tudo num acesso de fúria rebelde. No dia que os soltam, é uma alegria imensa. O mesmo ocorre na sequência final, com Graciliano saindo da prisão. Mas mesmo com o Hino Nacional tocando, não tem como não ficar com aquela mágoa no peito, aquele nó na garganta, aquele sentimento de injustiça que ainda impregna a alma. Mas ao mesmo tempo, há um novo país se formando. E o filme representa também os novos e esperançosos tempos que viriam.

domingo, maio 13, 2012

EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS




A demora até que foi menor do que eu esperava. Graças à iniciativa da nova gestão do Cine Dragão do Mar, o novo trabalho de Beto Brant e Renato Ciasca, EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS (2012), aporta em Fortaleza com apenas algumas semanas de atraso em relação à data de estreia em São Paulo. A expectativa deste que vos escreve era grande, tendo em vista os efeitos devastadores de CÃO SEM DONO (2007), o filme anterior da dupla, em mim. Nem mesmo um problema na projeção, que cortava um pedaço do lado esquerdo da linda fotografia em scope, atrapalhou o prazer de um cinema de tamanha força e beleza.

Muito já se falou da excepcional interpretação de Camila Pitanga e das belas cenas de sexo. Até aqueles que veem o filme com restrições falam da impressionante entrega da atriz ao papel. Logo, não preciso repetir o que todos já disseram, apenas confirmo. Mas como EU RECEBERIA... não é exatamente um filme "de ator", mas um filme de autor - no caso, de autores -, prefiro vê-lo como um exemplar do melhor que a nossa cinematografia já produziu, o que é uma evolução do trabalho brilhante que Beto Brant tem feito desde sua estreia, com OS MATADORES (1997), passando pelo vibrante O INVASOR (2002) e entrando numa série de filmes que exploram com profundidade relacionamentos amorosos, cada um com uma cara própria e sem medo de experimentalismos. EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS é o quarto dessa safra.

Baseado em romance de Marçal Aquino, o filme segue o triângulo amoroso entre Lavínia (Camila Pitanga), uma bela e confusa mulher, o fotógrafo Cauby (Gustavo Machado) e o pastor Ernani (Zecarlos Machado). Os três são como estrangeiros naquele ambiente exótico. Na Amazônia, o culto ministrado pelo pastor Ernani segue uma linha mais sincretista, misturando o discurso tradicional das igrejas evangélicas com cultos a São Miguel e Benjamin. Isso aparentemente é relacionado com as crenças da região Norte do Brasil, também influenciadas pelas práticas religiosas dos índios.

Vale destacar que em nenhum momento o filme mostra Ernani como uma pessoa ruim ou enganadora. Ele acredita no que prega e inclusive tem um papel importante em alertar a população local acerca do desmatamento brutal da floresta amazônica. Mas o momento ligado a religião mais forte do filme é o da oração de Ernani em Lavínia, que a princípio foi recebido com alguns risos por parte da plateia, mas logo foi encarado com a seriedade que essa sequência merece. No entanto, como vemos o filme pelo ponto de vista de Cauby, a tendência é torcermos por ele, como se nós, meros espectadores, também pudéssemos possuir o corpo de Lavínia. Aliás, essa ideia de posse está entranhada no filme inteiro.

Em um filme que trata de um sério triângulo amoroso e levando em consideração o clima de mistério que vez ou outra alguma cena provoca, interrompendo a narrativa principal, como a de uma mulher tocando um instrumento de percussão, a tragédia parece iminente, seja através de coadjuvantes que funcionam como vozes de maldição (casos do personagem de Gero Camilo, de um velho palhaço e do delegado da cidade), seja através da música marcante e que reverbera em nosso corpo com seus graves fortes, a exemplo das trilhas de Angelo Badalamenti para alguns trabalhos de David Lynch.

Mas, por mais que EU RECEBERIA... seja um filme com elementos de suspense, com o uso constante de fades e elipses que remetem a CÃO SEM DONO, trata-se no fim das contas de uma história de amor. Um amor que se confunde com uma obsessão. Eis a referência mais do que obrigatória a UM CORPO QUE CAI. Essa obsessão, em especial a de Cauby, por Lavínia, é o grande eixo da trama e é por ela que ele vive o inferno e o céu. Essa trajetória é dolorosa também para o espectador, que acompanha com angústia e interesse a história desse filme que ainda tem tanto para se descobrir, estudar, refletir.

sábado, maio 12, 2012

BIG BANG: A TEORIA – A QUINTA TEMPORADA COMPLETA (The Big Bang Theory – The Complete Fifth Season)




A quinta temporada de BIG BANG: A TEORIA (2011-2012), que marcou também o seu centésimo episódio, foi uma temporada de autoafirmação da série. Embora não tenha o alto número de episódios brilhantes como a insuperável segunda temporada (2008-2009), esta quinta é a prova de que a série amadureceu para melhor ao longo dos anos. Os personagens masculinos, ainda que mantenham suas características básicas, mudaram no quesito relacionamento, algo que já vinha acontecendo nas temporadas anteriores, mas que nesta quinta só aumenta, já que o próprio Sheldon assume o namoro com Amy, muito embora o sexo até agora não tenha rolado.

Esta temporada teve participações especiais do físico Stephen Hawking e de Leonard Nimoy, apenas como voz, num episódio bem divertido, em que Penny dá de presente a Leonard e a Sheldon dois bonecos de Star Trek. O único personagem que parece ter ficado estagnado, apesar de ter terminado com chave de ouro a temporada anterior, é Raj, que é o único solteiro e que ainda não conseguiu resolver o seu problema de travar a fala quando está na presença de mulheres. Mas creio que se mexerem com essa característica do personagem, vai perder um pouco da graça que ele tem. O fato de ele ser muito amigo de Howard e de meio que confundir a amizade com amor é outro fato engraçado e que rende bons momentos para a série.

Senti uma melhora considerável nos episódios finais, que lidam com o casamento de Howard com Bernadette. Essa série de episódios traria tanto momentos engraçados quanto comoventes, como é o caso do episódio final. A evolução de Sheldon em sua tentativa de ser mais sociável foi também uma forte marca dessa temporada. E embora digam que Johnny Galecki, que faz o Leonard, é o menos engraçado dos quatro, deve-se dar o crédito ao fato de ele ser uma espécie de escada para os demais brilharem. Kaley Cuoco, a Penny, também está cada vez mais à vontade no papel. É como se ela estivesse com aquele grupo de nerds desde a infância e em vários momentos ela se mostra adorável com todos. É a gangue Big Bang crescendo, adicionando mais personagens de sucesso, como Amy e Bernadette, e se afirmando como uma das sitcoms mais importantes da história da televisão americana.

Meu top 5 da temporada:

1. "The Countdown Reflection". O final da temporada, com Howard na nave espacial, lembrando os dias anteriores à sua entrada na nave, já entrou para a história da série como um de seus melhores e mais tocantes episódios.

2. "The Ornithophobia Diffusion". Sheldon tenta lidar com a sua fobia de aves. No início ele tenta expulsar um passarinho que está na janela de seu apartamento.

3. "The Speckerman Reccurrence". Leonard recebe uma carta de um ex-colega de escola que o humilhava, praticando bullying, e considera se deve aceitar ou não sua amizade. Ao mesmo tempo, Penny tenta diminuir o seu carma de ser do time de quem praticava bullying no tempo de escola.

4. "The Launch Acceleration". Howard recebe a notícia de que a sua partida para o espaço foi antecipada, coincidindo com a data de seu casamento. Morrendo de medo de morrer no espaço, ele procura falar com o pai de Bernadette, achando que ele vai impedi-lo de adiar o casamento. Enquanto isso, Amy tenta arranjar meios de fazer com que Sheldon se apaixone por ela.

5. "The Stag Convergence". Os rapazes resolvem fazer uma despedida de solteiro para Howard, mas a festa não tem muita graça, pois não tem mulheres contratadas ou nada do tipo. Durante o jantar, detalhes do passado do noivo vão parar na internet.

sexta-feira, maio 11, 2012

OLIVER TWIST



Perto da estreia do aguardado DEUS DA CARNIFICINA (2011), previsto para entrar em cartaz no Brasil no dia 1º de junho, resolvi ver um filme que na época que passou nos cinemas eu não dei muita bola: OLIVER TWIST (2005), a adaptação de Roman Polanski para o clássico de Charles Dickens. Nunca havia visto nenhuma versão do romance e ao que parece Polanski acabou fazendo a versão mais memorável do livro para as telas, embora eu possa estar equivocado. O filme destoa um pouco do conjunto de sua obra, mas, uma vez que sabemos a história da vida de Polanski e o quanto ele sofreu quando criança na época da Segunda Guerra Mundial, fica difícil não imaginar que ele não tenha se identificado com o garotinho órfão que foi levado para o mundo do crime e que teve oportunidade de conseguir um caminho melhor.

A versão de Polanski da obra de Dickens obedece a uma estrutura bem clássico-narrativa, comportada, sem experimentalismos ou ousadias. Trata-se de um raro filme do diretor que pode ser visto com toda a família, mas também ser objeto de discussão sobre seus temas. Um personagem do filme é particularmente rico em observações, o velho Fagin, em interpretação brilhante de Ben Kingsley. Ele é o responsável pela criação de uma verdadeira escola de batedores de carteiras. E é lá, assim que chega a Londres, cansado de uma longa viagem a pé, que Oliver consegue abrigo. Mas, uma vez que algo dá errado no dia que ele deveria executar o primeiro roubo e ele é considerado inocente e levado por um bondoso homem rico para ser criado em um lugar luxuoso e cheio de livros, não demora para o grupo de marginais o sequestrar. E a história ganha em aventura, com os perigos que cercam o jovem garoto.

OLIVER TWIST também oferece um interessante retrato da Londres vitoriana, talvez a maior e mais suja cidade europeia da época. Se bem que Paris devia ser tão suja quanto. No mais, o filme pode ser considerado uma obra menor de Polanski, cineasta de quem sempre se espera trabalhos perturbadores, sangrentos, diabólicos, eróticos ou algo do tipo. Ainda assim, OLIVER TWIST é um filme que dialoga bem com O PIANISTA (2002), seu trabalho imediatamente anterior. Talvez tenha surgido daí a ideia de adaptar o romance de Dickens: de mais uma necessidade de espelhar a sua vida nas telas.

quinta-feira, maio 10, 2012

ANJOS DA LEI (21 Jump Street)



Há quem veja esta adaptação de ANJOS DA LEI (1987-1991), a série que durou cinco temporadas e que catapultou o astro Johnny Depp para o cinema, como algo de extremo mau gosto e bastante desrespeitadora da obra-fonte. De fato, é possível entender isso, mas acredito que uma vez que se veja ANJOS DA LEI (2012), o filme de Phil Lord e Chris Miller, como algo independente, é possível se divertir e ver nele muitas qualidades, até porque se trata de outra coisa: é uma comédia parente de SUPERBAD – É HOJE, que contava com Jonah Hill, fazendo um tipo mais nerd e mais gordo.

Embora já tenhamos visto o ator fazendo um bom papel dramático ainda que muito discreto em O HOMEM QUE MUDOU O JOGO, foi nas comédias que ele se tornou famoso. E é nelas que ele tem se apoiado até o momento. Hill, como corroteirista e produtor do filme, não quis abrir mão do gênero nessa nova versão da história de dois tiras que se infiltram em uma escola para descobrir o fornecedor e fabricante de uma droga pesada que já causou uma morte por overdose.

Curiosamente, a distância temporal que separa o prólogo, que mostra a dupla de protagonistas (Hill e Channing Tatum) como colegiais, e a história principal é de apenas sete anos, mas já se vê mudanças comportamentais radicais entre os jovens das duas gerações. Na trama, Hill e Tatum são dois colegas do ginásio que nunca foram amigos. Hill era o típico nerd, que sofreu escárnio dos colegas no momento em que foi convidar a garota mais bonita da escola para ser seu par no baile de formatura. Tatum era o clássico sujeito popular entre as meninas, mas com um rendimento escolar pífio. Os dois acontecem de se tornarem amigos quando entram para a academia de polícia. Um ajudando o outro em suas dificuldades.

O filme é mais um da safra de comédias que explora o subgênero "bromance", mas também conta com bons momentos de perseguição automobilística e ação, tudo feito com muito bom humor e situações bem divertidas. Uma vez que se o veja como um objeto único e não como um remake, ANJOS DA LEI é uma ótima pedida. Aliás, terem tomado emprestado o título da série parece ter sido só uma forma de chamar atenção. Ainda assim, há uma pequena surpresa perto do final para os fãs da série. O filme é mais um título a engrossar o cada vez maior número de cineastas vindos da animação para o live action. No caso de ANJOS DA LEI, a dupla de cineastas Chris Miller e Phil Lord são os responsáveis pela animação TÁ CHOVENDO HAMBURGUER (2009).

quarta-feira, maio 09, 2012

SANGUE ARDENTE (Hot Blood)



Um trabalho menor de Nicholas Ray, SANGUE ARDENTE (1956) sofreu problemas por pressão da Columbia, que queria que o filme ficasse pronto antes que o cineasta tivesse finalizado por completo o seu roteiro. Inclusive, havia também uma intenção por parte de Ray de transformar o filme num musical, algo que pode ser percebido em algumas tristes tentativas – a melhor delas acaba sendo a sequência em que Jane Russell canta uma canção de amor para o marido que a rejeita. Mas o que se aproveita do filme são mesmo os curiosos hábitos dos ciganos (que não se sabe quão fiéis são à realidade, tendo em vista o costume de o cinema americano tratar assuntos estrangeiros de maneira equivocada) e principalmente o belo uso do technicolor, que já havia sido muito bem utilizado em JOHNNY GUITAR (1954) e em JUVENTUDE TRANSVIADA (1955). Em SANGUE ARDENTE, as cores beiram ao delírio, com muita ênfase no vermelho.

O começo do filme já parece assinalar um pouco de preconceito para com os ciganos, que são mostrados como assumidamente trapaceiros. Mas logo o filme vai revelando mais detalhes da vida daquela família e vemos a dignidade, especialmente de Marco (Luther Adler), o rei da tribo cigana que quer passar o cetro para o irmão mais novo Stephano (Cornel Wilde), arranjando-lhe um casamento com uma moça cigana de uma tribo de Chicago, Anne (Jane Russell). Isso porque ele descobre que está com uma doença grave e que não tem muito tempo de vida. Stephano, porém, rejeita os costumes ciganos e o casamento arranjado, embora ache a noiva bela. Ela o engana dizendo que na hora do casamento vai engasgar e ele poderá cancelar a cerimônia, coisa que não faz, deixando Stephano indignado.

O filme é tão leve que nem parece uma obra de Nicholas Ray. Todos os elementos que poderiam ser tratados de forma mais dramática, como a doença de Marco e o complicado relacionamento entre Stephano e Annie, são vistos de maneira suave, como numa comédia. O que não deveria ser um problema, mas que resulta num filme sem força. Ray não estava totalmente recobrado de JUVENTUDE TRANSVIADA, Jane Russell chegava cansada das filmagens de OS HOMENS PREFEREM AS LOIRAS, de Howard Hawks, e o produtor do filme era inexperiente. Essas informações, contidas no livro "The Films of Nicholas Ray" são adicionais, mas ajudam a entender o que foi esse projeto que não deu certo nem como drama, nem como comédia e muito menos como um resquício de musical. Ainda assim, SANGUE ARDENTE não é um filme que aborrece, sem falar que é muito bonito de ver pelo uso das cores, da decoração, da direção de arte e dos figurinos. Apenas não é bom o suficiente dentro da filmografia de Nicholas Ray.

P.S.: Está no ar a terceira parte de "Livros Essenciais de Cinema", que escrevi para o blog do Diário do Nordeste. Confiram quais foram os selecionados da vez AQUI.

terça-feira, maio 08, 2012

SETE DIAS COM MARILYN (My Week with Marilyn)



Um fato muito agradável e interessante aconteceu durante a sessão de SETE DIAS COM MARILYN (2011). Era uma sessão de pré-estreia do filme, que curiosamente não entrou em cartaz na semana seguinte em Fortaleza, por causa da invasão maciça dos Vingadores. O circuito exibidor local desistiu de colocar o filme em cartaz e nem sei mais se será exibido. Talvez no Cinema de Arte. Enfim, na sessão matutina iria acontecer um debate sobre a vida da Marilyn Monroe, com o crítico José Augusto Lopes. Raramente fico para esses debates, mas nesse dia resolvi ficar. Alguns livros iam ser sorteados, caso de "Fragmentos – Poemas, Anotações Íntimas e Cartas de Marilyn Monroe", lindo livro com anotações da Marilyn e também com umas fotos belíssimas, encadernação de luxo e tal. O outro livro era o que deu origem ao filme, "Uma Semana com Marilyn", de Colin Clark.

Como eu e o Inácio participamos do blog de cinema do Diário do Nordeste, o Pedro Martins nos deixou entrar sem pagar. E sem pagar quer dizer também que não receberíamos o cupom com o número para sorteio dos livros. Mas tudo bem. Raramente tenho sorte com esse tipo de sorteio mesmo. Mas eu estava com sorte nesse dia. Duas senhoras, que não iam ficar para o debate, saíram mais cedo e sabiam que nós não tínhamos os cupons e nos entregou os delas, desejando boa sorte. Na hora do sorteio, o primeiro número a ser sorteado foi o meu. Fiquei feliz que nem pinto no lixo com o exemplar luxuoso de "Fragmentos", com a Marilyn mais linda do que nunca na capa. Uma senhora que estava na sessão falou pra mim: "você é um rapaz de sorte, sabia?". Depois ainda fiquei conversando com José Augusto Lopes no final, sobre os anos de ouro de Hollywood, que ele pôde vivenciar, pois já era cinéfilo na década de 1950. Foi, certamente, uma manhã agradável.

Quanto ao filme de Simon Curtis, diretor pouco conhecido, mas bastante presente em produções para a televisão inglesa, ele acabou chegando tarde demais aos cinemas brasileiros, depois de ter passado o hype em torno da indicação ao Oscar de atriz para Michelle Williams. Que, aliás, está muito bem, mas temos sempre que nos esforçar para esquecer que Michelle está bem distante da beleza da Marilyn. E nem me refiro ao sex appeal, já que o filme procura mostrar uma face da atriz na intimidade, em um momento específico de sua vida, que foi quando ela foi à Inglaterra protagonizar um filme dirigido por Laurence Olivier (Kenneth Branagh).

SETE DIAS COM MARILYN narra o momento mágico na vida de Colin Clark (Eddie Redmayne), um jovem que trabalharia até de graça para estar dentro da indústria de cinema. E que teve a sorte de ser escolhido para ser o amiguinho de Marilyn, sempre que ela estava carente e se sentindo incompreendida, especialmente quando faltava ou chegava atrasada às gravações, deixando Sir Laurence Olivier completamente louco. Não aconteceu nada de tão extraordinário entre os dois, mas passa a ser extraordinário por se tratar de algo com a Marilyn Monroe. Dormir na cama com ela, receber um beijo dela, vê-la nadar nua. Isso deve ter mexido bastante com a cabeça do rapaz, que só muitos anos depois resolveu escrever o livro revelador desse momento, quando praticamente todos os envolvidos na história já estão mortos. O filme é bonito e carrega essa aura nostálgica, de uma Hollywood mais glamorosa. E Michelle Williams, esforçada, se saiu muito bem com a dificílima missão de encarnar um dos maiores ícones do cinema.

segunda-feira, maio 07, 2012

A QUEDA DA CASA DE USHER (La Chute de la Maison Usher)



Dentre os filmes mudos que vi nessa pequena maratona que fiz nos últimos dias, A QUEDA DA CASA DE USHER (1928) foi o que eu menos gostei. E olha que teve dedo do Luis Buñuel na produção: ele foi responsável pela adaptação do conto de Edgar Allan Poe e foi também assistente de direção de Jean Epstein. O que me atraiu para ver o filme foi o fato de ser baseado em um dos mais celebrados contos de Poe. Ter pouco mais de uma hora de duração também contou como critério.

No entanto, ao começar a ver o filme, fiquei logo disperso; A QUEDA DA CASA DE USHER não me sugou para o seu universo. Assim, preferi dar uma parada para reler o conto de Poe e, quem sabe, assistir o filme com mais prazer. Mesmo não estando entre os meus contos favoritos do grande escritor bostoniano, é, sem dúvida, uma de suas obras que mais utilizam elementos biográficos, logo, mais carregados de melancolia e depressão. Há algumas diferenças entre o conto e o filme: a começar por Madeleine (Marguerite Gance), que no filme não é irmã gêmea de Roderick Usher (Jean Debucourt), mas sua esposa. No conto, isso talvez seja uma tentativa de Poe esconder o fato de que estava espelhando a personagem em sua esposa enferma, Virginia.

De todo modo, reler o conto, ainda que tenha sido prazeroso, não ajudou muito. E esse detalhe da mudança de status de Madeleine não faz muita diferença na transmutação. O que eu senti foi uma necessidade imensa do som. Afinal, o conto, ainda que não seja uma forma de arte audiovisual, faz com que imaginemos o som. A narração de Poe é poderosa nesse sentido: é como se pudéssemos ouvir o barulho sinistro de Madeleine voltando de sua tumba prematura.

Alguns momentos são particularmente bonitos no filme, como as imagens das árvores balançando as folhas, os raios de sol batendo no lago, ou mesmo a sequência do grupo de homens carregando o caixão da mulher. Mas, no geral, o filme de Jean Epstein é lento, o tempo parece não passar. Acho que tê-lo visto logo após uma obra tão dinâmica quanto O CIRCO, de Chaplin, prejudicou um pouco a apreciação.

P.S.: No blog do Diário do Nordeste, uma pequena chamada a todos que puderem, para ver LUZ NAS TREVAS - A VOLTA DO BANDIDO DA LUZ VERMELHA, de Helena Ignez. Confira AQUI.

domingo, maio 06, 2012

PARAÍSOS ARTIFICIAIS



Um dos grandes méritos de PARAÍSOS ARTIFICIAIS (2012) é poder contar com a presença sempre deslumbrante de Nathalia Dill, que aparece no filme em cenas de sexo até que bastante ousadas para esses tempos tão comportados do cinema brasileiro. O que também justifica a classificação de 16 anos que o filme recebeu é a temática das drogas, em que os personagens enfrentam o céu e o paraíso do contato com drogas como mescalina, ecstasy, GHB e cocaína. É a vontade de transgredir as regras que vem junto com a juventude, junto com a vontade de abraçar o mundo, de ter novas experiências, de aproveitar a vida, ainda que essa pressa de viver não seja algo consciente. Raramente os jovens têm consciência de que aquele período de ouro que eles estão vivendo é tão especial.

Estreia na direção de Marcos Prado (do documentário ESTAMIRA, 2004) em um longa-metragem de ficção, o filme conta com o apoio de José Padilha como produtor, ele mesmo que também veio do documentário e que atingiu o ápice com a ficção. A bela Nathalia Dill, inclusive, esteve no primeiro TROPA DE ELITE, no papel de uma estudante, mas passou um tanto desapercebida. E não deixa de ser interessante esse migrar de um tipo de cinema para outro e conquistar não apenas reconhecimento, mas uma habilidade que parece natural no trato com o filme.

Em PARAÍSOS ARTIFICIAIS, temos dois personagens principais cujas histórias se cruzam em diferentes momentos e em diferentes lugares. O filme, ao utilizar uma narrativa de idas e vindas no tempo, evita algumas surpresas que iriam fazê-lo parecer uma telenovela. Assim, já sabemos desde o início que Nando (Luca Bianchi) irá ser preso por tráfico de drogas. E sabemos também que Érika (Nathalia Dill), a DJ que ele "conhece" em Amsterdã, ele já havia conhecido antes, alguns anos atrás em uma rave numa praia paradisíaca do Nordeste do Brasil. É lá também que podemos testemunhar a viagem psicotrópica de Érika e sua amiga/amante Lara (Lívia Bueno).

São três tempos que se alternam, mas que não tornam o filme irregular. Há uma unidade entre esses tempos e mesmo entre o contraste entre o Nordeste brasileiro, Amsterdã e o Rio de Janeiro. Mérito também do montador Quito Ribeiro. Ao falar de amor, dor e arrependimentos, o filme leva o espectador a um estado de identificação e de cumplicidade com os personagens, sentindo com eles o prazer, mas principalmente a angústia, pois do lado de cá somos mais conscientes do que acontecerá. Ou do que poderá acontecer.

sábado, maio 05, 2012

TOP 20 ANOS 20

1. AURORA, de F.W. Murnau
2. O CIRCO, de Charles Chaplin
3. A CAIXA DE PANDORA, Georg Wilhelm Pabst
4. O GABINETE DO DR. CALIGARI, de Robert Wiene

5. CHANTAGEM E CONFISSÃO, de Alfred Hitchcock
6. SEDUÇÃO DO PECADO, de Raoul Walsh
7. O GAROTO, de Charles Chaplin
8. A ÚLTIMA GARGALHADA, de F.W. Murnau

9. O MONSTRO DO CIRCO, de Tod Browning
10. A PAIXÃO DE JOANA D’ARC / O MARTÍRIO DE JOANA D'ARC, de Carl T. Dreyer
11. A GENERAL, de Buster Keaton e Clyde Bruckman
12. O CAVALO DE FERRO, de John Ford

13. O LOCATÁRIO / O INQUILINO SINISTRO / O PENSIONISTA, de Alfred Hitchcock
14. HÄXAN – A FEITIÇARIA ATRAVÉS DOS TEMPOS, de Benjamin Christensen
15. EM BUSCA DO OURO, de Charles Chaplin
 16. O ILHÉU, de Alfred Hitchcock

17. A QUARTA ALIANÇA DA SRA. MARGARIDA, de Carl T. Dreyer
18. THE PLEASURE GARDEN, de Alfred Hitchcock
19. O ENCOURAÇADO POTEMKIN, de Sergei Eisenstein
20. METRÓPOLIS, de Fritz Lang

Se fosse uma outra década, eu poderia me dar ao luxo de colocar um filme por diretor, escolher entre uma centena ou entre centenas de opções. Mas infelizmente, sou ainda um leigo no que se refere aos anos silenciosos do cinema. Só recentemente, por exemplo, tive o prazer de conferir algumas dessas pérolas. Outras, acabei vendo por causa do diretor, casos de Hitchcock e Dreyer. Este último comparece com o dramático A PAIXÃO DE JOANA D’ARC e com um filme pouco conhecido, A QUARTA ALIANÇA DA SRA. MARGARIDA.

Charles Chaplin é que é um caso excepcional: ao mesmo tempo popular e cultuado, respeitado por todas as classes e fácil, muito fácil de ser gostado. Tanto que na relação, constam três filmes do diretor, O CIRCO, O GAROTO e EM BUSCA DO OURO. Os dois primeiros estão entre os meus favoritos dele, junto com outros dois filmes que ele realizaria nas décadas de 1930 e 1950, respectivamente. São filmes que mostram a genialidade do diretor e que contém cenas que já habitam o inconsciente coletivo do mundo ocidental.

Do mundo mais ou menos oriental, sempre tive muita resistência a ver os filmes do Sergei Eisenstein e acabei não gostando tanto assim de O ENCOURAÇADO POTEMKIN, mas é difícil não perceber a importância desse filme, especialmente ao ver a tão famosa sequência das escadarias de Odessa. Outro que só tinha ouvido falar mas que gostei demais foi A CAIXA DE PANDORA, de Pabst. Mas esse eu acho que fui ver com uma melhor predisposição, querendo apreciar a beleza de Louise Brooks, que ajuda a compor essa tragédia extraordinária. Nesses dias, também tive a oportunidade de ver o marco maior do expressionismo alemão, O GABINETE DO DR. CALIGARI, que conta com sequências lindamente arrepiantes. 

Falando em horror, como não ficar incomodado e ao mesmo tempo impressionado com O MONSTRO DO CIRCO, de Tod Browning? Era, sem dúvida, um cineasta sem igual. E o enredo de O MONSTRO DO CIRCO é algo de doentio. Também tangenciando esse terreno do horror está a produção híbrida HÄXAN – A FEITIÇARIA ATRAVÉS DOS TEMPOS, uma espécie de documentário sobre as monstruosidades que se fazia na Idade Média por causa da ignorância e da superstição.

De Alfred Hitchcock, o mestre do suspense, aparece o único filme falado dos vinte. O primeiro filme falado produzido na Inglaterra: CHANTAGEM E CONFISSÃO. Completam o quarteto, os ótimos O ILHÉU, O INQUILINO SINISTRO e a estreia do mestre na direção já com o pé direito: THE PLEASURE GARDEN. Outro cineasta que aparece mais de uma vez, mas que provavelmente apareceria mais se eu tivesse visto mais filmes dele é F.W. Murnau, que comparece com os geniais AURORA (ocupando a primeiríssima posição) e A ÚLTIMA GARGALHADA, obra-prima feita sem uso de nenhum intertítulo.

Dois queridos pioneiros de Hollywood, John Ford e Raoul Walsh, comparecem com duas obras bem distintas, mas ambiciosas à sua maneira. Do cineasta aventureiro, o intenso drama SEDUÇÃO DO PECADO; e do "Homero americano", o épico O CAVALO DE FERRO, sobre a construção das primeiras ferrovias nos Estados Unidos.  De Buster Keaton, outro cineasta americano importantíssimo e gênio das comédias, A GENERAL é um de seus mais lembrados filmes, embora ele tenha feito curtas-metragens ainda melhores.

Fechando o círculo dos vinte, a ficção científica METRÓPOLIS, de Fritz Lang, que acabou na última posição porque na verdade eu não gostei muito da experiência de vê-lo na primeira e única vez, numa cópia horrível da Continental. Quem sabe numa cópia melhor e vendo na ordem cronológica dos filmes de Lang ele ganha mais importância para mim. Aliás, sou carente de Lang de quase todas as épocas.

E é isso. Sem dúvida, há ausências, muitas ausências: Griffith, Stroheim, Abel Gance, Vertov, Vidor, Sjöström, Flaherty, Sternberg, Lubitsch, De Mille, Paul Leni, entre outros. Dívidas que pretendo pagar um dia.

Post feito por ocasião de formação do ranking da década, promovida pela Liga dos Blogues Cinematográficos. O resultado final, depois da contagem dos votos, sairá em breve.

sexta-feira, maio 04, 2012

O CIRCO (The Circus)



O ano de 1928 pode ser considerado o ano de ouro para a história do cinema. Justo quando a técnica cinematográfica havia atingido o seu auge, surge o cinema falado para romper com a curva ascendente e ter que começar tudo outra vez, com obras próximas do teatral por causa dos equipamentos pesados e de outros entraves das primeiras produções da década de 1930. Não estou reclamando do som, longe disso. Até acho que ele sempre foi necessário, mas dentro do pouco que eu vi dos filmes produzidos nos anos 1920, foi possível perceber o quanto havia de precioso e mágico naqueles trabalhos.

O cineasta mais conhecido do cinema mudo é, sem dúvida, Charles Chaplin, que com seu Carlitos, o vagabundo de bom coração, conquistou o mundo, fazendo muita gente rir com seus curtas e longas-metragens feitos com esmero e perfeccionismo. O CIRCO (1928) é uma de suas obras mais perfeitas. Embora perca em ternura, por exemplo, para O GAROTO (1921), é um filme bem mais redondo, sem gorduras. Em O GAROTO, há, por exemplo, a cena do sonho, que passa a impressão de que foi incluída apenas para completar a duração de um longa-metragem. Em O CIRCO nenhuma cena parece ser descartável. E o que é mais importante: é o mais engraçado dos longas de Chaplin.

Impossível não dar boas gargalhadas a cada momento que Carlitos é perseguido por um jumento, entre outras sequências geniais. O filme já começa muito ágil, com um batedor de carteiras que é pego e acaba deixando a carteira no bolso do vagabundo. Ele, sem saber como aquela carteira veio parar ali, acaba aproveitando o dinheiro. Mas por pouco tempo. A fuga da polícia o leva a entrar em um circo decadente, no qual os palhaços não têm graça. Enquanto isso, ele mal chega lá e faz todo mundo rir, sem querer.

Diferente de muitos outros filmes de Chaplin, O CIRCO procura se esquivar do melodrama. Há o fato de o protagonista ficar apaixonado pela filha do dono do circo, mas o diretor/ator desta vez não usa isso para transformar a sua comédia em um drama, evitando que seja um filme de lágrimas, diferente, por exemplo, de O GAROTO, LUZES DA CIDADE (1931) e, principalmente, LUZES DA RIBALTA (1952). O CIRCO é todo alegria, ainda que o espectador sinta uma pontinha de amargo. É que o amargo serve aqui para tornar o doce mais refinado.

P.S. Fiz uma matéria para o blog do Diário do Nordeste sobre os filmes do verão americano. Confiram AQUI e AQUI.