sábado, setembro 14, 2024

TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO (Witness for the Prosecution)



Experimentando preparar uma postagem para o blog num aeroporto, o de Salvador, enquanto aguardo um voo com destino final para Dublin. Minhas colegas de grupo estão conversando e eu vim carregar meu celular. Ótimas chances de serem ótimos 15 dias em minha vida, um presente de Deus. Mas quem é cinéfilo fica logo pensando em meios de ver filmes dentro desse programa. De preferência numa sala de cinema. Acho que vai dar certo. Oremos. Enquanto isso, atualizemos este espaço tão abandonado para falar sobre um grande clássico da Velha Hollywood.

Nunca fui de destacar mais a atuação de um intérprete do que o filme em meus textos. A não ser em casos especiais. E fazer isso pode dar a impressão de que estaria diminuindo o filme ou a direção. Mas diminuir TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO (1957), baita drama (com toques de comédia e suspense) de tribunal, e sei diretor Billy Wilder, que o dirigiu pensando em fazer um thriller divertido com toques hitchcockianos, seria uma injustiça.

Pois bem. Acontece que o que mais me encantou neste filme foi Charles Laughton. E achei isso curioso, já que havia visto o ator em outros quatro filmes (A ESTALAGEM MALDITA e AGONIA DE AMOR, ambos de Alfred Hitchcock; OS AMORES DE HENRIQUE VIII, de Alexander Korda; e, mais recentemente, A ILHA DAS ALMAS SELVAGENS, de Erle C. Kenton) e não tinha percebido toda essa grandeza, todo esse brilho. Dizia-se que na época da realização do filme de Wilder, na maturidade, ele vivia uma das melhores fases de sua vida: havia deixado de fingir que era hétero e ter um casamento de conveniência e estava feliz com um outro homem.

TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO (1957) logo de início nos ganha pelo humor, e depois vi que o sucesso desse humor estava não apenas no domínio e no estilo característico de Wilder, mas na presença vibrante de Laughton, definitivamente um dos maiores atores de todos os tempos e aqui no papel de um advogado de defesa com a saúde frágil de maneira deliciosa. É difícil não se encantar com o ator, que havia também marcado seu nome na história do cinema dois anos antes, dirigindo o cultuado O MENSAGEIRO DO DIABO.

Curiosamente, eu não tinha visto TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO até um dia desses por ter um pouco de preguiça de filmes de tribunal. Mas este aqui é tão divertido que acho quase impossível alguém não gostar. Tive dois empurrõezinhos: o livro da Versátil sobre filmes de tribunal e o BluRay Wilder Essencial, também da Versátil, que traz o filme, o único dos quatro totalmente inédito para mim, em imagem e som cristalinos, de dar gosto.

Na trama, Tyrone Power é um sujeito simpático que é o principal suspeito de ter assassinado uma senhora idosa. Acontece que, para surpresa dos advogados, a esposa do homem parece mais disposta a depor contra ele do que a favor. Fiquei surpreso pelo papel relativamente pequeno de Marlene Dietrich, mas com Laughton em cena a gente até esquece da pouca presença de qualquer outro ator. Ainda assim, as cenas de flashback que o personagem de Power conta são deliciosas, especialmente a que ele relembra do dia em que conheceu sua esposa numa Alemanha destruída pela guerra. Essa é a cena mais sensual do filme, e que convida o espectador a fazer um exercício de complementação entre o visual e a palavra oral. Inclusive, Dietrich faz lembrar seu papel em O ANJO AZUL.

Quanto ao plot twist, é mesmo importante ver o filme sabendo o mínimo possível da trama. Num dos extras no BluRay, destaco um sobre Laughton, que conta que daquele momento feliz da vida do ator. E que a atriz que faz a personagem da enfermeira (Elsa Lanchester, indicada ao Oscar) havia sido sua esposa por um longo tempo no passado, num casamento obviamente complicado, e neste filme eles se encontraram novamente, resultando em cenas muito divertidas

TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO foi baseado num conto de Agatha Christie publicado originalmente em 1925 e que virou uma peça de teatro de sucesso em 1953. Quem teve a ideia da adaptação foi Dietrich, mas ela só queria Wilder na direção. E felizmente o diretor aceitou e fez algo antológico com sua assinatura.

+ TRÊS FILMES


STOP MAKING SENSE

Ver STOP MAKING SENSE (1984) no cinema e em especial na sala IMAX é um privilégio e tanto. Eu, que nunca fui fã dos Talking Heads, fiquei muito empolgando com o show, mas também muito feliz de estar vendo um trabalho feito também como cinema. Quem dera outras grandes bandas tivessem também a sorte de ter um filme dirigido por um cineasta de verdade e com afinidades entre si, como é o caso de Jonathan Demme e a banda de David Byrne. É só lembrar que nos anos 1980, o cineasta havia parido filmes quentes e com forte presença da música, como TOTALMENTE SELVAGEM (1986) e DE CASO COM A MÁFIA (1988). O "maior filme-concerto de todos os tempos", como afirma o cartaz do relançamento da A24, é de fato empolgante do início ao fim. Desde o instante em que Byrne chega com um rádio daqueles típicos dos anos 80 e um violão para tocar uma versão acústica de "Psycho Killer", passando pela chegada da baixista, e depois com o surgimento da banda inteira e a disposição de fazer com que cada canção seja um evento visual único, tudo nos faz ter vontade não apenas de nos aprofundar mais no som da banda, mas de voltar àquele filme novamente, a essa experiência cinematográfica e musical sem igual novamente. Byrne diverte e impressiona com seus movimentos, sua dança e sua energia. De certa forma, fiz bem em não ter ligado muito para a crítica da SET lá do início da minha cinefilia e alugado o filme em VHS, já que ver pela primeira vez numa sala de cinema não tem preço.

OS FANTASMAS SE DIVERTEM (Beetlejuice)

Na época que tomei a decisão de me tornar cinéfilo OS FANTASMAS SE DIVERTEM (1988) já havia sido exibido nos cinemas. E mesmo com todos os elogios da crítica, durante todos esses anos, nunca havia parado para ver o filme. Eis que a sequência vindoura fez voltar em cartaz a hoje clássica comédia que mostra o ponto de vista dos fantasmas que querem expulsar os novos habitantes da casa, em vez da tradicional história de assombração do ponto de vista dos assombrados. Aliás, os novos habitantes quase não são assombrados: querem mesmo é tirar proveito de terem fantasmas em casa para lucrar. Exceto a personagem da garota vivida por Winona Ryder, que na época ainda não tinha atingido a maioridade. Ryder fica amiga do casal de falecidos. Um dos grandes baratos de ver este filme no cinema hoje é perceber o quanto Tim Burton quis apresentá-lo como algo bem artesanal, quase caseiro. Os efeitos visuais não buscam o realismo, e vez por outra passa a impressão de estarmos vendo uma animação. Foi o segundo longa para cinema de Burton, mas o aspecto de produção de baixo orçamento só fica dissonante com a presença de astros do primeiro time de Hollywood - Michael Keaton, Geena Davis, Alec Baldwin e Winona Ryder. Depois desta sessão da tarde anárquica, foi dada a Burton a missão de dirigir BATMAN (1989), projeto ambicioso que fez à sua maneira e novamente com seu amigo Keaton. Mesmo não sendo um fã do cineasta, é difícil não reconhecer seus méritos e suas conquistas. Nunca deixei de ver nenhum filme dele lançado nos cinemas, inclusive.

O SAMURAI (Le Samouraï) 

Sou praticamente um ignorante no cinema de Jean-Pierre Melville. Antes deste filme só havia visto TÉCNICA DE UM DELATOR (1962), que talvez até tenha gostado mais - principalmente por sua violência brutal, que me pegou de surpresa. O SAMURAI (1967) é mais melancólico, ainda que uma melancolia mais centrada na forma e no estilo, menos preocupada na trama. O filme deixa escapar o espírito de seu tempo, um momento mais aberto a experimentações formais. O personagem de Alain Delon é um homem que é pago para matar as pessoas e em determinado momento ele é tido como o principal suspeito de um homicídio pela polícia, o que o coloca num jogo de gato e rato pelas ruas e metrôs de Paris. Delon traz olhares ambíguos e pouco evidentes em seus gestos e suas ações e o filme usa muito pouco as palavras para contar a história, principalmente por parte do personagem de Delon, que fala somente o necessário, acentuando tanto o mistério quanto a elegância (seu sobretudo e seu chapéu são tão importantes que ele não os descarta quando efetua o primeiro crime do filme). Na época que vi O ASSASSINO, de David Fincher, muito se falava de O SAMURAI. Agora compreendo e acho justa a comparação.

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