domingo, julho 28, 2024

TORMENTA SOB OS MARES (Hell and High Water)



Havia visto poucos filmes que se passam em submarinos. Digo, filmes que tratam de batalhas submarinas, mesmo. Os mais marcantes foram U-571: A BATALHA DO ATLÂNTICO, de Jonathan Mostow, e K-19: THE WIDOWMAKER, de Kathryn Bigelow, mas confesso que, mesmo assim, apesar de lembrar de ter gostado deles, a memória já dissipou muita coisa de suas tramas e atmosferas. Eis que vejo TORMENTA SOB OS MARES (1954) e fico encantado com esse universo tão pouco explorado no cinema. Ou pelo menos tão pouco visto por mim, em minha trajetória como cinéfilo. 

Por mais que seja encarado como uma das obras menos queridas de Samuel Fuller, o filme me agradou muitíssimo. E é uma das produções mais caras, até então, do diretor, mais uma vez com o apoio da Fox, numa de suas fases mais felizes do ponto de vista de conseguir apoio financeiro. Mais adiante haverá um período de vacas bem magras, mas chegaremos lá.

Há um jogo de gato e rato entre dois submarinos em TORMENTA SOB OS MARES que me deixou fascinado. Fuller faz um trabalho de tensão incrível numa ação que se passa debaixo d'água. Richard Widmark volta a trabalhar com o diretor depois do excelente ANJO DO MAL (1953), desta vez como um mercenário contratado por um grupo de homens que tem o interesse de investigar possíveis ações de comunistas na utilização de uma bomba atômica. Ele aceita o trabalho pelo dinheiro, enquanto o cientista vivido por Victor Francen está ali por algum tipo de patriotismo, mesmo não sendo americano.

Adam Jones, o personagem de Widmark, tendo tido uma experiência em guerra, faz questão que o submarino esteja equipado com torpedos e outras armas, por mais que o professor diga que a missão é apenas de investigação. E de fato, mais a frente veremos que Jones tem razão, já que seu submarino será não apenas perseguido, mas também atacado pelos chineses que se instalaram numa das ilhas do Pacífico em situação de neutralidade, não pertencendo nem ao bloco capitalista, nem ao comunista.

O filme conquista nossa atenção desde o começo, quando a missão é estabelecida ao comandante (Widmark) e vai ficando ainda mais interessante quando todos entram à bordo, inclusive uma cientista mulher, vivida por Bella Darvi (então amante do produtor Darryl F. Zanuck), que desperta o interesse dos homens logo de cara, ao mesmo tempo que é rejeitada, a princípio, por um dos tripulantes, que diz que mulher traz má sorte dentro de um submarino.

Talvez eu não tenha gostado tanto da conclusão, um pouco conveniente demais, o que não quer dizer que não funcione. Vejo o filme como quase perfeito até mais ou menos o momento em que Widmark e Darvi descem à ilha e o momento mais perfeito mesmo é o citado por mim no início do texto, quando há todo um trabalho visual incrível, com movimentos de câmera dentro daquele espaço valorizado pelo CinemScope, e o uso de luz vermelha, usada para facilitar o acostumar-se com a visão noturna. 

TORMENTA SOB OS MARES também tem a objetividade de outros filmes de Fuller que se assemelham ao bom jornalismo, seja pelo interesse pela verdade, seja por saber contar de maneira dinâmica e simples um enredo de raízes e preocupações históricas, mas com uma assinatura que está presente tanto nos aspectos formais quanto na construção de seus personagens, caso de filmes como EU MATEI JESSE JAMES (1949), O BARÃO AVENTUREIRO (1950), BAIONETAS CALADAS (1951) e A DAMA DE PRETO (1952), para citar trabalhos anteriores do realizador.

+ TRÊS FILMES

A MARCA DO VAMPIRO (Mark of the Vampire)

Esta nova parceria de Tod Browning com Bela Lugosi depois do sucesso de DRÁCULA (1931) só não parece tanto uma continuação por ser uma obra mais divertida, no sentido de engraçada. Se não me engano, a produção de A MARCA DO VAMPIRO (1935) é mais barata, mas até isso, inclusive o cenário mais fake, faz parte da graça e até combina com a conclusão. Gosto do visual, tanto do cemitério com morceguinhos com efeitos práticos primários, quanto da casa cheia de teias de aranha habitada pelo Conde Mora e sua filha. Bela Lugosi praticamente não fala o filme inteiro e Lionel Barrymore rouba as cenas, principalmente a partir da segunda metade, quando passa a ser o grande protagonista. Gosto da virada final da trama deste filme de apenas 60 minutos - ao que parece, algumas cenas foram deletadas antes do lançamento final, deixando de fora alguns nomes que aparecem nos créditos iniciais. Visto no box Drácula no Cinema Vol. 2.

QUERO VIVER! (I Want to Live!)

Filmes sobre pessoas sendo vítimas da pena de morte sempre me maltratam muito. Mas faço questão de vê-los. Esses filmes acabam por nos fazer refletir no quanto o sistema é pensado por pessoas tão sádicas quanto os nazistas dos campos de concentração. E, não é de se admirar se pensarmos que os Estados Unidos é o único país a ter lançado bombas atômicas em cidades até hoje. QUERO VIVER! (1958), de Robert Wise, é um filme a que eu me devia ver há muito tempo, quando recebeu elogios na seção de videolançamentos da saudosa revista SET, nos tempos do VHS. Aqui temos uma das interpretações mais intensas do cinema produzido em Hollywood, com Susan Hayward ganhando seu merecido Oscar. É um grande filme que faz pensar no absurdo da pena capital, em um contexto muito humano. Por mais que a personagem seja inocente, isso deixa de ser tão importante nos instantes finais do filme, os mais poderosos, quando a música jazz deixa de estar presente e o silêncio é tão marcante e incômodo quanto a espera angustiante pelo momento da morte ou por uma suposta ligação do governador, que tem o poder de adiar ou mesmo cancelar a execução. O adiamento, aliás, é outro elemento de tortura, assim como parece ser toda aquela bondade que a mulher passa a receber das pessoas a seu redor, que fazem o possível para dar a ela o conforto em seus instantes finais, inclusive no modo elegante como ela estará vestida para seu momento derradeiro. Um filme tão duro e tão incrível quanto A SANGUE FRIO, de Richard Brooks. Visto no box Filme Noir – Filmes de Tribunal, que conta ainda com uma excelente análise de 40 minutos do crítico francês Rafik Djoumi, nos extras.

LUCÍOLA, O ANJO PECADOR

Impressionante esta adaptação de um dos clássicos mais ousados do romantismo brasileiro. Não cheguei a ler o romance Lucíola (1862), de José de Alencar, mas já percebo a ousadia de contar essa história, por mais que no filme não se esconda que já havia um outro romance clássico que também tratou de uma história de amor de um homem por uma cortesã, nome mais bonito para prostituta, mas que na época não chegava a diminuir o peso desse papel na sociedade. O outro romance, referenciado no filme, é A Dama das Camélias (1848), de Alexandre Dumas, que Lucíola é pega lendo, inclusive. Na trama de LUCÍOLA, O ANJO PECADOR (1975), de Alfredo Sternheim, Carlo Mossy é um rapaz que chega de Recife e fica encantado com a beleza e o fascínio de Lucíola, a mais famosa e rica cortesã do Rio de Janeiro. Os dois logo se sentem atraídos um pelo outro, mas as convenções sociais e o preconceito perturbam a relação, por mais que eles façam o possível para ficarem juntos. Claramente estão apaixonados, embora declarações de amor mais explícitas fiquem presas por um bom tempo. Sternheim não se importa em construir um melodrama de época cheio de arroubos dramáticos, principalmente no final. Até porque se havia a intenção de se aproximar do romance de Alencar isso se fazia preciso. As únicas concessões feitas são as breves cenas de nudez de Rossana Ghessa. Breves e sutis, mas provavelmente ousadas para as produções de meados dos anos 1970. Pena que a cópia existente do filme seja bem ruinzinha. A vantagem é que o filme é bom o suficiente para que esse tipo de problema possa ser esquecido em alguns momentos.

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