segunda-feira, dezembro 25, 2023

O MUNDO DEPOIS DE NÓS (Leave the World Behind)



Ainda lamento não estar podendo atualizar este blog como gostaria, mas a gente faz o que é possível. O lado positivo é que não tenho deixado de ver filmes. Tanto que, na hora que paro para escrever, tenho pelo menos cinco opções possíveis para escolher. Escolho O MUNDO DEPOIS DE NÓS (2023) por estar mais fresco na memória. E também por ser um convite à reflexão sobre o nosso mundo contemporâneo, sobre como a tecnologia modificou nossa rotina. Eu, por exemplo, que nunca fui muito bom de me localizar enquanto dirijo – ou mesmo a pé –, me identifiquei com o personagem de Ethan Hawke (mais uma vez): ele é o cara que reconhece depender muito do GPS. Em determinado momento ele se perde e fica em pânico, tanto que nega ajuda a uma senhora que fala uma língua que ele não entende.

O MUNDO DEPOIS DE NÓS pode ser visto como o BATEM À PORTA do Sam Esmail. Ambos são filmes sobre o apocalipse, ambos se passam na maior parte do tempo num ambiente fechado, mas Esmail opta por um registro mais realista do que o título de M. Night Shyamalan. Ou seja, dentro do fantástico, o filme se adequa mais como uma sci-fi do que como um terror, já que há explicações para o que está acontecendo ao longo da narrativa. Além do mais, as explicações são de natureza racional. E sobre o ambiente fechado, é bom destacar que, na divisão por capítulos do filme (não sei se é a mesma divisão feita no romance em que ele se baseia), o primeiro capítulo se chama “The House”. Ou seja, a apresentação daquele espaço é bem importante. Aliás, a divisão por capítulos também funciona como gerador de suspense. 

Sobre Sam Esmail, já era um cineasta que muito me agradava desde a primeira temporada de MR. ROBOT (2015-2019). Ficava impressionado com o quanto ele ousava estilisticamente em sua obra, colocando, por exemplo, personagens em cantos bem pequenos do quadro, como se estivesse intencionando apresentar sua obra numa sala de cinema, e não na televisão. Para o cinema mesmo, ele havia feito apenas uma comédia romântica com sua esposa, Emmy Rossum, que aqui no Brasil se chamou EU ESTAVA JUSTAMENTE PENSANDO EM VOCÊ (2014), tendo estreado por aqui depois do sucesso da primeira temporada de sua série mais famosa. Para o Prime Video, Esmail trouxe seu estilo para a série HOMECOMING (2018-2020), que contava com Julia Roberts na primeira temporada.

A parceria de Esmail com Roberts se repete em O MUNDO DEPOIS DE NÓS e a atriz interpreta uma pessoa que logo se apresenta como alguém que odeia as outras pessoas. Sair de Nova York por um fim de semana, portanto, tendo alugado uma casa afastada em Long Island, sem nem mesmo consultar o marido (Hawke), seria uma oportunidade e tanto de ficar livre das pessoas por alguns momentos. E o filme é envolvente ao nos levar junto com essa família (o casal e os dois filhos, uma pré-adolescente e um adolescente) àquele ambiente mais afastado da poluição da cidade grande e mais próximo da natureza.

Até que acontece aquela estranha cena do petroleiro, que se aproxima da costa. A filha caçula do casal, Rose (Farrah Mackenzie, série UTOPIA) é a primeira a perceber que o navio está se aproximando, e ela percebe que sua família costuma não lhe dar ouvidos. É ela que também percebe que os cervos estão cada vez mais próximos deles e são os animais mais representativos do julgamento da natureza ao desastre causado pela humanidade. É Rose que, ao querer mais do que tudo, assistir ao último episódio de FRIENDS, representa, especialmente no final do filme, a personagem que mais ganhará a simpatia dos cinéfilos, principalmente daqueles que ainda teimam em valorizar a mídia física, nesses tempos em que tudo está “na nuvem”.

A semelhança com BATEM À PORTA está também com o surgimento dos outros dois personagens muito importantes na primeira noite da família na casa alugada. Um homem trajado de smoking (Mahershala Ali) chega com sua filha (Myha’la, série INDUSTRY), dizendo que são os proprietários daquela casa. A mulher branca que odeia pessoas vivida por Julia Roberts logo se sente pouco à vontade com esses dois. E se percebe um bocado de racismo nas falas e na atitude dela, especialmente quando ela não acredita que um homem como ele não seria capaz de possuir uma casa tão chique – talvez ele fosse uma espécie de caseiro, ela pensa. E o curioso é que, auxiliado pela ótima trilha de Mac Quayle, que acentua o suspense, também temos nossas dúvidas se aqueles dois falam a verdade. Afinal, o filme primeiro nos introduz à família branca.

O MUNDO DEPOIS DE NÓS nos faz pensar não apenas na possibilidade de voltarmos a ficar offline, ou seja, sem internet, mas também sem sinais de rádio ou televisão. Se algo muito sério está acontecendo no mundo e você não tem ideia do que seja, tais meios de comunicação são essenciais. O filme, inclusive, nos faz lembrar um pouco do cenário de 2020, quando a pandemia começou e não sabíamos quanto tempo teríamos e víamos imagens na televisão de grandes metrópoles com as ruas totalmente vazias. Ou seja, já passamos por um tipo de cenário digno de filme apocalíptico e algo parecido com o mostrado no filme de Esmail não chega a ser mais tão difícil assim de acontecer.

+ DOIS FILMES

DURVAL DISCOS

Um filme bem estranho este DURVAL DISCOS (2002), de Anna Muylaert, mas que talvez por isso foi se tornando cultuado com o tempo. Havia perdido na época do lançamento e, ver agora, mais de 20 anos depois, é ainda mais estranho, pois também testemunhamos a queda do CD e a continuidade do vinil. Mas a estranheza se dá tanto no lado A quanto no lado B do filme. Se no começo, o lado comédia mais leve também tem um quê de incômodo e angustiante, o lado B mais sombrio é carregado de situações que convidam ao riso nervoso, embora nem sempre esse riso seja fácil de vir. Acho que uma das cenas mais representativas do filme, e até do quanto ele dialoga com os tempos atuais, de ansiedade, é a cena da Rita Lee entrando na loja para comprar um disco e saindo sem levar o próprio objeto comprado. Cena ótima, assim como são ótimas também as cenas com Letícia Sabatella. Há pelo menos uma imagem que fica forte na memória e representativa de uma surrealidade que não era, que eu me lembre, tão comum assim no cinema daquele período.

FERIADO SANGRENTO (Thanksgiving)

Bom ver Eli Roth de volta aos filmes sangrentos. A década de 2010 não foi muito receptiva para ele, até porque o torture porn que fez muito sucesso nos anos 2000 passou a ser, de certa forma, combatido. Isso não o impediu de realizar uma bela homenagem aos filmes do ciclo canibal, com CANIBAIS (2013). Em FERIADO SANGRENTO (2023), Roth copia até mesmo certo despojamento e até o desleixo da grande maioria dos slashers oitentistas e ainda brinca de trazer à tona mais um feriado para o subgênero, agora o Dia de Ação de Graças, com uma cena que mostra a Black Friday como nunca se viu antes. A trama é um pouco problemática, com muitos personagens e sem muita intenção de fazer algo perfeito, mas com algumas cenas bem memoráveis, como a do forno, a do pula-pula, a do tapa-ouvidos etc. A final girl é percebida logo de cara, a jovem Nell Verlaque, que vive a filha do dono da grande loja da cidade. O filme nasceu inspirado no trailer de brincadeira realizado pelo próprio Roth na época da dobradinha PLANETA TERROR (Robert Rodriguez) e À PROVA DE MORTE (Quentin Tarantino).

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