domingo, janeiro 15, 2023

OS FABELMANS (The Fabelmans)



Dos cineastas da Nova Hollywood, Steven Spielberg é sem dúvida o mais popular. Teve a sorte de seus temas serem tão interessantes na década de 1970, mas principalmente na década seguinte, mais pop e menos interessada em política, embora, vez ou outra, o diretor também trate de política de maneira bem explícita em sua obra. A título de curiosidade, fui checar os filmes do diretor escolhidos para figurar no livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer. São nove títulos (talvez ele só perca para Alfred Hitchcock em quantidade)! São eles: TUBARÃO (1975), CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (1977), CAÇADORES DA ARCA PERDIDA (1981), E.T. – O EXTRATERRESTRE (1982), A COR PÚRPURA (1985), PARQUE DOS DINOSSAUROS (1993), A LISTA DE SCHINDLER (1993), O RESGATE DO SOLDADO RYAN (1998) e CAVALO DE GUERRA (2011) – a propósito, ter esse último filme escolhido é um indicativo de que quem está fazendo as novas edições dos livros quer deixar a impressão de que o grosso da produção dos últimos anos é ruim ou medíocre, o que não é verdade.

Meu respeito pelo Spielberg é tão grande que mal percebi que já fazia um tempo que não via um filme dele de que eu gostasse de verdade, que realmente me pegasse. Talvez o ano de 2005 tenha sido o último grande ano dele, com a dobradinha GUERRA DOS MUNDOS e MUNIQUE. A opção por fazer um filme bem pessoal foi um acerto, mas não pelo quanto o filme é capaz de emocionar como algo representativo de seu amor pelo cinema, mas principalmente pelo retrato de sua família (embora as irmãs não tenham tempo de cena para ganharem personalidades próprias). O foco acaba sendo, além do próprio protagonista adolescente, seus pais e a questão matrimonial que assombraria o diretor por muitos anos em sua visão de família quebrada.

É curiosa esta tendência atual de certos diretores buscarem inspiração em suas próprias lembranças. Isso se deu com Kenneth Branagh (BELFAST), Paul Thomas Anderson em (LICORICE PIZZA); Paolo Sorrentino (A MÃO DE DEUS), James Gray (ARMAGEDDON TIME), Richard Linklater (APOLLO 10 E MEIO – AVENTURA NA ERA ESPACIAL), e até em cineastas jovens, como Charlotte Wells (AFTERSUN) e Joanna Hogg (THE SOUVENIR e THE SOUVENIR – PART II), que podem entrar nessa categoria, pois são filmes de retorno às origens ou a momentos muito importantes das vidas das realizadoras. 

No caso de OS FABELMANS, para minha surpresa, o retrato que o diretor faz do pai (Paul Dano) é bem carinhoso, assim como é também da mãe (Michelle Williams, vivendo uma pessoa tão passional quanto o filho). A obra ganha também quando conhecemos o primeiro interesse amoroso do rapaz e gosto muito da exibição de seu filme de verão na escola e da conversa com um dos seus bulliers. Além do mais, Spielberg acertou em cheio ao escolher o maior diretor vivo para viver o maior cineasta americano. Foi o momento que o sorriso insistiu em ficar em meu rosto por mais tempo.

OS FABELMANS começa com um momento muito especial da vida de seu protagonista enquanto criança: quando seus pais o levam para a sessão de O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA, de Cecil B. DeMille. Foi a primeira vez dentro de uma sala de cinema e, pouco antes de entrarem, Spielberg deixa claro tanto a apreensão do menino quanto as características opostas dos pais: enquanto o pai tenta explicar como se processa cientificamente a ilusão da imagem provocada pela rápida passagem dos 24 quadros por segundo, a mãe diz de maneira apaixonada que o cinema é magia ou sonho ou algo parecido. Depois da sessão, o menino Sammy fica sem palavras, mas já tem uma ideia de que presente quer ganhar dos pais: um trem de brinquedo.

E será a partir da recriação da cena do trem no filme de DeMille que Sammy/Spielberg passará a fazer pequenos filmes caseiros com as irmãs. Será também através da câmera que ele descobrirá que a mãe está tendo um caso com outro homem (Seth Rogen), o melhor amigo da família, a pessoa que está sempre por perto. Em determinado momento, quando o pai decide, após conversa com a mãe, que eles vão se separar, a visão do jovem Sam daquele momento triste e tenso da família já é de alguém que vê a vida como cinema.

Acho curioso como o filme funciona menos como declaração de amor ao cinema – não é nenhum CINEMA PARADISO – e mais como uma necessidade do diretor de contar uma história que sempre quis contar, mas que não se sentia à vontade por medo de magoar os pais. Agora que os dois faleceram, ele o faz, mas com muito respeito e compreensão pelas decisões e pelos sentimentos de cada um deles. A mãe, por exemplo, havia deixado de ser uma pianista profissional para ser uma dona de casa, o que era comum na vida das mulheres e ainda é, mas não conseguiu, por exemplo, abandonar o seu grande amor. A escolha de Rogen para o papel parece apropriada nesse sentido. Inclusive, a cena em que ele dá de presente ao jovem Sam (Gabriel LaBelle) uma câmera nova, é representativa do quanto Spielberg também quis prestar tributo a esse homem com quem sua mãe escolheu viver.

OS FABELMANS é também um filme quase típico sobre a vida de jovens ingressando numa escola de ensino médio, com direito a ataques de bullying. No caso de Sam, por ser judeu. E mesmo aqui, Sam mostra a câmera como sua arma poderosa, uma arma, inclusive, que pode transformar pessoas em heróis e vilões, a partir de imagem e edição, como ele deixa bem claro no filme apresentado para professores e alunos na festa da escola.

Talvez a obra não alcance a profundidade necessária para ser a obra-prima que o diretor esperava fazer, já que é muitas coisas ao mesmo tempo. Ao mostrar a apresentação do cinema na infância, a separação dos pais, o primeiro amor, a vida na escola e terminar com o começo da carreira profissional, numa série de televisão, com direito a uma conversa com o mestre John Ford – inclusive quem viu o documentário DIRIGIDO POR JOHN FORD, de Peter Bogdanovich, já conhecia essa conversa rápida que Spielberg teve ele –, ao mostrar tudo isso, talvez tenha faltado ao filme uma maior densidade. Ainda assim, é um dos mais bonitos trabalhos do realizador, desde aquela dupla de filmes de 2005. E isso já é o suficiente para que vejamos com muito carinho e atenção OS FABELMANS. 

+ DOIS FILMES

PEQUENOS GUERREIROS

O longa-metragem de estreia na direção da produtora Bárbara Cariry é um filme para toda a família. Na trama de PEQUENOS GUERREIROS (2021), casal resolve levar os filhos à cidade de Barbalha para pagar uma promessa. O formato de road movie acaba sendo um trunfo e o olhar que a diretora parece buscar é sempre o dos pequenos, o que torna o filme muito interessante para ser exibido inclusive para as crianças. É uma obra que lida com a imaginação infantil e o entusiasmo e encantamento de ver as coisas pela primeira vez na vida. É também um trabalho de valorização da cultura tradicional do sul do Ceará, que parece ser uma cultura de outro mundo até para mim, que moro na capital do estado.

PÉROLA

O segundo longa de Murilo Benício é novamente uma obra baseada numa peça de teatro. PÉROLA (2022) é uma comédia dramática que conta a história da matriarca que dá título ao filme, vivida por Drica Moraes, pelo olhar do filho Mauro (Léo Fernandes). O filme é um longo flashback sobre as memórias de Mauro sobre sua família, em que destaca as manias de sua mãe, seu senso de humor muito especial, seu jeito controlador, mas de uma maneira muito carinhosa. Infelizmente vi o filme com o sono provocado pela crise alérgica e por isso devo aproveitar para revê-lo quando estrear no circuito.

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