terça-feira, maio 25, 2021

NOITE EM CHAMAS



É sempre um prazer ver um filme de Jean Garrett, um dos mais cultuados e queridos cineastas da história do cinema brasileiro, embora muitos só estejam descobrindo a força de sua obra tardiamente. Este NOITE EM CHAMAS (1978) pode até não estar entre suas obras-primas, mas é, do ponto de vista da produção, a sua obra mais ambiciosa. Afinal, não é fácil trazer dezenas de atores e atrizes conhecidos, boa parte deles dos filmes da Boca do Lixo, e preparar um mosaico de diferentes vidas dentro de um hotel que está prestes a ser consumido pelas chamas por ação de um dos funcionários. Sim, seria uma espécie de versão brasileira de INFERNO NA TORRE, de John Guillermin.

O que torna NOITE EM CHAMAS muito mais do que uma perna desse subgênero é o talento de Jean Garrett, com uma ajuda muito bem-vinda de Carlão Reichenbach no roteiro, mas também como ator. Ele interpreta um jornalista à procura de um rapaz foragido e que supostamente estaria naquele hotel. Só de ver o Carlão atuando, já vale. Se não me engano, suas outras aparições como "ator" eram apenas pontas.

Garrett constrói neste filme-coral um monte de dramas humanos acontecendo entre os hóspedes do tal Passport Hotel, que abriga pessoas da alta sociedade, como uma atriz famosa do cinema erótico (Maria Lucia Dahl), dois rapazes que encomendam o serviço de cinco prostitutas (uma delas, a elegantíssima e sempre apaixonante Helena Ramos), o tal rapaz procurado pela polícia, um sujeito apaixonado pelo próprio touro etc.

Mas a melhor de todas as pequenas histórias é a do homem que pretende terminar com a amante (Zilda Mayo), enquanto a esposa está ali do lado esperando ele acabar com aquele relacionamento. O problema é que as coisas não são tão fáceis assim para o término do caso. Essa história é o melhor alívio cômico do filme e é também bastante carregado de uma latinidade que às vezes demoramos a associar com o Brasil. Pode ser visto como um estudo sobre a possessividade machista - o sujeito diz não querer mais se relacionar mais com a mulher, mas não quer sequer imaginar ela com outro.

Outro aspecto machista bastante forte e um dos melhores momentos do filme está na história dos dois amigos que querem festejar a aprovação de um deles no vestibular. Bem que poderia haver um maior aprofundamento no que a prostituta vivida por Helena Ramos diz para o mais feio e pobre dos dois amigos, ou sobre uma suposta homossexualidade escondida dos dois, em um tipo de relação de dependência mútua. Lembra até alguns filmes do Khouri, nesse sentido. Aliás, a presença de Roberto Maya, como um guru charlatão de uma nova religião, só atesta essa intimidade com o cinema khouriano.

E no meio disso tudo está João (Tony Ferreira), um empregado do hotel que está cansado de ser o faz-tudo dali e surta de vez. João provavelmente representa o aspecto mais político do filme, que nos alerta para a perversidade de um modelo capitalista de empresa e mostra tensões de classe de maneira mais enfática do que nos outros relatos.

No fim das contas, como suposto exemplar de um disaster movie, os efeitos especiais precários e coisas do tipo acabam não importando muito em NOITE EM CHAMAS. O que mais conta são as histórias, as paixões, as inseguranças, o sexo e as explosões de ira de seus personagens que pulsam vida até quando prestes a pular de um prédio. 

+ DOIS FILMES

O QUE ELES FIZERAM A SUAS FILHAS? (La Polizia Chiede Aiuto)

Depois de O QUE ELES FIZERAM COM SOLANGE? (1972), um dos melhores gialli já feitos, Massimo Dallamano conta uma outra história envolvendo jovens estudantes em perigo. Mas a pegada em O QUE ELES FIZERAM A SUAS FILHAS? (1974) é diferente. Está mais para filme policial mesmo, inclusive com cenas de perseguição automobilística. O filme já começa com uma jovem sendo encontrada enforcada pela polícia. A partir daí, e da certeza de que ela foi assassinada, começa-se uma corrida pelo assassino. O filme tem um charme impressionante: a música funciona bem nos momentos de mais emoção; o investigador (Claudio Cassinelli) e a procuradora (Giovanna Ralli) são personagens bem simpáticos; e não faltam momentos de violência gráfica, ainda que bem pontuais. Filme presente no box Giallo Vol. 4.

HOLIDAY

Acho difícil analisar um filme como HOLIDAY (2018), por uma questão moral, talvez. Mas é justamente por isso, além de ser também uma obra que intoxica o sangue, que merece ser visto. A diretora é estreante em longas e talvez seu crédito mais famoso seja o de roteirista de BORDER (2018), outro filme controverso e interessante. O que mais pesa positivamente é a elegância na direção dos atores, na condução da tensão, e também no modo como equilibra as cores, vivas e solares, em um enredo sombrio. Na trama, jovem mulher passa a viver com um líder de uma máfia de drogas, apesar do temperamento extremamente violento do sujeito. Isabella Eklöf foi uma das diretoras contratadas para episódios da excelente série SERVANT, sinal de que Shymalan confiou nela e a viu como um jovem talento a prestar atenção.

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