sexta-feira, maio 21, 2021
QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES (Greetings)
Acho que cometi o erro de não começar (pra valer) a peregrinação pela obra de Brian De Palma com FESTA DE CASAMENTO (1969), seu primeiro filme a ficar pronto, mas que só seria lançado depois de MURDER À LA MOD (1968) e QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES (1968). Foi só graças ao sucesso desse segundo que o filme terminado em 1963 pôde entrar em cartaz. Ambos os filmes contam com a presença de Robert De Niro, sendo De Palma, portanto, o grande revelador do ator e não Martin Scorsese.
QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES traz um sabor de Nouvelle Vague, especialmente de Godard. De Palma era um admirador do cinema do franco-suíço e chegou a dizer em entrevista que se ele pudesse ser o Godard americano, seria ótimo. Ele completou dizendo que os Estados Unidos possuem muito mais a explorar do que a França, no que se refere a aspectos sociais e políticos. E é possível que ele tenha razão.
Seu filme capta bastante o espírito de sua época. 1968 é comumente um ano associado a revoluções pelo mundo e o cinema americano estava passando por um processo de renovação. Por isso a Nouvelle Vague parecia ser um caminho interessante para seguir. Mas há também no filme elementos dos filmes dos Beatles dirigidos por Richard Lester, A HARD DAY’S NIGHT e HELP! Isso fica explícito tanto na canção que aparece nos créditos quanto na cena em que vemos imagens rápidas dos três amigos fazendo presepadas pelas ruas.
QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES é também um filme que tem pouca preocupação com a trama, uma espécie de cinema livre que estava se tornando característico daquele período de busca de renovação da linguagem cinematográfica e também da própria sociedade, que passava por um processo de transformação. Na época da realização do filme havia uma grande preocupação nos Estados Unidos, que era a Guerra do Vietnã.
A primeira subtrama, inclusive, trata dessa questão, quando os amigos Lloyd (Gerrit Graham) e Jon (De Niro) tentam ajudar Paul (Jonathan Warden) a não ser aceito no exército - ele havia acabado de ser chamado para servir. A principal dica dos amigos era fazer com que Paul treinasse trejeitos efeminados, de modo que ele fosse rejeitado no exército por ser homossexual. Mas depois eles tentam outras coisas, como se passar por um cara de extrema direita.
O próprio De Palma afirma que também tentou técnicas para fugir do exército, seja tentando dizer que era homossexual, seja dizendo que era comunista. Por alguma razão, ele foi julgado inadequado para o exército. O filme na verdade traz vários elementos da vida do cineasta, que também era fascinado pelo mistério em torno da morte do Presidente Kennedy. Sem falar em outros aspectos de natureza mais íntima, como a insegurança no trato com as mulheres descambando em um voyeurismo nem sempre saudável, como é o caso do personagem de De Niro, que se aproxima de um estuprador, em certo sentido. Principalmente numa das últimas cenas, com uma vietnamita.
Não sei o quanto De Palma tinha consciência que estava se desnudando e ao mesmo tempo usando o cinema como divã para expor seus problemas de insegurança. Talvez houvesse um pouco dessa consciência sim. Tanto que essa questão com as mulheres, que começou a ser vista por muitos como uma espécie de misoginia, está presente ao longo de décadas de sua filmografia.
Assim como em MURDER À LA MOD, temos uma cena em que um homem pede para uma mulher fazer uma performance erótica para uma câmera, mas buscando dessa mulher certa inocência. No caso de QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES, o personagem de De Niro pede para a mulher não responder à câmera (ela insiste em responder), enquanto tira a roupa. Afinal, se ela olhasse para ele, comprometeria o próprio espírito do voyeurismo.
Há uma cena (godardiana) em que o personagem de De Niro lê um livro de psicologia para entender o porquê de ele querer espiar mulheres e o livro diz que os voyeurs geralmente sofrem de timidez e um medo terrível de rejeição. No texto que escrevi sobre DUBLÊ DE CORPO (1984), já destaquei o quanto o cineasta sofria desse medo de ser rejeitado. Mas o mais interessante é o quanto ele usou o cinema para ir aprofundando mais e mais esse problema. Além do mais, o voyeurismo e o cinema andam de mãos dadas. Logo, caiu como uma luva.
Outro tema explorado pelo filme com muito humor é o chamado “computer dating”, em que o personagem de Jonathan Warden vai tentando encontrar mulheres em situações que mais parecem retiradas dos filmes de Woody Allen dos anos 1970.
QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES ganhou o Leão de Prata em Veneza em 1969 e seu sucesso rendeu um milhão de dólares. Para os dias de hoje parece pouco, mas o investimento do filme foi de apenas U$ 43 mil. Logo, foi um lucro e tanto.
+ DOIS CURTAS
A MULHER FATAL ENCONTRA O HOMEM IDEAL
Antes de fazer história com o longa CARLOTA JOAQUINA, PRINCESA DO BRASIL (1995), Carla Camurati dirigiu este breve e simpático curta que brinca com o glamour e reinventa o mito de Cinderella. Em A MULHER FATAL ENCONTRA O HOMEM IDEAL (1987), a própria Carla faz o papel de uma mulher que trabalha de lixeira e que, depois do contato com uma fada madrinha que aparece na televisão, se transforma numa "mulher fatal" em um mundo em preto e branco, mas muito mais generoso para ela. Há uma brincadeira com o cinema mudo, com o star system e há um jeitão de filme feito com poucos recursos, ainda que com a participação de vários rostos conhecidos do cinema e da televisão. Era o cinema brasileiro num momento bastante frágil de sua história.
JÓ
Beto Brant, um dos melhores cineastas do Brasil, poucos anos antes de estrear em longa-metragem com OS MATADORES (1997), e em parceria com Ralph Strelow, fez JÓ (1993), filme sem diálogos que se passa no deserto e que tem significados que ficam no ar, mas que por isso mesmo funciona em maior escala. Ao não optar por uma obra que se fecha em significado fácil, ele convida à reflexão. Na trama, um homem vê, sentado na areia, um grupo de beduínos invadir seu território e matar brutalmente algumas crianças. Depois disso, o filme segue uma linha surrealista curiosa.
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