terça-feira, agosto 18, 2020

A CADELA (La Chienne)

Assim como fiz com TEOREMA, na postagem anterior, ao checar os filmes do realizador presentes no livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, fiz o mesmo com Jean Renoir, um dos maiores cineastas franceses de todos os tempos. Mesmo sabendo o quão querido é o cineasta, fiquei surpreso pelo número de títulos presentes: A CADELA (1931), BOUDU SALVO DAS ÁGUAS (1932), UM DIA NO CAMPO (1936), A GRANDE ILUSÃO (1937), A REGRA DO JOGO (1939) e A CARRUAGEM DE OURO (1952). Sem dúvida, um mestre; sem dúvida, seus filmes se tornaram clássicos. E mesmo já tendo visto uma meia dúzia de filmes dele, percebo que ainda é pouco para perceber sua poética.

Vi A CADELA recentemente por ocasião de minha peregrinação pelo cinema de Fritz Lang. Então, acessei o filme de Renoir de maneira indireta, já que se trata da primeira obra (de duas) do cineasta francês a ser refilmada por Lang em Hollywood. A CADELA foi refeito como ALMAS PERVERSAS (1945), a ser visto em breve.

Embora tenha visto alguns dos filmes mais aclamados de Renoir, nenhum deles havia me despertado tantos sentimentos de incômodo e de raiva, atração e repulsa, quanto este. E digo isso como um mérito do cineasta e de seus personagens. Todos eles são passíveis de nossa raiva, de nossa indignação e de nossa compreensão. Temos um cafetão, Dédé (Georges Flamant), que bate na prostituta, Lulu (Janie Marèze), que por sua vez se aproveita da bondade de Maurice Legrand (Michel Simon) para sugar tudo o que ele tem financeiramente para lhe retribuir praticamente nada em troca, apenas uma espécie de promessa de carinho. Além do mais, uma outra personagem é digna de nossa raiva, a esposa de Legrand, que o humilha e o maltrata.

Ou seja, é difícil ver o filme sem ficar se perguntando por que certos personagens se permitem viver em uma situação tão serviçal, tão humilhante, sem tomar uma atitude. Viver sozinho é preferível a viver em situação parecida com à dos personagens. Principalmente Legrand, o protagonista, excessivamente bondoso, aceitando tudo o que vem da "cadela" do título, até mesmo os quadros que ele pinta serem vendidos com um outro nome, com Dédé se aproveitando da situação. Ele é provavelmente a figura mais odiosa dos três, já que os outros dois ao menos são levados pela paixão.

Por isso faz sentido o filme começar com um teatrinho de marionetes falando diretamente ao espectador e dizendo-nos para não fazer julgamentos. Faz sentido. No meio do drama, é possível rir com uma situação que surge com o personagem de Michel Simon (no momento de sua primeira conversa com o primeiro marido da esposa). Trata-se de um momento especialmente importante para conferir mais leveza ao filme. Ao fim, é sim um conto moral, ainda que torto em suas vias, em seus destinos.

Não sei o quanto Fritz Lang muda nossas impressões sobre o comportamento humano, o quanto nos fará também espantados com os gestos de seus personagens, ou se trará também naturalidade a eles como Renoir faz. Os dois diretores lidam com tipos diferentes de realismo. E em Hollywood o realismo de Lang na década de 1940 já estava emoldurado com as tintas mais escuras do estilo adotado pelo cinema americano de então. Só sei que Renoir cada vez mais me atrai e desperta meu respeito.

+ TRÊS FILMES (CURTOS)

VIRAMUNDO

Por mais que a situação do povo nordestino tenha melhorado consideravelmente dos anos 1960 para cá, muita coisa não mudou. Inacreditável o depoimento de um nordestino já bem instalado em São Paulo, mas que diz que não se considera mais um "nortista", mas um paulista, e que os nordestinos só pensam em matar, ao contrário dos paulistas, que caminham para a frente. E ainda fala como um bolsonarista dos dias de hoje, reclamando das tendências esquerdistas dos sindicados. Algumas coisas não mudaram. Também me incomoda o discurso do patrão, mas já é de se esperar algo do tipo. Retrato de um período muito difícil, VIRAMUNDO ainda conta com a canção de Caetano Veloso na voz de Gilberto Gil que introduz o filme como um cordel cantado. Só me pareceu um tanto deslocada a última parte, que mostra cenas da umbanda, de cultos evangélicos, do espiritismo etc, mas dá para entender que seria uma espécie de caminho único para aqueles que sofrem de desesperança em um país em que os governantes estão pouco se lixando para os desfavorecidos. Direção: Geraldo Sarno. Ano 1965.

A RUA DAS CASAS SURDAS

Gostei da metáfora com as baratas e a resistência. E da surpresa também. Na trama, Em uma vizinhança silenciosa, durante a ditadura, dois homens acompanham um jogo de futebol pelo rádio, até que resolvem aproveitar o intervalo do primeiro tempo para voltar ao trabalho. Direção: Gabriel Mayer e Flávio Costa. Ano: 2016.

ABISSAL

Bacana esses trabalhos ligados à família, à busca pelo passado obscuro de nossos avós. O diretor cearense Arthur Leite, partindo do projeto de pesquisar a vida de um avô que nunca conheceu, começa a investigar a história da própria família. Quanto mais mergulha nela, mais se afasta da ideia original, percebendo que a personagem, na verdade, é sua avó, Rosa. Ano: 2016.

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