domingo, agosto 16, 2020

TEOREMA

Já faz mais de um mês que vi TEOREMA (1968), de Pier Paolo Pasolini. Tive que checar a data, pois achava que fazia dois ou três meses. Com essa situação de isolamento social, estou perdendo muito a noção do tempo. Coisas que aconteceram ontem eu penso que foram antes, ficam dentro de uma espécie de névoa da memória, sem separação de dias, o passado imperfeito se misturando com o passado perfeito. O meu interesse em finalmente ver TEOREMA foi o fato de ser o mais aclamado filme de Pasolini, e não um outro motivo, creio eu.

Demorei a escrever a respeito por não ter me aproximado do filme em muitos aspectos. Mas entendo que se encaixa perfeitamente no espírito da época, 1968, quando certos filmes tinham ares de revolucionários como o ano, e chegam a parecer enigmáticos. E de fato este o é.

Peguei o livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer, e vi que dois filmes de Pasolini estão presentes na lista: aquele que possivelmente é o meu favorito dele, O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (1964), e o seu mais trabalho polêmico, SALÓ, OU OS 120 DIAS DE SODOMA (1975), que ainda não tive coragem de rever - quem sabe, em breve. Ou seja, TEOREMA, que eu jurava se encontrar na lista, não está. Talvez seja considerado mais um filme cultuado do que um filme clássico. No caso, uso a palavra "clássico" como "obra que fica presente" e não como estilo narrativo, já que se trata de um cinema mais moderno.

Talvez, ao ver TEOREMA, estivesse aguardando algo menos enigmático, mais simples. E até podemos dizer que há algo de muito simples na construção do enredo, durante a primeira metade. Acredito que já vimos isso em outros filmes: a figura de um homem (até pode ser uma mulher) que captura o desejo de todas as pessoas da casa (homens, mulheres, patrões e empregada). É possível lembrar de O PRINCÍPIO DO PRAZER, de Luiz Carlos Lacerda; de VISITOR Q, de Takashi Miike; de SUSANA, de Luis Buñuel; de SEXO - SUA ÚNICA ARMA, de Geraldo Vietri; e, ampliando o espectro, podemos lembrar de O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS, tanto a versão de Don Siegel quanto a de Sofia Coppola, embora a proposta de ambos seja bem diferente.

Claro que, até por ser homossexual, há elementos queer na obra, como close-ups da "parte baixa" do personagem de Terence Stamp, especialmente na cena em que ele está no jardim lendo um livro e a empregada da casa olha para ele com desejo. Stamp interpreta um homem misterioso que é recebido como hóspede em uma luxuosa casa e começa a ser objeto de desejo de todos os presentes. E Stamp de fato está muito bonito, elegante e charmoso em seus cerca de 30 anos de idade. Já Silvana Mangano já era uma estrela mais madura, ainda que belíssima, com sua maquiagem muito branca. Com Pasolini, ela já tinha feito ÉDIPO REI (1967). Do elenco também vale destacar a presença da menina que faz a filha, Anne Wiazemsky, de A GRANDE TESTEMUNHA, de Robert Bresson.

O que torna TEOREMA um filme mais cifrado é o seu "lado B", que traz um sentimento de pós-lisergia muito interessante, ao mostrar as consequências do encontro com o enigmático homem para todos da família. Há recursos simbolistas interessantes e imagens impactantes, como as da ascensão da empregada como santa em um vilarejo pobre. Ou seja, se antes havia uma dúvida se o personagem de Stamp seria um anjo ou um demônio, essa relação com essa personagem feminina o aproxima de um ser mais divino, o que não deixa de ser transgressor, já que ele desperta o desejo sexual de todos, e o sexo até hoje tem essa relação com o pecado, ainda mais em um país católico, como a Itália. Há também questões relacionadas ao comunismo, desde a primeira cena, tema caro ao cineasta. No mais, talvez eu prefira, por enquanto, ficar com uma lembrança de mistério em torno do filme.

+ TRÊS FILMES

LEMBRO MAIS DOS CORVOS

A proposta por si só já é interessante: filmar apenas o depoimento de vida da atriz trans Julia Katharine, aproveitando-se de fatos muito impactantes de sua vida, sendo que alguns, principalmente o primeiro contado, são muito difíceis para ela de compartilhar com a câmera. Retrato corajoso de uma vida e de desnudamento da alma de um ser humano, embora o caráter documental possa ser um engano, talvez tudo ou quase tudo seja fictício. O trabalho de Gustavo Vinagre merece ser visto com atenção. Direção: Gustavo Vinagre. Ano: 2018.

A ROSA AZUL DE NOVALIS

Gustavo Vinagre, agora com um codiretor, faz um outro filme em que investiga, através de entrevistas, um personagem curioso. Aqui temos a personalidade de Marcelo Diorio, um homem que conta detalhes de sua vida, suas lembranças traumáticas, suas taras, suas visões de vida e espiritualidade, mas há também cenas entre as entrevistas que acentuam o caráter de encenação, coisa que ficava menos explícita no trabalho anterior de Vinagre, LEMBRO MAIS DOS CORVOS. Aqui o que temos é um filme muito mais ousado, muito mais escandaloso. Com esses dois filmes, Vinagre vem se tornando um dos diretores mais interessantes do cinema brasileiro. Codireção: Rodrigo Carneiro. Ano: 2018.

ANTES O TEMPO NÃO ACABAVA

Pena não ter escrito nem sequer umas poucas linhas a respeito deste filme. Só sei que o vi pois deixei registrado no álbum do Facebook em novembro de 2016. Como estava fazendo parte do júri do festival For Rainbow na época, e o filme fazia parte da mostra competitiva, preferi não me expor. Na sinopse, um jovem rapaz de raízes na etnia indígena saterê, quando se muda para Manaus e vai morar na cidade grande, começa a se ver preso entre os embates culturais das tradições do mundo de onde veio e cresceu e os costumes urbanos da metrópole. Direção: Sergio Andrade e Fábio Baldo. Ano: 2016.

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