sexta-feira, outubro 30, 2009
O RETORNO DA MALDIÇÃO - A MÃE DAS LÁGRIMAS (La Terza Madre / Mother of Tears: The Third Mother / Mother of Tears)
Os filmes de Dario Argento desta década não chegam a ter o brilhantismo de sua melhor fase, nas décadas de 70 e 80, mas mesmo os mais controversos, como JOGADOR MISTERIOSO (2004) e VOCÊ GOSTA DE HITCHCOCK? (2005), me agradaram bastante. Por isso que não estava levando muito a sério as críticas pesadas que O RETORNO DA MALDIÇÃO - A MÃE DAS LÁGRIMAS (2007) estava recebendo. Mas, infelizmente, devo dizer que o nosso querido maestro chegou ao fundo do poço com este que deveria ser o grande retorno aos bons tempos, fechando uma trilogia inacabada, iniciada com as obras-primas SUSPIRIA (1977) e A MANSÃO DO INFERNO (1980). Antes a trilogia permanecesse inacabada, se soubéssemos que o resultado final deste terceiro filme seria tão ruim, tão distante do brilhantismo e do mistério dos outros dois "capítulos" da saga das três bruxas.
Antes de mais nada, o fato de o filme ser mais explicadinho tira toda a graça e o mistério que tornava os outros trabalhos enigmáticos e belos, tendo furos ou não na trama. Além do mais, o Argento mestre dos travellings parece ter desaparecido. Ele filma de maneira convencional e cria uma trama ridícula, que em momento algum contribui para a criação de uma atmosfera de medo ou suspense. Na história, Asia Argento é a filha de uma das jovens que enfrentaram a "Mãe dos Suspiros" em SUSPIRIA. Através do contato com uma urna do século XVIII e com a posterior morte de sua amiga por forças sobrenaturais malignas, ela aos poucos passa a descobrir que a Mãe das Lágrimas, a mais poderosa das três bruxas, voltou à vida. Isso leva o mundo ao caos, com as pessoas cometendo atos brutais nas ruas, como jogar o próprio filho de uma ponte, por exemplo. Ao mesmo tempo, bruxas de todo o mundo chegam a Roma para receber a Mãe das Lágrimas.
Argento não poupa cenas gore, mas como isso não é o suficiente para fazer um grande filme, o resultado final é, além de tosco, muito vulgar. Acredito que só com muito bom humor e muita boa vontade para curtir o filme mesmo. Fiquei até desanimado para conferir o mais novo Argento, GIALLO - REFÉNS DO MEDO (2009), lançado há pouco nas locadoras. Mesmo assim, não acredito que possa ser pior que LA TERZA MADRE. O filme corrompe não apenas a filmografia do maestro, mas também a de sua filha, Asia, que vinha de produções de primeira linha, dirigidas por cineastas brilhantes como Gus Van Sant, George A. Romero, Sofia Coppola, Tony Gatlif, Olivier Assayas, Abel Ferrara e Catherine Breillat. Sem falar no ótimo CORAÇÃO MALDITO, que a própria Asia dirigiu e atuou. Quer dizer, poucas atrizes tiveram a sorte de trabalhar com tanta gente de respeito nos últimos anos. A nova parceria com o pai foi um deslize fácil de entender e de perdoar. Todo mundo erra, não é?
quinta-feira, outubro 29, 2009
AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO
Queria ser mais um a jogar confete no português AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO (2008), de Miguel Gomes, mas infelizmente isso não vai acontecer. Simplesmente não entrei na viagem do filme, não comprei a proposta, não me interessei pelo objeto de estudo do documentário e quando o filme vai aos poucos misturando o registro documentário com uma história de ficção, aí já é tarde demais para me conquistar. Talvez tenha visto o filme num dia não muito bom, talvez o sono tenha prejudicado a apreciação ou talvez o filme tenha me provocado sono, mas como não pretendo vê-lo novamente - pelo menos, não tão cedo, até por sua longa duração -, deixo registradas apenas minhas desapontadoras impressões.
No início, o filme até me trouxe algum interesse, mas talvez o modo como tudo foi filmado, muitas vezes com a câmera à distância, passando uma impressão de certo amadorismo, bem como a repetição da estrutura, da apresentação das diversas bandas dos diversos povoados, tudo isso contribuiu para que, com o tempo, eu fosse me aborrecendo. Até me veio à cabeça o pensamento um tanto preconceituoso de achar que cineasta de país mais pobre gosta de brincar de metalinguagem quando faz filmes. Mas depois achei que pensar assim seria uma baita injustiça, pois Kiarostami é um dos maiores nomes do cinema mundial, não apenas iraniano. O fato é que eu achei pretensioso o projeto de Miguel Gomes. E o problema não é nem ser pretensioso, pois é da pretensão que saem muitas obras-primas. O problema do filme pra mim é ser chato mesmo.
AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO brinca com a ficção e o documentário. No começo, há no filme um apelo antropológico, ao mostrar várias tomadas de festas nas zonas rurais. Inclusive, muitas das danças e das canções mostradas lembram a música brasileira - da música sertaneja ao carimbó. Há até uma bonita versão de "Nossa Senhora", do Roberto Carlos. (E nessa hora eu vi o quanto eles devem conhecer de nossa cultura e a gente sabe tão pouco da cultura portuguesa.) Devagarinho, o filme vai mostrando também as pessoas por trás das filmagens e começa a focar num jovem casal, que inicia um relacionamento. A menina tem uma relação um tanto estranha com o pai. Entre uma cochilada e outra devo ter perdido o momento anterior à cena em que uma floresta pega fogo, perto do final. Ou então, o filme usou de elipse. E é melhor eu parar por aqui, pois escrever sobre um filme que você não gostou e que viu com sono é de lascar. Em caso de ataque dos fãs mais ardorosos do filme (são tantos assim?), que conste na ata as condições em que o vi.
quarta-feira, outubro 28, 2009
A RELIGIOSA (La Religieuse)
Em alguns momentos de nossas vidas nos encontramos tão desolados que parece que estamos sozinhos, sem Deus, sem ninguém, completamente abandonados à nossa própria sorte. E essa sorte não é das melhores. Posso até estar falando sobre mim, do meu atual momento, mas estou me referindo à personagem de Anna Karina em A RELIGIOSA (1966), obra-prima de Jacques Rivette, cineasta do qual conheço pouco, mas o pouco que conheço é brilhante, o que me leva a crer que ele é um dos gigantes do cinema mundial. Anna Karina, a musa da primeira e mais conhecida fase da filmografia de Jean-Luc Godard, interpreta Suzanne, uma jovem que é entregue a um convento para ser freira contra a sua vontade. No dia dos seus votos de castidade, pobreza e obediência, ela os rejeita. Isso provoca escândalo em sua família, que já havia gastado dinheiro com os dotes das duas outras filhas e que precisava do dinheiro da Igreja, que receberia entregando a filha ao convento. A ida de Suzanne para um convento seria também uma forma de expurgar o pecado de sua mãe - Suzanne seria fruto de um adultério. Sem ter nenhuma outra saída a não ser aceitar o destino cruel, ela finalmente aceita a vida de freira. Mas só inicialmente, pois cada vez mais ela se sente como uma presidiária e passa a lutar por sua liberdade, chegando a contratar os serviços de um advogado.
O filme é a adaptação de um romance inacabado de Denis Diderot, escritor e filósofo do século XVIII que ficou conhecido por suas ideias polêmicas sobre a moral de sua época. Alguns de seus livros foram queimados ou banidos até alguns anos após a sua morte. Como o romance não chegou a ser finalizado por seu autor, Rivette criou um final que julgou ser coerente com a trajetória da angustiada jovem. E se o filme inteiro tem uma narrativa mais acadêmica, o final drástico até lembra o cinema de Robert Bresson. Inclusive, de Bresson o filme de Rivette parece ter herdado o pessimismo, impregnado em toda a obra. Em certo momento do filme, um dos padres diz: "já estamos todos condenados mesmo". E o espírito do filme é mais ou menos esse.
Diferente do que se espera encontrar num filme sobre freiras, já que a maioria é do subgênero nunsploitation, o fato de A RELIGIOSA ser mais sério, não apresentando nenhuma cena de nudez e nenhuma abordagem propositalmente fetichista ou sensacionalista, faz com que ele seja até hoje um exemplar maldito pela Igreja Católica. Na época de seu lançamento, o filme também encontrou obstáculos e foi proibido para menores de 18 anos na França. Nos Estados Unidos, o filme só estreou em 1971, mas não sei dizer se foi por questões políticas ou religiosas. A RELIGIOSA também destoa de outras obras de Rivette, que são mais vanguardistas, mais experimentais. E algumas delas de duração bem longa. Trata-se, talvez, do trabalho mais acessível do diretor, o que o torna ainda mais "perigoso", se visto como filme-denúncia. O fato de a personagem de Anna Karina ser pura, enquanto todo o corpo da igreja é perverso, sádico ou hipócrita, contribui ainda mais para sua força.
Não posso esquecer de pelo menos mencionar a direção discreta e segura de Rivette, a bela fotografia do filme, as excepcionais tomadas nos corredores dos conventos ou aquelas que mostram as grades separando o mundo no convento do mundo exterior.
P.S.: Está no ar a nova edição da Zingu!, que completa três anos este mês e está de cara nova. A edição é toda dedicada a Carlão Reichenbach e conta com um texto meu, sobre ANJOS DO ARRABALDE. Talvez seja o melhor momento da história da revista.
terça-feira, outubro 27, 2009
MATADOR
"Nos primeiros lances da tourada, o toureiro representa a tentação, é ele quem provoca o touro, que o chama para seduzi-lo, é um papel tipicamente feminino."
Pedro Almodóvar
A frase acima, encontrada no livro de entrevistas "Conversas com Almodóvar", ilustra o interesse do diretor por essa inversão de papéis, que também seria visto, e de maneira ainda mais complexa, em FALE COM ELA (2002). MATADOR (1986) é uma das obras mais estranhas da filmografia do cineasta, até por se aproximar mais do filme de gênero, no caso, o filme de suspense, de assassinatos. Mesmo não sendo um dos mais representativos de sua obra, MATADOR é um de seus melhores e mais interessantes trabalhos e carrega as marcas de seu autor do início ao fim.
O filme abre com o título enorme, escrito em vermelho, enchendo toda a tela. O vermelho aparece o tempo todo no filme, não apenas como a cor do sangue das vítimas, mas principalmente nas roupas. Até um vestido de noiva de um desfile de moda é vermelho, quando vemos a participação do próprio Almodóvar como um estilista. A morte e o sexo são tratados de maneira especialmente fascinante e bonita e podemos ver o quanto esses dois elementos combinam – há quem diga que o orgasmo é uma experiência de quase morte. E a assassina/advogada interpretada pela bela Assumpta Serna só dá cabo de suas vítimas usando uma agulha que prende o cabelo no momento do orgasmo. As cenas de Assumpta estão entre os pontos altos do filme e são sempre carregadas de beleza e sensualidade.
Por outro lado, o personagem de Antonio Banderas chega a ser ridículo em alguns momentos, como mais próximo do final, quando ele se revela um sensitivo. Ele é mais interessante enquanto é apenas um jovem atormentado por uma mãe castradora e membro do Opus Dei e que procura despejar suas frustrações tentando estuprar a jovem vizinha (Eva Cobo), namorada do toureiro aposentado e que hoje dá aula para aqueles que desejam ingressar na carreira. O professor, interpretado por Nacho Martínez, é o primeiro personagem a aparecer em MATADOR, masturbando-se enquanto assiste a um filme de terror com cenas de mutilação.
A mistura entre drama e comédia prossegue de maneira pouco usual, com a balança pendendo mais para o drama, como em seus trabalhos anteriores, com a diferença que MAUS HÁBITOS (1983) e QUE FIZ EU PARA MERECER ISTO? (1984) apresentavam elementos cômicos, mas narrados com dramaticidade e amargura. MATADOR, por sua vez, acrescenta pitadas de humor, como o já citado personagem de Banderas e a participação de Chus Lampreave.
Minhas cenas favoritas são as dos personagens mais fortes e interessantes: os de Assumpta Serna e Nacho Martínez. A última cena dos dois é de uma beleza sem igual. O espectador pode não se identificar com eles pelo fato de serem assassinos, mas fica difícil não vê-los como transgressores das regras da sociedade e, só por isso, já ganham a simpatia. O fato de eles serem completamente apaixonados um pelo outro também contribui para isso. MATADOR também se destaca por ser o primeiro filme de Almodóvar que apresenta personagens masculinos maduros, o que se tornaria mais comum em vários dos trabalhos seguintes do diretor.
segunda-feira, outubro 26, 2009
JORNADA NAS ESTRELAS - O FILME (Star Trek: The Motion Picture)
Três fatores contribuiram para que eu voltasse a me interessar por STAR TREK. Primeiro, o lançamento do belo filme de J.J.Abrams; segundo, as várias citações à série em THE BIG BANG THEORY; e terceiro, o lançamento do box contendo os seis primeiros longas-metragens, que eu não descansei enquanto não comprei. E ontem terminei de ver o primeiro dvd, contendo JORNADA NAS ESTRELAS - O FILME (1979). Não se trata de um grande filme e envelheceu mal, mas é preciso se situar historicamente para entender a sua importância. Claro que o sucesso de GUERRA NAS ESTRELAS contribuiu para que o filme finalmente saísse, mas na verdade, desde 1975 que Gene Roddenberry já estava em negociações com a Paramount para a produção do longa. Isso é contado no pequeno documentário de dez minutos que vem nos extras. O filme demorou a sair pois o primeiro roteiro tratava de Deus e isso incomodou bastante os cabeças do estúdio. Só voltariam a falar novamente de Deus em JORNADA NAS ESTRELAS V - A ÚLTIMA FRONTEIRA (1989). Se bem que Deus é um elemento bastante presente na trama deste primeiro filme.
O lançamento do box com os primeiros filmes é bem oportuno, já que JORNADA NAS ESTRELAS - O FILME faz 30 anos este ano. E fazendo uma comparação com a minha experiência com o novo STAR TREK (2009), fiquei imaginando o que deve ter significado para os fãs da série - que havia sido cancelada em 1969 - verem novamente os personagens que eles tanto amavam. Kirk, Spock, McCoy, Chekov, Sulu, Uhura, Scott. Os atores já não eram mais tão jovens, mas estavam ali, todos reunidos e para uma super-produção para o cinema, cheia de efeitos especiais "top de linha". E que rendeu muito nas bilheterias. Foi um grande sucesso. E foi lançado com toda a pompa, com direito a dois minutos só de música abrindo o filme, como nos grandes épicos produzidos nas décadas de 50 e 60. Nota-se uma vontade de mostrar algo grandioso, para ser visto na telona do cinema, o tempo todo, mas principalmente na longa sequência em que uma micronave se integra à Enterprise. Tudo mostrado de maneira lenta, como em 2001 - UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO, de Kubrick. Mas os barulhinhos que as naves fazem no espaço continuam, para manter a tradição e porque são divertidos. Para completar o luxo, foi convidado para dirigir o filme o veterano Robert Wise, conhecido por sua capacidade de fazer bons filmes de qualquer gênero, do terror ao musical.
O problema talvez tenha sido mesmo o roteiro, que é um pouco fraco, feito inicialmente para ser o piloto do retorno de JORNADA NAS ESTRELAS à televisão, mas que, devido ao sucesso de GUERRA NAS ESTRELAS, foi repensado como uma super-produção para o cinema. A trama gira em torno de um misterioso objeto que está em direção à Terra e que ataca uma nave dos klingons. Essa é a desculpa para que James T. Kirk, já aposentado da Enterprise, volte à sua antiga função, destronando o atual capitão, Decker. Que é um dos coadjuvantes mais interessantes do filme, pois ele é responsável pelos momentos de tensão com Kirk, que toma algumas medidas perigosas, sem saber das reformas pelas quais a nave passou nos anos de sua ausência. Numa das cenas mais interessantes do filme, ao ativar uma velocidade de dobra espacial, a nave vai parar no que eles chamam de fenda espacial.
Diferente de uma série, que tem mais tempo para desenvolver os personagens, o filme se concentra na aventura. Portanto, tirando Kirk, Spock, um pouco McCoy e os personagens Decker e a tenente Ilia, fundamentais para a trama, os demais membros da Enterprise ficam em segundo plano. E falando em tempo, o andamento do filme, contrariando a rapidez do blockbuster de George Lucas, é semelhante ao de SUPERMAN - O FILME, de Richard Donner. Muito para manter um ar solene. Ainda que eles não tivessem uma grande história, aquele momento era especial. E era preciso tratá-lo como tal.
sexta-feira, outubro 23, 2009
PACTO SINISTRO (Strangers on a Train)
Foi a terceira vez que vi PACTO SINISTRO (1951). Havia visto duas vezes no Corujão e só resolvi rever mesmo por causa da Edição Especial em dvd lançada pela Warner. É o filme de Hitchcock que recebeu o melhor tratamento pela companhia, que se caracterizou por lançar os filmes do mestre do suspense com qualidade mas sempre com poucos extras, diferente dos recheados dvds da Universal. PACTO SINISTRO ganhou um dvd duplo com luva contendo, além de vários extras, uma versão alternativa do filme, a chamada versão de pré-estreia, que tem pouca diferença com a versão oficial, terminando com a cena da namorada do protagonista recebendo, emocionada, boas notícias, isto é, sem o bem humorado epílogo. Eu, nadando contra a maré, gosto mais do final da versão alternativa, já que não vejo muita graça na piadinha do final oficial, por mais que seja coerente com o tom do filme, que se mostra, ao longo de sua metragem, um produto para não se levar tão a sério. Que o diga o garotinho rindo na famosa sequência do carrossel descontrolado. Em certo sentido, entendo a preferência por um final engraçadinho, já que num todo PACTO SINISTRO está mais para uma comédia de humor negro.
Mesmo analisando por esse aspecto, PACTO SINISTRO não está entre meus Hitchs favoritos. Digo isso pois sei o quanto o filme é tido por muitos como uma das obras-primas do mestre. Embora eu, racionalmente, veja inúmeras qualidades no filme e lembre de momentos inesquecíveis e marcantes, PACTO SINISTRO não provoca em mim taquicardias ou algo do tipo como ocorre em outras obras. É um filme que eu vejo como uma diversão leve e que repete várias das obsessões do cineasta, como a de conversar sobre um assassinato perfeito. No caso desse filme, há o "cris-cross", a troca de assassinatos cometidos por pessoas estranhas e idealizado pelo maluco Bruno Anthony, vivido por um excepcional Robert Walker.
Falando em Walker, nenhum dos documentários presentes no dvd fala da curiosidade mórbida acerca de sua morte. Só comentam sobre o seu problema com o alcoolismo e sua morte repentina. PACTO SINISTRO foi o seu penúltimo filme. Ele faleceu durante as filmagens de NÃO DESONRES O TEU SANGUE, o que deixou o diretor Leo McCarey numa situação complicada e tendo que fazer algo inusitado: aproveitar filmagens da morte de Walker no filme de Hitchcock para matar o personagem em seu filme. Lembro que escrevi sobre isso e sobre outras mortes em cena num texto para o Cinema com Rapadura anos atrás. Fiquem à vontade para conferir, caso não tenham lido ainda.
PACTO SINISTRO representa uma recuperação nas bilheterias e na carreira de Hitchcock, que viveria nos anos 50 sua fase mais produtiva e feliz. O filme também marca o início da parceria com o diretor de fotografia Robert Burks, que trabalharia em quase todos os trabalhos seguintes de Hitchcock. Alguns momentos do filme são brilhantes, como a cena do assassinato no parque de diversões. O interessante dessa cena é que Hithcock, ao mostrar os últimos suspiros da mulher através de uma lente dos óculos caídos no chão e de maneira bem estilizada, me fez lembrar os filmes de Dario Argento, que mostram assassinatos trazendo bem mais prazer estético do que um sentimento incômodo para o espectador. O que não deixa de ser algo assustadoramente fascinante. A cena do isqueiro é o momento de maior cumplicidade entre o espectador e o vilão, no sentido de que o público passa a torcer pelo vilão naquele momento. Como a sequência do telefonema em DISQUE M PARA MATAR (1954).
Já a conclusão do filme, não me pareceu tão boa. Fico imaginando se Hitchcock fosse mais fiel ao romance de Patricia Highsmith e fizesse com que o personagem de Farley Granger realmente matasse o pai de Bruno. Seria mais trágico e ainda mais sombrio. Mas talvez não fosse tão fiel ao estilo de Hitchcock e o seu gosto por homens inocentes acusados por um crime que não cometeram.
Na edição especial, o dvd traz, além da já citada versão para pré-estreia e do comentário em áudio de Peter Bogdanovich e dois outros convidados, um documentário de 36 minutos analisando o filme, um outro pequeno de 6 minutos sobre o ponto de vista da vítima, uma divertida avaliação do filme por M. Night Shyamalan e 10 minutos de imagens e de depoimentos de familiares de Hitchcock sobre como ele era no lar.
quinta-feira, outubro 22, 2009
REDACTED
Desde o início de REDACTED (2007) não comprei a ideia de Brian De Palma. Quer dizer, não se trata nem da ideia, que é boa, interessante e louvável, mas o que me incomodou mesmo foi a realização. De Palma, cineasta cujo forte não é necessariamente o cinema que emula o "documento-verdade" mas o cinema-espetáculo, e muitas vezes o cinema derivado do cinema, talvez não tenha sido a escolha certa para a realização de mais um mockumentary, por mais que se trate de um filme baseado em imagens reais proibidas de serem veiculadas. E por mais que em sua trajetória o cineasta tenha flertado com o formato documentário em alguns momentos - em filmes tão distintos como HI, MOM (1970) e DÁLIA NEGRA (2006) - não encontrou o tom certo nem atores convincentes para o seu filme-denúncia.
A história de soldados que praticam atos de violência e estupram mulheres de maneira brutal já havia sido contada pelo próprio cineasta no excelente PECADOS DE GUERRA (1989), que adota um tom operístico que leva à catarse. Já REDACTED, com sua simulação da verdade através de câmeras amadoras, câmeras de segurança, imagens do youtube e sites semelhantes, entre outros, não conseguiu me atingir em cheio. Na verdade, fiquei até um pouco aborrecido com o filme. Sensação de deja vu diante de tantos outros filmes utilizando técnica parecida, mas sem a mesma força dos demais. Alguns momentos são até previsíveis, como a cena da bomba que faz em pedaços o corpo de um dos militares americanos. O que surpreende mesmo é a crueza de como aquilo é mostrado. Por outro lado, diferente do que eu esperava, durante a cena do estupro, De Palma prefere nos poupar da visão. Mesmo assim, o poder da sugestão, do que não é mostrado, não tem grande força.
Pra quem não sabe, a trama de REDACTED, toda costurada com diferentes mídias, se passa durante a ocupação americana no Iraque em 2006, quando ocorreu um escândalo envolvendo um soldado americano que invadiu a casa de uma família iraquiana e cometeu estupro e assassinato. E por mais que o filme tenha me decepcionado, não deixa de ser revoltante a sua ausência na tela grande. REDACTED vai ser lançado direto em dvd com o título GUERRA SEM CORTES.
E falando em Guerra do Iraque, espero que GUERRA AO TERROR, de Kathryn Bigelow, outro que teve as locadoras como destino final, me agrade bem mais. Está na lista de próximos a ver.
quarta-feira, outubro 21, 2009
MARISA MONTE - INFINITO AO MEU REDOR
Ver este documentário sobre a Marisa Monte em turnê me fez notar mais uma vez a rapidez da passagem do tempo. Pensar que eu cheguei a acompanhar o começo do carreira da cantora, quando ela lançou o primeiro single nas rádios, "Bem que se quis", do álbum produzido por Nelson Motta... E isso foi em 1988. E hoje eu tenho amigos que nasceram nessa época! O tempo também parece assustar um pouco Marisa, que completa quarenta anos durante a turnê dos seus discos INFINITO PARTICULAR e UNIVERSO AO MEU REDOR, lançados em 2006, em plena crise da indústria fonográfica. E o documentário trata de falar dessa crise, inclusive, através de números, que mostram ano a ano a queda das vendas de discos. Eu sou um exemplo vivo: tenho todos os discos da cantora, exceto os dois últimos, que nem cheguei a ouvir direito, baixados. E do pouco que ouvi, no geral, não gostei.
MARISA MONTE - INFINITO AO MEU REDOR (2008), se tivesse sido lançado neste ano, com certeza teria aproveitado a moda dos documentários sobre músicos lançados no cinema. Como não foi, acabou passando batido por muita gente. Inclusive, por fãs da cantora que têm o hábito de comprar os seus dvds musicais, mas que talvez não se sentiriam motivados a comprar um documentário, que teoricamente seria menos utilizado que um dvd de shows ou clipes. Uma pena, pois o documentário é muito bom, ainda que bem simples. Em certos momentos, há um certo didatismo que lembra ILHA DAS FLORES, do Jorge Furtado, com Marisa exercitando a sua veia de professora e explicando alguns detalhes do processo de produção de um show de grande porte, com muita gente envolvida.
Uma coisa que se percebe é o quanto Marisa é dona de suas escolhas. O documentário é narrado e co-roteirizado por ela. Praticamente tudo que ela quis na produção dos discos, ela conseguiu dos produtores e de todos os envolvidos. Lembro que quando ela lançou MEMÓRIAS, CRÔNICAS E DECLARAÇÕES DE AMOR (2000), eu achei muita coragem de sua parte de fazer um trabalho tão exageradamente romântico. E o megasucesso nas rádios de "Amor I love you" acabou tornando a canção insuportável para muitos. Mas um sucesso desses é o sonho de qualquer artista. E ela sabe que dificilmente conseguirá repetir esse feito, de colocar na boca de todo o país uma música. Até porque a atual conjuntura dificulta. Mas pelo menos ela teve a sorte de ainda pegar uma boa fase para a música popular, quando o povo ainda comprava discos. E por isso, ela é uma das poucas cantoras que pode se dar ao luxo de excursionar por todo o mundo com shows que custam uma nota preta, tanto para ela quanto para quem compra os ingressos.
No documentário, uma das coisas mais legais é a maneira como Marisa mostra um pouco da sua intimidade e até flagra um momento constrangedor, quando, no início da turnê dos novos discos, ela esquece completamente a letra de uma canção escrita por Adriana Calcanhoto. E a câmera mostra Adriana assistindo o show e vendo a colega passar por esse vexame. Marisa, em sua narração em voice over, conta que o erro é um dos momentos mais interessantes dos shows, pois é o momento de maior cumplicidade com o público. E levando em consideração que ela sempre teve esse ar de diva, esse tipo de momento é desmistificador.
Agradecimentos ao amigo Santiago, que me emprestou o dvd há meses.
terça-feira, outubro 20, 2009
TE AMAREI PARA SEMPRE (The Time Traveler's Wife)
Filmes que abordam viagens no tempo sempre são do meu interesse. Existe algo de muito fascinante nisso, que tem sido abordado das mais diferentes maneiras pelo cinema e pela literatura. O que parece uma novidade nesse filão são os filmes românticos, como foi o caso recentemente de A CASA DO LAGO, de Alejandro Agresti, que por sua vez já era uma refilmagem de uma produção sul-coreana. No filme, a comunicação temporal não se dava através de nenhuma máquina do tempo e isso, somado à delicada direção de Agresti, resultou em algo belo e poético. TE AMAREI PARA SEMPRE (2009) é o mais novo exemplar dessa safra. Não se deve esperar nada tão bom quanto A CASA DO LAGO, mas isso não quer dizer que o trabalho do alemão Robert Schwentke não mereça a devida atenção dos espectadores. O diretor é mais famoso pelo elegante thriller PLANO DE VÔO (2005), com Jodie Foster.
O que é sempre uma pedra no sapato dos roteiristas de filmes sobre viagens no tempo é a possibilidade de furos na trama. Elas são grandes. E talvez por isso uma das regras de TE AMAREI PARA SEMPRE é a de que as viagens temporais do personagem de Eric Bana não teriam o poder de mudar o destino, de impedir, por exemplo, o acidente que tirou a vida de sua mãe. Ainda assim, se pensarmos no quanto o Henry (o personagem de Bana) jovem e o Henry mais velho aparecem e no quanto eles interferem na vida da personagem de Rachel McAdams, talvez essa regra tenha sido transgredida pela própria trama. Mas não sei se vale a pena ficar procurando furos no filme.
Outro dos problemas de TE AMAREI PARA SEMPRE talvez seja a velocidade com que os eventos ocorrem. Se por um lado isso impede que o filme se torne chato e monótono, por outro, passa a impressão de que houve uma montagem muito picotada ou, pior, uma insegurança em lidar com tantos detalhes passíveis de erros. O filme representa o retorno do sumido roteirista Bruce Joel Robin, que em 1990 emplacou dois sucessos: GHOST - DO OUTRO LADO DA VIDA e ALUCINAÇÕES DO PASSADO, até hoje o melhor filme de Adrian Lyne. Ele também tentou uma carreira na direção com MINHA VIDA (1993), que continua no meu top 5 de filmes que mais me fizeram chorar, mas que foi massacrado pela crítica da época.
TE AMAREI PARA SEMPRE é um filme híbrido. Começa com elementos de filme de horror, com a cena do acidente e o primeiro desaparecimento físico de Henry, mas vai abrindo um espaço cada vez maior para o principal: a história de um amor que ultrapassa a barreira do tempo. Clare (McAdams) conhece Henry quando ela era ainda criança. Ele aparece sem roupas por detrás dos arbustos, pedindo a ela um cobertor. Sempre que viaja no tempo, Henry aparece pelado em lugar e tempo indefinido, passado ou futuro, sem ter como controlar. Assim, TE AMAREI PARA SEMPRE seria também um filme sobre a impossibilidade de controle do corpo e do destino. E por mais que se possa encontrar motivos até morais para tirar o brilho do filme, fica difícil não simpatizar com os protagonistas, especialmente a sempre adorável Rachel McAdams. Confesso que saí do cinema um pouco melhor do que quando entrei. E isso eu devo ao filme.
segunda-feira, outubro 19, 2009
DISTRITO 9 (District 9)
Só não digo que DISTRITO 9 (2009) foi uma decepção porque já estava mesmo com um pé atrás diante de tanto hype em torno do filme. Mas apesar de ter achado o clímax chato como num filme de ação hollywoodiano dos mais convencionais e genéricos, não dá pra negar a importância e a diferença que o filme faz diante do atual momento. Diferença e semelhança, pois a moda dos mockumentaries é quase uma praga e acho até que está esgotando suas forças. Dez anos depois de A BRUXA DE BLAIR, nos últimos anos voltou-se a fazer filmes que procuram a "verdade" por trás de uma câmera portátil amadora ou de uma reportagem de televisão. REDACTED, CLOVERFIELD, [REC] e seu remake americano QUARENTENA, DIÁRIO DOS MORTOS e até a série de televisão THE OFFICE são exemplos desta atual obsessão pelo registro audiovisual. Daria um belo estudo de caso, até.
Em DISTRITO 9, a mudança do registro mockumentary para o modo convencional me incomodou um pouco, mas depois aceitei essa escolha, pois imaginei que o que era mostrado na câmera convencional seria a verdade, algo que a câmera da reportagem dificilmente captaria. Inclusive, o protagonista, sempre que passa por alguma situação vergonhosa, quando vai visitar a favela dos aliens, pede para desligarem a câmera. O filme utiliza o registro convencional, "onisciente", quando vemos o ponto de vista dos aliens e depois o do sujeito que foi se transformando em alien, numa possível referência ao A MOSCA, de David Cronenberg. O filme seria, portanto, uma crítica à manipulação das informações pela imprensa. Há, claro, outra série de pontos, de natureza mais sociológica, como a exclusão social, que fazem com que a obra ganhe mais admiradores, além dos fãs de filmes de ação e ficção científica. Porém, antes de mais nada, DISTRITO 9 precisa ser bem sucedido no plano superficial, como filme de gênero.
Na trama, uma nave alienígena paira sobre Johanesburgo, maior cidade da África do Sul. Os alienígenas encontrados na nave estão doentes e subnutridos e são levados ao solo e colocados numa área que, vinte anos depois, se torna uma favela. Os aliens passam a ser hostilizados pelos humanos e a negociar com os mercenários da região, os nigerianos. Inclusive, li que o filme causou polêmica na Nigéria. Mas cortar as cenas envolvendo os nigerianos, como a ministra da informação do país pediu à Sony, seria como tirar quase todas as cenas de mexicanos de westerns americanos.
A transição gradual do mockumentary para o filme de gênero convencional faz com que DISTRITO 9 perca alguns pontos, mas as sequências do protagonista lidando com sua nova condição, depois de ser infectado por um líquido alienígena, estão entre as melhores do filme. O excelente uso dos efeitos especiais também deve ter deixado o padrinho Peter Jackson orgulhoso. E o nome do diretor, Neill Blomkamp, apesar de complicado de lembrar, é desde já uma promessa para o cinema nos próximos anos.
sexta-feira, outubro 16, 2009
BREAKING BAD - A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (Breaking Bad - The Complete First Season)
Toda sexta-feira é assim. Eu me sinto como se tivesse esgotado meu combustível, devido à longa jornada de trabalho semanal e à minha recusa em dormir cedo para poder aproveitar o pouco tempo livre que me resta. Quando chega a sexta-feira, então, sinto-me esgotado. Mas vamos que vamos que o dia mal começou e o sábado ainda reserva algumas obrigações a cumprir, mais um leão para matar.
Quem também vive estressado em trabalho duplo para dar o melhor para sua família é Walter White (Bryan Cranston). Além de trabalhar numa loja, ele dá aulas de química numa escola de ensino médio. Até o dia que vai ao médico e descobre que está num estágio avançado de câncer no pulmão. Em vez de baixar a cabeça e se entregar a um tratamento de quimioterapia e ficar descansando com a família, ele resolve chutar o pau da barraca, fazendo algo inusitado: ele convida seu ex-aluno, traficante e usuário de drogas, para produzir metanfetamina, utilizando seus conhecimentos de química. Esse é o ponto de partida de BREAKING BAD, a série que já está com a terceira temporada confirmada para 2010.
Como a primeira temporada (2008) tem apenas sete episódios e tem sido premiada e elogiada, resolvi arriscar. E não me arrependi. Criada por Vince Gilligan (ARQUIVO X), BREAKING BAD está sendo veiculada nos Estados Unidos no mesmo canal de outra série querida do momento que eu ainda não tive oportunidade de conferir, MAD MEN. E é fácil se identificar ou se solidarizar com Walter White. Afinal, quem nunca teve vontade de jogar tudo para o alto, mandar o seu chefe tomar banho e fazer alguma coisa diferente e perigosa para se sentir mais vivo? E a ideia inicial de Walter é mesmo não contar nada para sua família sobre a doença. Ele é o tipo de cara que as pessoas vêem como careta, que não respeitam, e é bom vê-lo mudando de hábitos e de comportamento a ponto de virar até uma espécie de herói fora-da-lei em determinado episódio.
O episódio piloto é ótimo, mas não o suficiente para deixar o público viciado. O melhor vem depois, com os eletrizantes segundo e terceiro episódios. Um possível problema da série, mas que ainda não se apresenta visível na primeira temporada é o fato de que não dá para esticá-la muito, já que em uma hora o sujeito vai ter que morrer ou ficar curado com o tratamento. E eu ainda não sei como a série conseguiu se esticar até a terceira. BREAKING BAD teria um problema semelhante ao de PRISON BREAK, isto é, tem um "prazo de validade" indefinido, mas que imagina-se que seja de curta extensão.
A série se destaca por ser muito bem escrita e por ter ótimos atores em grandes performances. Só Bryan Cranston já ganhou dois prêmios Emmy. Mas também merecem destaque Anna Gunn, no papel da esposa grávida de Walter, e Aaron Paul, como o jovem traficante Jesse, responsável por alguns dos momentos de maior emoção da série, graças ao seu envolvimento com o mundo do crime.
Agradecimentos ao amigo Renato Doho pela cópia.
quinta-feira, outubro 15, 2009
O EXÉRCITO DO EXTERMÍNIO (The Crazies)
Como era de se esperar, já providenciaram um remake de O EXÉRCITO DO EXTERMÍNIO (1973), um dos clássicos de George A. Romero. O novo filme, estrelado por Radha Mitchell, está previsto para estrear em fevereiro nos Estados Unidos. Sempre se espera o pior dessas refilmagens, mas há a chance de boas surpresas, como pudemos comprovar com alguns exemplares recentes, como A ÚLTIMA CASA e SEXTA-FEIRA 13. Sabendo da refilmagem, eu me esforcei um pouco mais para finalmente ver o original. Há tempos eu tentava conseguir uma cópia com legenda sincronizada e não conseguia. Dessa vez, eu consegui sem muito esforço.
Um dos grandes diferenciais do cinema de Romero é a maneira como seus filmes conseguem transgredir as regras do que se espera de um filme de horror. Isso se torna evidente em O DESPERTAR DOS MORTOS (1978) e nos demais filmes de zumbis do diretor, que mais parecem dramas de guerra do que filmes de horror. Talvez a exceção seja CREEPSHOW (1982), que não podia ser diferente, tendo em vista suas origens, nos quadrinhos de terror da E.C. Comics e com roteiro de Stephen King.
O EXÉRCITO DO EXTERMÍNIO até utiliza instrumentos de percussão típicos de filmes de guerra na maior parte de sua trilha sonora. O que se nota também neste trabalho da fase inicial da carreira de Romero é ainda um estilo rústico de filmagem e de dramatização, lembrando as produções baratas lançadas diretamente em vídeo nos anos 80. Acho que isso acaba prejudicando um pouco a construção de uma atmosfera de tensão diante dos eventos.
Na trama, a população de uma cidade começa a se comportar insanamente. A primeira cena do filme mostra o comportamento agressivo de um pai diante de seus dois filhos pequenos, que vêem sua mãe morta na cama. Em seguida, um grupo de militares trajando roupas anti-radioatividade entram nas casas, escolas e hospitais para lidar com o problema. Que se agrava ainda mais com a falta de informação do que está realmente acontecendo. Com o pânico geral, fica difícil distinguir quem são de fato os infectados.
quarta-feira, outubro 14, 2009
A VERDADE NUA E CRUA (The Ugly Truth)
Não sei se é o efeito pós-BASTARDOS INGLÓRIOS, mas ver A VERDADE NUA E CRUA (2009) foi uma das experiências mais desagradáveis que eu tive no cinema nos últimos meses. Eu simplesmente não entendo o que o público vê nesse filme. Além de saber de algumas pessoas que gostaram, senti pelo clima geral da sala que muita gente estava rindo das piadas do filme e pareceram sair do cinema satisfeitas. Menos eu, aparentemente. O problema é comigo, então? Também estou começando a suspeitar que eu não vou com a cara de Gerard Butler. Pra mim, ele não passa de um brucutu sem carisma. E que está presente em dois dos piores filmes em cartaz no momento - o outro é o horroroso GAMER. Não sei de quem foi a ideia de colocá-lo em comédia romântica. No constrangedor P.S. EU TE AMO, ele já ensaiava uma entrada no gênero. Que se confirma neste A VERDADE NUA E CRUA, que nem com a graça de Katherine Heigl consegue se manter, seja como comédia, seja como filme de relacionamentos.
Falta ao filme timing, os diálogos são bobos e quando usam de trocadilhos são ainda piores. A história é previsível, trabalha com estereótipos do homem e da mulher da pior maneira possível e não sabe usar os clichês do gênero de uma maneira minimamente tolerável. Digo isso porque não tenho nada contra os clichês. Na verdade, eu tenho até carinho por eles. Mas é preciso saber manipulá-los. Coisa que o diretor Robert Luketic parece estar longe de saber. Talvez ele tenha errado a mão nesse filme ou talvez eu tenha tido sorte de não ter ido ver seus trabalhos anteriores - LEGALMENTE LOIRA (2001), A SOGRA (2005) e QUEBRANDO A BANCA (2008). Quer dizer, eu preciso confiar mais no meu desconfiômetro.
Em A VERDADE NUA E CRUA, Katherine Heigl é Abby, produtora de um programa de televisão que está com a audiência muito baixa e prestes a ser cancelado. A salvação para o programa é a entrada em cena do personagem de Butler, que fará um quadro extremamente machista, desmistificando os relacionamentos. Ela odeia o sujeito, mas aos poucos vai aceitando as suas dicas para conseguir namorados. Ela, apesar de bonita, não tem tato para manter as relações, é metódica demais, chegando a consultar até a ficha criminal do provável parceiro, além de preparar com antecedência tópicos para a conversa. Não é preciso ser nenhum gênio pra saber como tudo vai terminar.
Salva-se no filme o casal de âncoras vividos por Cheryl Hines e John Michael Higgins.
terça-feira, outubro 13, 2009
O PADRE E A MOÇA
Alguns filmes carregam uma aura de importância e de solenidade que chegam a inibir quem se atreve a escrever sobre eles. O PADRE E A MOÇA (1966) é um desses casos. Vi o filme de Joaquim Pedro de Andrade com certo distanciamento, gostando muito mais dos enquadramentos e da forma do que do drama dos personagens, que é algo a que eu costumo me apegar. Sem falar que quando é pra falar de Cinema Novo, eu sempre fico um pouco travado, talvez pela pouca intimidade que eu tenho com os filmes. Por essas e por outras razões, achei importante alugar o dvd da Videofilmes, que traz vários extras importantes, que ajudam a compreender não apenas o filme, mas o estilo e o histórico pregresso de seu diretor.
O dvd conta com três curtas-metragens do início da carreira de Joaquim Pedro. O MESTRE DE APIPUCOS (1959) mostra a rotina tranquila de Gilberto Freyre, narrada por ele mesmo. Bonito ver a valorização de coisas simples da vida, como ler um bom livro deitado numa rede, experimentar uma deliciosa posta de cavala frita ou passear pela praia. O POETA DO CASTELO (1959), lançado na mesma época e como sendo parte de um mesmo projeto, também lida com a paz na velhice, dessa vez de outro escritor, o poeta Manuel Bandeira. Ambos os filmes usam o registro de filme mudo, sem diálogos e som ambiente, com uso de voice over. O que muda no curta protagonizado por Manuel Bandeira é a cena do telefone. Destaque para a declamação do poema "Vou-me Embora pra Pasárgada". COURO DE GATO (1961) já se distancia esteticamente desses primeiros curtas do diretor, já que trabalha mais com a ação e com uma narrativa mais próxima do convencional. O título do curta se refere ao fato de prepararem o pandeiro de uma escola de samba com couro de gato. Virou segmento de CINCO VEZES FAVELA (1962), ao lado de outros curtas dirigidos por Miguel Borges, Carlos Diegues, Marcos Farias e Leon Hirszman.
Mais relacionado ao longa-metragem em questão, há um minidocumentário de 10 minutos sobre o processo de restauração digital do filme. Mas bom mesmo é o média-metragem O MUNDO DE UM FILME, de Camila Maroja, Clara Linhart e Daniel Caetano, que mostra parte de uma extensa pesquisa sobre os bastidores de O PADRE E A MOÇA, as histórias que cercam a produção e o quanto as filmagens foram marcantes para os humildes moradores de São Gonçalo do Rio das Pedras-MG. Há entrevistas com Paulo José, Helena Ignez, Mário Lago, o diretor de fotografia Mário Carneiro, o montador e assistente de direção Eduardo Escorel, o compositor da trilha Carlos Lyra e o produtor Luis Carlos Barreto. Nas entrevistas, ficamos sabendo de quando Paulo José perdeu dentes por causa do coice de uma mula, para a realização de uma cena que nem ficou no corte final, das brigas de Joaquim Pedro com Mário Carneiro, além das impressionantes cenas da demolição da casa do diretor, com negativos espalhados pelo chão entre destroços. Mais detalhes sobre o filme e a pesquisa podem ser vistos na edição nº 42 da Contracampo.
O PADRE E A MOÇA foi o primeiro longa-metragem de ficção dirigido por Joaquim Pedro, logo depois de ele ter feito o bem sucedido documentário GARRINCHA, ALEGRIA DO POVO (1962). Logo, ele não tinha ainda uma boa experiência com direção de atores e por isso estava um pouco inseguro. Era também o primeiro filme de Paulo José, que acabou entrando na produção de última hora, depois que o ator original adoeceu. Helena Ignez já era uma atriz conhecida, graças, principalmente, a ASSALTO AO TREM PAGADOR, de Roberto Farias. Ela interpreta a mulher que vira a cabeça de toda a comunidade, inclusive do novo padre, que chega para substituir o outro. Ela vive com um homem que a criou como filha (Mário Lago), numa relação bem estranha.
Mas a estranheza é algo que faz parte do próprio filme, que, talvez por absorver o espírito da época, tem algo de psicodélico em sua estrutura narrativa. A cena em que o padre e a moça parecem ter feito amor no meio do deserto é tão carregada de um clima onírico que fiquei na dúvida se aconteceu de fato ou foi apenas um delírio. O PADRE E A MOÇA não é um filme que se estrutura na trama, mas nas imagens, belamente emolduradas pela fotografia em preto e branco de Mário Carneiro, que lembra a de alguns filmes de Carl T. Dreyer, de tão bela que é. Há toda uma atmosfera misteriosa que traz charme ao filme. Se não está entre os meus favoritos do cinema nacional, talvez seja por falta de sintonia. Quem sabe numa revisão futura, minha relação com o filme mude.
segunda-feira, outubro 12, 2009
BASTARDOS INGLÓRIOS (Inglorious Basterds)
Quentin Tarantino tem muitas qualidades como cineasta. Mas uma das que eu mais admiro é a sua capacidade de construir personagens tão bons, tão adoráveis, e ter coragem de matá-los durante os filmes. Eu lembro a raiva que tive quando a personagem de Bridget Fonda é brutalmente assassinada em JACKIE BROWN (1997). Mas isso se mostra ainda mais evidente nos dois volumes de KILL BILL (2003, 2004) e sua extensa galeria de personagens maravilhosos. Em BASTARDOS INGLÓRIOS (2009), o mais novo petardo do genial diretor, isso novamente se repete. Como também se repete a sua incrível capacidade de escrever diálogos enormes sobre coisas aparentemente sem muita importância e ainda manter o interesse do espectador - bem, há aqueles que não têm muita paciência, é verdade. A diferença é que, no novo filme, esses diálogos, diferente de CÃES DE ALUGUEL (1992) e PULP FICTION (1994), são, em sua maioria, apresentados em situações de extrema tensão. A começar pela sequência de abertura.
Tarantino repete a divisão em capítulos para criar sua teia de intrigas envolvendo um grupo de soldados com o objetivo de matar e tirar o escalpo do maior número possível de nazistas (os bastardos inglórios do título) e a vingança pessoal de uma jovem judia francesa que teve sua família assassinada. Quando o filme começa e ouvimos o belo tema retirado de O ÁLAMO, de John Wayne ("The Green Leaves of Summer"), com letreiros típicos de faroestes, já percebemos que estamos no território favorito do diretor. Mas não estava preparado para ver uma sequência de abertura tão próxima de ERA UMA VEZ NO OESTE, de Sergio Leone. É mais do que uma homenagem: é uma declaração de amor, não só ao cinema de Leone, mas ao cinema como um todo. E todos sabemos o quão apaixonado é Tarantino. Para o cineasta, o cinema é maior que a vida. E por mais que possamos achar isso absurdo, ver um filme de alguém tão apaixonado por sua arte faz toda a diferença.
Em BASTARDOS INGLÓRIOS, o diretor mostra também que além de grande responsável pelo resgate de astros em decadência ou esquecimento (John Travolta, Darryl Hannah, Pam Grier, David Carradine), também é um mestre em buscar astros desconhecidos do grande público e tirar deles performances magistrais. A começar pelo austríaco Christoph Waltz, que faz o nazista conhecido como "caçador de judeus" por sua inteligência em rastreá-los e o seu sangue frio em matá-los como ratos, que é como ele os compara durante a longa conversa com o homem que esconde uma família deles debaixo do assoalho. Waltz é aquele vilão que a gente adora odiar, que a gente até chega a simpatizar de tão bom que é o personagem. Porque vilão que se preza tem mesmo que praticar atos odiosos e de extrema violência. E Waltz, no papel do Coronel Hans Landa, é o exemplo perfeito disso.
Mas se o primeiro capítulo já era de tirar o chapéu, o filme estava apenas começando. E no segundo capítulo entra em cena o bando chefiado por Brad Pitt, que mostra mais uma vez sua versatilidade em criar tipos engraçados. Na pele do tenente americano Aldo Raine e seu sotaque de caipira sulista, que mais parece estar com um rolo de fumo na boca, Pitt está engraçadíssimo. E ainda mais hilário no momento em que ele tenta fingir que está falando italiano, na grande noite da exibição de um filme para um grupo de nazistas do primeiro escalão. Eli Roth dizendo-se chamar Antonio Margheriti também não fica atrás.
Outra grande revelação, e de longe a personagem feminina mais encantadora do filme (que já conta com a linda alemã Diane Kruger) é Mélanie Laurent, a judia francesa que prepara uma vingança para os judeus, depois que se torna dona de um cinema de Paris. Seu ódio pelos alemães é maior do que a possível atração que possa sentir pelo jovem sedutor nazista (Daniel Brühl) responsável por mudar a première do filme "O Orgulho de uma Nação" (dirigido por Eli Roth) de uma grande sala para uma menor, justamente por estar interessado por aquela bela e difícil francesinha.
BASTARDOS INGLÓRIOS é uma grande brincadeira onde o universo de Tarantino se encontra com o nosso e onde podemos nos deliciar com um "o que aconteceria se..." dos mais divertidos. É também um mundo onde a cinefilia está sempre presente, com citações verbais ou escritas de grandes nomes (Emil Jannings, George Wilhelm Pabst), e grandes filmes (SARGENTO YORK, KING KONG, O TRIUNFO DA VONTADE). Para completar a festa, o clímax se passa dentro de uma sala de cinema, o território preferido do diretor e dos amantes da imagem em movimento, trazendo uma cena que vai ficar na memória do espectador por muito tempo. E tudo narrado de maneira muito elegante. Nem parece que o filme teve como principal obra inspiradora o torto ASSALTO AO TREM BLINDADO, de Enzo G. Castellari. Mas aí é que está: o amor de Tarantino pelo cinema é incondicional. E amor é algo que contagia, rejuvenesce, empolga.
sexta-feira, outubro 09, 2009
FEAR ITSELF – THE SPIRIT BOX
A semana foi marcada pela violência. Na terça-feira, a caminho do trabalho, atropelei um cachorro que ultrapassou rapidamente a avenida. Foi tão rápido que achei que tinha passado por cima do bicho. O carro que estava ao meu lado também parou e o animal parece ter levado porrada de ambos os lados e saiu latindo, chorando, com uma pata quebrada. Fiquei morrendo de pena e torcendo para que aquele cão tivesse um dono que cuidasse dele. Na quarta-feira à noite, sem conseguir dormir, ouvi um tiroteio que parecia que se desenrolava em frente a minha casa. Depois de passados os tiros, continuei ouvindo vozes, gritos. Não resisti e olhei pela janela. Era um confronto entre a polícia e assaltantes de carro. Quando eu abri a janela, dois dos assaltantes já estavam caídos no chão, atingidos pelas balas. Ouvi boatos hoje que um dos criminosos é filho de um juiz, mas não sei mais detalhes sobre o caso.
E hoje à noite, tive o desprazer de saber que um dos meus alunos, um garoto de quinze anos, foi assassinado com três tiros. A supervisora lá da escola havia dito que o menino havia degolado um cara e que sua morte foi um ato de vingança. Fiquei olhando para o rosto do garoto, no convite para a missa de sétimo dia e fiquei pasmado com a situação. Uma criança. O clima de medo e apreensão lá nessa escola é cada vez mais crescente. O lugar parece uma fortaleza rodeada de pobreza e violência por todos os lados.
Diante disso, os filmes de terror passam a perder ainda mais a sua força, já que a vida real fornece mais elementos. Se bem que filme de terror não necessariamente é para assustar. Na maioria das vezes é para divertir, sentir familiaridade com os clichês e sentir-se seguro que aquilo ali é só um filme. E acho que essa foi uma das razões porque eu peguei para ver há pouco mais um episódio de FEAR ITSELF. Talvez também porque queria ver algo bem despretensioso, algo para escrever a respeito sem precisar de muito esforço mental.
THE SPIRIT BOX (2009) foi dirigido por Rob Schmidt, que com PÂNICO NA FLORESTA (2003) parecia uma boa promessa para o gênero horror, reciclando o terror rural setentista, com uma boa dose de tensão. Além do mais, ele tinha se saído muito bem em outro thriller, inspirado em Dostoiévski, CRIME E CASTIGO (2000). Mas parece que o cara tem que ser muito bom para conseguir fazer algo que preste para FEAR ITSELF. Poucos conseguiram.
Ainda assim, levando em consideração os dois episódios anteriores, e com certa generosidade, dá pra dizer que THE SPIRIT BOX até que não é tão ruim. Quer dizer, o final é horrível, mas até que o filme se sustenta bem antes da conclusão, com direito a uma boa cena de busca na casa alheia. Mas essa é uma das poucas sequências que funcionam no filme/episódio. Todos as tentativas de susto resultam em indiferença.
A trama, apesar de batida, tem o seu grau de interesse: duas garotas (uma delas é a bela Anna Kendrick, de CREPÚSCULO) resolvem contatar os mortos, improvisando uma daquelas tábuas. É quando elas descobrem que uma garota que foi encontrada morta há alguns meses foi na verdade assassinada. Elas se sentem na missão de descobrir o assassino. Um dos principais suspeitos é um dos professores, vivido por Mark Pellegrino, conhecido de quem viu o último episódio de LOST e conheceu Jacob. O ator tem mesmo um quê de sinistro em suas feições.
quinta-feira, outubro 08, 2009
SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (Under Capricorn)
Dos filmes hollywoodianos de Alfred Hitchcock, SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (1949) era o que eu mais ansiava rever. A lembrança de tê-lo visto num Corujão, na Rede Globo, séculos atrás, estava cada vez mais nebulosa. Portanto, foi como vê-lo pela primeira vez. O que é ótimo. O filme foi um grande fracasso de bilheteria, uma produção que custou muito para a companhia independente de Hitchcock, até pela escalação de uma estrela super-concorrida pelos estúdios na época. Depois do baque financeiro, Hitchcock só se reergueria com PACTO SINISTRO (1951). Mas o importante é que o filme ficou, independentemente do quanto se perdeu na época. Pena que ainda não existe uma cópia remasterizada, mas a existente não atrapalha a apreciação deste filme único do mestre.
Para se ter uma ideia do prestígio que o filme conseguiu na França e de como isso repercutiu nos demais países, em 1958, a conceituada revista Cahiers du Cinéma elegeu SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO entre os dez melhores filmes de todos os tempos. Ainda assim, o filme não era muito querido pelo próprio Hitchcock, que confessava ter se arrependido de diversas escolhas tomadas. A começar pelo elenco. Ele achava ter sido muito imaturo de sua parte ter brigado tanto pela Ingrid Bergman, uma das atrizes mais valorizadas da época, para uma produção tão cara. Mesmo assim, ele sabia que ela era a atriz ideal para o papel. Até por ter feito várias vezes o papel de mulher frágil, como se pode ver também no excelente À MEIA-LUZ, de George Cukor. Mas era a escalação de Joseph Cotten que não agradava Hitch. Ele queria Burt Lancaster, que, segundo ele, combinaria mais com o personagem. Mas eu não vi problema nenhum com Cotten, que pra mim foi bastante convincente. Mais do que Michael Wilding, que faz o primo da personagem de Ingrid, um membro da nobreza irlandesa que chega à Austrália da época da colonização para fazer uma nova vida e acaba apaixonado pela prima casada. E ainda ganha o apoio do marido corno, que queria o melhor para a mulher.
Um dos aspectos que mais agrada no filme é sua fluidez narrativa, com o uso da câmera em movimento e de elaborados planos-sequência, ainda herança da experiência com FESTIM DIABÓLICO (1948). O filme também fez eu me lembrar de A ESTALAGEM MALDITA (1939) em diversos momentos. A primeira visão da casa de Cotten e Bergman, a chegada num local selvagem, o mistério em torno daquelas cabeças pequenas que parecem tiradas de filmes de terror passados no Haiti, tudo isso contribuiu para que eu fizesse uma ligação entre os dois filmes. Mas SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO é muito mais elegante e ousado. E tem algo de "Otelo", de Shakespeare, na relação entre o personagem de Cotten e a atriz que faz o papel da governanta, que seria uma espécie de Iago.
O filme não deixa de ser também uma interessante amostra de como a Austrália foi colonizada, tendo recebido uma série de criminosos vindos da Inglaterra. E o fato de lidar com a culpa dos personagens não deixa de dar um ar bem hitchcockiano à obra. O crime, o castigo e a culpa são elementos essenciais para o desenvolvimento e a conclusão do filme. Os crimes seriam considerados esquecidos e purgados, mas na realidade, a alta sociedade de Sidney não tratava os ex-presidiários como cidadãos comuns, por mais rico que ele tenha se tornado. E é interessante notar como um país formado basicamente por criminosos tenha prosperado e se tornado uma grande nação.
quarta-feira, outubro 07, 2009
SALVE GERAL
O cinema de Sérgio Rezende quase sempre namorou a História. Nos anos 90, o diretor fez três filmes abordando diretamente personagens históricos - LAMARCA (1994), GUERRA DE CANUDOS (1997) e MAUÁ - O IMPERADOR E O REI (1999). Depois de dois trabalhos fugindo um pouco desse território, Rezende retornou à História com ZUZU ANGEL (2006), com a diferença de que, dessa vez, os acontecimentos históricos são pano de fundo para o drama de pessoas comuns em circunstâncias extraordinárias. ZUZU ANGEL é, talvez, o seu filme mais bem acabado. SALVE GERAL (2009) se assemelha ao trabalho anterior de Rezende em um aspecto que qualquer pessoa que viu os dois filmes facilmente percebe: ambos mostram a trajetória dolorosa de uma mãe tentando salvar a vida do filho. Quem me conhece sabe que eu sempre me comovo com histórias sobre mães. Enquanto tantos riam com as presepadas dos presos em CARANDIRU, eu chorava, pensando no sofrimento das mães e no amor incondicional aos filhos que entraram no mundo do crime e passaram a viver um inferno pessoal. Não é preciso ser mãe, portanto, para sentir empatia pelas personagens dos dois filmes.
Em SALVE GERAL, Andréa Beltrão é Lúcia, uma mulher na faixa dos quarenta que passa por problemas financeiros e se muda de uma casa num bairro privilegiado de São Paulo para a periferia. Ela é formada em advocacia, mas não excerce a profissão. Em vez disso, dá aulas de piano. Seu filho fica insatisfeito com a nova vida e dá uma de James Dean nas ruas. Acaba se metendo em uma encrenca grande quando um sujeito atira em seu amigo e ele, de posse de uma arma, acaba matando uma garota. A burrada o leva para uma prisão lotada e ele é transferido para uma penitenciária, graças a uma ação do PCC, o partido dos presidiários, que se mostra mais poderoso do se imaginava. Pensar que todo aquele caos que se instalou em São Paulo em maio de 2006 foi por causa de alguns prisioneiros que foram transferidos para outra penitenciária chega a ser difícil de acreditar. Mas por mais que o filme de Sérgio Rezende dê alguns passos em falso, depois de vê-lo, certas coisas tornam-se um pouco mais claras.
Não que tudo seja preto no branco. Na verdade, Rezende tem o cuidado para não pintar os líderes do PCC como vilões, seres essencialmente maus, mas como pessoas normais, capazes até de ganharem a simpatia do espectador, como o "professor", o prisioneiro intelectual que conquista o coração de Lúcia. Por outro lado, o personagem do filho, desde o começo não se mostra à altura do elenco mais experiente. Como Denise Weinberg, em sua excelente caracterização da "Ruiva", a mulher que apresenta Lúcia ao PCC e que a coloca em situações perigosas. Sua personagem é, do início ao fim, interessante, chegando a lembrar algumas vilãs de filmes noir americanos.
O aspecto de sujeira na imagem passa a impressão de que estamos vendo um filme brasileiro dos anos 80. Bem diferente do cuidado visual de ZUZU ANGEL. Será isso reflexo da crise do cinema brasileiro atual, de uma produção mais barata, ou foi decisão estética do diretor, a fim de captar melhor a crueza da situação e da ambientação? De todo modo, por falta de dinheiro ou por vontade própria, isso acabou contribuindo para o bom resultado do filme. Que também se beneficia com seu final. Em ZUZU ANGEL, gostei bastante da cena do acidente de carro, ao som de Chico Buarque. SALVE GERAL também traz uma conclusão bem diferente do que se esperaria de uma obra baseada num acontecimento histórico. É mais um ponto a favor para SALVE GERAL.
terça-feira, outubro 06, 2009
ENTOURAGE - A SEXTA TEMPORADA COMPLETA (Entourage - The Complete Sixth Season)
A sexta temporada de ENTOURAGE (2009) pode até não ter sido tão boa quanto a segunda e a terceira (excelentes), mas com certeza foi a mais regular e uma das mais agradáveis. Foi o momento em que a série deixou de focar nos bastidores do cinema e da televisão, com seu mundo de diversão e negócios, para se tornar uma série sobre relacionamentos. E eu, como um ser bastante interessado no assunto, gostei muito da nova abordagem. Outra característica da sexta temporada foi um menor foco em Vince, que numa comparação astronômica seria um planeta enquanto seus amigos seriam os satélites. Logo, o fato de a série esquecer um pouco o planeta e mostrar mais as luas deu um ar mais emotivo. Cada um dos doze episódios (por que tem que ser tão poucos?) trouxe para o espectador aquele gostinho agridoce que os relacionamentos e a vida como um todo possuem.
A série começa em alto astral, com o sucesso de Vince, depois de ter protagonizado um filme de Martin Scorsese. Tentando ser um pouco menos dependente dos amigos, ele resolve tirar carteira de motorista. No mesmo dia que consegue tirar a carteira (ou seria comprar a carteira?) ele é entrevistado no programa de Jay Leno, o que gera um dos momentos mais divertidos da série. Quanto aos seus amigos, Turtle continua o romance com a atriz Jamie-Lynn Sigler e está feliz da vida; E. está solteiro, mas está mais galinha do que nunca, embora continue apaixonado por Sloan; Drama segue a carreira mais modesta de ator de séries de televisão e Ari continua sendo o mesmo louco workaholic nervoso e sádico, do jeito que a gente aprendeu a gostar.
Percebe-se nesta temporada uma agradável calma. Aparentemente, nada de importante parece acontecer. E isso não é nenhum pouco ruim. Inclusive, seguindo essa vibe, um dos episódios mais agradáveis é "Fore!", quando a turma vai participar de um torneio beneficente de golfe. É lá que Vince encontra figurões como Mark Wahlberg e Tom Brady, o marido da Gisele Bündchen. Inclusive, no meio de tanta gente milionária, Vince até ficou meio pobrinho. Acabou perdendo um pouco do glamour conquistado nas temporadas anteriores.
Dos personagens coadjuvantes, houve uma subtrama interessante envolvendo o caso extraconjugal de um dos funcionários de Ari, Andrew Klein; e eu diria que o momento mais fraco da temporada foi o que envolveu o sumiço das cuecas de Vince. No mais, os relacionamentos de E. (o episódio da coceira é engraçadíssimo) e o namoro de Turtle e sua entrada na faculdade foram elementos importantes para essa temporada, bem como as dificuldades profissionais de Drama, que cada vez sente o peso da idade (e os ataques de pânico) complicando sua carreira artística. Mas nada nos preparava para o delicioso episódio final, com participação de Matt Damon e de um certo músico de rock. E o aeroporto é novamente um ponto de emoções.
segunda-feira, outubro 05, 2009
GAMER
Durante a rápida mas dolorosa projeção de GAMER (2009) o que me passava pela cabeça era: se o futuro vai ser mesmo aquele mostrado no filme, eu não sei se quero fazer parte. Vou querer estar bem longe, mais perto da natureza e longe da sociedade urbana. Se é que isso vai ser possível, já que a globalização tem atingido a todos. Não é porque o filme me causou náuseas, com seu ritmo acelerado, sua montagem picotada irritante e suas cores estouradas que me impediu de fazer uma reflexão sobre o futuro e sobre o mundo virtual, cada vez mais presente em nossa rotina. E o que estamos vivenciando é só o começo. Cada vez há uma maior supressão da mundo real, em detrimento do mundo virtual, dos contatos através da internet, celulares e assemelhados. Não sei até que ponto isso é saudável e até que ponto isso pode ser positivo.
Falando assim, até parece que estou comentando sobre um filme importante, que vale o ingresso. Não é o caso de GAMER (2009), o novo trabalho da dupla Mark Neveldine e Brian Taylor, que assinam Neveldine/Taylor nos créditos desde ADRENALINA (2006), o filme que os lançou e que eu gostei, apesar de todos os tiques do que de pior o cinema de ação tem produzido dos anos 90 para cá. Um dos maiores problemas de GAMER é que tudo parece ter sido feito de maneira desleixada. As cenas de Gerard Butler atirando no tal programa virtual "Slayers" são ruins, principalmente porque o espectador fica desorientado e o jogo parece não ter sentido nenhum. Quer dizer, mesmo para os apreciadores de videogames o filme frustra as expectativas.
A influência de MATRIX na trama é bem evidente, com o uso da chamada tecnologia "nanex", onde células do cérebro são modificadas por nanotecnologia por controle remoto. Nesse futuro apresentado, a sociedade mundial vive viciada em reality shows criados por um homem que se tornou mais rico que Bill Gates, Ken Castle, vivido por Michael C. Hall. Ele é o criador de dois grandes sucessos: "Society", onde seres humanos que não são bonitos o suficiente para fazerem sucesso na sociedade interpretam pessoas bonitas e atraentes num universo onde predomina o sexo e a vaidade. O detalhe é que os personagens manipulados também são pessoas de verdade, como é o caso de Angie (a bela Amber Valletta, em seu papel de maior destaque, depois de GRITOS MORTAIS, de James Wan). Ela é esposa de um homem que está preso, no corredor da morte, mas que tem chances de obter o perdão da pena, já que faz parte do mais recente show de Castle, o jogo "Slayers", que também segue a mesma linha de "Society", mas que tem o sangue e a violência como atrativos para a audiência. Kyra Sedwgwick e Alison Lohman completam o elenco.
O enredo até que poderia render um bom filme, se nas mãos de outros cineastas e de um roteirista que amarrasse melhor as pontas soltas. Do jeito que ficou, o que vemos é um objeto repulsivo.
sexta-feira, outubro 02, 2009
THE BROOD - OS FILHOS DO MEDO (The Brood)
"I can't tell you how satisfaying the climax is. I wanted to strangle my ex-wife."
(David Cronenberg)
A leitura do livro "Cronenberg on Cronenberg" tem feito com que eu admire ainda mais o homem. Ele não é apenas um dos maiores cineastas vivos do mundo, mas também um grande pensador. Tenho me deliciado com algumas opiniões interessantes dele, a respeito de suicídio, sexo, doenças, morte, revolução, "filmes parasitas" (que é o que ele chama os filmes que derivam de outros filmes) e ficamos sabendo até de coisas bem pessoais de sua vida. Fiquei sabendo que o roteiro de THE BROOD - OS FILHOS DO MEDO (1979) foi o mais pessoal que ele escreveu. Pelo menos até o momento da entrevista, dada no início da década de 90. Na época da realização do roteiro de THE BROOD, Cronenberg estava passando por problemas com sua ex-esposa, quando ela falou para ele que estava se mudando para a Califórnia e que levaria sua filha junto. Ele disse ok pelo telefone, mas chegou a "sequestrar" a criança na escola, num ato impulsivo.
O filme também mostra uma situação de rivalidade entre um casal separado, mas como é comum nos filmes de Cronenberg as coisas não são assim tão próximas da realidade. Na verdade, dos trabalhos de Cronenberg, talvez THE BROOD seja o mais surreal, já que o que vemos é algo fantástico acontecendo dentro de um cenário realista, naturalista até. É diferente dos dois anteriores, CALAFRIOS (1975) e ENRAIVECIDA - NA FÚRIA DO SEXO (1977), que já tinham uma atmosfera de filme B de terror. THE BROOD é mais sofisticado. Constrói seus alicerces a partir de uma trama aparentemente banal, de um homem que cria a filha pequena, enquanto a esposa está num sanatório. Mas não se trata de um sanatório qualquer, mas de um lugar onde um médico excêntrico realiza terapias psicoplásmicas, onde os pacientes têm a chance de descarregar as suas raivas e angústias. Assim, o filme lida com a materialização dos medos e dos aspectos mais negativos das pessoas.
O filme tem um andamento bem diferente do das obras anteriores. Apesar de ser geralmente descrito como o terceiro da "trilogia B" de Cronenberg, ele se destaca dos outros dois por ser mais lento e mais realista. Por essa razão é que chega a ser uma surpresa quando surge a primeira cena fantástica do filme, que é quando a avó de Candy, a filha do protagonista, é assassinada por algo parecido com uma criança, mas com uma aparência horrenda. A morte é brutal e surpreendente. A partir desse instante o filme trafega num território que oscila entre o real e o fantástico, até chegar na famosa sequência em que Samantha Eggar, no papel da esposa louca do protagonista, mostra o seu ventre.
E interessante notar que nos filmes de Cronenberg, mesmo os que aparentemente chegam a um final relativamente feliz - já que é impossível estar feliz depois de tanta tragédia -, o cineasta sempre encontra uma maneira de nos mostrar que o pior não passou. Sobre isso, na entrevista Cronenberg conta que THE BROOD é o filme de horror mais clássico que ele fez, falando justamente dessa ideia de que tudo de ruim já passou, mas que no final sabemos que está apenas começando novamente. Isso se tornou um clichê dos filmes do gênero. O fato de ter uma direção mais sofisticada que as obras anteriores, porém, foi um problema na hora da distribuição do filme nos Estados Unidos, que o vendeu como um filme de horror convencional, quando na verdade THE BROOD poderia ter tido um público mais amplo. Mas isso é algo que ainda acontece com filmes de horror mais ambiciosos hoje em dia.
Agradecimentos a Davi Pinheiro pela cópia do livro de entrevistas.
quinta-feira, outubro 01, 2009
ESCRAVAS DO DESEJO (Les Lèvres Rouges / Le Rouge aux Lèvres / Daughters of Darkness)
Recentemente, recebi o link de um artigo intitulado "Os 20 melhores filmes de horror que você nunca viu", do site Total Film. Fiquei logo curioso para ver quais seriam os tais títulos. Vi que só havia visto três dos vinte e fiquei interessado nos demais. Tanto que baixei no mesmo dia uns quatro da lista. Já tinha pegado este ESCRAVAS DO DESEJO (1971) há algumas semanas e aproveitei a deixa para ver esse clássico do terror erótico no fim de semana. E é impressionante como o filme tem uma voltagem erótica nas alturas. Mesmo longe de conter tantas cenas de sexo e de nudez como nos trabalhos de Jean Rollin e Jesus Franco, o filme tem um poder de mexer com nossos instintos mais primitivos que eu não via desde os tempos em que entrei em contato pela primeira vez com os filmes de Walter Hugo Khouri, na adolescência, só que com um tempero de mistério muito mais elevado, o que de certa maneira potencializa a excitação, no sentido mais amplo do termo.
Acho que tem um pouco a ver com o espírito da época. Os filmes do início dos anos 70 parece que tinham esse poder de nos levar para algo especialmente excitante. E o cultuado filme de Harry Kümel, co-produção Bélgica-França-Alemanha, honra essa tradição, crescendo na memória depois de dias de visto. Quando penso nas cenas mais marcantes, fico imaginando quantos filmes absolutamente geniais estão por aí, à nossa disposição, muitas vezes sem sequer sabermos de sua existência. Posso dizer, portanto, que ESCRAVAS DO DESEJO é o melhor filme de vampiras que eu já vi. É estiloso, as mulheres transbordam sensualidade, o casal de vítimas não é apenas alimento para as vampiras, mas personagens igualmente interessantes. Sem falar nos aspectos técnicos, da fotografia que valoriza o clima frio, por exemplo.
O casal está em lua-de-mel num hotel afastado, frio e deserto da Alemanha. O rapaz guarda um segredo e se recusa a sair do hotel, mesmo com os insistentes pedidos da mulher. Pouco tempo depois que eles se instalam, chega ao hotel a Condessa Bathory, sobrenome bem conhecido dos interessados em vampirismo ou em filmes de horror europeus. A CONDESSA DRÁCULA, da Hammer, lançado em dvd no Brasil, foi um dos filmes inspirados na história real da tal condessa sanguinária. E, curiosamente, foi produzido no mesmo ano de ESCRAVAS DO DESEJO.
O filme aproveita os boatos de que a Condessa teria o hábito de se banhar no sangue de virgens para obter a eterna juventude. Mais interessante que a vampira é a jovem que está com ela no hotel: uma morena de cabelos curtos e olhar penetrante, que contribui para a ambientação luxuriosa, com uma cena de sexo com o protagonista que está entre os melhores momentos do filme. ESCRAVAS DO DESEJO ainda tem o mérito de manter o mistério até o fim, através de pistas falsas e da construção de uma atmosfera de pesadelo que chega a seu clímax no momento em que três dos personagens principais saem com o objetivo de enterrar o corpo de um deles.
Eis uma bela e recompensadora obra. A cópia disponível na internet é ripada do dvd da Anchor Bay, a versão restaurada de 100 minutos, que acredito que deve ser a mesma lançada em dvd no Brasil pela Magnus Opus.