terça-feira, outubro 13, 2009
O PADRE E A MOÇA
Alguns filmes carregam uma aura de importância e de solenidade que chegam a inibir quem se atreve a escrever sobre eles. O PADRE E A MOÇA (1966) é um desses casos. Vi o filme de Joaquim Pedro de Andrade com certo distanciamento, gostando muito mais dos enquadramentos e da forma do que do drama dos personagens, que é algo a que eu costumo me apegar. Sem falar que quando é pra falar de Cinema Novo, eu sempre fico um pouco travado, talvez pela pouca intimidade que eu tenho com os filmes. Por essas e por outras razões, achei importante alugar o dvd da Videofilmes, que traz vários extras importantes, que ajudam a compreender não apenas o filme, mas o estilo e o histórico pregresso de seu diretor.
O dvd conta com três curtas-metragens do início da carreira de Joaquim Pedro. O MESTRE DE APIPUCOS (1959) mostra a rotina tranquila de Gilberto Freyre, narrada por ele mesmo. Bonito ver a valorização de coisas simples da vida, como ler um bom livro deitado numa rede, experimentar uma deliciosa posta de cavala frita ou passear pela praia. O POETA DO CASTELO (1959), lançado na mesma época e como sendo parte de um mesmo projeto, também lida com a paz na velhice, dessa vez de outro escritor, o poeta Manuel Bandeira. Ambos os filmes usam o registro de filme mudo, sem diálogos e som ambiente, com uso de voice over. O que muda no curta protagonizado por Manuel Bandeira é a cena do telefone. Destaque para a declamação do poema "Vou-me Embora pra Pasárgada". COURO DE GATO (1961) já se distancia esteticamente desses primeiros curtas do diretor, já que trabalha mais com a ação e com uma narrativa mais próxima do convencional. O título do curta se refere ao fato de prepararem o pandeiro de uma escola de samba com couro de gato. Virou segmento de CINCO VEZES FAVELA (1962), ao lado de outros curtas dirigidos por Miguel Borges, Carlos Diegues, Marcos Farias e Leon Hirszman.
Mais relacionado ao longa-metragem em questão, há um minidocumentário de 10 minutos sobre o processo de restauração digital do filme. Mas bom mesmo é o média-metragem O MUNDO DE UM FILME, de Camila Maroja, Clara Linhart e Daniel Caetano, que mostra parte de uma extensa pesquisa sobre os bastidores de O PADRE E A MOÇA, as histórias que cercam a produção e o quanto as filmagens foram marcantes para os humildes moradores de São Gonçalo do Rio das Pedras-MG. Há entrevistas com Paulo José, Helena Ignez, Mário Lago, o diretor de fotografia Mário Carneiro, o montador e assistente de direção Eduardo Escorel, o compositor da trilha Carlos Lyra e o produtor Luis Carlos Barreto. Nas entrevistas, ficamos sabendo de quando Paulo José perdeu dentes por causa do coice de uma mula, para a realização de uma cena que nem ficou no corte final, das brigas de Joaquim Pedro com Mário Carneiro, além das impressionantes cenas da demolição da casa do diretor, com negativos espalhados pelo chão entre destroços. Mais detalhes sobre o filme e a pesquisa podem ser vistos na edição nº 42 da Contracampo.
O PADRE E A MOÇA foi o primeiro longa-metragem de ficção dirigido por Joaquim Pedro, logo depois de ele ter feito o bem sucedido documentário GARRINCHA, ALEGRIA DO POVO (1962). Logo, ele não tinha ainda uma boa experiência com direção de atores e por isso estava um pouco inseguro. Era também o primeiro filme de Paulo José, que acabou entrando na produção de última hora, depois que o ator original adoeceu. Helena Ignez já era uma atriz conhecida, graças, principalmente, a ASSALTO AO TREM PAGADOR, de Roberto Farias. Ela interpreta a mulher que vira a cabeça de toda a comunidade, inclusive do novo padre, que chega para substituir o outro. Ela vive com um homem que a criou como filha (Mário Lago), numa relação bem estranha.
Mas a estranheza é algo que faz parte do próprio filme, que, talvez por absorver o espírito da época, tem algo de psicodélico em sua estrutura narrativa. A cena em que o padre e a moça parecem ter feito amor no meio do deserto é tão carregada de um clima onírico que fiquei na dúvida se aconteceu de fato ou foi apenas um delírio. O PADRE E A MOÇA não é um filme que se estrutura na trama, mas nas imagens, belamente emolduradas pela fotografia em preto e branco de Mário Carneiro, que lembra a de alguns filmes de Carl T. Dreyer, de tão bela que é. Há toda uma atmosfera misteriosa que traz charme ao filme. Se não está entre os meus favoritos do cinema nacional, talvez seja por falta de sintonia. Quem sabe numa revisão futura, minha relação com o filme mude.
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