terça-feira, abril 29, 2008
O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO
Quem acompanha o blog há algum tempo já sabe que eu não sou exatamente um fã de Glauber Rocha. Não costumo entrar nas "viagens" dele. Na verdade, muitas vezes, seus filmes são um convite ao sono pra mim. O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO (1969) não é uma exceção, mas dos três filmes de Glauber que vi, sendo os outros dois DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964) e TERRA EM TRANSE (1967), esse foi o que eu mais gostei. Até por se aproximar um pouco mais do western spaghetti, que, acredito, deve ter influenciado a obra do diretor. A fotografia exuberante e em cores do hoje internacionalmente aclamado Affonso Beato também contribui para uma melhor apreciação desse filme. Assim como os westerns italianos, em especial os de Sergio Leone, O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO também tem uma estrutura operística. O maior diferencial é que Glauber faz esse retorno triunfal de Antonio das Mortes (Maurício do Valle), personagem de DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, com a influência da literatura de cordel, da linguagem repentista, como na cena da briga de facão entre Antonio das Mortes e o cangaceiro resistente, que lidera um povo faminto e pretende se apossar das terras de um latifundiário cego, o Coronel Horácio, vivido por Jofre Soares.
O cangaceiro, no filme, é mostrado quase como um fantasma, um ser mitológico que aparece num momento em que não existiam mais cangaceiros, já que os últimos haviam sido mortos na década de 40, seja pela polícia, seja por jagunços como Antônio das Mortes, responsável pela morte de Corisco, o "diabo loiro". Aliás, não é por acaso que o título francês do filme de Glauber leva o nome do protagonista, pois é ele a essência do filme. Todos os assassinatos que ele cometeu no passado e que agora o assombram fazem com que ele reavalie o seu papel, principalmente quando ele encontra no grupo do cangaceiro uma mulher que ele chama de "santa", a mulher que parece desnudá-lo e que lembra muito uma hippie. Um dos momentos mais interessantes do filme está no começo, quando Antonio conta de seu encontro com Lampião, e de como o mais famoso dos cangaceiros o deixou viver, pois achava que ele era um inimigo, mas um inimigo valoroso e digno.
Interessante como Glauber, em plena ditadura militar, tratou de um assunto tão delicado como a reforma agrária, que era o lema do Governo de Jango, que a ditadura derrubou. O caos representado pelo barulho dos sem-terra que seguem a "santa" e o cangaceiro lembra um pouco os momentos mais caóticos do cinema de Martin Scorsese e dá para entender quando o cineasta americano afirma apreciar o trabalho do cineasta brasileiro. Ele deve ter sido, de alguma maneira, influenciado pela sua estética. Outras cenas marcantes incluem a personagem de Odete Lara, a mulher que trai o latifundiário cego, como aquela em que a câmera a segue, ela segurando umas flores na mão, no deserto nordestino e outra envolvendo um amante e um morto, num dos momentos mais psicodélicos do filme. Outro nome de destaque em O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO é o de Othon Bastos, como o professor que, no início do filme, ensina aos alunos as datas mais importantes da História do Brasil e inclui, entre essas datas, o ano em que Lampião foi morto - uma forma de Glauber mostrar que, para aquele povo, a morte de Lampião tinha um significado tão importante quanto o descobrimento do Brasil ou o dia da Independência. Hugo Carvana é o delegado da cidade, o homem que contrata os serviços de Antônio das Mortes.
O filme foi restaurado a partir de uma cópia francesa, eis a razão de que os créditos do filme foram conservados na língua de Rimbaud, bem como as legendas em francês nas cenas musicadas. Outro filme de Glauber que foi restaurado e que está saindo em dvd pela Versátil é A IDADE DA TERRA (1980), seu filme testamento, que foi criado para ser exibido sem uma ordenação prévia de seus 16 rolos. Dizem que o filme é a mais hermética das obras do diretor. Vou deixar pra ver quando estiver bem disposto.
segunda-feira, abril 28, 2008
LÈVRES DE SANG
Nesse final de semana que passou, aconteceu em São Paulo a chamada "Virada das Vampiras". Das 18 horas do dia 26 até as 16 horas do dia 27 foram exibidos 12 filmes de vampiras, aparentemente todos inéditos no Brasil, sob curadoria de Carlos Reichenbach e legendagem em português e participação ativa e heróica durante as 24 horas do evento de Leopoldo Tauffenbach. Mais detalhes sobre a programação e a repercussão da mesma, dêem uma olhada nos blogs do Leandro, do Carrard e do próprio Carlão. Quatro dos doze filmes são de autoria de Jean Rollin, talvez o cineasta mais obcecado por vampiras da história do cinema. Não estive em São Paulo, mas para entrar um pouco em sintonia com a turma de lá, resolvi ver LÈVRES DE SANG (1975), que na mostra foi batizado de "Lábios de Sangue". Foi o meu segundo Rollin: o primeiro que eu vi, FASCINAÇÃO (1979), havia me deixado com boa impressão, ainda que não o suficiente para manter-me interessado em conhecer com urgência outros de seus trabalhos.
Dizem que LÈVRES DE SANG é o favorito do próprio Rollin e o mais pessoal. E apesar de conter cenas de nudez e de as vampiras aparecerem sempre de roupa transparente e quase nuas perambulando pelas ruas em cenários oníricos, não se trata de um filme que enfatiza o erotismo, como FASCINAÇÃO e vários outros trabalhos mais apelativos e até de sexo explícito da carreira do cineasta. O prólogo do filme mostra um grupo de senhoras entrando num lugar fechado carregando um corpo coberto com um lençól branco e depositando-o num caixão. Na porta de entrada: um crucifixo. Corte para uma festa, na qual um homem se vê encantado com a fotografia de um castelo em ruínas que o transporta para um momento até então apagado de sua infância. Ele lembra da noite em que dormiu junto a uma bela jovem na torre do tal castelo. Ele decide, então, visitar a fotógrafa da foto para saber a exata localização daquele lugar. Seu desejo e obsessão é encontrar de novo aquela bela mulher que ele conheceu na infância. Como num sonho, o filme conta de maneira lenta a trajetória desse homem que é responsável pela libertação de um grupo de vampiras que começa a fazer suas vítimas.
Talvez o problema de LÈVRES DE SANG pra mim esteja na sua irregularidade no ritmo. Gosto muito do começo, do final e de algumas coisas do meio do filme, mas em certos momentos, acho que o filme quase me fez perder o interesse, que é recuperado ao final, com a revelação e o esclarecimento da parte da mãe do protagonista sobre o que aconteceu durante a infância do menino e que ocasionou a morte de seu pai. O final, que foge do lugar comum dos filmes de vampiro e que ganha um contorno poético e romântico, é um dos maiores trunfos desse interessante trabalho. Rollin opta por transgredir, abraçar o vampirismo com amor e não como algo maléfico e que merece ser destruído.
sexta-feira, abril 25, 2008
A MARQUESA D'O... (Die Marquise von O.../La Marquise d'O...)
Dando uma pausa entre os filmes de Eric Rohmer do ciclo "Seis Contos Morais", falemos sobre essa interessante produção que o diretor realizou na Alemanha. A MARQUESA D'O... (1976) foi produzido após o término do referido ciclo e, assim como A INGLESA E O DUQUE (2001) e PERCEVAL LE GALLOIS (1979), demonstra o gosto e o interesse que o diretor tem por dramas de época. A MARQUESA D'O...talvez seja o filme de Rohmer que mais lembra os trabalhos de Robert Bresson. Tanto pela estrutura e montagem quanto pela maneira contida - pelo menos no inicio - com que os personagens demonstram suas emoções. Quanto às emoções, essa impressão vai se apagando aos poucos, à medida que vamos nos envolvendo com o drama dos personagens, especialmente a da atormentada marquesa (Edith Clever).
A trama se passa na região da Lombardia, na Itália, que na época era dominada pelos alemães (ou austríacos, ou prussianos, não sei). O pai da marquesa é o comandante do lugar. Uma noite, os russos, armados, tomam o lugar, mas o oficial russo, o conde (Bruno Ganz), que lidera o batalhão, salva na mesma noite a marquesa do ataque de três homens que tinham a intenção de estuprá-la. Com esse gesto nobre, até a própria família da marquesa vê com bons olhos aquele homem que era até então seu inimigo. O que eles não sabem é que o tal conde havia se aproveitado da marquesa enquanto ela estava desfalecida. Tanto que, depois de alguns dias, ele aparece estranhamente na casa da marquesa para pedir a seus pais a mão da viúva em casamento. (Ela havia perdido o marido há alguns anos e tinha dois filhos desse casamento, além de um voto de que jamais se casaria novamente). Pela vontade do conde, eles se casariam imediatamente. A pressa do conde de se casar com a marquesa é o principal motivo do estranhamento da família da jovem senhora. Depois que ele parte de volta para seu destacamento, obtendo a esperança que desejava, a marquesa se vê num estado que jamais imaginava: ela estava grávida. Desesperada e sem saber quem é o pai, ela é abandonada pela própria família e expulsa da casa de seus pais, que não suportariam a vergonha.
A MARQUESA D'O... é baseado num conto de Heinrich von Kleist, que suicidou-se com a idade de 34 anos em 1811, deixando pouco material literário disponível. Um dos aspectos mais belos do filme é o modo como Rohmer trata com carinho seus personagens, tanto a marquesa e o conde, quanto os pais da marquesa. Aliás, uma das seqüências mais emocionantes do filme é quando o pai da jovem vai até sua casa para pedir-lhe perdão. Isso me lembrou muito o meu pai. Quando minha irmã ficou grávida e saiu de casa por uns tempos até ter seu filho, ele ligou pra ela, pedindo para ela voltar pra casa. Confesso que quando soube disso fiquei comovido. E essa cena me trouxe um pouco para a realidade e me aproximou mais um pouco dos personagens. Só achei que faltou um final mais emocionante, como é comum ver em vários outros trabalhos de Rohmer. Ainda assim, é um final satisfatório.
quinta-feira, abril 24, 2008
VIOLÊNCIA GRATUITA (Funny Games)
Até onde me lembro o alemão Michael Haneke sempre foi um cineasta mais odiado do que amado, fazendo sempre trabalhos polêmicos. Porém, quando surgiu com CACHÉ (2005), a crítica quase em peso se rendeu ao talento do diretor. E quando isso acontece, é mais ou menos como aconteceu com Gus Van Sant: toda a filmografia pregressa do diretor passa a ser reavaliada. Nesse contexto, e por ocasião da expectativa para o lançamento no Brasil da refilmagem americana de VIOLÊNCIA GRATUITA (1997), dirigida pelo próprio Haneke, resolvi priorizar a apreciação do original, que foi acusado por muitos como um filme asqueroso. Como o filme original não é americano e naquela época o público médio ainda não estava acostumado com filmes de tortura como O ALBERGUE e JOGOS MORTAIS, e como geralmente esses filmes europeus passam em salas do circuito alternativo - supostamente freqüentadas por pessoas menos acostumadas ao horror e ao cinema de gênero em geral - é até natural que VIOLÊNCIA GRATUITA tenha sido reprovado de tal maneira.
Mas uma coisa é certa: é impossível assistir VIOLÊNCIA GRATUITA e ficar apático ou sem demonstrar qualquer reação. A intenção de Haneke é mesmo causar mal estar na platéia, ainda que não haja em momento algum do filme uma seqüência de violência gráfica. Prova de que um bom diretor consegue encher a tela de violência e crueldade sem mostrar balas ou facas penetrando na carne - não que haja nada de errado com isso. Ainda que a câmera se esquive desses momentos mais violentos, a nossa mente, já abalada pela fragilidade da situação, sente o impacto de cada investida sádica dos dois vilões. E a expectativa de que haja alguma salvação para as vítimas vai se tornando quase nula à medida que o filme se aproxima de seu final. Tanto que Haneke usa um recurso genial, metalingüístico e de humor negro, para fugir até mesmo da tentação de fazer um filme em que haja alguma espécie de redenção ou alívio para as vítimas. Por isso, chegar até o final de VIOLÊNCIA GRATUITA é encontrar-se intoxicado de sentimentos negativos como o ódio e a frustração.
Na trama, um casal - Ulrich Mühe (o espião comunista de A VIDA DOS OUTROS) e Susanne Lothar - e seu filho pequeno viajam para uma casa de verão próxima a um lago para passar uma temporada de descanso. Desde o início, ao vermos os créditos iniciais com uma música perturbadora ao fundo, já temos a absoluta certeza de que o mal está por vir, na forma de dois rapazes que invadem a casa do casal para torturar física e psicologicamente e de forma lenta e gradual a família. Na refilmagem, como o papel dos homens perversos é interpretado por atores conhecidos - Tim Roth e Michael Pitt - pode ser que o impacto seja menor e o evenenamento que o original produz em nossa corrente sangüínea seja também inferior. A minha esperança é que Naomi Watts faça a diferença no papel principal. O risco de Haneke é estragar a sua própria obra por causa dos executivos de Hollywood, a exemplo do que aconteceu com o hoje esquecido George Sluizer, que fez do seu excepcional O SILÊNCIO DO LAGO um suspense bobo e genérico.
A propósito, consegui há algum tempo uma cópia de TEMPOS DE LOBO (2003), que pretendo ver em breve.
quarta-feira, abril 23, 2008
PONTO DE VISTA (Vantage Point)
Já faz algum tempo que vi o filme e demorei tanto a escrever a respeito que ele já começa a se apagar aos poucos da minha memória. PONTO DE VISTA (2008) foi em geral mal recebido pela crítica e por boa parte do público, mas embora eu tenha algumas restrições a alguns aspectos do filme, até que eu achei uma experiência no mínimo interessante e com um ritmo que não deixa a peteca cair em instante algum. Claro que Dennis Quaid copiando Jack Bauer e aquela patriotada toda são um pouco difíceis de engolir, mas tirando esses dois pontos negativos, diria que PONTO DE VISTA consegue inovar na forma, que nem é tão nova assim, mas que dentro de um filme policial hollywoodiano pode-se dizer que foge do lugar comum. E tendo em vista o fato de que os filmes policiais americanos andam passando por uma crise criativa - ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ e O GÂNGSTER são exceções -, a tentativa de inovar de Pete Travis, diretor que veio da tv, e do roteirista estreante Barry Levy deve ser levada em consideração.
A trama envolve um atentado ao presidente dos Estados Unidos quando o líder americano sobe num palanque para fazer um discurso de paz numa praça pública da cidade de Salamanca, na Espanha. O primeiro ponto de vista mostrado é o dos repórteres de televisão, que tentam, com suas várias câmeras cobrir o evento. O momento é de tensão e nota-se a preocupação dos guarda-costas do presidente, que parecem esperar um atentado a qualquer momento. Depois do tiro no peito do presidente (William Hurt) e de uma bomba que explode na praça, o relógio volta para o ponto inicial para nos mostrar outro ponto de vista. Dessa vez, o do guarda-costas Dennis Quaid, que ao lado do colega Matthew Fox, fazem parte do grupo de proteção de elite do presidente. Forest Whitaker é o cidadão comum que está passando férias na Espanha e filma o evento com uma câmera e Sigourney Weaver é a profissional de televisão do primeiro bloco.
Achei divertido o relógio voltando ao mesmo ponto diversas vezes (são oito os pontos de vista), mas senti que o público se sentiu um pouco incomodado ou cansado com esse recurso. Um dos mais interessantes pontos de vista e um dos mais aguardados é justamente o ponto de vista dos terroristas. Uma pena que depois que o filme se esgota nesses recursos transforma-se num policial convencional, com toques de 24 HORAS.
O estúdio teve de criar uma réplica da verdadeira praça da cidade de Salamanca numa cidade do México, já que foi considerado inviável pelas autoridades locais da cidade espanhola fechar a praça por três meses para a realização do filme. No mais, PONTO DE VISTA é um filme que procura passar o clima de paranóia que existe não apenas na sociedade americana, mas em todo mundo.
P.S.: E o blog hoje alcança a marca de meio milhão de visitantes!!
terça-feira, abril 22, 2008
MULUNGU / GUARAMIRANGA 2008
O saldo de filmes dessa semana foi vergonhoso. Apenas um único filme, visto em divx, que vou poupar para comentar nos próximos dias. Se continuar desse jeito, o blog vai passar a ser atualizado semanalmente. :-) O que marcou mesmo essa semana foi a viagem feita com uns amigos, aproveitando o feriadão de Tiradentes. Foi uma viagem revigorante para a Serra de Guaramiranga, mais exatamente para uma casa situada próximo ao município de Mulungu. O friozinho da região e o ar puro do lugar já são suficientes para deixar qualquer um se sentindo muito melhor, mais disposto e enxergando a vida com outros olhos, mas a companhia de uma turma agradável torna tudo ainda mais especial. Tudo bem que não dá pra esquecer os problemas do passado e do presente, tanto que as conversas que a turma teve durante o feriadão e o momento de emoções e muitos risos do sarau de domingo à noite foram meio que para exorcizar os tais problemas.
A idéia que eu tive de alugar uma topic em vez de nos preocuparmos com os três carros necessários para subir à serrra - eu, sem experiência nenhuma em subir serras e com o carro apresentando alguns problemas - foi muito boa. Assim, as preocupações que tivemos foram mínimas. Leo, o motorista recomendado pelo amigão Santiago, foi bastante prestativo e profissional. A turma dos "inconfidentes" foi pequena mas suficiente para lotar a topic. Pela ordem na foto: Manoel, Valéria, Neto, Juliana, Bárbara, Marlon (escondido no capuz), Rodrigo, Elis, eu e Erika. A Valéria, como sempre, tem o dom tanto de saber organizar esses encontros e viagens como poucos quanto de ter um faro para convidar pessoas legais e inteligentes. Assim, pude conhecer melhor gente que eu só tinha visto umas poucas vezes e não tinha tido a chance de conversar direito, como o Manoel, a Juliana e o Neto, três pessoas especiais. Aprendi muito com eles nesses dois dias.
Nas noites de sábado e domingo, saíamos para jantar em Guaramiranga e no restante do dia ficávamos em casa, mais conversando do que jogando ou fazendo qualquer outra coisa. Nem o dvd player que eu levei foi utilizado, em parte por eu ter ficado desanimado com o tamanho da televisão - não consigo mais ver filmes em tv de 14 polegadas. Na noite de sábado, a turma me pegou para dar uma aula sobre signos do zodíaco, um assunto que parecia interessar a todos. Se eu soubesse que seria submetido à essa "sabatina", teria feito o "dever de casa" antes. Mas acredito que consegui, mesmo assim, passar um pouco do que aprendi pelos livros e pela minha experiência e mania que tenho de querer saber sempre o signo das pessoas a fim de estabelecer elos de comparação e ir criando umas teorias, que podem muito bem ser apenas coincidências, mas essa dúvida eu vou tirando com o tempo.
Na noite de domingo, depois do retorno de Guaramiranga, o sarau promovido pela Elis chegou a causar catarse e lágrimas em alguns. Eu, como não estava preparado - não havia levado nenhum livro em especial para ler -, apelei para contar uma das divertidas estórias zen que eu aprendi nos livros do Osho. Até que foi uma contribuição válida e reflexiva. Manoel, o poeta da turma - se bem que a Erika também escreve poesias sempre que está inspirada - leu um poema de sua própria lavra. Mas o poeta mais lido lá foi Pablo Neruda. Depois dessa noite, eu até pretendo conhecer mais do seu trabalho, já que percebi que suas poesias não se perdem tanto na tradução.
sexta-feira, abril 18, 2008
À MEIA LUZ (Gaslight)
Cada vez mais eu admiro a versatilidade de George Cukor, que começou sua carreira em Hollywood fazendo comédias e melodramas de sucesso, mas que durante a década de 40 teve que se adaptar aos novos tempos e se mostrar também um hábil diretor de filmes noir e de suspense. À MEIA LUZ (1944), com seus cenários e tons cujo escuro predomina mais do que o claro, e com a construção de uma atmosfera que privilegia o clima de opressão, poderia ser facilmente confundido com um trabalho de Alfred Hitchcock.
Como é de praxe no cinema de Cukor, há sempre - ou quase sempre - uma estrela que desempenha um papel brilhante sob as mãos hábeis do cineasta. Em À MEIA LUZ, a estrela da vez é a bela e suave Ingrid Bergman, que na década de 40 brilhou em alguns clássicos de Hitchcock e no famoso CASABLANCA. Geralmente, Ingrid desempenhava o papel de mulheres fragilizadas ou extremamente sensíveis. Em À MEIA LUZ, esse estigma que ela recebeu em Hollywood não se constitui exceção - não sei o quanto mudou quando ela passou a fazer filmes na Itália.
Em À MEIA LUZ, ela é Paula Anton, uma mulher apaixonada por um homem manipulador (Charles Boyer) que desde o começo do filme já se evidencia como um sujeito no mínimo suspeito, mas que ao desenrolar da trama, vai se tornando um vilão de primeira grandeza, desses que a gente adora odiar. Por causa do amor que ela nutre por esse homem, ela logo abandona a sua rotina e o seu futuro como cantora. Mal sabia ela que esse homem tinha outras intenções. Eles se casam e mudam-se para a casa abandonada da tia assassinada de Paula, onde o perverso homem começa a manipular a mente da pobre mulher, que passa a se questionar sobre sua própria sanidade mental. O clima de opressão é crescente e só vai ser atenuado com a entrada em cena do investigador da Scotland Yard interpretado por Joseph Cotten. Logo ele, que interpretou uma pessoa de caráter duvidoso no hitchcockiano À SOMBRA DE UMA DÚVIDA.
Porém, por mais que se valorize o ótimo roteiro - baseado na peça de Patrick Hamilton -, a excelente construção do clima de suspense e o desempenho brilhante de Ingrid Bergman, muito da força do filme se deve ao papel de vilão de Charles Boyer. Talvez seja ele a alma do filme. O dvd da Warner tem dois lados. O lado B traz a adaptação de 1940 da mesma peça, dirigida por Thorold Dickinson, que eu não cheguei a ver nem a gravar. Duvido que seja tão boa quanto a versão de Cukor. Quanto à entrevista do diretor contida no livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", a única coisa que o diretor comenta com Bogdanovich sobre À MEIA LUZ é a respeito do desempenho de Angela Lansbury, a jovem que faz o papel da empregada vulgar e antipática que debutou no cinema com a bênção de Cukor.
quinta-feira, abril 17, 2008
CARTÕES POSTAIS DE LENINGRADO (Postales de Leningrado)
Enquanto o Cine Ceará encerra-se hoje, com a exibição de uma cópia restaurada de O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO, de Glauber Rocha, não tive como conferir os filmes exibidos de segunda-feira pra cá. Mas ainda resta um longa-metragem do festival para comentar, que é esse simpático filme venezuelano que trata da ditadura militar na Venezuela dos anos 60. Com direção de Mariana Rondón, CARTÕES POSTAIS DE LENINGRADO (2007) é um filme que se assemelha ao argentino KAMCHATKA, de Marcelo Piñeyro, e ao brasileiro O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS, de Cao Hamburger, já que ambos tratam de tema similar e sob a ótica de uma criança, embora o venezuelano não tenha alcançado um resultado tão favorável quanto o dos filmes de seus países vizinhos.
O que mais me chamou a atenção no filme foi a maneira mais transparente como a ditadura militar da Venezuela tratava seus presos políticos. As propagandas de televisão deixavam claro que o exército estava treinado para prender ou matar os guerrilheiros, a resistência. E diferente do que acontecia no Brasil, quando os presos políticos eram dados como desaparecidos e tudo era muito velado, na Venezuela era permitido à família do preso visitá-lo, embora a tortura também estivesse presente como uma rotina. Talvez isso tenha mesmo acontecido de fato, ou talvez Mariana Rondón tenha preferido adotar um tom mais leve para o seu filme, em que o sangue é substituído por tintas rabiscadas nas cenas imaginadas e narradas pelas crianças. Passa, inclusive, um certo estranhamento quando ouvimos as vozes das crianças se sobrepondo às vozes dos adultosem determinados momentos do filme. Mas são esses pequenos detalhes que tornam CARTÕES POSTAIS DE LENINGRADO uma obra que foge do lugar comum e que merece ser visto.
O problema com o filme é que a sua estrutura fragmentada pode esconder falhas na narrativa. Por exemplo, fiquei na dúvida sobre quem seria de fato o protagonista, de quem seria o ponto de vista da estória: se da garotinha - possivelmente o alter-ego da diretora - ou de Téo, o menino que aparece mais vezes no filme e quem rouba a cena. Téo mora com a avó, que ele acreditar estar ficando louca. Um dia, o seu suposto tio, também de nome Téo, aparece para visitar a família, mas durante uma festa familiar ele é levado preso pela polícia. E é por causa dessa impressão de "bagunça" que o filme passa que o vejo com algumas reservas. Fica parecendo um filme com problemas de roteiro ou de edição.
CARTÕES POSTAIS DE LENINGRADO foi o filme escolhido pela Venezuela para concorrer ao Oscar de Filme Estrangeiro de 2008. Não ficou entre os finalistas.
quarta-feira, abril 16, 2008
WALDICK - SEMPRE NO MEU CORAÇÃO
Quando eu era criança, notava que meu pai não gostava de Jovem Guarda, preferindo artistas como Núbia Lafayette, Nelson Gonçalves e outros cantores de voz empostada, na contra-mão da contra-cultura dos anos 60. A minha mãe é que era fã da Jovem Guarda, do Roberto Carlos, do Wanderley Cardoso etc. Mas como minha mãe não costumava comprar discos que não fossem evangélicos, quem tinha mais vinis lá em casa era o meu pai. E um dos discos que eu mais ouvi, ainda que indiretamente, foi um disco da Núbia Lafayette, que ele gostava de ouvir sempre que tomava uma cachaças. E quando ouvi Waldick Soriano cantando à capela, dentro de um carro, num dos momentos mais melancólicos de WALDICK - SEMPRE NO MEU CORAÇÃO (2007) a canção "Esta noite eu queria que o mundo acabasse", não pude evitar de me lembrar de meu pai. E por mais que eu me considere diferente dele, tendo adotado o rock como meu estilo de música favorito, com o tempo percebi que o rock que eu gosto de verdade é o rock de dor de cotovelo. As canções dos Smiths, Morrissey solo, de Roberto Carlos, da Legião Urbana, do Los Hermanos. Quando assisti o brilhante documentário dirigido por Patrícia Pillar, vi que até que eu não sou tão diferente assim de meu pai e que eu curto também uma boa música brega. Aliás, "brega" é um termo perjorativo que não é muito bem aceito pelos cantores que são taxados com esse estigma, caso de Odair José, que num show dele em que estive presente, ficava sem entender as roupas espalhafatosas que o povo usava para exagerar no visual brega.
Quanto ao filme em questão, Patrícia Pillar se revelou uma excelente diretora, fazendo um documentário não apenas sobre o artista, mas principalmente sobre o homem Waldick Soriano, com todas as suas imperfeições e contradições. Apesar de ter um espírito romântico e boêmio e de realmente passar a sua dor para suas canções, ele é um sujeito que sempre teve dificuldade de se relacionar durante muito tempo com as diversas mulheres que passaram pela sua vida - algumas delas aparecem no filme. E hoje mora sozinho, por capricho seu, em Fortaleza, enquanto sua esposa mora em Teresina. Ao contrário do que eu imaginava, o documentário não é um filme musical, não tem tantas cenas do show que a própria Patrícia Pillar gravou no Cine São Luiz e lançou em dvd. É um trabalho enxuto (58 minutos) que desnuda o homem por trás do artista e o vê como uma alma triste que nunca encontrou a felicidade.
Alguns dos momentos mais belos do filme ilustram o seu relacionamento com o filho e a cena dele com a esposa. Seu olhar triste e calado enquanto ela, ainda com vigor e disposição física, tenta alegrá-lo ao lembrar de uma canção que ele costumava cantar é um dos momentos mais comoventes. Por isso, a comparação brilhante que Patrícia Pillar faz no final com LUZES DA RIBALTA, de Charles Chaplin, não é em vão. A própria música de Chaplin é utilizada nesse cena, pouco antes de o filme fechar com os créditos, apresentando Waldick cantando "Cavalgada", de Roberto Carlos.
Quanto às canções, "Tortura de amor" foi a catalizadora, a responsável para que Patrícia se dedicasse a conhecer mais o trabalho do cantor e percebesse o quanto ele possui canções bonitas em seu repertório. Eu mesmo, estive ouvindo essa mesma canção recentemente numa versão da banda portuguesa Clã, gravada para o disco EU NÃO SOU CACHORRO MESMO, e nem sabia o título. Só hoje, pesquisando sobre as músicas do cantor que vim "ligar os pontos". Inclusive, o mesmo disco fecha com outra música de Waldick, em versão assumidamente brega de Frank Jorge, a bela "Dama de vermelho", sobre um sujeito que está no bar, vendo a sua ex-mulher dançando com outros caras, se torturando, enchendo a cara e pedindo para o garçon apagar a luz da sua mesa. Há no filme a cena de um homem da cidade de Quixadá (cidade natal de minha mãe) cuja maior alegria é poder ouvir as canções de Waldick em seu carro. Na cena em que o vimos, ele está ouvindo justamente "Dama de vermelho". O filme também destaca a emocionante "Eu também sou gente" e, obviamente, o clássico "Eu não sou cachorro não".
Por causa da duração do filme, ficando entre o média e o longa-metragem, talvez a distribuição para cinema seja um pouco complicada e talvez até fora dos planos. Além do mais, ele foi filmado em HDTV, sendo, portanto, mais provável o seu lançamento apenas em dvd. Parece que já está garantida a exibição do filme no Canal Brasil, embora ainda não tenham divulgado uma data.
terça-feira, abril 15, 2008
FALSA LOURA
O cinema de Carlos Reichenbach sempre deu ênfase aos contrastes. Em GAROTAS DO ABC (2004), temos o caso de uma moça negra que se apaixona por um rapaz nazista. Em FALSA LOURA (2008) esses contrastes se apresentam mais na forma do que no conteúdo, embora a semelhança com GAROTAS DO ABC se apresente mais forte do que a qualquer outro filme de Carlão. Até porque ambos os filmes tratam do universo de operárias e FALSA LOURA é derivado de uma idéia que o diretor teve de fazer uma espécie de série, sendo que o GAROTAS DO ABC tinha recebido o curioso título de "Aurélia Schwarzenega", por focar principalmente na protagonista Aurélia, embora dê mais espaço que o novo filme para as operárias coadjuvantes que apareceriam em filmes seguintes. Mas nem sempre as coisas saem como o planejado e o que era o projeto "Lucineide Falsa Loura" se transformou em FALSA LOURA, um filme cujas coadjuvantes desempenham um papel menos importante do que em GAROTAS...
Não poderia ser diferente, levando em consideração uma atriz ao mesmo tempo tão bela e talentosa quanto Rosanne Mullholand, atriz cuja carreira foi revelada pra mim no filme A CONCEPÇÃO, de José Eduardo Belmonte. No filme de Belmonte ela rouba a cena. Trata-se definitivamente de uma atriz que têm força suficiente para ser a protagonista dos filmes em que estrela. Em FALSA LOURA, Rosanne é Silmara, uma jovem linda e de família pobre, que sustenta parte de sua família dividida - ela e o pai - com o seu salário de operária. O pai tem um passado negro. Percebe-se que ele praticou atos ilícitos que o levaram à prisão. Recentemente, ele é pago para executar um serviço para um respeitado advogado. Um serviço que ele prefere manter em segredo para a filha mas que ele jura tratar-se de um serviço honesto. Enquanto isso, Silmara faz o possível para se divertir em seu tempo livre, como ir ao show de um cantor de rock chamado Bruno de André (Cauã Raymond), considerado um "gato" por ela e por suas colegas de trabalho. Com a sua beleza deslumbrante, Silmara logo se destaca no meio do público e o jovem cantor, de ego inflado, trata logo de "escolhê-la" para si. E os dois saem para uma noite de amor, numa seqüência que não aparece no filme, constituindo numa elipse. Mais na frente, veremos também a presença de um outro cantor na vida de Silmara, um cantor romântico e famoso, meio cafona, chamado Luís Ronaldo, interpretado por Maurício Mattar.
A personagem de Silmara pode ser encarada com antipatia por alguns espectadores, mas aos poucos ela vai se revelando uma jovem encantadora e cheia de amor pra dar, por mais que a sua arrogância e o seu desdém diante de algumas de suas colegas de trabalho que não são tão belas quanto ela (como a personagem de Djin Sganzerla) possam depor contra a sua pessoa. Mesmo assim, um dos momentos mais descontraídos do filme é quando ela resolve ajudar a amiga "feia", transformando-a numa "princesa", dando um banho de loja, visitando um salão de beleza e até dando umas aulinhas de dança para a moça. Na seqüência na loja, inclusive, o compositor Nelson Ayres compõe uma clara variação de "Pretty Woman", de Roy Orbison, numa citação a UMA LINDA MULHER.
FALSA LOURA pode ser taxado como brega por alguns, seja por seus anacronismos e pela estética de filmes homenageados, seja por seu senso de humor muitas vezes incompreendido, seja pelas canções, compostas por Paulo Ricardo. Sobre o brega, Carlão o defende e o assume, misturando-o ao erudito, como é comum em seu trabalho desde os tempos da Boca do Lixo. Os contrastes de tom - numa hora a protagonista está num explosão de alegria e cheia de motivos para estar feliz, noutra está se sentindo um lixo - também são outros geradores de estranheza. A leveza se reveza com a crueldade da vida. Esse contraste é sentido especialmente numa das seqüências finais, a partir do momento em que Silmara encontra Luís Ronaldo. A cena é apresentada como num conto de fadas dos anos 50, com direito a uma divertida seqüência musicada com legendas e aquelas bolinhas que ficam pulando nos trechos da música, como nos videokês. Essa seqüência e as cenas seguintes não são apenas a melhor coisa do filme, mas parte do melhor já produzido em toda a carreira do cineasta, especialmente quando ele emula Walter Hugo Khouri numa seqüência de cair o queixo.
Além de todos esses contrastes, há no filme seqüências surreais envolvendo uma jovem seminua recitando citações de filósofos importantes, como Sócrates. O fato de a moça estar só de calcinha torna um pouco difícil prestar atenção no que ela está falando e estabelecer, portanto, uma relação com o desenvolvimento da trama. Há também seqüências em que se vê imagens de animais silvestres passando na televisão, narrados pela própria voz de Carlão - que nesse filme dá uma de Hitchcock, aparecendo numa divertida ponta. Por essas e outras razões, FALSA LOURA é um filme que deve se beneficiar bastante de uma revisão, o que certamente farei se (ou quando) o filme entrar em cartaz no circuito comercial local. Ah, e quero deixar bem claro que uma das principais marcas e maiores méritos dos filmes de Carlão, que é a sensualidade, está presente com força total nesse filme, com cenas de dar água na boca.
FALSA LOURA está previsto para estrear no Brasil na próxima sexta-feira, dia 18 de abril.
P.S.: Está no ar a nova edição da Revista Zingu!, com a terceira parte do dossiê "Grandes Musas da Boca do Lixo", o retorno da seção "Cantinho do Aguilar", uma homenagem a Wilson Grey, mais um filme de Russ Meyer comentado por Marcelo Carrard, Isabelle Adjani na seção "Musas Eternas" e uma entrevista resgatada de Nelson Gonçalves!
segunda-feira, abril 14, 2008
18º CINE CEARÁ
Fim de semana atípico em Fortaleza. Em pleno aniversário da cidade, dia 13, aconteceu um show gratuito do Roberto Carlos no aterro da Praia de Iracema. E inventaram de agendar o show justo no mesmo dia da exibição de FALSA LOURA, o mais recente filme de Carlos Reichenbach. Claro que eu dei prioridade ao filme do Carlão e fiz questão de ver o seu filme e se desse tempo iria para o show do Rei. Mas não coloquemos o carro na frente dos bois e voltemos um dia antes, na noite de sábado.
Confesso que desde que o Cine Ceará se tornou Ibero-Americano, eu não tive a mínima vontade de conferir filme algum. E não fui mesmo. Mas como nesse ano o festival abriu mais espaço para filmes brasileiros (quatro longas nacionais na mostra competitiva, sendo um do Carlão e outro do Walter Lima Jr, dois dos maiores cineastas vivos do país), mais um filme do Carlos Reygadas (LUZ SILENCIOSA), eu fiquei bastante animado. Outro dos motivos pra eu não ter comparecido às duas edições anteriores do festival foi o fato de não ter com quem ir. Ou não me abrir para a companhia dos amigos, tendo passado por momentos de clausura que espero que se tornem menos freqüentes, já que eu preciso, pra minha própria saúde, me socializar. Por isso, no sábado, tive a idéia de convidar a turma com quem viajo com freqüência pra gente se reunir no Cine Ceará para poder discutir os rumos da próxima viagem. Da turma, compareceram apenas a Erika, a Valéria (e seu amigo secreto) e a Elis. O Murilo (aka "muro pequeno") furou mais uma vez e fez da Erika a sua "representante oficial". A Juliana, que disse que estaria no Cine São Luiz a partir das 14 hs não apareceu. E nem a Bárbara. No fim das contas, não discuti viagem com ninguém. O dois longas que passaram no sábado foram o venezuelano POSTALES DE LENINGRADO e o doc WALDICK, SEMPRE NO MEU CORAÇÃO.
Quem eu não esperava aparecer na noite de sábado era o Carlão Reichenbach, que encontrei no pátio do Cine, pouco depois de sair da sessão de curtas de sábado. Depois de dar aquele abraço de alegria pelo reeencontro, o primeiro comentário que fiz foi: "tá um calor horrível aqui". Ele disse: "um calor do caralho!". Ele se expressou melhor do que eu. E olha que ele não estava lá dentro ainda, naquele forno que se transformou o Cine São Luiz. É uma vergonha. Sai ano e entra ano e eles não resolvem o problema do ar condicionado. Por isso que o festival acaba tendo o seu nome sujo pelos jornais de fora e acredito até que muitos jornalistas deixaram de cobrir o evento por causa disso. E eu só não lamento o fato de perder os filmes que vão passar durante a semana por causa do meu trabalho de professor justamente devido a esse problema do ar condicionado. Filmes merecem ser vistos com o mínimo de conforto possível e não com a cabeça quente e o suor pingando no rosto. Se ao menos, eles continuassem com aquela idéia de colocar um telão na Praça do Ferreira, pra quem preferisse acompanhar o festival do lado de fora, sentindo a brisa da noite e tomando um refrigerante ou uma cerveja... Mas até isso foi cortado. Todo o glamour que um dia o festival teve foi definitivamente pro brejo.
Pois bem. Ao me encontrar com o Carlão, acabei me desencontrando das meninas e assisti à sessão do documentário sobre o Waldick, dirigido pela Patrícia Pillar, ao lado dele, na primeira fileira. O que eu mais lamentei foi não ter levado a minha máquina fotográfica no sábado. Além de ter deixado de tirar uma foto com o Carlão e meus amigos lá no final da sessão, ainda perdi de fotografar a beleza da Patrícia Pillar (como ela estava linda, hein!) e o encontro do Carlão com o produtor Luiz Carlos Barreto, que foi homenageado lá. A sessão do filme foi surpreendente e tanto eu quanto o Carlão nos emocionamos com a história do Waldick, em momento crepuscular. Falarei do documentário em outra ocasião, assim como dos outros longas.
Domingo foi o grande dia. Sessão de FALSA LOURA. Na noite anterior, o Carlão havia me dito que iria apresentar o filme usando uma peruca loura, já que nem a Rosanne Mulholland, nem a Suzana Alves, nem o Cauã Reymond, nem Maurício Mattar puderam vir, por estarem ocupados, trabalhando. Não pude evitar a minha decepção. Quanto aos atores, não fazia mesmo questão que viessem, mas eu estava sonhando em tirar fotos ao lado das duas beldades, provavelmente com um sorriso bobo no rosto. Mas talvez tenha sido melhor assim. Pelo que eu pude comprovar mais uma vez no filme, a Rosanne é linda demais. Acho que iria ficar desestabilizado emocionalmente com a presença dela. Quanto à peruca loura, eu achava que era brincadeira do Carlão, mas não era (ver fotos no link abaixo).
Na noite anterior, Carlão havia me perguntado: "e aí, vai ver amanhã o FALSA LOURA ou o show do Roberto Carlos?" Eu disse que tentaria ver o show do Rei assim que terminasse o filme. E até combinei com as minhas irmã de vermos o show. Mas como sabiamente disse Jesus: "não se pode servir a dois senhores" - ou como consta no Evangelho (apócrifo) de Tomé, "não se pode cavalgar dois cavalos". E senti os efeitos de ousar fazer isso na noite de ontem. Não tive nem condições de acompanhar o filme direito sem ficar recebendo, a todo instante, ligação das minhas irmãs que me esperavam para irmos ao show do Roberto. Por causa disso, mal tive tempo de falar com o Carlão no final da sessão, fizemos apenas a já programada troca de dvds com filmes raros, me despedi dos meus amigos Zezão, Daisy e Erika rapidamente e fui correndo pegar minhas irmãs, deixar o carro na garagem do prédio de uma amiga que mora próximo à Praia de Iracema e fomos ao encontro do Rei. A decepção começou quando a gente viu um monte de gente voltando e dizendo que o show já havia acabado. Mesmo assim continuamos caminhando, a tempo para conferir o "bis". Apenas três canções: "Cavalgada", "É Preciso Saber Viver" e "Jesus Cristo". E pronto. Meio frustrante, mas melhor do que nada. Tentei tirar umas fotos, que resultaram ruins, mas o pequeno vídeo que tirei da hora que ele cantou "Cavalgada" até que serviu pra dar uma idéia do calor do momento.
Pra fechar o post, vou usar esses dois últimos parágrafos pra falar um pouco sobre os curtas, que me pareceram não muito bons. Os exibidos no sábado, então, não sei se porque eu estava me sentindo muito ansioso ou sozinho (tinha acabado de chegar e não tinha visto ninguém), eu achei particularmente ruins. DÉCIMO SEGUNDO (PE,2007), de Leonardo Lacca, foi o mais interessante da noite, sobre um rapaz que tem uma série de problemas psiquiátricos (claustrofobia, TOC etc). AREIA (SP, 2008), de Caetano Gotardo, é chato e incompreensível, mostrando uma conversa entre um casal na praia. Não conseguia ouvir o que a mulher dizia. FIZ ZUM ZUM E PRONTO (PE, 2007), de Marcelo Lordello, é outro que só deve funcionar depois de fumar um baseado. Quem sabe assim, entra-se no clima do filme.
Os curtas de domingo foram um pouco melhores. Pelo menos, dois dos quatro exibidos são bons. PRISÃO (MG, 2007), de Joana Oliveira, passa a sua mensagem, mas me aborreceu. CORPO PRESENTE (SP, 2007), de Marcelo Toledo e Paolo Gregori, é um dos melhores. Começa com o laudo de um corpo no IML e voltamos no tempo para ver a rotina triste de uma jovem. Diria que os dois diretores do curta têm futuro. OUTUBRO (PR,2007), de Murilo Hauser, começa forte, com uma cena surpreendente de um suicídio, mas depois vai se tornando confuso. Parece ter problemas de edição. UM RAMO (SP, 2007), de Juliana Rojas e Marcos Dutra, é o mais intrigante, contando a estória de uma mulher em cujo corpo começa a nascer ramos de folhas. Será que os diretores são fãs do Monstro do Pântano? Uma coisa que eu percebi em todos esses curtas e que eu comentei com a Erika foi justamente o fato de todos eles lidarem com a solidão. Pra mim, isso nada mais é do que reflexo dos dias atuais, em que as pessoas estão cada vez mais sozinhas. E essa angústia é sentida em cada um desses curtas, sejam os bons, sejam os ruins.
Para ver as poucas fotos que tirei da noite de domingo, fiquem à vontade pra entrar no link.
sexta-feira, abril 11, 2008
PARANOID PARK
Tem coisa mais emputecedora (existe essa palavra?) do que a gente escrever um texto e quando está praticamente todo pronto o computador travar ou reiniciar sem você ter tido o cuidado de salvar coisa alguma? Pois é. Foi isso que aconteceu agora. Estava escrevendo sobre PARANOID PARK (2007) quando a porra do computador reiniciou! Mas como eu tento ser um cara paciente, vamos começar de novo. Ainda bem que pelo menos eu tinha feito um rascunho numa folha de papel, mas sei que modifiquei e repensei outras coisas. Com certeza não vai ficar do mesmo jeito o texto. E provavelmente nem melhor. Vamos lá. Agora, salvando o arquivo a cada final de frase.
O interesse de Gus Van Sant pela juventude e suas angústias não é um tema recente ou surgido na chamada "virada" na sua carreira de cineasta com GERRY (2002). Desde seu primeiro longa, o pouco visto e conhecido MALA NOCHE (1985) - que eu só fui atrás de baixar depois de ler uma interessante crítica sobre o filme na Revista Paisà - que o cineasta tem uma fixação pelo jovem, em especial o do sexo masculino. O que muitos poderiam atribuir à sua homossexualidade e isso não deixaria de ser uma suposição lógica. Porém, limitar seu cinema a isso também não é muito inteligente, mas deixo as teorias mais complicadas para aqueles que realmente estudam cinema a sério e tem mais conhecimento sobre o assunto.
PARANOID PARK foca a atenção na vida de Alex (o jovem estreante Gabe Nevins), um rapaz cujo maior prazer está em praticar skate. Ele tem uma namorada virgem que está a fim de "dar" pra ele, mas por razões pessoais ele prefere adiar o "grande dia". Tudo que ele quer é ficar sentado ou praticando skate no Paranoid Park, o lugar onde um grupo de skatistas convive meio que à margem da sociedade. Assim como ELEFANTE (2003), mas sem adotar uma estrutura circular, PARANOID PARK conta com uma montagem fora do convencional. Vamos percebendo que a edição do filme vai seguindo a própria consciência do rapaz que escreve num diário sobre suas aflições e sua vida. Aos poucos, o filme vai retornando a momentos que haviam sido apagados da mente de Alex.
O tema do trauma que provoca esquecimento ou negação não é novidade no cinema. Alfred Hitchcock já o havia abordado em QUANDO FALA O CORAÇÃO e boa parte das obras de David Lynch também lidam com o assunto. Mas Van Sant opta por uma abordagem mais moderna. O andamento lento e os tempos mortos, se não são tão fortes quanto em ÚLTIMOS DIAS (2005), talvez isso se deva ao fato de o filme fluir melhor. Nesse sentido, há uma semelhança maior com ELEFANTE. A filmografia de Van Sant tem se caracterizado pela adoção de um cinema mais "vanguardista", desde a sua ruptura com o cinema clássico-narrativo a partir de GERRY, o que fez com que seu nome aparecesse entre os nomes de mais prestígio do cinema americano atual. Agora, se eu gostei ou não do filme? Digamos que eu gostei, embora ele não tenha despertado em mim o mesmo entusiasmo de ELEFANTE nem a mesma angústia de ÚLTIMOS DIAS e GERRY. É um filme mais "agradável" do que esses dois dois citados, mas cuja apatia do protagonista quase me contaminou durante a sessão.
Quanto ao futuro de Van Sant, parece que o cineasta gosta mesmo de participar desses filmes coletivos. Depois de PARIS, TE AMO (2006) e CADA UM COM SEU CINEMA (2007), ele volta a trabalhar em um filme de segmentos com 8 (2008), também uma obra patrocinada com dinheiro francês e que conta com mais sete cineastas: Jane Campion, Gael Garcia Bernal, Jan Kounen, Mira Nair, Gaspar Noé, Abderrahmane Sissako e Wim Wenders. O foco do filme é o progresso e as mudanças do mundo contemporâneo.
quinta-feira, abril 10, 2008
AWAKE - A VIDA POR UM FIO (Awake)
Fazendo uma dobradinha Hayden Christensen (não que ele mereça, é pura coincidência), AWAKE - A VIDA POR UM FIO (2007) é um suspense de um diretor estreante (Joby Harold) que conta com uma idéia até interessante, mas cujo desenvolvimento se mostra frágil e cheio de momentos ridículos. Ainda assim, como eu sou muito benevolente, diria que é um filme assistível. Além do mais, já fui ao cinema esperando ver um filme "meia-boca", como já sugeria o trailer e como já se suspeitava, levando em consideração a avalanche de filmes ruins que têm estreado no circuito mais comercial. Se eu morasse numa cidade grande, como São Paulo, e que oferecesse mais opções, provavelmente esse filme estaria descartado da minha lista. Porém, dentro das opções existentes em Fortaleza, até que me pareceu uma das opções mais atraentes. Sem falar que comparando com O OLHO DO MAL, o outro filme estrelado por Jessica Alba, esse me parecia menos ruim. E com a vantagem de possuir uma estória original.
O enredo lida com um jovem com problemas cardíacos (Christensen) que prefere ser operado por seu amigo médico, interpretado por Terrence Howard, do que seguir os conselhos da mãe super-protetora (Lena Olin), que é rica o suficiente para conseguir o melhor e mais caro cardiologista do país. Achei estranha e cruel a cena em que Howard conta para o protagonista como será o processo de transplante do coração e ainda lembrando que mesmo que a cirurgia seja um sucesso, a pessoa que tem o coração transplantado pode precisar de um novo transplante em cerca de dez anos - dado que eu não sabia e não sei se é verdadeiro. Quanto a Jessica Alba, ela é a namorada do rapaz, que trabalha como secretária da mãe dele. Os dois mantêm um caso secreto, pois falta a ele coragem para contar para a mãe sobre sua relação com a moça. Quando se inicia a cirurgia, algo muito estranho começa a acontecer com o rapaz. Apesar de ele ter sido submetido a uma anestesia geral, ele sente e ouve tudo que passa ao redor, como as vozes dos médicos e dos assistentes e o pior: as dores do bisturi cortando a sua carne.
Pra quem viu o trailer, isso não é nenhuma novidade. A surpresa acontece depois, durante a cirurgia e que não merece ser contada para não estragar o pouco de interesse que eu possa ter provocado em quem leu a sinopse acima e achou o enredo intrigante. E realmente é. Dizem que o fato de o paciente se manter acordado, ainda que paralisado, durante uma anestesia geral já aconteceu de verdade, mas é um fenômeno raríssimo. É por isso que apesar de eu achar que AWAKE despenca bastante do meio para o final, ainda prefiro ver um filme que aborda uma idéia original do que esses remakes que andam fazendo de tudo quanto é filme, como o já citado O OLHO DO MAL, refilmagem de THE EYE - A HERANÇA, que eu nem tive coragem (nem tempo) de ver. E pra semana que vem, está agendado mais um remake: o do terror tailandês ESPÍRITOS - A MORTE ESTÁ AO SEU LADO, que pelo menos conta com um diferencial: o de ser dirigido por um cineasta japonês filmando nos Estados Unidos, o que pode fazer alguma diferença. A refilmagem recebeu o título brasileiro de IMAGENS DO ALÉM. Mais genérico, impossível.
quarta-feira, abril 09, 2008
JUMPER
Mesmo se tratando de uma diversão rápida e rasteira, JUMPER (2008) é tudo que a série HEROES quer ser e não consegue. JUMPER, a exemplo da série de Tim Kring, conta uma estória de super-heróis sem máscaras e sem uniformes, diferente dos tradicionais heróis da Marvel ou da DC, mas que possuem poderes bem fantasiosos, embora isso não interfira na verossimilhança da trama ou a torne ridícula. Na verdade, nem é preciso "comprar" a idéia do filme, pois ele é tão movimentado que mal dá tempo de pensar em qualquer coisa que seja. Alguns até poderiam reclamar que há uma falta de um melhor trabalho de construção dos personagens, excessivamente rasos, mas trata-se de um filme que privilegia mais a ação e os efeitos especiais do que qualquer coisa. Falar de aprofundamentos psicológicos num filme desses, isso sim, soaria ridículo. Não combina com o espírito do filme e nem caberia em seus enxutos 88 minutos de duração.
Na trama, Hayden Christensen é um jumper, isto é, um saltador espacial. Ele é capaz de se teletransportar tanto no intervalo de poucos metros quanto para qualquer lugar do mundo que ele deseje. Um dos aspectos interessantes do filme é que o suposto herói não utiliza seus poderes para beneficiar o próximo, os necessitados. Em certa cena, inclusive, vemos ele assistindo televisão e vendo pessoas precisando de ajuda e ele nem sequer cogita a possibilidade de agir como herói. Ao contrário, a primeira coisa que ele faz quando se vê dominando seus poderes é assaltar um banco. Em pouco tempo, ele está milionário e vivendo no luxo e ainda com a vantagem de não ter que gastar dinheiro com transporte. Quem chega para acabar com a festa do rapaz é um "preto velho" (Samuel L. Jackson, de cabelo e barba totalmente brancos), um dos caçadores de jumpers, chamados de paladinos. Ao conhecer outro jumper (Jamie Bell) é que o personagem de Christensen saberá o que está ocorrendo, o que ele é e quem são essas pessoas que o estão caçando. Pra não ficar só na ação e ter um pouquinho de romance, o filme ainda conta com a participação de Rachel Bilson, da série THE O.C. e da refilmagem americana de O ÚLTIMO BEIJO.
Doug Liman, cujo melhor título ainda é a brincadeira indie VAMOS NESSA (1999), tem se especializado nos últimos anos em filmes de ação rápidos e eficazes, embora nem sempre recomendados para pessoas muito exigentes. JUMPER é o filme de Liman que mais se utiliza de efeitos visuais e isso até pode apontar um novo caminho para sua carreira, que poderia estar sendo diferente caso a série HEIST (2006) não tivesse sido cancelada tão rapidamente. Para o futuro, Doug Liman vai dirigir uma ficção científica sobre a colonização na Lua e a continuação de JUMPER.
P.S.: Saiu a programação do Cine Ceará. A boa notícia é que a mostra competitiva está agendada para começar duas horas mais cedo. Uma pena eu não ter como ver nem metade dos filmes que gostaria e de só poder me limitar ao final de semana. E que bom que FALSA LOURA vai passar no domingo! Se bem que se fosse passar num dia de semana, eu faltaria aula pra prestigiar a obra do Carlão.
terça-feira, abril 08, 2008
OS ANJOS EXTERMINADORES (Les Anges Exterminateurs)
Muitos ficaram sabendo dos incidentes envolvendo as filmagens de COISAS SECRETAS (2002), o filme anterior de Jean-Claude Brisseau, que lidava com o voyeurismo. Durante a escolha das atrizes para o filme, o diretor fez algumas experiências com as candidatas, que se masturbavam e se exibiam para ele sem nenhum pudor. Ele começou a gostar do jogo, não se envolveu fisicamente com nenhuma dessas moças, mas a experiência para elas foi ainda mais intensa do que para ele. Como ele teve que dispensar algumas delas, duas dessas moças, que tiveram suas vidas abaladas pela experiência, processaram o cineasta, que chegou a ser condenado a um ano de prisão (embora tenha conseguido escapar das grades) e a pagar uma considerável quantia em dinheiro à justiça. No fim, COISAS SECRETAS se transformou num excelente filme, mas todo esse tempo que Brisseau passou lutando para se recuperar de todos os problemas gerados por essas duas jovens foi bastante cansativo.
Lembro de uma cena de um filme do Truffaut, DUAS INGLESAS E O AMOR, no qual o protagonista, um escritor, afirma acreditar que ao escrever sobre suas experiências de vida através do livro conseguiu se livrar de boa parte dos traumas, como se tivesse tirado um enorme peso de seus ombros. Truffaut, desde o primeiro filme, sempre foi um cineasta que entendia muito bem o que significava isso. Tudo indica que OS ANJOS EXTERMINADORES (2006) seja o filme que Brisseau fez para exorcizar seus demônios para, dessa forma, tentar se livrar dos traumas sofridos durante os últimos anos. Assim como COISAS SECRETAS, OS ANJOS EXTERMINADORES é um filme que faz com que o espectador (o masculino, principalmente) se sinta um privilegiado ao presenciar cenas gráficas de exibicionismo erótico feminino, de lesbianismo e de sexo em lugares públicos no mínimo bem excitantes. E OS ANJOS EXTERMINADORES ainda tem a vantagem de ser mais belo plasticamente, de a fotografia ser mais bonita e nítida - dando mais prazer em ver os corpos das mulheres em fase de autodescobrimento -, de os enquadramentos se aproximarem da perfeição.
Na trama, Frédéric Van Den Driessche é o alter-ego de Brisseau, um cineasta em busca de atrizes para um filme que planeja fazer sobre o erotismo, o exibicionismo e o voyeurismo femininos, um prato cheio para os tarados de plantão, mas que o cineasta parece levar muito a sério e com extremo profissionalismo. Muitas atrizes passam pelo seu escritório, mas poucas topam o desafio de se despirem de todas as maneiras para um filme. Seu método inclui pedir que as meninas se exibam inicialmente para ele, num ambiente mais íntimo. Sua intenção é captar momentos genuínos de orgasmo feminino, que para muitos homens se constitui num verdadeiro fascínio. Algumas dessas moças acabam por se entregar de fato à "brincadeira" e a ter idéias até mais ousadas do que ele imaginava. Uma delas, por exemplo, tem a idéia de se masturbar num restaurante luxuoso. Essa seqüência em especial é carregada de tensão e erotismo. Se do ponto de vista do erotismo, OS ANJOS EXTERMINADORES perde alguns pontos para COISAS SECRETAS, é por muito pouco. Talvez isso se deva a três fatores: o metalingüístico, o sobrenatural (dois anjos da morte na forma de duas belas moças aparecem de vez em quando prenunciando um mau agouro para o cineasta) e o final, que mostra os efeitos da "brincadeira" do diretor e o preço que ele pagou. No final, ainda que muitas seqüências de alta combustão permaneçam em nossa memória, o filme finaliza com um tom quase metafísico. E só um grande cineasta conseguiria unir o prazer puramente carnal a uma temática mais espiritual. Um dos melhores e mais prazerosos (em todos os sentidos) filmes do ano. Pena que não chegou nos cinemas locais e tive que vê-lo na telinha, o que convenhamos tem as suas vantagens.
segunda-feira, abril 07, 2008
ROLLING STONES - SHINE A LIGHT (Shine a Light)
A chance de ver um documentário de Martin Scorsese no cinema é uma oportunidade rara. Inédita para muitos, já que NO DIRECTION HOME: BOB DYLAN (2005) foi produzido para a tv e foi lançado direto em dvd e THE LAST WALTZ (1978) foi visto por poucos na época do seu lançamento nos cinemas brasileiros. E por mais que Scorsese gostasse de Dylan e The Band, todo mundo sabe que ele é um grande fã dos Rolling Stones. Basta ver a quantidade de vezes que ele colocou canções da banda em seus filmes. Só "Gimme Shelter" apareceu em três filmes de Scorsese: OS BONS COMPANHEIROS (1990), CASSINO (1995) e OS INFILTRADOS (2006). CASSINO tem simplesmente seis faixas dos Stones na trilha sonora. E por isso achei falta de consideração da parte dos Stones não tocarem essa canção no show. Na verdade, os músicos - Jagger em especial - não foram tão gentis assim com Scorsese, já que o set list só foi passado para ele segundos antes do show começar, tornando um pouco difícil para o diretor saber com qual das câmeras ele iniciaria o show.
E depois de rirmos bastante com essa situação e depois da aparição de Bill Clinton e família, começa o show, com um dos riffs de guitarra mais conhecidos do mundo: o de "Jumping Jack Flash", canção que eu não consigo deixar de gostar, mesmo tendo ouvido tantas vezes. Já "Satisfaction", considero uma canção bem manjada, e suspeito que Mick Jagger odeia cantar essa música nos shows depois de tantos anos. Tanto é que eu achei a escolha da canção muito óbvia para encerrar o show. Ainda mais com tantas outras importantes que eles poderiam utilizar. A que eu fiquei mais entusiasmado e emocionado em ouvir foi "As Tears Go By", com Keith Richards fazendo backing vocal. Ficou bem bonita e considero o melhor momento do show. Algumas faixas que eu não conhecia me agradaram bastante, como "Some Girls", que tem um riff de guitarra poderoso, tocada pelo próprio Jagger. "Far Away Eyes" foi outra que me pegou de surpresa e me animou bastante. Inclusive, sinto que preciso conhecer o álbum SOME GIRLS (1978) em sua totalidade, já que todas as faixas desse disco que eu ouvi, eu gostei (também gosto muito de "Respectable" e "Miss You", que ficaram de fora do show).
Três convidados especiais fazem duetos com Jagger em ROLLING STONES - SHINE A LIGHT (2008): Jack White, Buddy Guy e Christina Aguilera. Incrivelmente, a melhor performance dos três foi da Aguilera, cantando "Live with me", do álbum LET IT BLEED (1969). Ver Jagger se aproveitando da gostosura da cantora enquanto pode não tem preço. O repertório do show é basicamente de músicas dos anos 60 e 70 e umas poucas dos anos 80 ("She was hot", "Start me up"). Mas a banda tem tantas canções importantes que várias delas acabam mesmo ficando de fora, mesmo num filme que excede um pouco as duas horas de duração. Sem falar que Jagger, o grande dono do filme (mais do que Scorsese, eu diria) mandou cortar diversas cenas de entrevistas antigas com os membros da banda, por mais divertidas e interessantes que elas fossem. Mas que bom que algumas dessas pequenas entrevistas permaneceram para tornar o filme mais divertido. As cenas com entrevistas foram retiradas de diversos momentos da carreira da banda - do início, quando a banda só tinha poucos anos de atividade, até a fase "sexagenária".
E já que eu tratei do assunto "idade", como eu comentava com um amigo que me acompanhou durante a sessão, talvez essa vitalidade de Jagger, que corre e dança no palco como se ainda fosse um garoto, venha do seu trabalho, da adrenalina, da sobrecarga de energia que passa pelo seu corpo e o mantém vivo e ativo. Por isso não sei se seria uma boa idéia os Stones pararem, depois de tanto tempo na estrada, por mais que muita gente os chame de múmias ou de mortos-vivos.
P.S.: Soube hoje que Mick Jagger está produzindo um remake de AS MULHERES, de George Cukor. Meg Ryan parece que vai encabeçar o projeto estrelado apenas por mulheres.
sábado, abril 05, 2008
UM ROSTO DE MULHER (A Woman's Face)
Um dos mais interessantes e, ao mesmo tempo, menos lembrados trabalhos de George Cukor, UM ROSTO DE MULHER (1941), a exemplo de filmes como AUDAZES E MALDITOS, de John Ford, ASSIM ESTAVA ESCRITO, de Vincent Minnelli, e CIDADÃO KANE, de Orson Welles, procura recriar uma estória a partir de depoimentos, de pontos de vista de diversas pessoas, mostrados em flashbacks. No começo do filme, vemos uma mulher cruzando portões de ferro e partindo para o seu próprio julgamento por assassinato. A imagem da mulher, de costas, cruzando o corredor, torna difícil ver o seu rosto, que continua escondido sob as sombras ou sob o chapéu até determinada parte do filme. A mulher é Joan Crawford, que assim como Bette Davis, ficou famosa por interpretar mulheres perversas ou de caráter duvidoso. Não foi à toa que o encontro das duas em O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE?, de Robert Aldrich, tenha se tornado um evento histórico. Mas ainda era início dos anos 40 e Crawford ainda poderia ser considerada uma bela e sexy mulher, embora de face dura. Ela já havia trabalhado antes com Cukor como a mulher que toma o marido da protagonista em AS MULHERES (1939).
Conta-se que Crawford ingressou em Hollywood graças ao seu corpo. Quando jovem, não teve o menor problema em tirar a roupa em clubes de strip-tease e chegou até a fazer vários filmes pornôs. Os anos 20 foram mesmo anos muito loucos e ainda não havia patrulhamento e censura. Diz a lenda que ela foi contratada pela MGM quando um dos chefões a viu trocando de roupa e sabe-se lá o que ela fez para conseguir o contrato. Assim, em meados dos anos 20, a jovem Joan ingressaria de vez em Hollywood. Com o tempo, foi se destacando em papéis de megeras e acabou a carreira no cinema de horror dos anos 60, como Bette Davis e Olivia de Havilland. O que não chega a ser um demérito, muito pelo contrário. Mas para atrizes que alcançaram o estrelado como elas, fazer filmes de terror era um pouco como ir para a terceira divisão, se formos fazer uma comparação com o futebol. E ao que parece, a figura dura de Joan Crawford não era apenas uma fachada. Em seu testamento, pouco antes de sua morte em 1977, ela fez questão de deserdar os seus dois filhos mais velhos. A filha mais velha, em troca, escreveu um livro chamado "Mamãezinha Querida", que contava os maus tratos que ela e os irmãos sofriam de sua mãe. O livro virou filme, estrelado por Faye Dunaway, no início dos anos 80. (Aliás, está aí um filme que eu preciso ver.)
Mas deixando de lado as fofocas (que confesso, me fascinam e me interessam), UM ROSTO DE MULHER é um filme que vai se despindo aos poucos para o espectador. No começo, nos primeiros depoimentos contra a protagonista, a vemos com o seu rosto desfigurado, sendo uma espécie de líder de um grupo de mafiosos, dona de um bar e uma mulher que já havia passado pela prisão. Amarga por não poder olhar para ninguém sem sentir vergonha ou raiva de seu próprio rosto. As coisas mudam quando ela, tentando chantagear uma mulher casada que estaria traindo o marido, acaba esbarrando com a possibilidade real de ter o seu rosto restaurado com uma cirurgia plástica, que no fim das contas acaba sendo um sucesso e a torna uma mulher mais amável e feliz, embora ainda muito carente. Sabendo de seu passado, e aproveitando-se de sua carência afetiva, um homem manipulador (Conrad Veidt, protagonista de A ÚLTIMA GARGALHADA, de F.W.Murnau) a convence a se fingir de governanta de uma casa nos alpes, fora da cidade, e a matar o filho pequeno de uma família. Mas as coisas não serão tão fáceis assim para ela, já que o menino é um amor de criança, o que acaba tornando a tarefa no mínimo bastante complicada. Enquanto isso, ela vai sendo pressionada a executar o serviço o mais rápido possível.
Nota-se que nos anos 40 até mesmo George Cukor se rendeu ao cinema noir, que estava na moda naquela época. Inclusive, um de seus trabalhos mais famosos e provavelmente um dos próximos que verei é À MEIA-LUZ (1944), com Ingrid Bergman. Porém, ao que parece, os filmes noir de Cukor acabaram se tornando mais melodramáticos do que os demais, afinal, o melodrama era o território que o cineasta tinha mais intimidade. Mas o importante é que a junção do suspense com o melodrama funcionou muito bem nesse UM ROSTO DE MULHER e acredito que deve funcionar perfeitamente também em À MEIA-LUZ. No caso de UM ROSTO DE MULHER, as cenas de dança de salão, muito características dos filmes de Cukor, aparece num dos melhores e mais delicados momentos do filme, quando a personagem de Joan Crawford é convidada para participar de uma dança típica da Áustria, muito alegre e que faz lembrar as danças de quadrilha das festas juninas brasileiras. O filme também conta com um interesse amoroso para a atormentada protagonista, vivido por Melvyn Douglas, ator que chegou a contracenar com Joan em outros filmes e que contribui bastante para que o filme se torne mais romântico do que se esperaria.
sexta-feira, abril 04, 2008
O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD (The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford)
MATEI JESSE JAMES (1949) é uma das melhores estréias de um diretor em longa-metragem. E começar a ver os filmes de Samuel Fuller justamente pelo seu primeiro filme me deixou bastante entusiasmado para ver seus outros trabalhos. A estória de Robert Ford, que - diz a lenda - matou o parceiro Jesse James pelas costas e entrou para a história como um covarde, enquanto o lendário fora-da-lei ganhou notoriedade de herói, me fascinou. Principalmente pela maneira como Fuller descreve a angústia e o desgosto de Robert Ford.
Em O ASSASSINATO DE JESSE JAMES PELO COVARDE ROBERT FORD (2007), de Andrew Dominik, que saiu em dvd recentemente pela Warner mas que eu ainda tive a chance de ver no cinema, conta basicamente a mesma história, mas dando um "desconto" nos motivos de Ford ter matado James, além de mostrar de forma mais descritiva o quanto Ford era fascinado por James e o quanto ele já havia se tornado uma lenda do velho oeste, tendo, inclusive, livros de aventura publicados sobre seus feitos. Alguns desses livros, obviamente, não procuravam ser realistas, preferindo abraçar a lenda.
Quanto a Robert Ford, ele acreditava que, mais cedo ou mais tarde, Jesse o mataria. E apesar de o filme ter esse jeitão comtemplativo e um andamento mais lento do que o habitual, tratam-se de quase três horas de duração, isto é, há muito mais tempo para desenvolver o personagem de Jesse James, interpretado com brilho por Brad Pitt. Mas é Casey Affleck, como o desconfiado, frágil e meio venenoso e invejoso Robert Ford quem rouba a cena, sem fazer muito esforço. O filme se caracteriza por dar grande importância ao visual, à bela fotografia, que valoriza não apenas os cenários exteriores, mas também a cenografia dos interiores, sobretudo, nas cenas na casa de Jesse James. Há também uma narração em off em voz pausada, uma escolha arriscada pelo diretor, o que contribui para que as grandes platéias possam achar o filme chato e cansativo.
Por isso, fiquei impressionado com o fato de um trabalho tão ambicioso como esse ter sido dirigido por um cineasta novato. Além de alguns videoclipes e comerciais para a televisão, o único filme do currículo de Dominik foi o pouco visto CHOPPER - MEMÓRIAS DE UM CRIMINOSO (2000). A longa duração (160 minutos) e o andamento lento são dois aspectos que só se costuma ver em filmes americanos produzidos com a intenção de alcançar os indicados ao Oscar. E é claro que havia a intenção por parte dos produtores de o filme conseguir sucesso na Academia. Mas o máximo que conseguiram foram duas indicações: uma para melhor ator (Casey Affleck) e outra para diretor de fotografia (Roger Deakins, que assinou também o excelente ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ, dos irmãos Coen). Curiosamente o filme de Dominik foi completado em 2005, teve o lançamento agendado para 2006 e depois adiado para 2007. Entre os coadjuvantes importantes, destacam-se Sam Rockwell, no papel de Charley Ford, e Sam Shepard, como Frank James.
quinta-feira, abril 03, 2008
VALENTE (The Brave One)
Pode ser que seja um alarme falso, mas ao que parece os filmes de vigilante estão de volta. A violência crescente nas ruas das grandes cidades e os problemas emocionais que isso vem afetando a uma já bastante frágil sociedade talvez esteja inconscientemente trazendo de volta esse tipo de filme. Kevin Bacon arrebentando os bandidos em SENTENÇA DE MORTE; Sylvester Stallone trazendo de volta o seu John Rambo e com vontade de refilmar DESEJO DE MATAR; e um novo filme do Justiceiro vindo aí são sintomas disso. E em meio a tudo isso, Jodie Foster, com uma aparência mais masculinizada do que nunca, metendo bala nos criminosos em VALENTE (2007), filme que remonta ao início da carreira de Neil Jordan. Seu primeiro trabalho - ANGEL - O ANJO DA VINGANÇA (1982), que eu não vi - também lidava com o tema da vingança. Aliás, a vingança geralmente dá bons filmes, e não necessita de estórias muito complicadas pra isso. Na verdade, quanto mais simples, melhor. Porém, pode-se trabalhar a complexidade na personalidade e na química entre os personagens. E nesse sentido, VALENTE se beneficia da interessante relação entre a locutora de rádio interpretada por Jodie Foster e o detetive de polícia vivido por Terrence Howard.
A trama é simples: Erica Bain (Jodie Foster) e seu namorado (Naveen Andrews, o Sayid, de LOST) passeiam tranqüilamente num parque com seu cachorro quando são cercados por um grupo de bandidos que os assaltam e os agridem violentamente até o limite da morte. Erica Bain sobrevive, mas seu namorado não resiste. Quando ela acorda do coma, depois de vários dias, percebe que sua vida desmoronou. Ou pelo menos mudou bastante, para usar de eufemismo. A recuperação é dolorosa e Erica começa a ter crises agudas de paranóia e manias de perseguição. Depois de ficar alguns dias trancafiada dentro de casa, como uma forma de curar as feridas e de se esconder do mundo, ela decide voltar às ruas. Depois que ela compra uma arma, já dá pra imaginar o que vem pela frente. Chega o dia em que ela sente na obrigação de fazer justiça depois de ver um homem matando uma mulher numa loja de conveniência. A sensação de matar alguém a incomoda, mas logo ela sente vontade de matar novamente. Terrence Howard é o detetive encarregado do caso dos assassinatos promovidos por Erica. E sabendo que ela foi uma vítima da violência das ruas e sendo seu fã e ouvinte assíduo, os dois começam a se aproximar.
Apesar de não encabeçar a lista dos melhores filmes de Neil Jordan - que incluiria ENTREVISTA COM O VAMPIRO (1994), TRAÍDOS PELO DESEJO (1992) e FIM DE CASO (1999) -, VALENTE injeta toxina em nosso sangue, fazendo o espectador ficar com os olhos grudados no filme até o final. Mesmo aqueles que acreditam que o filme é fascista ou conivente com o apoio da polícia à política de aceitar "apoio extra" devem dar o braço a torcer e admitir que o filme e os demais citados no início do post podem servir como reflexão desse momento em que vivemos, por mais comercial e apelativo que seja o tema.
quarta-feira, abril 02, 2008
ELEIÇÃO 2: A TRÍADE (Hak Se Wui Yi Wo Wai Kwai / Election 2)
Diferente do que ocorreu quando vi o primeiro ELEIÇÃO (2005), não tive nenhuma dificuldade de entender a trama dessa continuação, ELEIÇÃO 2: A TRÍADE (2006), até porque trata-se de um filme bem simples e direto e com muito mais ação e violência e menos conversas em lugares escuros. Aqueles que não viram o primeiro filme não precisam se preocupar e podem ver esse segundo sem nenhum problema. Mas claro que o ideal é ver o primeiro filme antes, cujo final, mostrava a ascenção ao poder nas tríades de Hong Kong de Lok (Simon Yan). Dessa vez, passaram-se dois anos e uma nova eleição para líder se aproxima. Alguns membros começam a se manifestar com entusiasmo para receber o cetro do poder e saber o que é ter o gostinho de se sentir poderoso durante os próximos dois anos. De acordo com os anciões da Tríade, o melhor nome para assumir o posto é Jimmy Lee (Louis Koo), um bem sucedido homem de negócios que ganha bastante dinheiro com a pirataria de dvds pornôs. Jimmy no fundo quer mesmo fazer as vontades da esposa: deixar a tríade, se é que isso é possível, e começar a negociar legalmente. Mas como isso não é possível, ele vai aceitando o papel de mais forte dos candidatos. O problema é que Lok, com sede de poder, não quer "largar o osso". E tenta agir com brutalidade e contra as tradições milenares da sociedade. Para a polícia chinesa, Jimmy seria um candidato bom para encabeçar a Tríade, garantindo dois anos de paz, se ele aceitar fazer um pacto com os policiais.
Quem já viu do que esses homens são capazes de fazer no primeiro filme, podem esperar ainda mais violência nessa seqüência. Sem armas de fogo, mas com uma criatividade e requintes de crueldade poucas vezes vistos no cinema eles executam seus assassinatos a sangue frio. Nesse novo filme, o que mais chama a atenção é a seqüêcia que mostra os inimigos de Jimmy presos num canil e uma certa cena envolvendo um moedor de carne. Outra seqüência empolgante envolve lutas de faca nas ruas. É por isso que não é à toa que Johnny To anda encabeçando as listas de melhores cineastas da atualidade. Os filmes de To não se tratam apenas de entretenimento violento e cheio de testosterona, mas cinema sofisticado, de bela concepção visual e com uma intenção política que faz do filme uma metáfora da relação existente entre Hong Kong e a China.
Quanto ao virtuosismo de To, já demonstrado com força total no ótimo BREAKING NEWS - UMA CIDADE EM ALERTA (2004), dessa vez é mostrado de maneira mais sutil, fazendo com que nós prestemos mais atenção na trama e menos nos maravilhosos movimentos de câmera de que ele é capaz. Talvez ELEIÇÃO 2 e EXILADOS (2006), ambos do mesmo ano, sejam exemplos da maturidade do cineasta, que tem uma capacidade invejável de criar um jogo de interesses inédito num fime policial (ou "de máfia") que poucos cineastas americanos são capazes de construir. Uma pena o filme não ter passado nos cinemas brasileiros, indo direto para as locadoras. Talvez a violência mais pesada desse segundo filme tenha tornado difícil colocá-lo no circuito alternativo e o fato de o primeiro filme não ter sido distribuído no circuitão descartou as chances de uma distribuição maior. Mas isso é uma coisa com que já devíamos estar acostumados, já que filme oriental distribuído nos cinemas é mais exceção do que regra.
terça-feira, abril 01, 2008
UMA GAROTA TÃO BELA COMO EU / UMA JOVEM TÃO BELA COMO EU (Une Belle Fille comme Moi)
Falta pouco pra eu terminar minha mini-peregrinação pelo cinema de François Truffaut. Infelizmente depois do muito bom AS DUAS INGLESAS E O AMOR (1971), o diretor pisou na bola novamente com UMA GAROTA TÃO BELA COMO EU (1972). E é impressão minha ou os franceses nunca foram muito bons no território do humor? Até Jacques Tati, que é considerado o grande mestre da comédia francesa, nem sempre me faz rir. E Truffaut, em sua primeira tentativa de fazer um filme essencialmente cômico falhou em diversos aspectos, principalmente na construção dos personagens, dando a impressão de que todos os homens são idiotas e a anti-heroína é uma sacana. Claro que se ele tivesse conseguido construir um clima cômico favorável, o filme poderia ter funcionado, mas infelizmente não foi o caso. Tanto que o filme tem poucos fãs, embora eu não duvide que eles existam. Afinal, ao que parece, eu fui um dos poucos que consideraram A SEREIA DO MISSISSIPI (1969) uma obra-prima, um filme que o próprio Truffaut foi desgostando com o tempo, talvez influenciado pelas críticas negativas.
UMA GAROTA TÃO BELA COMO EU, apesar de ser pouco satisfatório, é um filme com a cara de seu diretor. Há nele muitos elementos comuns de outros trabalhos de Truffaut, como a figura da garota selvagem, tema que surge de forma mais explícita em obras como OS INCOMPREENDIDOS (1959) e O GAROTO SELVAGEM (1970); e a figura do teórico, do estudioso da natureza humana, como o cientista do já citado O GAROTO SELVAGEM. Segundo o próprio Truffaut, em entrevista contida no livro "O Cinema segundo François Truffaut", o filme seria uma crítica a si mesmo, já que ele não apenas se identificava com a personagem da jovem rebelde e marginal, mas também com o sociólogo, pintado no filme como um completo idiota, que apaixonado pelo seu objeto de estudo, acaba ficando cego e se dando mal no final. Aliás, aí está outro tema bastante próprio do cinema de Truffaut: o do amor cego do homem por uma mulher que tem desde o início a intenção de seduzí-lo. O problema é que fica complicado para o espectador identificar-se com um idiota completo como o personagem do sociólogo, interpretado por André Dussollier (de UM CASAMENTO PERFEITO, de Eric Rohmer).
A personagem título do filme é vivida por Bernadette Lafont, que havia debutado no cinema justamente com o primeiro trabalho de Truffaut, o curta OS PIVETES (1957). E como ela não é tão adorável e bela como outras beldades de filmes do diretor como Claude Jade, Catherine Deneuve, Isabelle Adjani e Jacqueline Bisset, talvez a escolha dela para o filme não tenha sido muito feliz para o cineasta. No fim das contas, num futuro ranking de filmes de Truffaut, UMA GAROTA TÃO BELA COMO EU figuraria entre os que eu menos gosto.