sábado, abril 05, 2008

UM ROSTO DE MULHER (A Woman's Face)



Um dos mais interessantes e, ao mesmo tempo, menos lembrados trabalhos de George Cukor, UM ROSTO DE MULHER (1941), a exemplo de filmes como AUDAZES E MALDITOS, de John Ford, ASSIM ESTAVA ESCRITO, de Vincent Minnelli, e CIDADÃO KANE, de Orson Welles, procura recriar uma estória a partir de depoimentos, de pontos de vista de diversas pessoas, mostrados em flashbacks. No começo do filme, vemos uma mulher cruzando portões de ferro e partindo para o seu próprio julgamento por assassinato. A imagem da mulher, de costas, cruzando o corredor, torna difícil ver o seu rosto, que continua escondido sob as sombras ou sob o chapéu até determinada parte do filme. A mulher é Joan Crawford, que assim como Bette Davis, ficou famosa por interpretar mulheres perversas ou de caráter duvidoso. Não foi à toa que o encontro das duas em O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE?, de Robert Aldrich, tenha se tornado um evento histórico. Mas ainda era início dos anos 40 e Crawford ainda poderia ser considerada uma bela e sexy mulher, embora de face dura. Ela já havia trabalhado antes com Cukor como a mulher que toma o marido da protagonista em AS MULHERES (1939).

Conta-se que Crawford ingressou em Hollywood graças ao seu corpo. Quando jovem, não teve o menor problema em tirar a roupa em clubes de strip-tease e chegou até a fazer vários filmes pornôs. Os anos 20 foram mesmo anos muito loucos e ainda não havia patrulhamento e censura. Diz a lenda que ela foi contratada pela MGM quando um dos chefões a viu trocando de roupa e sabe-se lá o que ela fez para conseguir o contrato. Assim, em meados dos anos 20, a jovem Joan ingressaria de vez em Hollywood. Com o tempo, foi se destacando em papéis de megeras e acabou a carreira no cinema de horror dos anos 60, como Bette Davis e Olivia de Havilland. O que não chega a ser um demérito, muito pelo contrário. Mas para atrizes que alcançaram o estrelado como elas, fazer filmes de terror era um pouco como ir para a terceira divisão, se formos fazer uma comparação com o futebol. E ao que parece, a figura dura de Joan Crawford não era apenas uma fachada. Em seu testamento, pouco antes de sua morte em 1977, ela fez questão de deserdar os seus dois filhos mais velhos. A filha mais velha, em troca, escreveu um livro chamado "Mamãezinha Querida", que contava os maus tratos que ela e os irmãos sofriam de sua mãe. O livro virou filme, estrelado por Faye Dunaway, no início dos anos 80. (Aliás, está aí um filme que eu preciso ver.)

Mas deixando de lado as fofocas (que confesso, me fascinam e me interessam), UM ROSTO DE MULHER é um filme que vai se despindo aos poucos para o espectador. No começo, nos primeiros depoimentos contra a protagonista, a vemos com o seu rosto desfigurado, sendo uma espécie de líder de um grupo de mafiosos, dona de um bar e uma mulher que já havia passado pela prisão. Amarga por não poder olhar para ninguém sem sentir vergonha ou raiva de seu próprio rosto. As coisas mudam quando ela, tentando chantagear uma mulher casada que estaria traindo o marido, acaba esbarrando com a possibilidade real de ter o seu rosto restaurado com uma cirurgia plástica, que no fim das contas acaba sendo um sucesso e a torna uma mulher mais amável e feliz, embora ainda muito carente. Sabendo de seu passado, e aproveitando-se de sua carência afetiva, um homem manipulador (Conrad Veidt, protagonista de A ÚLTIMA GARGALHADA, de F.W.Murnau) a convence a se fingir de governanta de uma casa nos alpes, fora da cidade, e a matar o filho pequeno de uma família. Mas as coisas não serão tão fáceis assim para ela, já que o menino é um amor de criança, o que acaba tornando a tarefa no mínimo bastante complicada. Enquanto isso, ela vai sendo pressionada a executar o serviço o mais rápido possível.

Nota-se que nos anos 40 até mesmo George Cukor se rendeu ao cinema noir, que estava na moda naquela época. Inclusive, um de seus trabalhos mais famosos e provavelmente um dos próximos que verei é À MEIA-LUZ (1944), com Ingrid Bergman. Porém, ao que parece, os filmes noir de Cukor acabaram se tornando mais melodramáticos do que os demais, afinal, o melodrama era o território que o cineasta tinha mais intimidade. Mas o importante é que a junção do suspense com o melodrama funcionou muito bem nesse UM ROSTO DE MULHER e acredito que deve funcionar perfeitamente também em À MEIA-LUZ. No caso de UM ROSTO DE MULHER, as cenas de dança de salão, muito características dos filmes de Cukor, aparece num dos melhores e mais delicados momentos do filme, quando a personagem de Joan Crawford é convidada para participar de uma dança típica da Áustria, muito alegre e que faz lembrar as danças de quadrilha das festas juninas brasileiras. O filme também conta com um interesse amoroso para a atormentada protagonista, vivido por Melvyn Douglas, ator que chegou a contracenar com Joan em outros filmes e que contribui bastante para que o filme se torne mais romântico do que se esperaria.

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