quarta-feira, abril 16, 2008
WALDICK - SEMPRE NO MEU CORAÇÃO
Quando eu era criança, notava que meu pai não gostava de Jovem Guarda, preferindo artistas como Núbia Lafayette, Nelson Gonçalves e outros cantores de voz empostada, na contra-mão da contra-cultura dos anos 60. A minha mãe é que era fã da Jovem Guarda, do Roberto Carlos, do Wanderley Cardoso etc. Mas como minha mãe não costumava comprar discos que não fossem evangélicos, quem tinha mais vinis lá em casa era o meu pai. E um dos discos que eu mais ouvi, ainda que indiretamente, foi um disco da Núbia Lafayette, que ele gostava de ouvir sempre que tomava uma cachaças. E quando ouvi Waldick Soriano cantando à capela, dentro de um carro, num dos momentos mais melancólicos de WALDICK - SEMPRE NO MEU CORAÇÃO (2007) a canção "Esta noite eu queria que o mundo acabasse", não pude evitar de me lembrar de meu pai. E por mais que eu me considere diferente dele, tendo adotado o rock como meu estilo de música favorito, com o tempo percebi que o rock que eu gosto de verdade é o rock de dor de cotovelo. As canções dos Smiths, Morrissey solo, de Roberto Carlos, da Legião Urbana, do Los Hermanos. Quando assisti o brilhante documentário dirigido por Patrícia Pillar, vi que até que eu não sou tão diferente assim de meu pai e que eu curto também uma boa música brega. Aliás, "brega" é um termo perjorativo que não é muito bem aceito pelos cantores que são taxados com esse estigma, caso de Odair José, que num show dele em que estive presente, ficava sem entender as roupas espalhafatosas que o povo usava para exagerar no visual brega.
Quanto ao filme em questão, Patrícia Pillar se revelou uma excelente diretora, fazendo um documentário não apenas sobre o artista, mas principalmente sobre o homem Waldick Soriano, com todas as suas imperfeições e contradições. Apesar de ter um espírito romântico e boêmio e de realmente passar a sua dor para suas canções, ele é um sujeito que sempre teve dificuldade de se relacionar durante muito tempo com as diversas mulheres que passaram pela sua vida - algumas delas aparecem no filme. E hoje mora sozinho, por capricho seu, em Fortaleza, enquanto sua esposa mora em Teresina. Ao contrário do que eu imaginava, o documentário não é um filme musical, não tem tantas cenas do show que a própria Patrícia Pillar gravou no Cine São Luiz e lançou em dvd. É um trabalho enxuto (58 minutos) que desnuda o homem por trás do artista e o vê como uma alma triste que nunca encontrou a felicidade.
Alguns dos momentos mais belos do filme ilustram o seu relacionamento com o filho e a cena dele com a esposa. Seu olhar triste e calado enquanto ela, ainda com vigor e disposição física, tenta alegrá-lo ao lembrar de uma canção que ele costumava cantar é um dos momentos mais comoventes. Por isso, a comparação brilhante que Patrícia Pillar faz no final com LUZES DA RIBALTA, de Charles Chaplin, não é em vão. A própria música de Chaplin é utilizada nesse cena, pouco antes de o filme fechar com os créditos, apresentando Waldick cantando "Cavalgada", de Roberto Carlos.
Quanto às canções, "Tortura de amor" foi a catalizadora, a responsável para que Patrícia se dedicasse a conhecer mais o trabalho do cantor e percebesse o quanto ele possui canções bonitas em seu repertório. Eu mesmo, estive ouvindo essa mesma canção recentemente numa versão da banda portuguesa Clã, gravada para o disco EU NÃO SOU CACHORRO MESMO, e nem sabia o título. Só hoje, pesquisando sobre as músicas do cantor que vim "ligar os pontos". Inclusive, o mesmo disco fecha com outra música de Waldick, em versão assumidamente brega de Frank Jorge, a bela "Dama de vermelho", sobre um sujeito que está no bar, vendo a sua ex-mulher dançando com outros caras, se torturando, enchendo a cara e pedindo para o garçon apagar a luz da sua mesa. Há no filme a cena de um homem da cidade de Quixadá (cidade natal de minha mãe) cuja maior alegria é poder ouvir as canções de Waldick em seu carro. Na cena em que o vimos, ele está ouvindo justamente "Dama de vermelho". O filme também destaca a emocionante "Eu também sou gente" e, obviamente, o clássico "Eu não sou cachorro não".
Por causa da duração do filme, ficando entre o média e o longa-metragem, talvez a distribuição para cinema seja um pouco complicada e talvez até fora dos planos. Além do mais, ele foi filmado em HDTV, sendo, portanto, mais provável o seu lançamento apenas em dvd. Parece que já está garantida a exibição do filme no Canal Brasil, embora ainda não tenham divulgado uma data.
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