terça-feira, abril 29, 2008

O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO



Quem acompanha o blog há algum tempo já sabe que eu não sou exatamente um fã de Glauber Rocha. Não costumo entrar nas "viagens" dele. Na verdade, muitas vezes, seus filmes são um convite ao sono pra mim. O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO (1969) não é uma exceção, mas dos três filmes de Glauber que vi, sendo os outros dois DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964) e TERRA EM TRANSE (1967), esse foi o que eu mais gostei. Até por se aproximar um pouco mais do western spaghetti, que, acredito, deve ter influenciado a obra do diretor. A fotografia exuberante e em cores do hoje internacionalmente aclamado Affonso Beato também contribui para uma melhor apreciação desse filme. Assim como os westerns italianos, em especial os de Sergio Leone, O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO também tem uma estrutura operística. O maior diferencial é que Glauber faz esse retorno triunfal de Antonio das Mortes (Maurício do Valle), personagem de DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, com a influência da literatura de cordel, da linguagem repentista, como na cena da briga de facão entre Antonio das Mortes e o cangaceiro resistente, que lidera um povo faminto e pretende se apossar das terras de um latifundiário cego, o Coronel Horácio, vivido por Jofre Soares.

O cangaceiro, no filme, é mostrado quase como um fantasma, um ser mitológico que aparece num momento em que não existiam mais cangaceiros, já que os últimos haviam sido mortos na década de 40, seja pela polícia, seja por jagunços como Antônio das Mortes, responsável pela morte de Corisco, o "diabo loiro". Aliás, não é por acaso que o título francês do filme de Glauber leva o nome do protagonista, pois é ele a essência do filme. Todos os assassinatos que ele cometeu no passado e que agora o assombram fazem com que ele reavalie o seu papel, principalmente quando ele encontra no grupo do cangaceiro uma mulher que ele chama de "santa", a mulher que parece desnudá-lo e que lembra muito uma hippie. Um dos momentos mais interessantes do filme está no começo, quando Antonio conta de seu encontro com Lampião, e de como o mais famoso dos cangaceiros o deixou viver, pois achava que ele era um inimigo, mas um inimigo valoroso e digno.

Interessante como Glauber, em plena ditadura militar, tratou de um assunto tão delicado como a reforma agrária, que era o lema do Governo de Jango, que a ditadura derrubou. O caos representado pelo barulho dos sem-terra que seguem a "santa" e o cangaceiro lembra um pouco os momentos mais caóticos do cinema de Martin Scorsese e dá para entender quando o cineasta americano afirma apreciar o trabalho do cineasta brasileiro. Ele deve ter sido, de alguma maneira, influenciado pela sua estética. Outras cenas marcantes incluem a personagem de Odete Lara, a mulher que trai o latifundiário cego, como aquela em que a câmera a segue, ela segurando umas flores na mão, no deserto nordestino e outra envolvendo um amante e um morto, num dos momentos mais psicodélicos do filme. Outro nome de destaque em O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO é o de Othon Bastos, como o professor que, no início do filme, ensina aos alunos as datas mais importantes da História do Brasil e inclui, entre essas datas, o ano em que Lampião foi morto - uma forma de Glauber mostrar que, para aquele povo, a morte de Lampião tinha um significado tão importante quanto o descobrimento do Brasil ou o dia da Independência. Hugo Carvana é o delegado da cidade, o homem que contrata os serviços de Antônio das Mortes.

O filme foi restaurado a partir de uma cópia francesa, eis a razão de que os créditos do filme foram conservados na língua de Rimbaud, bem como as legendas em francês nas cenas musicadas. Outro filme de Glauber que foi restaurado e que está saindo em dvd pela Versátil é A IDADE DA TERRA (1980), seu filme testamento, que foi criado para ser exibido sem uma ordenação prévia de seus 16 rolos. Dizem que o filme é a mais hermética das obras do diretor. Vou deixar pra ver quando estiver bem disposto.

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