Quando passei pela locadora na última sexta-feira, não resisti e levei pra casa dois títulos da caixa que a Warner está colocando no mercado contendo alguns dos melhores filmes de gângsteres da companhia. Era a especialidade da Warner esse tipo de filme policial que tratava de gente ligada ao mundo do crime. Foram com esses filmes que astros como James Cagney, Edward G. Robinson e Humphrey Bogart solidificaram suas carreiras e entraram para a mitologia de Hollywood. Dos títulos lançados nessa coleção, quatro deles são estrelados por James Cagney. Além dos dois filmes que comento logo abaixo, ainda tenho pra ver, com Cagney, os filmes HERÓIS ESQUECIDOS (1939) e FÚRIA SANGUINÁRIA (1949), os dois dirigidos por Raoul Walsh. Por enquanto, vamos de O INIMIGO PÚBLICO (1931) e ANJOS DE CARA SUJA (1938).
Os DVDs trazem extras bem atraentes, sendo que a melhor coisa são os documentários sobre o filme, que tendem a valorizar ainda mais a obra, uma vez que passamos a entender o filme dentro de um contexto. Além disso, podemos viajar no tempo e ver também os
trailers, mini-documentários, desenhos animados e curtas-metragens que abriam a atração principal da noite nos cinemas. Como naquela época não existia televisão, ir ao cinema era também um programa informativo. Ah, os DVDs contêm também áudio de comentário de críticos de cinema. Pena que esse é o único extra que não vem com legendas em português, o que acaba sempre me deixando com preguiça de conferir.
O INIMIGO PÚBLICO Nº 1 (The Public Enemy)
Esse era o filme que Howard Hawks tinha como referência quando fez o seu SCARFACE (1932). Ele tinha a missão de superá-lo. E a tarefa não era fácil. Mesmo com todos os problemas típicos dos filmes do início dos anos 30 - tendência a teatralizar os filmes, os diretores abusavam de diálogos e câmeras fixas etc -, O INIMIGO PÚBLICO Nº 1 é uma obra forte que tem um dos finais mais chocantes da história do cinema. Esse filme, junto com ALMA NO LODO (1930, também presente no pacote da Warner), serviria como modelo para os filmes de gângster que a gente conhece hoje, em especial as obras de Martin Scorsese. O cineasta é uma das principais atrações no documentário "Cerveja e Sangue: Os Inimigos Públicos" (19 min), constante no DVD. Vendo a performance de Cagney, comecei a suspeitar que o personagem de Joe Pesci em OS BONS COMPANHEIROS pode ter sido uma homenagem a Cagney. (Será?) Scorsese mencionou o fato de que Jean Harlow era contratada de Howard Hughes e foi emprestada para a Warner para o seu papel em O INIMIGO PÚBLICO Nº 1. Interessante que ela não tem um papel muito importante na trama (e nem acho a moça bonita), mas ela realmente rouba a cena nas poucas vezes em que aparece. Há uma intrigante cena em que ela trata Cagney como uma criança e lhe oferece o seio para conforto.
Cagney não era um exemplo de cavalheiro para as mulheres. Um dos destaques do filme é a cena em que ele esfrega um
grapefruit no rosto de sua namorada. Além do mais, seu cumprimento carinhoso, até com a própria mãe, é sempre um leve murro no rosto. Mas isso não é nada comparado ao que ele faz no filme
O MULHERENGO (1933), onde ele arrasta uma mulher pelo cabelo e em seguida dá-lhe um pontapé no traseiro, em cena mostrada no documentário.
A direção de O INIMIGO PÚBLICO Nº 1 é de William A. Wellman, que tem no currículo a obra-prima CONSCIÊNCIAS MORTAS (1943), cujo lançamento em DVD, de acordo com Sergio Andrade, do blog
Kino Crazy, está entre os planos da ClassicLine para o mês de outubro. CONSCIÊNCIAS MORTAS é um dos meus dez
westerns favoritos.
ANJOS DE CARA SUJA (Angels with Dirty Faces)
Em 1938, o cenário do cinema era bem diferente da época de INIMIGO PÚBLICO Nº 1. O cinema falado havia evoluído bastante na técnica, tanto que ANJOS DE CARA SUJA passaria fácil como um filme dos anos 50. Um outro detalhe importante é que o filme representa uma das retomadas da Warner aos filmes de gângsteres, que foram proibidos durante alguns anos, sob a alegação de que eles glorificavam o crime. Diferente de sua performance em INIMIGO PÚBLICO Nº 1, exageradamente diabólica, em ANJOS DE CARA SUJA, filme que lhe rendeu uma indicação ao Oscar, Cagney já tem um desempenho mais humano, com momentos mais suaves. Nesse filme, ele tem um amigo de infância que se torna padre (interpretado pelo amigo Pat O'Brien), ao mesmo tempo em que ele vai se tornando um dos criminosos mais perigosos da cidade. A amizade dos dois é mostrada de forma bem bonita e o caminho que eles escolhem para suas vidas acaba por torná-los quase que inimigos.
Um dos destaques do filme é o par romântico de Cagney, a bela Ann Sheridan, uma graça de mulher. Humphrey Bogart, na época, ainda não era um astro, mas apenas um contratado da Warner. Ele faz o papel do principal inimigo de Cagney. A fotografia do filme é belíssima e lembra, até pela figura do padre e da presença gótica das igrejas, A TORTURA DO SILÊNCIO, de Alfred Hitchcock. Por falar em Hitchcock, no documentário presente no DVD, um crítico de cinema chega a dizer que Michael Curtiz só perdia para Hitchcock em se tratando de quantidade de grandes filmes no currículo. Eu, como nunca fui muito fã de Curtiz, nem de CASABLANCA (1942), ainda estou para conhecer e avaliar melhor a obra do homem. Em ANJOS DE CARA SUJA, senti que algumas cenas poderiam ser menores, como a do jogo de basquete com os "Dead End" Kids, por exemplo. Em vários momentos do filme eu fiquei um pouco cansado. Mas o final é realmente empolgante e deixa uma ótima impressão na gente.
Curtas-metragens presentes no DVD de O INIMIGO PÚBLICO Nº 1:
THE EYES HAVE IT (9 min). Como o cinema falado ainda era uma novidade nessa época, o curta mostra um pequeno quadro com um boneco e um ventríloquo.
SMILE, DARN YA, SMILE! (7 min). Desenho animado musical ainda bem primitivo, mas bastante simpático, protagonizado por um ratinho parecido com o Mickey.
Curtas-metragens presentes no DVD de ANJOS DE CARA SUJA:
OUT WHERE THE STARS BEGIN (19 min). Meio chatinho. Deve ter cansado a platéia que estava esperando pela atração principal em 1938. Ou não. Sei que não tenho muita paciência para musicais com números coreografados. O começo do curta é mais interessante, funcionando como um veículo de propaganda para a Warner. Pelo menos a fotografia em
technicolor é lindona e lembra bastante OS SAPATINHOS VERMELHOS, de Powell e Pressburger.
PORKY AND DAFFY (7 min). Patolino e Gaguinho numa luta de boxe. Desenho animado em preto e branco que já se aproximava do padrão dos desenhos dos Looney Tunes.