domingo, maio 08, 2022

DOUTOR ESTRANHO NO MULTIVERSO DA LOUCURA (Doctor Strange in the Multiverse of Madness)



Há que se louvar o modo como Kevin Feige trouxe um personagem pouco conhecido do grande público como o Doutor Estranho e o transformou no herói responsável pelas ações mais importantes em filmes-evento da Marvel, como VINGADORES – GUERRA INFINITA (2018), VINGADORES – ULTIMATO (2019) e mais recentemente HOMEM-ARANHA – SEM VOLTA PARA CASA (2021). Sua história de origem, em DOUTOR ESTRANHO (2016), de Scott Derrickson, foi também acertada, inclusive para estabelecer o tom do personagem em sua versão para o cinema, auxiliada pela escalação de um grande ator como Benedict Cumberbatch. Ou seja, há uma série de acertos incríveis se pensarmos na jornada do MCU desde HOMEM DE FERRO.

Hoje podemos nos dar ao luxo de reclamar desses filmes, que até tempos atrás, só pelo fato de existirem como produções classe A, já poderiam ser vistas como milagres pelos fãs de longa data da Casa das Ideias. Agora que esses filmes de super-heróis estão quase deixando de ser subcategorias e se tornando um gênero à parte, podemos tranquilamente criticá-los. Até por ter muito dinheiro envolvido e muita expectativa por parte dos fãs. Isso gera uma demanda de energia considerável, não apenas para os espectadores, mas por geradores de conteúdo desse tipo de produto.

Uma das coisas de que mais se costuma reclamar é que a grande maioria – talvez todos? – desses filmes da Marvel seguem uma fórmula estabelecida por seu produtor. Ou seja, não há muito espaço para que os diretores façam filmes verdadeiramente autorais nesse esquema. Mas, ao que parece, Sam Raimi conseguiu “furar a bolha” dessa fórmula. Mesmo com um roteiro que precisa andar na linha e que deve ser tanto veículo de chegada quanto de saída de filmes e séries, Raimi imprime sua marca de cineasta cujas origens vêm do cinema de horror. Por mais que ele tenha já entrado na seara dos filmes de super-heróis desde DARKMAN – VINGANÇA SEM ROSTO (1990) e depois nos três primeiros filmes do Homem-Aranha (2002, 2004, 2007), ele ainda é mais lembrado pela lendária trilogia EVIL DEAD (1981, 1987, 1992).

Em DOUTOR ESTRANHO NO MULTIVERSO DA LOUCURA (2022), a trama é talvez o maior problema, já que é novamente a história de um homem com uma missão, que muito se assemelha a um videogame, RPG ou coisa parecida. Apesar disso, o roteiro de Michael Waldron, o idealizador da série LOKI (2021), tem também seus méritos, principalmente quando trata de situações de arrependimento, da parte de Stephen Strange, ou de dor da ausência, da parte de Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen). Mesmo assim, a escolha de Waldron para a função de roteirista do filme me parece mais coerente com a questão envolvendo o multiverso, já bastante trabalhada na primeira temporada da série do deus da mentira.

Ver o filme em 3D, por mais que tenha sido desconfortável – foi a primeira vez desde o início da pandemia –, tem lá o seu charme, até porque há muitos efeitos visuais explorados. Sacrifica-se as cores em prol dos efeitos. Sacrifica-se um pouco mais de conforto em prol do espetáculo. Sem falar que os óculos tornam a imagem mais escura, acentuando o clima sombrio que o filme propõe. E por sombrio, temos o que podemos chamar de mais próximo que uma produção da Marvel chegou de cinema de horror. É possível dizer que é um mix de horror com aventura, por mais que o horror seja atenuado para não assustar o público. Ainda assim, acredito que algumas pessoas que evitam o gênero podem se sentir desconfortáveis.

O filme começa com Stephen Strange acordando de um sonho – na verdade, algo que está acontecendo em uma realidade paralela – e indo ao casamento de sua ex-namorada Christine (Rachel McAdams). Ainda sentindo amor por ela, Strange lamenta tê-la perdido, lamenta que as coisas não tenham saído como ele gostaria. Logo, porém, o filme parte para a ação, quando o bairro é invadido por um monstro verde de tentáculos atacando uma adolescente, America Chavez (Xochitl Gomez), que tem o poder de abrir janelas para universos alternativos.

America é a jovem que o nosso querido mestre das artes místicas havia visto em seu sonho. A cena funciona tanto para trazer movimento para o filme quanto para servir como ponto de partida para o que virá: a menina precisa de ajuda e Strange acha que poderá encontrar ajuda em Wanda. Acontece que Wanda, perturbada com a ausência dos filhos que ela criara com seu poder de manipulação da realidade – como visto em WANDAVISION (2021) –, chegara ao ponto de se contaminar com as energias negativas do Darkhoud, um livro demoníaco, por assim dizer. E ela vê America como um meio de chegar até o universo onde ela tem a sorte de ser a mãe dos dois gêmeos.

No meio disso tudo, Raimi brinca com distorções visuais, com referências a filmes como A AMEAÇA QUE VEIO DO ESPAÇO, de Jack Arnold, e CARRIE, A ESTRANHA, de Brian De Palma, além do próprio EVIL DEAD. Afinal, o tal Darkhoud nada mais é do que uma versão da Marvel para o Necronomicon.

Finalizando, fico feliz que a fonte de inspiração dos quadrinhos ainda não tenha secado. Há coisas emprestadas da fase de Brian Michael Bendis no título dos Vingadores, como os Illuminati, ou da fase de Jason Aaron no título do Doutor Estranho. E há também coisas que são pensadas para o futuro dos filmes da Marvel, como a personagem da jovem America Chavez, que provavelmente integrará a formação dos Jovens Vingadores. O futuro da Marvel no cinema parece ainda longo.  

+ DOIS FILMES

A AMEAÇA QUE VEIO DO ESPAÇO (It Came from Outer Space)

Sci-fi essencial realizada nos anos de ouro do gênero. Fiquei encantado com a inventividade de A AMEAÇA QUE VEIO DO ESPAÇO (1953), de como Jack Arnold (O INCRÍVEL HOMEM QUE ENCOLHEU, 1957) traz um visual muito interessante para os alienígenas e das cenas que mostram o ponto de vista do invasor quando ataca as pessoas. O filme tem uma beleza plástica que já encanta nos primeiros minutos. Na trama, um astrônomo e sua namorada, uma professora de escola, veem o que parece ser um meteoro caindo no deserto do Arizona. Ele vai até lá e enxerga algo parecido com uma nave, mas ninguém da cidade acredita nele. As coisas mudam quando algumas pessoas começam a desaparecer. Gosto muito da Barbara Rush, presente na obra-prima DELÍRIO DE LOUCURA, de Nicholas Ray. Ela tem um visual e um carisma encantadores. Engraçado que até coisas que ficaram datadas, como o exagero dos gritos, hoje parecem um recurso extremamente charmoso. Preciso ver e estudar mais as produções dessa época. Presente no box Clássicos Sci-Fi.

O JOVEM LOBISOMEM (Full Moon High)

Muito curioso esse início dos anos 1980 e a febre de filmes de lobisomem que voltou com força nessa época. Mas se esses filmes, os por assim dizer mais dramáticos, já tinham uma carga cômica e autoconsciente, como é o caso dos principais do mesmo ano, GRITO DE HORROR e UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES, um filme como O JOVEM LOBISOMEM (1981), que se assume explicitamente como comédia, acaba correndo o risco de forçar o riso e não conseguir obtê-lo do espectador. Claro que há aquele charme típico de produções que hoje chamam de trash ou exploitation, mas não sei se é bem o caso deste filme de Cohen, um mestre do cinema de gênero de baixo orçamento. Na trama, jovem viaja para a Romênia e é mordido por um lobisomem na década de 1960. Após beliscar um sem número de garotas em sua cidade (para manter o clima leve, não há mortes ou mesmo sangue), ele foge de lá e só retorna, ainda jovem, 20 anos depois, para reencontrar tanto uma nova geração quanto pessoas que o conheceram antes. Um barato os efeitos cuidadosamente toscos. Gosto especialmente do visual do lobisomem que o ataca na Romênia. Filme presente no box Lobisomens no Cinema 3.

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