sábado, junho 26, 2021

CRUELLA



Eu estou sentindo falta de escrever sobre filmes novos aqui no blog. É que os “antigos” estão me sendo mais atraentes, tanto para ver quanto para escrever. No entanto, creio que seja interessante escrever um pouco sobre este que pode ser visto como um acontecimento na história da Disney, o live action CRUELLA (2021), de Craig Gillespie. O diretor, de carreira um tanto irregular, veio do cinema independente, com A GAROTA IDEAL (2007) e fez sucesso popular com EU, TONYA (2017), que tem algo em comum com o novo filme: um espírito competitivo um tanto tóxico.

O filme começa como uma sessão da tarde Disney comum, ao nos apresentar a infância da protagonista, uma garota que fica órfã depois da morte da mãe e que sai desesperada pelo mundo, tornando-se amiga de dois trombadinhas, com quem cresce junto e se torna profissional no ramo. Mas sem nunca perder o interesse pela moda e pela alta costura, sendo esse o seu sonho de vida. Os amigos dão força a ela e a colocam no espaço que será o início de um novo momento.

O que torna CRUELLA diferente de todos os demais filmes da Disney derivados das animações é que finalmente a companhia avança duas casas. Deixa os anos 1950 e chega aos mais rebeldes anos 70, com uma trama que se passa nesse período, com direito a muitas canções famosas na trilha sonora. Há The Doors (adoro quando toca "Five to One"!), Queen, Blondie, The Clash, Ike and Tina Turner e a canção que gera a melhor cena com música: "I wanna be your dog", dos Stooges, numa versão de John McCrea, ator do filme que faz uma homenagem a David Bowie em seu visual. Inclusive, quem puder ver o filme em uma sala de cinema com um sistema de som muito bom, vai ser muito beneficiado pela alegria que é ouvir boa música na telona.

E como se trata de um filme sobre o universo da moda, é natural que os figurinos e a direção de arte sejam também um ponto forte, além de outro motivo para ver na telona. Também se percebe uma forte influência de CORINGA, de Todd Phillips, na origem da anti-heroína. Bem mais, por exemplo, do que de MALÉVOLA, para citar outro filme de origem da Disney. A presença de Emma Thompson como a Baronesa, a antagonista de Estella/Cruella, é também outro acerto. Afinal, temos agora duas ótimas atrizes fazendo personagens que trocam farpas (e outros atos bem violentos) com muita elegância.

O filme cresce muito já a partir do momento em que Emma Stone aparece. Ela é uma atriz que vai muito além da beleza e dos grandes e expressivos olhos. É uma estrela que costuma elevar os filmes. Até já tinha me esquecido do Oscar que ela ganhou por LA LA LAND - CANTANDO ESTAÇÕES, mas isso é mais culpa da premiação do que de sua força como atriz que ainda tem um longo e belo caminho pela frente. No caso de CRUELLA, como se trata de um tipo de obra mais de entretenimento, o estilo de interpretação é um pouco mais over, inclusive por ela ser uma mulher em processo de vilania, mas isso é mais um ganho para a obra, que brinca com a risada da personagem. Mesmo assim, Emma Stone nunca deixa escapar a humanidade da personagem. 

Quanto ao namoro com a contracultura, mencionado lá nos primeiros parágrafos, é possível que CRUELLA seja apenas uma exceção na história da companhia do Mickey, mas o sucesso do filme pode muito bem ser um indicativo de que as coisas podem sim mudar. E olha que estamos em um momento em que o rock está em declínio de popularidade. Se o filme fosse lançado 20 anos atrás é bem possível que o sucesso fosse ainda maior. Por outro lado, foi necessário todo esse tempo para que uma obra como essa visse a luz do dia, com essa tendência mais recente de tentar entender ou se solidarizar com personagens vilanescos. Na versão live action de 101 DÁLMATAS, de 1996, por exemplo, com Glenn Close como a Cruella, o tom foi muito mais genérico.

+ DOIS FILMES

BLACK BEAR

Eis um filme que me deixou desnorteado. E nem é por adotar, a partir do segundo "capítulo", um novo caminho, mas pela impressão de serem dois filmes em um, sendo que o primeiro é um drama tenso e muito bem resolvido, inclusive como introdução ao que poderia ser um filme de horror, enquanto o segundo, por ser uma variação do primeiro e se passar num set de filmagens, traz um tipo de autoconsciência que muda nossa maneira de ver BLACK BEAR (2020), de Lawrence Michael Levine. Para o bem e para o mal, já que passamos também a prestar atenção nas interpretações (principalmente de Aubrey Plaza, mas Christopher Abbott também está muito bem), bem como nas tomadas, nas escolhas de filmar - com carrinho ou câmera na mão etc. No mais, gosto do mistério que fica no ar em determinados momentos, assim como do mistério do próprio significado e das motivações do filme em si.

CENSOR

Estreia em longa-metragem de uma nova diretora em um filme de terror bem interessante, que tanto faz uma crítica ácida à censura (muito comum e bem repressora na Inglaterra dos anos 1980), quanto uma homenagem aos nasty movies, os filmes de terror meio malditos que faziam sucesso principalmente nas locadoras. Na trama de CENSOR (2021), de Prano Bailey-Bond, uma censora que acredita que está fazendo um grande bem para o país com seu emprego sofre com o desaparecimento da irmã há muitos anos. O ponto de mutação em sua vida acontece no dia que assiste a um dos filmes que chegam para ela verificar. Gosto mais do início, mais intrigante, do que do desenvolvimento e do final, mas mesmo aí é interessante a brincadeira com o formato de tela e depois com a sanidade da protagonista a partir de efeitos da era analógica. Certamente, é uma diretora a se prestar atenção.

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