domingo, julho 19, 2020

DRAGGED ACROSS CONCRETE

Enquanto novos filmes dirigidos por Mel Gibson não surgem (estão previstos uma continuação de seu épico sobre Jesus e um remake de um western clássico de Sam Peckinpah), é interessante ver as escolhas que o ator/autor tem feito ultimamente. Não conhecia o trabalho do cineasta S. Craig Zahler, mas, ao que parece, o culto que ele recebe de vários cinéfilos tem razão de ser, a julgar pelo seu ótimo trabalho em DRAGGED ACROSS CONCRETE (2018), um filme que eu já vi há algumas semanas e que gostaria de tê-lo novamente fresco na memória neste momento para poder escrever um texto mais condizente com o que eu senti.

Uma coisa que pode afastar possíveis espectadores é a duração de quase três horas. No entanto, uma vez que o filme nos pega pra valer, que é mais ou menos no momento em que o personagem de Mel Gibson convida o colega e amigo mais próximo vivido por Vince Vaughn a fazer um trabalho perigoso, percebemos que a duração é necessária. E que acaba passando muito rápido.

Inclusive, é bom dizer que a obra não chegou aos cinemas americanos e de outros países em um número bem maior de salas por causa de sua duração. A Lionsgate pediu que o diretor fizesse um corte mais "amigável" de apenas 130 minutos de duração e Zahler não aceitou. O seu corte de 2h38min seria o definitivo e pronto. Segundo cláusula do contrato, ele teria direto ao corte final. O resultado é que o filme acabou sendo exibido em poucos cinemas e acabou por ser mais conhecida pela telinha mesmo, através de plataformas de VOD. É uma pena, pois é um trabalho que se beneficiaria muito bem da telona, com seu riquíssimo uso dos silêncios, seu timing bem cuidado e de um senso de humor próprio que serve tanto para atenuar quanto para intensificar o tom de tragédia.

O clima de amargura parece que persegue Mel Gibson. E vice-versa. Aliás, talvez tenha sido isso o motivo de ele ter aceitado o papel tão imediatamente, quando o amigo Vaughn o convidou para o projeto, durante as filmagens de ATÉ O ÚLTIMO HOMEM (2016), o mais recente filme dirigido por Gibson até o momento. Há um interesse por parte do ator em interpretar personagens muito carregados de arrependimento, tristeza ou algo do tipo.

No caso de DRAGGED ACROSS CONCRETE, Gibson é um policial prestes a se aposentar, mas que não conseguiu galgar posições melhores na carreira e agora vive em uma situação difícil, com a esposa sofrendo de esclerose múltipla, uma filha adolescente que vive sofrendo bullying dos vizinhos e morando em um bairro empobrecido. Já o parceiro vivido por Vaughn ainda é jovem o bastante para conseguir subir na carreira, mas também não está tão confortável assim.

Na trama, os dois policiais são suspensos sem pagamento por uma semana depois de atos de brutalidade no ofício. Atos filmados e tornados notícias em jornal. Devido a problemas financeiros, Brett, o personagem de Gibson, decide ingressar no crime, e convida o amigo para o serviço. A expectativa de que tudo dê errado é iminente e isso só torna cada momento da ação entre os amigos, no mínimo, bastante incômoda.

O filme não começa com seus protagonistas. No início, nos apresenta a um jovem negro que acaba de sair da prisão, mas que logo volta para o mundo do crime, desejoso de ajudar sua mãe e seu irmão cadeirante. Há uma visão bem pessimista/realista de uma sociedade imperfeita. Zahler também lida com questões fortes em que seus personagens se veem na posição de racistas e preconceituosos. Não que o filme seja racista: o cineasta apenas nos apresenta a diálogos que estamos acostumados a ouvir no cotidiano.

Há sequências bem tensas, como a do assalto ao banco, mas este seria apenas o início de um trabalho de tensão e suspense que se estenderia até o final, com todo o cuidado no equilíbrio do ritmo cadenciado da direção. No meio da ação, destaque para a personagem de Jennifer Carpenter, que ganha uma subtrama como uma mulher que está voltando ao trabalho pela primeira vez depois de uma licença maternidade, que está com medo de voltar ao trabalho, e que depois veremos que seu medo tem um caráter premonitório.

Essas costuras de personagens coadjuvantes dentro da trama dos dois policiais é feita com muito carinho e atenção pelo realizador e também roteirista. De fato o filme perderia muito se sofresse um corte de meia hora. E a conclusão, com seu clímax estendido, então, é tão bonita quanto amarga. Por isso é o caso de prestar muita atenção na obra de Zahler. Por enquanto ele só tem três filmes como diretor. Os anteriores são RASTRO DE MALDADE (2015) e CONFRONTO NO PAVILHÃO 99 (2017). Preciso vê-los.

+ TRÊS FILMES

VIDA DE ADULTO (Adult World)

Este acabei pegando no MKO meio que por simpatia, por ter a Emma Roberts, que é uma gracinha também. Mas saiu muito melhor do que a encomenda. Filmes sobre iniciação de jovens na vida adulta muito me interessam. E este fez com que eu me sentisse um pouco nos sapatos dela, o que é um mérito e tanto. Direção: Scott Coffey. Ano: 2013.

O MESTRE DOS GÊNIOS (Genius)

Bom pra conhecer um pouco sobre Thomas Wolfe e sua intensidade, além do editor interpretado por Colin Firth. Mas a intensidade cansa e o filme quer emocionar e não consegue. Uma pena. Direção: Michael Grandange. Ano: 2016.

IRMÃ (Little Sister)

Um filme que por pouco não consegue ser grande. Mas talvez não queira mesmo. Tem aquela cara típica das comédias dramáticas indies americanas, com seus tipos estranhos, mas que está acima da média das demais. Adorei a jovem atriz-revelação, que faz a freira, Addison Timlin. Direção: Zach Clark. Ano: 2016.

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