sábado, maio 09, 2020

GANGUES DO GUETO ('R Xmas)

Um dos grandes méritos de Abel Ferrara é conseguir se reinventar sem deixar de ser coerente consigo mesmo e ainda trazer algo que foge dos padrões estabelecidos e do que se espera de determinado filme. O título brasileiro, GANGUES DO GUETO (2001), tem um caráter mais comercial, mas o original, que seria uma abreviação com slang de "Our Christmas" não tem nada de comercial. Aqui no Brasil fizeram o mesmo com The Funeral, vendendo como OS CHEFÕES (1996). Mas tudo bem, o importante é que o filme chegue, mesmo com os títulos nacionais um tanto ruins.

O que Ferrara faz de tão transgressor ao filme de gênero aqui, no caso o filme de gângster, é retirar a ação, algo que ele já havia feito em seu trabalho anterior, o maravilhoso ENIGMA DO PODER (1998). Aqui temos a história de uma família de traficantes de drogas que é apresentada como se fosse uma família de comerciantes de negócios lícitos. Ou seja, não há, durante a maior parte do filme, nenhuma cena de tiroteio ou assassinato perpetrado pela família, que aqui no caso é advinda da República Dominicana - interessante, aliás, essa ligação de Ferrara com este país, que foi bastante citado em outro filme seu, SEDUÇÃO (1989).

A família mostrada não se chama pelos seus nomes ao longo da narrativa. No final dos créditos eles são descritos como husband, wife e daughter. Mas há também um intrigante letreiro que abre o filme e conta que se trata da história real de um homem que se tornaria futuramente um prefeito de Nova York. Mas essa informação aos poucos se esvai da nossa memória. O que passa a interessar é a rotina da família, principalmente da esposa, vivida por Drea de Matteo, e do marido, vivido por Lillo Brancato. O ator eu não conheço, mas a atriz ficou famosa pelo papel de Adriana na série FAMÍLIA SOPRANO, que inclusive tem muito a ver com este filme de Ferrara, no sentido de nos levar para o seio de uma família amorosa, ainda que adepta da violência.

Porém, esta amabilidade é ainda mais presente em GANGUES DO GUETO, já que o personagem masculino não tem muito pulso para tirar de cena um de seus empregados do tráfico. A esposa, por sua vez, é que faz um papel mais ativo. E que interpretação fantástica a de Drea neste filme, hein. Especialmente quando ela, para salvar o marido da mão de policiais corruptos que o sequestraram, precisa procurar dinheiro por todos os lugares. O personagem de Ice-T como esse policial meio-irmão do protagonista de VÍCIO FRENÉTICO (1992) carrega uma perturbação no olhar e um senso de moralidade impressionantes, já que seu interesse é muito menos o dinheiro e mais fazer com que aquela mulher e seu marido abadonem para sempre o negócio das drogas.

O jogo de esconder a ação, herdeiro dos dois filmes anteriores do cineasta, e também de brincar com a memória de seus personagens, são novamente aspectos presentes. Afinal, o marido não consegue parar de lembrar dos momentos tensos em que foi capturado e sofreu violência. E há também uma relação que se estabelece entre o negócio dos traficantes e o olhar materialista presente na época do Natal. Nada mais representativo disso do que a briga de duas mulheres por uma boneca em uma loja, seguida de uma tentativa do personagem de tentar dar muito dinheiro à vendedora para presentear a sua filha com essa boneca tão querida pelas crianças.

Ao final, os pais, por mais que tenham a boa intenção de se preocupar com os estudos da filha, ainda tendem a não deixar o caminho do mal, como podemos ver na sequência em que o protagonista masculino prefere não ver o que seus empregados fizeram com o acaguete de seus negócios.

+ TRÊS FILMES

FRANKIE

Só tenho acompanhado a carreira de Ira Sachs desde DEIXE A LUZ ACESA (2012), e tive a impressão de que este novo filme é diferente, não apenas por não abordar de maneira mais direta a homossexualidade, como os três anteriores, mas por ter uma relação mais próxima com o cinema europeu. É sempre um prazer ver a Isabelle Huppert em ação, e ter um elenco tão diverso e tão bom conta pontos demais a seu favor. Adoro uma cena específica de Huppert com Marisa Tomei (emotiva e contida, ao mesmo tempo); gosto demais de todas as vezes em que Brendan Gleeson está em cena. Talvez o ponto fraco esteja em alguns personagens, como o casal que está se separando e a filha deles que vai à praia. Embora trate também de perda, não tem a mesma força da trama principal, por assim dizer. Ainda assim, adoro os silêncios e também os dois momentos ao som de piano. Se todo filme mediano fosse assim, eu ficaria mais feliz. Ano: 2019.

DOMINGO

É o longa menos inspirado de Fellipe Barbosa, provavelmente. Aqui ele assina com Clara Linhart, que tem no currículo a direção de alguns documentários. O forte de DOMINGO é o bom fluxo narrativo, sabendo dar conta dos vários personagens presentes na casa. E por fazer isso de uma maneira divertida, tratando mais uma vez da diferença de classes, ainda mais se passando no dia da posse de Lula à presidência, no início de 2003. Camila Morgado está divertidíssima. Ela já havia demonstrado um excelente timing para a comédia. Há alguns atores jovens em situações interessantes também. Ano: 2018.

CREED II

Muito bom voltar aos personagens de ROCKY, UM LUTADOR (1976) , ver que ainda sobraram alguns. No caso, principalmente de ROCKY IV (1985), o que guarda mais relações com este novo filme. Há arcos dramáticos bem intensos e o filme ganha muito ao tratar mais da história de Creed e de sua namorada. Mas Rocky é tão forte que sua presença e sua melancolia são contagiantes. O filme só perde no quesito originalidade (há sempre a sombra do original), mas as lutas são bem boas. Direção: Steven Caple Jr. Ano: 2018.

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