O filme de vampiros de Ferrara, O VÍCIO (1995), é de uma lindeza fenomenal. E é impressionante como costuma ser colocado de lado, mesmo quando se fala de filmes de terror. A escolha pela fotografia em preto e branco foi perfeita para dar a tom de homenagem a Murnau, presente em outras obras do diretor, mas que aqui se constitui parte ainda mais clara (ou mais escura) da forma.
Em certo momento, me lembrei de MARTIN, de George A. Romero, mas só por um momento. Acredito que por causa da cena da seringa. O filme vai seguindo seu próprio caminho, trazendo muitas discussões filosóficas para a narrativa. Mas nada disso valeria se não fosse uma delícia como exemplar do gênero horror do início ao fim. Adianto que é, desde já, um dos meus favoritos do cineasta.
Os temas e obsessões de Ferrara se repetem e se complementam nesta metáfora sobre o vício nas drogas, que se apresenta como uma continuação de outras obras que também lidavam com o tema, VÍCIO FRENÉTICO (1992) e OLHOS DE SERPENTE (1993). Há também intersecção com outros filmes do diretor, como a semelhança da orgia dos vampiros com o clímax de SEDUÇÃO E VINGANÇA (1981).
Lili Taylor, como a doutoranda em Filosofia que se transforma em vampira, é talvez a melhor personagem do cinema de Ferrara. Nem é pela materialização definitiva de uma vampira em um cinema que já apresenta personagens vampirescos, mas por ela parecer una com a personagem em seus momentos de agonia, êxtase, angústia ou total indiferença com a vida alheia, sugada que estava pelas forças das trevas.
Em determinado momento, ela encontra um vampiro com muita experiência de vida (Christopher Walken) que lhe traz mais perguntas que respostas. E ela precisa ouvir enquanto sente dor as frases: "você não é nada. Você não é uma pessoa. Você não é nada." E isto nem chega a ser um ponto de virada para a conversão da protagonista. Para chegar a esse momento seria necessário vivenciar a famosa frase de William Blake:"o caminho dos excessos leva ao palácio da sabedoria". Só depois da orgia de sangue que ela se antecipa a algum tipo de iluminação espiritual.
Nesse sentido, O VÍCIO é um dos filmes com um dos finais mais felizes da obra de Ferrara. E é interessante saber que Nicholas St. John, o roteirista parceiro do diretor, escreveu o roteiro quando perdeu seu filho. Foi um meio de encontrar a verdade e a luz em um mundo de escuridão. Por mais que seja mais um filme que prestigia e celebra a noite e as sombras, ele também oferece variados pontos de lucidez e questionamento a partir de discussões e reflexões sobre a maldade humana.
+ TRÊS FILMES
HALLOWEEN
Uma surpresa bem positiva esta continuação direta do clássico de 1978. Depois de recepções não muito positivas dos filmes do Rob Zombie, David Gordon Green consegue um tom ideal para o retorno do psicopata incansável Michael Myers. A ideia de ignorar todas as continuações e reboots acaba sendo um acerto para evitar a bagunça e a homenagem a Carpenter ser mais eficiente. Quase chega a ser ótimo. Ano: 2018.
A FREIRA (The Nun)
Corin Hardy até que tinha um filme de horror bem interessante no currículo, o subestimado A MALDIÇÃO DA FLORESTA (2015). Pena que ele ficou preso neste preguiçoso e sem-graça A FREIRA, mais um caso a se pensar sobre o futuro do horror clássico, que parece estar em decadência. Nem sei se o próprio James Wan seria capaz de fazer outro de seus milagres no gênero. Viva o pós-horror, então. Ano: 2018.
MEDO PROFUNDO (47 Meters Down)
Infelizmente as circunstâncias não favorecem qualquer julgamento do filme. Saí três vezes no meio da sessão para reclamar de múltiplos problemas (projeção tremida, som baixo, ar condicionado). Assim não dá, dona Cinépolis. Vou ter que fazer uma reclamação formal e ver se eles criam vergonha. Quanto ao filme, creio que seja apenas ok. Ou menos que isso, na verdade. Direção: Johannes Roberts. Ano: 2017. ATENÇÃO: depois de relatar à gerência esses problemas, ocorridos em 2018, a sala 10 onde eu vi este filme ficou ótima.
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