quinta-feira, agosto 08, 2019

DOR E GLÓRIA (Dolor y Gloria)

Um dos momentos mais bonitos de DOR E GLÓRIA (2019) acontece quando o cineasta Salvador Mallo (Antonio Banderas), em clara emoção, percebe o quanto tocou positivamente a vida de alguém ao resgatar uma pintura escrita por um jovem rapaz a quem ele alfabetizou já quando criança. Pode ser também uma cena representativa do quanto somos gratos ao próprio Pedro Almodóvar pelo tanto que ele nos proporcionou ao longo de três décadas de cinema. Um cinema transgressor e transbordante de emoções.

Curiosamente, o novo trabalho do mais popular dos cineastas espanhóis é um dos mais contidos no que se refere à sua tradicional veia intensa na dramaticidade, que se traduz tanto no uso das cores fortes quanto, principalmente, nas interpretações e nos sentimentos. Daí ele se encontrar na categoria de cineasta que ganhou um adjetivo: almodovariano.

Desde A FLOR DO MEU SEGREDO (1995), sua filmografia tem passado por mudanças que já sinalizavam um estilo mais maduro, com uma tendência a fazer menos comédias e mais dramas um pouco mais sóbrios. A única exceção dessa fase recente foi OS AMANTES PASSAGEIROS (2013), curiosamente não muito bem recebido por vários fãs e por boa parte da crítica.

Se esses filmes de 1995 pra cá representam uma fase madura, DOR E GLÓRIA transparece ainda mais, inclusive por ser costumeiramente chamado de bio-ficção, por misturar supostamente eventos da vida pessoal do cineasta com histórias e personagens fictícios. A questão dos problemas de saúde de Salvador é um dos primeiros pontos que o filme trata, e o modo como isso é mostrado é muito inteligente e divertido, mas também algo com que possamos tanto nos identificar quanto nos solidarizar com o personagem.

Paralelamente, as memórias de infância de Salvador nos são apresentadas, com um especial carinho pela figura da mãe do cineasta, na fase mais jovem interpretada por Penélope Cruz, e na fase idosa por Julieta Serrano. Essas memórias irão entrecortar toda a narrativa fílmica, enquanto vemos o avanço daquele momento de quase aposentadoria de Salvador, quando ele se vê cansado e doente o suficiente para não se sentir capaz de voltar a um set de filmagens.

O filme, então, passa a tratar de reencontros. O reencontro com um ator com quem ele não trabalhava há mais de vinte anos (Asier Etxeandia) e, de maneira mais emocionante, o reencontro com uma paixão da juventude (Leonardo Sbaraglia). O primeiro representou a busca do protagonista por uma nova experiência, a heroína; o segundo trouxe lembranças boas e a certeza de que os momentos em que estiveram juntos foram positivamente essenciais para a vida e a obra do artista.

Mas nada mais emocionante que a questão da mãe, ao final do filme. Os diálogos de Salvador com a mãe, próxima da morte e já dizendo como gostaria de ser enterrada, além de falar sobre questões sobre aceitação, no que concerne principalmente à orientação sexual do diretor, e à dificuldade do relacionamento entre os dois na fase adulta, tudo isso chega em um crescendo sutilmente intenso. Almodóvar trata isso com tanta delicadeza que as lágrimas descem de maneira também sutil.

Quanto a Antonio Banderas, ele vive o personagem de sua vida em DOR E GLÓRIA. E tendo em Almodóvar o principal responsável por apresentá-lo ao mundo, com filmes como MATADOR (1986), A LEI DO DESEJO (1987) e ATA-ME (1989), nada melhor do que tê-lo novamente, e que até então se mostrava um tanto limitado, dessa vez em um papel lindo e comovente como o de Salvador Mallo. Seu prêmio de melhor ator em Cannes foi mais do que merecido.

+ TRÊS FILMES

GRAÇAS A DEUS (Grâce à Dieu)

François Ozon tem domínio narrativo, mas, embora este filme pareça uma espécie de cruzamento entre SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS e 120 BATIMENTOS POR MINUTO, não tem o mesmo dinamismo do primeiro nem a mesma paixão do segundo. Também pode remeter ao MÁ EDUCAÇÃO, do Almodóvar, pela temática. Em outros tempos, poderia causar polêmica, mas hoje em dia os escândalos envolvendo padres pedófilos já se tornaram, infelizmente, comuns. O lado positivo é que as pessoas estão contando mais e se livrando um pouco mais de seus demônios pessoais. Bom o fato de o filme ter vários núcleos, sendo três os personagens mais importantes. Ano: 2018.

JORNADA DA VIDA (Yao)

Um filme que conecta os sentimentos que tivemos de algo de nossa vida a partir de cenas simples e ternas. A história do menino Yao que resolve ir de sua vila no meio do deserto do Senegal até Qatar para conhecer o ator famoso vivido por Omar Sy. Destaque para a química entre os dois, para os sorrisos que passam uma alegria de viver contagiante. Sy já é desses atores que esbanjam carisma. Um papel como esse lhe cai como uma luva. Mas o menino também é ótimo. Direção: Philippe Godeau. Ano: 2018.

QUERIDO MENINO (Beautiful Boy)

Gosto de muitas coisas do filme, mas ele não funciona direito como um todo. Acaba dependendo demais de seus atores e atrizes (adorei ver Maura Tierney na telona - baita atriz!). Queria ter me emocionado tanto quanto me emocionei com ALABAMA MONROE, o filme do diretor na Bélgica. Steve Carell cada vez mais à vontade em papéis sérios. Nesse eu não lembrei em nenhuma vez do Michael de THE OFFICE. Direção: Felix van Groeningen. Ano: 2018.

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