domingo, janeiro 31, 2010
DEIXA ELA ENTRAR (Låt den Rätte Komma In)
Até que enfim eu vi um filme no cinema em 2010 que me agradou de verdade. Neste final de semana finalmente entrou em cartaz em Fortaleza DEIXA ELA ENTRAR (2008), o elogiado filme de vampiro de Tomas Alfredson. Até achei que o veria numa cópia digital – todo filme agora que entra em cartaz no Espaço Unibanco Dragão do Mar tem esse risco –, mas graças aos céus o filme veio em gloriosa película. A propósito, fiquei cismado um pouco com a janela do filme, que não preenchia totalmente a tela. Achei que fosse uma dessas janelas raras, em 2:1, mas de acordo com o IMDB é 2,35:1 mesmo. De todo modo, não é algo que vá atrapalhar a impressão do filme. Eu é que acabei me tornando meio cri-cri nesse tipo de coisa.
Filmes românticos de vampiros têm aos montes por aí. E depois de CREPÚSCULO e da série TRUE BLOOD, então, o subgênero parece até que virou uma epidemia. Mas isso não quer dizer que melhores e mais intrigantes filmes do gênero não surjam. E quer exemplo melhor do que este DEIXA ELA ENTRAR? O filme tem algo que faz lembrar um pouco DESEJO E OBSESSÃO, de Claire Denis, principalmente no início, com o senhor que seria o pai da jovem vampirinha "coletando" sangue para ela. Mas esse detalhe se tornaria logo secundário, quando o filme passa a focar no relacionamento da adolescente que diz duas vezes que não é uma garota com o menino que sofre violência física e psicológica dos colegas da escola.
Desse modo, as dificuldades da adolescência acabam sendo um assunto tão ou mais importante quanto a sede de sangue da vampira Eli. Ela acabou de se mudar para o prédio de Oskar, o garoto de 12 anos que começa o filme como uma espécie de miniatura de Travis Bicker, o protagonista perturbado de TAXI DRIVER. Isso porque ele fica ensaiando um dia agir de maneira violenta com alguém. Mais adiante veremos que essa tendência violenta tem suas causas e que bastará um empurrãozinho para que ele possa agir violentamente contra seus inimigos na escola.
Quanto a Eli, difícil não ficar encantando com o seu jeito, ainda que a jovem atriz que a interprete não seja exatamente uma beldade. E os efeitos visuais e de maquiagem que a transformam numa fera assustadora também contribuem para que o seu papel seja digno de ser incluído numa antologia dos melhores monstros do cinema.
O filme tem uma beleza plástica de dar gosto, com um predomínio do branco, que, com certa frequência, é maculado pelo vermelho do sangue das vítimas sobre a neve. DEIXA ELA ENTRAR também não economiza no gore. Destaque para a cena do hospital, quando Eli sobe para ver o "pai", de rosto desfigurado. Se fosse uma produção americana, com certeza teria ganhado os cinemas de shopping e não entrado num circuito alternativo que pode não recebê-lo tão bem. Uma pena que muitos jovens apreciadores de terror deixarão de ver o filme por puro desconhecimento de sua existência.
sábado, janeiro 30, 2010
INVICTUS
Já fazia uns vinte anos que Clint Eastwood não me decepcionava. Até filmes que não são exatamente unanimidades, como COWBOYS DO ESPAÇO (2000) e DÍVIDA DE SANGUE (2003), me agradaram bastante. O último filme que eu não considero digno de seu status de grande diretor é ROOKIE - UM PROFISSIONAL DO PERIGO (1990). E eis que me pego incomodado com INVICTUS (2009), um filme cheio de problemas. Torna-se difícil até fazer uma defesa, com tantos diálogos constrangedores.
De positivo tem o fato de o filme apresentar um retrato da História que seria desconhecido para muitos se não fosse o poder que o cinema tem de atingir um grande público. Assim, podemos ter uma ideia de como vivia a sociedade sul-africana logo após a vitória de Nelson Mandela à presidência de seu país após 27 anos preso pelo regime do apartheid, a política de segregação racial e terrorismo que vigorava na África do Sul desde a década de 1940.
A parte política do filme me interessa, ainda que o tratamento dado por Eastwood passe longe da excelência de suas reflexões sobre a sociedade americana, em filmes como SOBRE MENINOS E LOBOS (2003) e A CONQUISTA DA HONRA (2006). Pena que o filme logo diga a que veio: um filme de esporte, subgênero um tanto difícil de agradar, mas basta lembrar de SOMOS MARSHALL, de McG, sobre futebol americano, para perceber que isso é possível. INVICTUS mostra o forte apoio de Mandela ao rugby, que culminou na vitória do tradicional time do país na Copa do Mundo de 1995.
Muito bonito ver Mandela, logo que assumiu a presidência, fazendo o possível para que houvesse harmonia entre brancos e negros. E sua política, ao que parece, funcionou. E mostrou para o mundo que a vingança nem sempre é o melhor caminho. Seria totalmente compreensível que uma pessoa que passou tantos anos na cadeia tivesse nutrido rancores contra os brancos. Mas o que vemos é um Mandela amável. Tão amável que fica difícil comprar o seu papel, pois em momento algum vemos um aspecto negativo do personagem. Morgan Freeman, grande ator que é, não consegue imprimir um personagem crível. A explicação para isso, para esse Mandela quase messiânico, talvez seja o aspecto cristão, que se mostra cada vez mais presente na obra de Eastwood.
Quanto a Matt Damon, ele é o capitão do time de rugby que recebe um apoio especial de Mandela e ganha motivação para tirar o seu time do buraco e incentivar os seus companheiros a lutarem bravamente até conseguirem o seu objetivo: ganhar. Damon se sujeita bem menos a situações constrangedoras no filme do que Freeman, até por ter um papel menor.
Outro detalhe que chama atenção daqueles que não estão acostumados com o selvagem esporte é explicitado pelo uso da câmera lenta e sons de respiração ofegante nos momentos em que os jogadores ficam amontoados uns nos outros a fim de pegar a bola. Nesses momentos, fiquei na dúvida se Eastwood ama mesmo o esporte, já que pode passar uma impressão oposta. Além do mais, a alegria gerada pela vitória me lembra a alegria de fim de Copa do Mundo quando o Brasil ganha: uma alegria vazia e bem passageira.
quinta-feira, janeiro 28, 2010
A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO (Le Voyage du Ballon Rouge)
Gosto de ver o comportamento de cineastas orientais fazendo filmes no Ocidente. Gostei do olhar de Wong Kar-wai sobre a América em UM BEIJO ROUBADO; de Hideo Nakata reconstruindo o próprio trabalho em O CHAMADO 2; de boa parte dos trabalhos hollywoodianos de John Woo e Ang Lee. Hou Hsiao-Hsien não trabalhou em Hollywood, mas teve a oportunidade de dirigir uma produção francesa estrelada por Juliette Binoche no belíssimo A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO (2007). Não foi a primeira vez que o diretor chinês mostrou um olhar estrangeiro de uma cultura diferente da sua - CAFÉ LUMIÈRE (2003) já era uma visita ao Japão e uma homenagem a Yasujiro Ozu. O novo filme é outra homenagem. Desta vez ao poético curta-metragem de Albert Lamourisse, O BALÃO VERMELHO, lançado em 1956 e recentemente relançado nos cinemas em cópias novas. O filme de Lamourisse mostrava um balão seguindo fielmente um garotinho, quase sempre no mesmo plano.
A leitura de Hou Hsiao-hsien, porém, não é tão centrada nessa situação. Há o balão vermelho, há a criança e há também a referência falada ao próprio filme, mas o filme foca em outras coisas, vistas através da personagem que seria o alter-ego de Hsiao-hsien, a jovem Song (Fang Song). Ela é uma chinesa estudante de cinema que trabalha de babá para o filho de Suzanne, a personagem de Binoche. Ela traz uma paz, uma serenidade que constrasta com o mundo estressante e tumultuado de Suzanne. E é sob a ótica de Song que vemos o filme. Hsiao-hsien tenta nos ensinar a ver, valorizado coisas que normalmente passariam batidas num filme convencional.
Sinto que já a partir da apreciação do segundo filme de Hsiao-hsien, já começo a me tornar um fã do cineasta. Há uma leveza tão agradável no modo como ele conduz seu filme que a impressão que temos é que estamos em outro estado da mente. Num estado superior, próximo da meditação. Mas há também uma certa inquietação, uma espécie de suspense, ainda que um suspense diferente. Ao posiconar sua câmera em determinado ângulo, tudo o que temos a fazer é olhar com sensibilidade e atenção para o que vemos na tela. Daí vem a expectativa. Em geral, temos uma posição privilegiada, como na sequência do afinador de pianos cego. Ou quando a câmera mostra parte da cozinha e da sala e a luz do sol iluminando a casa pela janela. São enquadramentos próximos da perfeição, onde aquilo que está fora de quadro também tem a sua importância.
E o interessante é que é perfeitamente possível amar o filme sem necessariamente amar os personagens, como acontece com ainda mais força em CAFÉ LUMIÈRE. Sabemos muito pouco do garotinho, de sua mãe e da estudante chinesa. Não precisamos nos identificar ou simpatizar com eles. Ainda assim há algo de cativante na personagem de Binoche, na sua maneira sempre agitada de lidar com o corre-corre cotidiano. E é muito bonito quando ela, depois de uma explosão de cólera com alguém, tenta se acalmar. E aí bate uma ponta de tristeza. Os planos de reflexos de janelas de vidro e de trens parecem uma obsessão de Hsiao-hsien, já que também aparecem enfaticamente em CAFÉ LUMIÈRE. É apenas o segundo filme do diretor que eu vejo e já sinto uma agradável familiaridade. Quero mais.
terça-feira, janeiro 26, 2010
CHÉRI
Curioso este atual momento da cinematografia mundial, com as questões afetivas sendo tratadas com amargura e desencanto. Mesmo em um filme de época como CHÉRI (2009), de Stephen Frears, isso pode ser sentido. O filme é o retorno da parceria de Frears com o roteirista Christopher Hampton. Juntos eles realizaram o ótimo LIGAÇÕES PERIGOSAS (1988), outro filme de época, mas de outra época. Mas ambos se passam na França. Outro elemento comum aos dois filmes, além da presença de Michelle Pfeiffer, é um sutil traço homo nos personagens masculinos. Mas se John Malkovich equilibrava bem o masculino e o feminino no predador Valmont, do romance de Choderlos de Laclos, o mesmo não se pode dizer do jovem Rupert Friend, que traz um olhar tão afetado que chega a incomodar um pouco. Isso, diante de uma possível identificação do personagem com o público masculino. Se bem que mesmo que ele fosse um pouco mais másculo, acredito que uma identificação com o personagem seria um pouco mais difícil, já que o ponto de vista mais forte do filme é o de Lea de Lonval, a personagem de Michelle Pfeiffer.
Ao contrário do que muitos podem pensar, Chéri do título não é Michelle Pfeiffer e sim Rupert Friend. Ele é o jovem filho de uma cortesã aposentada (Kathy Bates) que anda meio deprimido. Para resolver o seu problema, a mãe tem o plano de convidar a sua amiga Lea, cortesã prestes a se aposentar também, a passar uns tempos com o rapaz. Ele se sente atraído pela experiente e atraente mulher e topa passar uns dias com ela. E os dias se tornam anos e os dois não conseguem se separar um do outro. Até o dia em que a mãe de Chéri arranja-lhe um casamento.
Michelle Pfeiffer é a melhor coisa desse filme que carrega em si uma característica mais francesa do que inglesa, embora a utilização de uma fotografia menos nítida e mais "suave" seja uma marca dos filmes ingleses. Mas o espírito francês está bastante presente no filme, o que pode ser visto como um ponto positivo. Ainda que no fim, eu tenha achado que Frears fez um sub-Rohmer, o diretor acertou na atmosfera. Há também um traço literário bem presente, na utilização de um narrador que não é nenhum dos personagens do filme. Esse narrador aparece muito pouco, mas suas falas são essenciais para a complementação do enredo, especialmente em seus momentos finais. E se o jovem Chéri não é lá muito simpático, a sempre bela Michelle Pfeiffer encara com coragem o efeito dos anos sobre seu corpo. Se o filme tem algo de perfeito, é a sua presença luminosa. Com ela, até o tempo tem sido generoso.
segunda-feira, janeiro 25, 2010
AMOR SEM ESCALAS (Up in the Air)
Seguindo o rastro deixado por JUNO (2007) e por uma tendência do cinema atual de acentuar o desencanto diante do amor e do sucesso nos relacionamentos, cada vez mais o cinema tem se mostrado mais realista diante do assunto. AMOR SEM ESCALAS (2009), de Jason Reitman, segue a vida de um homem solitário que passa a maior parte de seu tempo em voos. Seu trabalho é informar a demissão de funcionários. Sua empresa é contratada exclusivamente para fazer isso, preparando de uma forma menos traumática o demitido para a nova fase de sua vida.
Reitman tem se especializado em mostrar a frieza do mundo diante de situações complicadas. Assim como o lobista de OBRIGADO POR FUMAR (2005), o personagem de George Clooney em AMOR SEM ESCALAS faz o que faz porque é o que ele sabe fazer melhor. Não tem esse negócio de ficar com remorso porque está demitindo pais de família ou senhores idosos com chances nulas de conseguir outro emprego. Além do mais, seu trabalho é uma ótima desculpa para evitar as pessoas, inclusive seus familiares, e viver uma vida solitária por escolha própria. Não é preciso lembrar que quando estamos muito ocupados com a vida profissional é muito mais fácil esquecer que estamos sozinhos, que precisamos do outro.
Em sua rotina de trabalho, onde o status é mais importante do que os relacionamentos, o personagem de Clooney encontra uma mulher que tem uma vida parecida com a sua (Vera Farmiga): a agenda cheia, mas a possibilidade de se encontrarem com certa frequência. "Pense em mim como você com uma vagina", ela diz, a certa altura do filme. O mundo do executivo começa a balançar quando a sua empresa inicia um processo de demissão pela internet, usando webcams. O que é ainda mais cruel e impessoal. A autora da proposta é a jovem vivida por Anna Kendrick, que é convidada a acompanhar a rotina de Clooney e se depara com a crueldade de seu trabalho. E é com a possibilidade de deixar de voar e ter de se fixar num único lugar que Clooney perceberá, pela primeira vez, o que é sentir-se sozinho.
O filme usa de alguns recursos bem clássicos para explicitar a solidão de seus personagens. O mais comum é o da câmera se afastando do personagem num travelling. Embora seja um recurso utilizado há muito tempo, não deixa de se notar a habilidade de Reitman. Há outra cena bem interessante, que é quando a personagem de Anna Kendrick está cantando bêbada num karaokê e a câmera se afasta e sai da janela do iate, revelando Clooney e Farmiga sentados do lado de fora, com os pés dentro d'água. Tecnicamente, talvez seja o recurso mais sofisticado do filme, que no geral é bem discreto. Senti falta de mais emoção. JUNO, que também tem um protagonista com um jeitão meio cínico de encarar a vida (no caso, uma protagonista), é muito mais eficiente no campo das emoções.
sexta-feira, janeiro 22, 2010
O TERCEIRO TIRO (The Trouble with Harry)
Um dos filmes mais leves de Alfred Hitchcock, cujo trabalho anterior havia sido o glamouroso LADRÃO DE CASACA (1955), obra que encerraria sua brilhante parceria com a princesa Grace Kelly. Em O TERCEIRO TIRO (1956), Hitch continuou praticamente com a mesma equipe que trabalhava com ele pelo menos desde JANELA INDISCRETA (1954): o roteirista John Michael Hayes, o produtor Robert Coleman, a hoje lendária figurinista Edith Head, o diretor de fotografia Robert Burks, os cinegrafistas Hal Pereira e John Goodman. A novidade na equipe e que marcaria profundamente os demais trabalhos do diretor é a inclusão do músico Bernard Herrmann, que trabalharia com o cineasta nos próximos sete filmes. Tanto que, quando se fala em Herrmann, imediatamente se pensa em Hitchcock, de tão marcante que foi a parceria.
Em O TERCEIRO TIRO, Herrmann faz um trabalho bem próximo da proposta do filme, que é um pouco atípico na filmografia americana de Hitchcock, já que é uma comédia bem leve, não é um filme de suspense. O diferencial - e que é a cara do diretor - é o tema mórbido, sobre um cadáver encontrado num bosque. É o Harry do título original. A princípio, o velho capitão interpretado por Edmund Gwenn acredita que o corpo, que tem uma marca de sangue na cabeça, foi vítima de um dos três tiros que ele deu, tentando caçar um coelho. Ele tenta esconder o corpo, mas uma série de pessoas aparece e a confusão está armada. Daí em diante é um enterra-desentarra o corpo que torna o filme uma ótima diversão. O engraçado é o modo indiferente com que as pessoas tratam o corpo. Até mesmo a esposa do falecido, interpretada por uma bela e jovem Shirley MacLaine, estreando no cinema, não liga se o marido morreu. Na verdade, pra ela é até um alívio.
De acordo com Hitchcock, em entrevista a François Truffaut, o galã do filme, John Forsythe, tornou-se muito popular na televisão e estrelou um de seus primeiros programas de sessenta minutos, o ALFRED HITCHCOCK PRESENTS (1955-1956). Aliás, estou na dúvida se revejo os dois filmes que restam para finalizar a minha segunda peregrinação pela obra de Hitchcock ou se começo a ver logo a primeira temporada dessa série de Hitch. No documentário presente no dvd da Universal, a série é citada. Marcou época e sem ela provavelmente não haveria PSICOSE (1960). O documentário de cerca de meia hora é um dos menos interessantes da coleção, mas traz, como sempre, algumas informações importantes. No fim das contas, considero O TERCEIRO TIRO um Hitchcock menor, ainda que toda a proposta do diretor tenha sido um sucesso. Mas é um filme que tem o seu fã-clube.
quinta-feira, janeiro 21, 2010
O APOCALIPSE DE UM CINEASTA (Hearts of Darkness: A Filmmaker's Apocalypse)
Impressionante registro de uma das mais turbulentas filmagens de todos os tempos, O APOCALIPSE DE UM CINEASTA (1991) já começa com uma declaração de Francis Ford Coppola anunciando seu filme para a imprensa: "Isto não é um filme...Isto é o Vietnã". A princípio, parece uma afirmativa pretensiosa, mas ao longo do documentário veremos que o bicho realmente pegou. A vontade de dirigir um filme se passando no Vietnã já passava pela cabeça de Coppola em 1969, em pleno calor do conflito. Mas ninguém foi louco de patrocinar um projeto desses, principalmente levando em consideração que as filmagens seriam no próprio Vietnã. Era o projeto dos sonhos de Coppola. E como ele ficou rico com O PODEROSO CHEFÃO (1972) e O PODEROSO CHEFÃO - PARTE II (1974), teve condições financeiras e prestígio suficientes para levar a cabo o seu ambicioso projeto, a transposição do romance "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad, para o Vietnã. Vale lembrar também que a adaptação desse romance foi o primeiro projeto de Orson Welles, que nunca conseguiu concretizar. No documentário, ouvimos a voz de Welles diversas vezes recitando trechos do romance.
Apesar de não ter sido filmado no próprio local do conflito e sim nas Filipinas, a locação não era exatamente tranquila. O país estava passando por uma situação política complicada e grupos de guerrilheiros estavam espalhados pelas selvas. Coppola levou a família junto, já que a intenção era passar alguns meses. A maior parte das cenas apresentadas no documentário foram filmadas pela esposa de Coppola, Eleanor. Lembrei-me de outra filmagem turbulenta em que o diretor também levou parte da família junto: O ILUMINADO, de Stanley Kubrick. Dirigir um filme num ambiente isolado é quase sempre problemático. Há outro caso famoso: BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR, de Hector Babenco, em que o cineasta e a equipe comeram o pão que o diabo amassou na selva amazônica.
APOCALYPSE NOW (1979) é o nome do filme e o seu astro principal era, a princípio, Harvey Keitel. Mas a primeira merda no ventilador acontece quando Keitel desiste do filme e Martin Sheen o substitui. Outros problemas que podem ser enumerados: Marlon Brando pede três milhões de dólares por sua participação pequena (um absurdo para a época); o governo dos Estados Unidos não libera helicópteros da Força Aérea e Coppola faz acordo com o presidente das Filipinas para liberar os seus; Martin Sheen é convidado a entrar em contato com o seu lado negro para adentrar com realismo no papel e isso lhe faz muito mal, desencadeando num infarto; Dennis Hopper estava numa fase bem doida, não conseguindo decorar suas falas; Marlon Brando chega perto do final das filmagens, muito gordo e incomodado com isso; pra completar, Coppola fica tão perturbado com tanta coisa que dá errado e com as filmagens que se arrastam por meses que pensa até mesmo em se matar ou pular de um lugar alto e ficar paralítico. Em certo momento, inclusive, Coppola desmaia e quase perde a sanidade de vez. Coisa de louco, não?
E há muito mais no documentário. A cena da morte do animal é bem forte - uma semelhante e ainda mais explícita pode ser conferida em outro filme, o filipino SILIP - DAUGHTERS OF EVE. Pelo visto é uma técnica ritualística daquele povo. Um negócio bem selvagem, mas que Eleanor conseguiu enxergar beleza enquanto filmava. Quem viu APOCALYPSE NOW não esquece da cena da morte do animal, em montagem paralela com a sequência do assassinato de Kurtz, ao som de "The End", dos Doors. Coppola também aproveitou a força do acaso em cenas que mostram o tufão que destruiu boa parte das casas da região e causou duzentas mortes. Depois dessa experiência, nunca mais Coppola realizou projeto tão ambicioso.
quarta-feira, janeiro 20, 2010
DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU SEI DELA (2 ou 3 Choses que Je Sais d'Elle)
Lá se vão três anos desde a última vez que vi um filme de Jean-Luc Godard. Será que MADE IN U.S.A. (1966) me deixou tão traumatizado assim? Lendo o texto que escrevi sobre o filme, que pode ser conferido no arquivo de janeiro de 2007, até que minhas impressões soaram simpáticas. Mas é que Godard sempre cresce quando escrevemos a respeito. Pois escrever força a reflexão. E se há três anos eu reclamava da trama confusa, em DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU SEI DELA (1967), Godard deixa de lado completamente a história. E por mais que seja um filme mais agradável de ver que MADE IN U.S.A., DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU SEI DELA é um filme menor, tem menos momentos memoráveis que o anterior, de certa forma mais modesto.
DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU SEI DELA é jazzístico, cheio de improvisos. Não há uma linha narrativa. Não há uma preocupação com uma história. Godard filma pensamentos que vêm na forma de narrações sussurradas pelo próprio cineasta ou através de personagens falando para a câmera. Os pensamentos parecem vir de forma aleatória. Inclusive, há cenas de jovens anotando/lendo trechos aleatórios de diversos livros. Talvez isso seja um pouco a maneira de Godard de filmar ou de pensar, já que muitas vezes os pensamentos invadem nossa mente de forma estranha. Como se não fossem nossos.
Outro elemento constante no filme são as cenas que mostram máquinas trabalhando na construção de edifícios. O barulho das máquinas contrasta com os silêncios bruscos. Os enquandramentos aproveitam bem a tela larga, filmada com cores vivas e belas. No campo das ideias, há uma crítica à política de Johnson e sua postura em relação à Guerra do Vietnã, que repercutia na época. As tendências anti-capitalistas de Godard mais uma vez se destacam, numa preparação para o filme seguinte, A CHINESA (1967). Não sei bem o que Godard quis dizer com a cena do americano que pede para as duas prostitutas colocarem bolsas de companhias aéreas na cabeça. Seguramente é mais uma crítica à política dos Estados Unidos.
Ver Godard é sempre bom, no sentido de que estamos nos conscientizando de algo, nem que seja de nossa própria ignorância. Mas no caso desse filme, há bem menos citações literárias. Há mais conversas sobre "banalidades", como o fato de a chuva deixar (ou não) as pessoas tristes e há cenas como a rotina da protagonista (Marina Vlady) de escolher roupas numa loja. Como é comum em seus filmes, há uma necessidade de evitar o campo/contracampo o máximo possível. Durante uma conversa, Godard prefere se ater no rosto de determinado ator/atriz por um tempo e só depois mostrar o outro por mais um longo tempo. Destaque para a cena de estranhos conversando num bar com a câmera estática. Isso é uma tendência em todo o filme. Tanto que quando vemos uma panorâmica com a protagonista falando e a câmera nos mostrando os vários prédios que a circundam fica uma sensação agradável no ar. E o que é aquele final? O que representam aquelas caixas de sabão dispostas de maneira estranha? É Godard mais uma vez deixando o espectador com uma pulga atrás da orelha. E pouco se lixando se vai perder audiência com essas estripulias.
terça-feira, janeiro 19, 2010
VÍCIO FRENÉTICO (The Bad Lieutenant: Port of Call - New Orleans)
Sei que o ideal seria encarar VÍCIO FRENÉTICO (2009), de Werner Herzog, como uma obra isolada e não um remake (ou uma reinvenção) da obra-prima de 1992 de Abel Ferrara. Mas isso é um pouco difícil: a vontade de comparar vai estar sempre presente e praticamente não há nenhuma crítica sobre o filme de Herzog que pelo menos não cite a obra de Ferrara. Parece inevitável. Uma vez já citado o nome do Ferrara, cuja obra foi uma das mais brilhantes do cinema americano nos anos 90, podemos partir para enxergar o filme de Herzog isoladamente. O que permaneceu do original foi a figura do policial que pratica maldades, usa vários tipos de drogas, gosta de apostar em jogos e se mete com a máfia. Tudo o mais é diferente. Até o registro é outro. Em vez de uma tragédia pesada sobre alguém que quer purgar os seus pecados da maneira mais estranha que se possa imaginar, temos uma comédia de humor negro com alguns sequências instigantes.
Não vou negar que me decepcionei um pouquinho. Talvez estivesse esperando muito, já que me deliciei muito mais com O SOBREVIVENTE (2006), mas estou satisfeito com este novo caminho que Herzog está trilhando no cinema de ficção americano, depois de tantos anos dedicados aos documentários. A primeira imagem que vemos de VÍCIO FRENÉTICO é a de uma cobra verde trafegando dentro de uma prisão inundada pelo furacão Katrina - referência a COBRA VERDE (1987), do próprio cineasta? Tanto Nicolas Cage quanto Val Kilmer interpretam dois policiais perversos que parecem não ligar para a vida de um prisioneiro que se encontra perto de ser submergido pela água. Contrariando as expectativas, o policial interpretado por Cage pula dentro da água e salva o rapaz. O resultado de sua boa ação é um dano irreversível em sua coluna. Ele sentirá dores constantes e precisará tomar analgésicos prescritos talvez pelo resto da vida.
Há também a figura de uma namorada, no caso a prostituta vivida por Eva Mendes. Ela é também viciada em drogas e é ele quem consegue as drogas para ela. Não parece ser um relacionamento de puro interesse. Há um sentimento de carinho e respeito pelo outro de ambas as partes. O que até diminui o impacto da figura do "mau policial" do título. Mas Herzog é sacana: transforma momentos de ternura em situações quase cômicas ou surreais, como na cena que mostra Cage dando para Mendes uma colher enferrujada de presente. Aquilo me lembrou o David Lynch de VELUDO AZUL. Inclusive, na música, no tom, na forma como os intérpretes olham para o objeto.
O fato de vermos Cage sempre torto por causa do problema na coluna e com cara de que está sentindo muita dor também é uma maneira de nos solidarizarmos com sua situação e de rirmos de cenas como aquela em que ele aborda um casal de namorados, prestes a fazer sexo num estacionamento escuro. Cage, por mais limitado que seja, tem talvez nesse personagem o melhor de sua carreira, ao lado do sujeito com TOC de OS VIGARISTAS, de Ridley Scott.
segunda-feira, janeiro 18, 2010
GLOBO DE OURO 2010
Na noite de ontem, a cerimônia de premiação do Globo de Ouro foi até animada. Acho que o fato de eu ter assistido comentando no twitter com os amigos da blogosfera cinéfila ajudou bastante a me manter ligado, não só na festa, mas também nos comentários espirituosos da turma.
O fim da tarde em Los Angeles começou com chuva, mas não diminuiu o glamour do tapete vermelho. A mais bela da noite, Kate Hudson, foi a primeira das beldades que me saltou aos olhos. Heather Graham também estava reluzente com a turma de SE BEBER NÃO CASE, que acabou ganhando o prêmio de melhor filme na categoria comédia ou musical. Não gostei muito de AVATAR ter conquistado os prêmios principais de filme e direção (James Cameron). O filme está longe de obras-primas como BASTARDOS INGLÓRIOS, de Quentin Tarantino, e GUERRA AO TERROR, de Kathryn Bigelow, mas tem a sua importância na História do Cinema, no que se refere à evolução técnica, a mais um passo dado para o futuro do cinema.
O momento mais bonito da noite foi, sem dúvida, o prêmio de homenagem a Martin Scorsese, que foi apresentado por seus principais atores - Robert De Niro e Leonardo DiCaprio. O grande clipe mostrando os filmes de Scorsese ficou um pouco prejudicado pela propaganda de ILHA DO MEDO, o novo trabalho do cineasta. Mas não deixa de ser uma bela jogada de marketing. Scorsese estava realmente emocionado.
Nenhum dos discursos de agradecimento me comoveu, mas talvez porque eu não estivesse prestando atenção direito. Prefiro as piadas de Ricky Gervais, que fez brincadeira com Steve Carell, e disse que a THE OFFICE boa é a original: "qualidade é mais importante que quantidade". Mas nada como a brincadeira com o alcoolismo de Mel Gibson, quando ele o chamou para apresentar um prêmio. O legal é ver que todos estavam bem humorados. Julia Roberts, aliás, parecia tão feliz que parece que estava ou bêbada ou drogada. E falando em drogas, Paul McCartney, uma das presenças mais ilustres da festa, fez também piadinha na hora de apresentar o prêmio para desenhos animados, que seriam apreciados por crianças, mas também por adultos drogados.
O prêmio mais merecido e que me deixou mais feliz foi o de Christoph Lanz, como ator coadjuvante pelo seu brilhante trabalho em BASTARDOS INGLÓRIOS. Até quem não gosta do filme concorda que o cara arrasou. E foi bem humilde durante o agradecimento. That's a bingo!, como muitos disseram na hora que ele recebeu o prêmio. Ele bem que poderia ter aproveitado que recebeu o prêmio das mãos da Hale Berry e lascar-lhe um beijo, a exemplo de Adrien Brody. Hale estava maravilhosa. A premiação para Jeff Bridges por CORAÇÃO LOUCO também foi um dos pontos altos da festa. O ator foi recebido de pé pela plateia presente. E Meryl Streep, que estava concorrendo consigo mesma por dois filmes diferentes, faturou mais um para colocar na estante. Muito justo.
Quanto à televisão, legal GLEE ter ganhado o prêmio de melhor série de comédia ou musical. Não vejo a série, mas pelo menos desbancou 30 ROCK, que sempre ganha tudo nas premiações da categoria. Deu até para sentir uma expressão de desapontamento de Tina Fey, que não pôde mandar ninguém chupar nada dessa vez. :) Falando nisso, Chloë Sevigny ganhando por BIG LOVE foi também um momento bem feliz. É uma atriz que eu gosto e acompanho desde os anos 90. Era mais bela quando adolescente, mas ainda tem aqueles olhos de ressaca sedutores.
Michael C. Hall surpreendeu a muitos aparecendo de lenço na cabeça, devido a um tratamento contra um linfoma. Houve quem dissesse que sua premiação foi uma espécie de consolação dos votantes. De qualquer maneira, não deixa de ser um prêmio merecido e dado num momento muito especial de DEXTER, que teve a melhor temporada da série no ano passado. E o melhor serial killer da série também ganhou o seu prêmio: John Lighgow, que encarnou um verdadeiro monstro. No fim das contas, o saldo foi positivo. E quase todo mundo ficou feliz.
Prêmios da noite
Cinema
Melhor Filme - Drama - AVATAR
Melhor Filme - Comédia ou Musical - SE BEBER NÃO CASE
Melhor Diretor - James Cameron (AVATAR)
Melhor Roteiro - Jason Reitman (AMOR SEM ESCALAS)
Melhor Ator - Drama - Jeff Bridges (CORAÇÃO LOUCO)
Melhor Atriz - Drama - Sandra Bullock (O LADO CEGO)
Melhor Ator - Musical ou Comédia - Robert Downey Jr. (SHERLOCK HOLMES)
Melhor Atriz - Musical ou Comédia - Meryl Streep (JULIE & JULIA)
Melhor Ator Coadjuvante - Christoph Waltz (BASTARDOS INGLÓRIOS)
Melhor Atriz Coadjuvante - Mo'Nique (PRECIOSA)
Melhor Canção Original - "The Weary Kind" (CORAÇÃO LOUCO)
Melhor Trilha Sonora - Michael Giacchino (UP - ALTAS AVENTURAS)
Melhor Filme de Animação - UP - ALTAS AVENTURAS
Melhor Filme de Língua Estrangeira - A FITA BRANCA (Alemanha/Áustria)
Televisão
Melhor série de TV - Drama - MAD MEN
Melhor série de TV - Musical ou comédia - GLEE
Melhor ator em série - Drama - Michael C. Hall (DEXTER)
Melhor atriz em série - Drama - Juliana Margulies (THE GOOD WIFE)
Melhor ator em série - musical ou comédia - Alec Baldwin (30 ROCK)
Melhor atriz em série - musical ou comédia - Toni Collette (UNITED STATES OF TARA)
Melhor minissérie ou filme feito para a TV - GREY GARDENS
Melhor ator coadjuvante em série, minissérie ou filme feito para a TV - John Lithgow (DEXTER)
Melhor atriz coadjuvante em série, minissérie ou filme feito para a TV - Chloë Sevigny (BIG LOVE)
sexta-feira, janeiro 15, 2010
A VIDA ÍNTIMA DE PIPPA LEE (The Private Lives of Pippa Lee)
Ainda da safra de filmes vistos no ano passado, A VIDA ÍNTIMA DE PIPPA LEE (2009) foi visto na véspera de natal, assim que eu fui liberado do trabalho. Não foi lá muito negócio ter almoçado no shopping e ter visto um filme meia-boca, mas valeu assim mesmo, até por eu já acompanhar o trabalho de Rebecca Miller há algum tempo. Apesar de contar com um elenco bem mais recheado de astros, a diretora faz aqui um trabalho inferior aos três anteriores - ANGELA (1995), O TEMPO DE CADA UM (2002) e O MUNDO DE JACK E ROSE (2005) -, mas seguindo a tendência de abordar o universo feminino com alguma propriedade.
Robin Wright Penn é a Pippa Lee do título em sua versão mais madura. Nos flashbacks, quem interpreta a personagem adolescente é a bela Blake Lively, conhecida de quem vê a série GOSSIP GIRL (não é o meu caso). Assim como O TEMPO DE CADA UM, o novo filme é uma adaptação de um romance escrito pela própria diretora. As origens literárias parecem evidentes na rapidez com que os eventos se sucedem e no farto uso da voz da narradora. Não que isso incomode. O que falta é mesmo força na condução da trama e personagens mais interessantes.
O elenco cheio de astros é convidativo. Além das duas estrelas que interpretam Pippa Lee, o filme ainda conta com Alan Arkin, Keanu Reeves, Julianne Moore, Maria Bello, Winona Ryder e Monica Bellucci. O papel da Bellucci, aliás, bem que poderia ser melhor desenvolvido. Passa a impressão de que ela aceita esses papéis pequenos e até ridículos só pela chance de trabalhar nos Estados Unidos. Melhor seria ficar na Europa mesmo. Outra que não é beneficiada é Julianne Moore, atriz de primeira grandeza em Hollywood, mas que também ganha um papel bem besta, como uma lésbica que acolhe a jovem Pippa em sua casa.
O filme lida com dramas existenciais, com o vazio, o suicídio e a dependência química, coisas pesadas que num filme mais denso e sem muitas concessões poderiam render algo muito bom. O que temos é uma história até leve e sem inspiração sobre a independência da mulher madura. Não deixa de ter a sua validade, mostrar o drama da mulher de cinquenta anos. Ter cinquenta anos hoje é como ter quarenta, anos atrás, não é? O filme é um pouco o reflexo dos tempos atuais.
quinta-feira, janeiro 14, 2010
O SANGUE
Muito provavelmente, pelo pouco que li a respeito de Pedro Costa, O SANGUE (1989), seu longa-metragem de estreia, não é tão representativo do tipo de cinema que ele faz hoje. Inclusive, pretendo ver em breve algo mais recente desse diretor tão elogiado pelos cinéfilos mais exigentes. O que recomendam? JUVENTUDE EM MARCHA (2006)? Dizem que O SANGUE é o filme mais clássico-narrativo de Costa. Sendo assim, imagino como deve ser vanguardista e incomum o seu cinema hoje. De todo modo, ver O SANGUE é uma oportunidade de conhecer um filme único. Confesso que não foi tão fácil. Vez ou outra eu me sentia perdido, me dispersava. E não gosto muito de seu terço final, a partir da captura do menino pelos tios.
O que mais gosto no filme é do clima de mistério, da beleza da fotografia em preto e branco de alto contraste. Inclusive, ter uma moça chamada Clara e um cachorro chamado Escuro na história não deve ser à toa. A cópia que eu peguei foi ripada de um dvd remasterizado. Excelente. Com sorte, havia legendas em inglês, pois é impressionante como eu não reconheço a nossa própria língua no cinema português. Talvez seja mais fácil entender um filme argentino sem legendas.
Ainda que o ideal seja rever o filme, para entender e absorver melhor a atmosfera, a ideia é mesmo escrever sobre as primeiras impressões, ainda que confusas. O fato de o filme ter várias sequências oníricas também o torna fácil de ir para o subconsciente e para o esquecimento mais rapidamente. Mas ficam alguns flashes, algumas imagens poderosas, como a da grande árvore do bosque. O grande momento do filme, até pela aproximação com o cinema de suspense, é a sequência em que Clara e Vicente saem pelo bosque para enterrar o corpo do pai do rapaz. Inclusive, essa cena me pegou tão de surpresa que eu voltei um pouco para ver se havia perdido alguma coisa. Houve uma elipse da cena da morte do pai de Vicente. E estes saltos temporais são bem comuns no filme, que aposta na atenção do espectador. O que me fez lembrar imediatamente o cinema de Robert Bresson.
Também chama a atenção, logo que o filme começa, os fade in blacks demorados, aumentando o tempo de escuridão de um filme cuja maior parte das cenas se passa à noite. Interessante também a força do título, que abarca múltiplos significados. E a memória, ainda que nebulosa, da cena de Clara e Vicente, ela em cima dele, perto de um lago, é talvez o momento mais surpreendente dessa obra cheia de mistério.
Na Foco - Revista de Cinema, tem um excelente texto sobre o filme, escrito por João Bénard da Costa.
quarta-feira, janeiro 13, 2010
A NOITE DO DEMÔNIO (Night of the Demon / Curse of the Demon)
Devo ser muito distraído, pois não lembro de nenhum comentário sobre ARRASTE-ME PARA O INFERNO, de Sam Raimi, ligando-o ao clássico A NOITE DO DEMÔNIO (1957), que Jacques Tourneur dirigiu na Inglaterra. Ambos os filmes mostram pessoas atormentadas por um demônio e tendo os seus dias contados até a chegada do chifrudo. Que surpreendentemente aparece logo no começo do filme. Isso contraria um pouco a proposta dos filmes produzidos por Val Lewton nos anos 40, dos quais Tourneur foi peça fundamental. Se em SANGUE DE PANTERA (1942), o lema era não mostrar o "monstro", apostando mais na sugestão, a aparição do monstrengo logo no prelúdio de A NOITE DO DEMÔNIO foi uma supresa pra mim. A figura do diabão soltando fumaça ficou um pouco datada, devido à evolução dos efeitos visuais, mas o desenrolar da trama e a expectativa de sua ameaçadora chegada fazem com que temamos pela vida do protagonista.
Logo no começo do filme, vemos um senhor muito aflito se dirigindo à casa de um homem misterioso e de aspecto vilanesco pedindo-lhe desesperadamente para que reverta o feitiço. Ao ir embora, porém, o demônio chega para lhe pegar. Depois da terrível fatalidade, somos apresentados aos dois personagens principais, ambos num desconfortável voo: o psiquiatra renomado vivido por Dana Andrews e a jovem que está sentada logo atrás dele, interpretada pela bela Peggy Cummins, hoje mais lembrada pelo papel marcante em MORTALMENTE PERIGOSA, de Joseph H. Lewis. Logo saberemos que ela é sobrinha do senhor morto no início do filme. Tanto o psiquiatra quanto ela estão ao encontro da vítima, sem saberem que ele foi assassinado pelo demônio. O psiquiatra é avesso a superstições, não acredita em demônios ou qualquer forma de misticismo e é especialista em desvendar fenômenos paranormais. O que ele não sabia é que se tornaria a próxima vítima do maligno bruxo.
Curiosamente, até para seguir o aprendizado de sua fase áurea nas produções de Val Lewton, Tourneur não queria que fosse mostrado explicitamente o monstro. Sua aparição se deve a uma imposição do estúdio. De qualquer maneira, gostando-se ou não do monstrengo, a presença do ameaçador bruxo ajuda a tornar a atmosfera do filme bem opressora. O fato de se passar numa região rural da Inglaterra e de aproveitar o mistério em torno do monumento de Stonehenge, das runas e de toda a cultura pagã que se tornou um enigma depois da chegada do Cristianismo à região contribui para tornar A NOITE DO DEMÔNIO bastante misterioso e tenso. E talvez até seja uma grande bobagem misturar demônios com runas, mas o importante é que isso funciona muito bem a favor do filme.
terça-feira, janeiro 12, 2010
A CARREIRA DE SUZANNE (La Carrière de Suzanne)
Ontem foi um dia especialmente triste para o cinema. Deixou o nosso plano, aos 89 anos, um dos mais queridos cineastas de todos os tempos: Eric Rohmer. Rohmer foi um mestre na radiografia das relações humanas e na construção de diálogos saborosos sem deixar de lado o cuidado visual. Inclusive, meu primeiro contato com sua obra foi com A INGLESA E O DUQUE (2001), um dos seus filmes mais caprichados no aspecto visual. A partir da semana seguinte, graças a uma mostra organizada pelo Cinema de Arte, pude me deliciar com os filmes das Quatro Estações. Aqueles cinco sábados seguidos foram especiais. Sair de casa para ver um filme do Rohmer no cinema é bom demais. Não dá pra descrever. Infelizmente, depois desses cinco sábados, tudo o mais que vi do cineasta foi graças ao dvd e à internet. Seus últimos filmes não foram lançados comercialmente no Brasil. Mas não tenho do que me queixar. Seus trabalhos são tão instigantes que vê-los na telinha é quase tão agradável quanto vê-los no cinema.
Rohmer nos mostrou o doce e o amargo da vida. Lembro de ter saído da sessão de CONTO DE INVERNO (1992) completamente fascinado e com a crença na ideia da existência da alma gêmea restabelecida. Uma coisa que não se pode deixar de perceber em seus personagens é o quanto eles são obstinados. Em MINHA NOITE COM ELA (1969), lembro de ter ficado indignado com o fato de o protagonista não ter dormido com a morena sensual que estava dando mole pra ele, justamente por acreditar que a mulher de sua vida não era ela. E por ser católico convicto. Também me incomodei um pouco com a maluquinha de UM CASAMENTO PERFEITO (1982), que bota na cabeça que vai se casar e fica espalhando isso pra todo mundo, mesmo sem ter um noivo. Ela, apesar de levar tantos foras, continua perseguindo seu objetivo. Mas o exemplo máximo de obstinação talvez esteja no mágico O RAIO VERDE (1986). Claro que nem tudo são flores no cinema de Rohmer. E esse equilíbrio está no mostrar também as frustrações do ser humano, em obras como A COLECIONADORA (1967), A MARQUESA D'O (1976), ou em filmes que parecem não ter um enredo tão definido, como A MULHER DO AVIADOR (1981).
Rohmer me acompanhou até quando eu estava com dor de cotovelo e vi o belo curta A PADEIRA DO BAIRRO (1963), mais um de seus vários filmes que mostram pessoas perambulando pelas ruas. Aliás, como se anda nos filmes de Rohmer, hein! Desde O SIGNO DO LEÃO (1959) que é assim. Deve haver algum significado metafórico nessas caminhadas. Talvez para nos dizer que "quem fica parado é poste", que se não nos mexermos a vida não muda, nossos objetivos não são alcançados, tudo fica estagnado. Caminhando a gente areja a cabeça. Pena que A CARREIRA DE SUZANNE (1963), média-metragem produzido na mesma época de A PADEIRA DO BAIRRO, com o mesmo estilo despojado, não acerta tanto. É talvez o seu filme menos interessante. Mas devido ao pouco tempo que tinha ontem, foi o que escolhi para ver em sua homenagem.
O filme acompanha a trajetória de dois amigos e uma jovem que é humilhada e aproveitada por um deles. Guillaume é o malvado da dupla. Bertrand é o jovem que aceita tudo o que o amigo faz, mesmo não concordando. Ele aceita o amigo como ele é; não o vê como um mau caráter. E Suzanne é a jovem ingênua da história. Ela aceita as humilhações de Guillaume e fica endividada por causa dele. Aos poucos o filme vai transferindo a importância de Guillaume para Bertrand, que de apagado vai se tornando mais vívido na trama. A cena em que Suzanne dorme no apartamento de Bertrand me lembrou MINHA NOITE COM ELA, mas sem a forte tensão erótica do filme posterior. Se há, é muito sutil. A CARREIRA DE SUZANNE está longe das melhores obras de Rohmer, mas ver o filme no dia da morte do cineasta foi uma experiência solene. Era o meu momento de silêncio para o homem das palavras.
segunda-feira, janeiro 11, 2010
SHERLOCK HOLMES
Impressionante como alguns filmes se esforçam para agradar, para deixar o público entusiasmado, acordado e empolgado. E tudo que conseguem é apenas repetir velhas e cansadas fórmulas sem nenhum elemento adicional ou criativo. Esses filmes até agradam a um público menos exigente ou que curte aventuras estilo PIRATAS DO CARIBE. Mas é justamente desse tipo de filme que eu tenho fugido. Filmes que, de tão movimentados, se tornam monótonos e aborrecidos. Fabricar uma recriação para o público de hoje de um Sherlock Holmes diferente até que não é má ideia. Mas talvez seja má ideia entregar o projeto a um diretor como Guy Ritchie.
Andei lendo por aí que o Sherlock Holmes dos livros de Arthur Conan Doyle era mesmo meio maluco. E até cheirava cocaína - num tempo em que a droga ainda não era proibida. Li também que o estilo popularizado pelo cinema, do detetive mais cerebral e sisudo com um parceiro todo comportado, não condiz muito com o material literário. Robert Downey Jr. e Jude Law encarnam Holmes e Watson de uma maneira diferente do que a gente está acostumado a ver no cinema e com a cara dos dois atores. Principalmente de Downey Jr., que parece interpretar sempre o mesmo papel. Isso não é necessariamente um problema se o personagem requerido pelo diretor e roteiristas tem as características do ator.
O problema de SHERLOCK HOLMES (2009) - na verdade, um dos - é que o humor não funciona. No começo eu até dei umas risadinhas nas cenas que envolvem a relação entre Holmes e Watson, que lembra um pouco House e Wilson na série HOUSE. Holmes seria o sujeito cara-de-pau e sem-vergonha, enquanto Watson o amigo que tem que aturar as presepadas do parceiro. Outro problema do filme é a trama principal, envolvendo um assassino que lida com magia negra. No começo do filme, a dupla consegue impedir o criminoso de matar mais uma vítima, chegando antes da Scotland Yard. O assassino é condenado à forca, mas de maneira misteriosa consegue fugir do próprio túmulo.
No mais, temos aquele céu artificial e sempre nublado de Londres, uma Rachel McAdams excepcionalmente sem encanto, um assassino que parece saído de filme do Harry Potter, uma fotografia em tom madeira que logo cansa os olhos e uma conclusão à Scooby-Doo, toda explicadinha, auxiliada por aquela montagem picotada e velocidade acelerada dos videoclipes dos anos 90. Desse jeito, nem com muita boa vontade.
P.S.: Está no ar a nova edição da Revista Zingu!, com Dossiê André Klotzel e um especial sobre o cinema paulista dos anos 80. As colunas tradicionais estão de volta.
sexta-feira, janeiro 08, 2010
SEMPRE AO SEU LADO (Hachiko - A Dog's Story)
Se o primeiro filme visto em 2010 foi uma experiência muito agradável (FÉRIAS FRUSTRADAS DE VERÃO), o último visto em 2009 também me agradou bastante. Nunca pensei que pagaria para ver um "filme de cachorro" no cinema. Acho que tenho um pouco de preconceito com o "gênero", devido às minhas experiências com a Lassie nas antigas sessões da tarde. Tanto que até hoje não vi ainda MARLEY & EU. Por isso fiquei tão surpreso com SEMPRE AO SEU LADO (2009), refilmagem do japonês HACHIKO MONOGATARI (1987). Lasse Hällstrom é um diretor sem muita personalidade, mas que de vez em quando acerta. Ele tem um cuidado visual que sempre é destaque em seus filmes. E isso novamente se repete nessa história de amor entre um homem e um cão. Na verdade, com ênfase no amor do cão pelo seu dono.
Já soube de algumas pessoas que não choraram com o filme e até o acharam um pouco frio, mas eu sinceramente não consigo entender como não se emocionar. A cena do cachorro pegando a bola para entreter Richard Gere é especialmente mágica e que antecipa uma enxurrada de lágrimas que virão até o final. Hällstrom teve a sorte de pegar uma história fascinante e ainda por cima real. O cão Hachiko tem até uma estátua na estação onde costumava esperar o seu dono. Não vi o original japonês, mas não vi nenhum problema na transposição da trama para os Estados Unidos dos dias de hoje. A fluidez narrativa do filme também é um ponto forte. Ainda que a emoção e as lágrimas estejam presentes na maior parte, há um sentimento de serenidade que me parece herdada do espírito japonês.
Na trama, narrada com simplicidade, Richard Gere é um professor que encontra por acaso um filhote da raça akita na estação. Tenta deixá-lo na própria estação, mas o amigo (Jason Alexander) diz que o máximo que pode fazer é levar o bichinho para um canil. Temendo pela vida do animal e já sentindo um elo de ligação com ele, o personagem de Gere resolve levá-lo para sua casa, até o dono aparecer. Não sem encontrar alguma resistência por parte da esposa (Joan Allen), que não quer saber de cachorro em casa. Mas apegar-se a um cachorro é bem mais fácil do que se imagina e eles acabam ficando com o cão, que se mostra a cada dia mais fiel e amoroso. Segue o dono até a estação e, na volta, lá está ele, à sua espera. Hachi fica tão famoso na praça da estação que todos dali, como o vendedor de cachorro-quente e outros que ali trabalham ou passam, se apegam a ele. Não vou contar aqui o que acontece para que o filme se torne assim tão emocionante, mas algumas pessoas podem prever e alguns textos sobre o filme já entregaram. O melhor mesmo é ver o filme sem saber muito. Apenas curtindo o fluxo dos acontecimentos e deixando-se levar pela bela história.
quinta-feira, janeiro 07, 2010
FÉRIAS FRUSTRADAS DE VERÃO (Adventureland)
Estreei 2010 assistindo o filme que hoje é o meu favorito entre os realizados pela turma de Judd Apatow e Greg Mottola. FÉRIAS FRUSTRADAS DE VERÃO (2009) está longe de ser a mais engraçada das comédias da turma. Se eu levar em consideração o riso, então, ainda continuo achando O VIRGEM DE 40 ANOS imbatível. Mas é justamente por ser uma falsa comédia, por ter uma maior sensibilidade no trato com os personagens, e por fazer com que eu me importasse com os protagonistas que eu gostei tanto do filme. E não é só: a trilha sonora é uma delícia. Quando toca "Pale Blue Eyes", do Velvet Underground, meu coração bate mais forte. Talvez porque eu acho a canção linda e uma letra das mais inspiradas e dolorosas de Lou Reed. E Lou Reed é o grande astro do filme: aparece nas músicas, na conversa, nos pôsteres no quarto, na camiseta da personagem de Kristen Stewart.
O fato de a trama ser ambientada nos anos 80, exatamente no ano de 1987, nos leva a um tempo em que se ouvia "Rock me Amadeus" direto nas rádios, nos parques de diversões e nas festas. E a canção hoje virou uma piada, como exemplo de música que ninguém mais aguentava ouvir na época. A deliciosa trilha sonora ainda conta com David Bowie, Hüsker Dü, The Cure, Poison, New York Dolls, Whitesnake, Rolling Stones, entre outros. Mas não se trata de um filme-videoclipe, embora eu não tenha nada contra isso. As canções ajudam a compor o cenário oitentista, que também se caracterizava por produzir aquelas comédias juvenis que lidavam com sexo e que tanto fizeram a cabeça de Mottola.
FÉRIAS FRUSTRADAS DE VERÃO, no entanto, é mais "familiar", no sentido de que as cenas de sexo do filme são bem discretas e românticas. Mas o que não pode faltar nos filmes dessa turma é maconha. Mottola, Apatow e cia. acabaram se tornando meio que os embaixadores da maconha em Hollywood. O mais importante no filme, no entanto, não é a música, ou o sexo ou a maconha, mas a relação entre o rapaz virgem (Jesse Eisenberg) que é obrigado a trabalhar num parque de diversões por questões financeiras e a adorável Em (Kristen Stewart), a garota por quem ele se apaixona. Ela, porém, mantém um caso secreto com um sujeito casado (Ryan Reynolds), o eletricista do parque de diversões.
Algumas cenas são especiais, principalmente as que mostram os momentos de conversa e intimidade entre Eisenberg e Kristen. São pequenas coisas que ajudam a tornar cada momento único. Não é à toa que a tagline do filme é: "Era o pior emprego que eles jamais imaginavam...e o melhor momento de suas vidas". Coisas simples como a vez em que os dois entram na piscina numa festa na casa dela, ou quando ela pede a roupa de baixo dele para secar, por exemplo, são mostradas com o carinho de quem ama aqueles personagens como se fossem seus filhos. Ou como se fossem eles mesmos há vinte anos.
Uma beleza de filme que foi direto pra dvd e ganhou um título brasileiro bem ingrato. Mas que não perde a sua força quando visto na telinha. Bom para quem é fã de Kristen Stewart, de Lou Reed, de comédias juvenis dos anos 80 como A PRIMEIRA TRANSA DE JONATHAN, ou de uma boa história de amor.
quarta-feira, janeiro 06, 2010
QUANDO CHEGA A ESCURIDÃO (Near Dark)
Mais de vinte anos atrás, antes da forte recepção crítica de GUERRA AO TERROR (2008), Kathryn Bigelow já explorava o seu gosto pela ação e pela temática do vício em um filme de vampiros diferente. Assim como o elogiado drama de guerra fortemente cotado ao Oscar e como CAÇADORES DE EMOÇÃO (1991), QUANDO CHEGA A ESCURIDÃO (1987) também lida com o tema do vício. No caso, o viciado seria um caubói (Adrian Pasdar) infectado por uma bela vampira (Jenny Wright) e passando por dolorosas crises de abstinência quando não consegue sangue. Poderia ser um filme de vampiros como outro qualquer, mas Bigelow enfatiza essa situação. Bem como, claro, o gosto por cenas de ação e explosões. Assim, um filme classificado como do gênero horror, tem muito dos filmes de ação dos anos 80 e dos westerns, com destaque para a sequência no bar, que lembra os tradicionais tiroteios. Os próprios vampiros também usam armas.
QUANDO CHEGA A ESCURIDÃO também se diferencia em muito de vários filmes de vampiros convencionais. Os vampiros não têm aquelas presas salientes, por exemplo. A palavra "vampiro" também nunca é mencionada. Mas isso não é tanta novidade assim, já que esse detalhe já era explorado pelo cinema europeu. O filme de Bigelow pode fazer as novas plateias lembrarem da série TRUE BLOOD, devido à ambientação rural. Entre os nomes mais conhecidos do elenco, há Lance Henriksen e Bill Paxton como membros da família de vampiros. Seus melhores momentos são quando assistimos a um genocídio na já citada sequência do bar.
QUANDO CHEGA A ESCURIDÃO valoriza bastante as imagens do deserto, tanto durante o dia quanto nas cenas noturnas. Gosto muito de uma das primeiras cenas do filme, quando a vampirinha de cabelos curtos pede para o jovem caubói "ouvir a noite". Há certa magia nesse momento. E por mais que Bigelow enfatize a ação, a relação dos dois é também destaque. Outra coisa fora do comum no filme é a sua conclusão. Que só aumenta a ideia da obra como metáfora sobre a droga e seus efeitos.
QUANDO CHEGA A ESCURIDÃO marcou a estreia solo de Bigelow na direção de longas-metragens. Curiosamente, ela foi vista pelo produtor como incapaz de dirigir um filme sozinha e ficou trabalhando a título de experiência por cinco dias. Saiu-se tão bem que manteve o emprego e se transformou numa grande diretora.
terça-feira, janeiro 05, 2010
CONTATOS DE 4º GRAU (The Fourth Kind)
Qual é a atual tendência do cinema de horror? Digo, tirando a mania de fazer remakes? Talvez seja a busca por um cinema mais próximo da verdade. Daí vem o já manjado uso do falso documentário - ou mockumentary. CONTATOS DE 4º GRAU (2009) é um híbrido: tenta fazer uma mistura de supostas imagens de arquivo, junto com uma dramatização. A proposta é explicitada logo no prólogo, quando Milla Jovovich nos conta que interpretará a Dra. Abigail Tyler, que vive numa cidadezinha do Alaska com alto índice de estranhos desaparecimentos. Ela recebe pacientes que apresentam pesadelos similares e que respondem de maneira bem sinistra à hipnose. Os resultados trágicos pós-hipnose chamam a atenção do xerife da região (Will Patton), que suspeita que a Dra. Abigail Tyler está escondendo alguma coisa e não acredita em nenhuma de suas teorias envolvendo abdução alienígena.
O problema do filme é a incapacidade de construir uma atmosfera de terror, mínima que seja. Além do mais, nas cenas em que vemos em paralelo as imagens gravadas pela Dra. Tyler, as cenas dramatizadas se tornam ainda menos críveis, já que o filme já as expõe como dramatização. Pra completar, as tais cenas "documentadas" também são frustrantes em sua capacidade de assustar ou mesmo de intrigar. O filme quer vender as cenas como verdadeiras, não abrindo mão de alguns detalhes, como a omissão de nomes de pessoas. Se elas são de fato reais - o que eu acho pouco provável -, é uma pena que o diretor e os roteiristas não tenham conseguido dar a devida força a elas, em parte pela pouca experiência, em parte por incompetência mesmo. Comparando com o tenso e eficiente ATIVIDADE PARANORMAL, então, é que CONTATOS DE 4º GRAU se torna ainda menor e insípido. Há também um grave problema de montagem, que torna o filme às vezes confuso e quase sempre quadrado.
Continuando o questionamento feito no primeiro parágrafo, se a atual tendência do cinema de horror é mesmo usar de tentativas de enganar a audiência com supostas cenas documentadas ou com filmes de teor documental, acredito que essa tendência já está exibindo fortes sinais de cansaço. Para se analisar a generosa quantidade de filmes usando desse recurso, por mais que exista uma coisa importante, como a demanda de mercado, existe também outra, que é a investigação sociológica do porquê de o público estar interessado nesse tipo de filme. Será que o bom e velho estilo clássico-narrativo deixou de impressionar a audiência? De todo modo, acredito que demônios ou fantasmas ainda assustam muito mais que alienígenas. Tudo bem que é tudo questão de saber lidar com o assunto, mas mesmo nos tempos de ARQUIVO X, as abduções alienígenas provocavam mais mistério do que horror.
segunda-feira, janeiro 04, 2010
LULA - O FILHO DO BRASIL
A maior bilheteria do cinema brasileiro no ano passado foi SE EU FOSSE VOCÊ 2, de Daniel Filho, que estreou no dia 1º de janeiro. Talvez seja uma data de sorte, já que LULA - O FILHO DO BRASIL (2010) tem tudo para repetir o feito. Isso se não for ultrapassado por CHICO XAVIER, outra cinebiografia de peso, dirigida pelo cineasta que mais sabe ganhar dinheiro no Brasil, Daniel Filho. Mas o momento é do controverso filme de Lula. Controverso, pois desde a notícia de sua realização que já se especulam supostas intenções eleitoreiras. Ainda que Lula não seja candidado às eleições presidenciais de 2010, ele tem a sua candidata. Por outro lado, como o filme é um fracasso artístico - o que não chega a ser nenhuma surpresa, tendo em vista a filmografia de Fabio Barreto -, é bem possível que o público não se sinta assim tão tocado.
Mas LULA - O FILHO DO BRASIL não é de todo ruim. Há uma quantidade de eventos importantes na vida pré-petista de Lula suficientes para que o filme não se torne aborrecido. O problema é que Fabio Barreto não tem a sensibilidade para deixar cada evento com a emoção devida. A cena do Lula perdendo o dedo mindinho ou da morte de sua primeiro esposa são fundamentais para a trama, mas são filmadas de uma maneira que parece teatrinho de escola. Os melhores momentos acontecem quando o filme dispensa os diálogos, como logo após o nascimento de Lula, quando vemos a sua infância no interior de Pernambuco. As imagens da família se retirando para São Paulo também estão entre os melhores momentos. A bela trilha sonora, a cargo de Jacques Morelenbaum e Antonio Pinto ajudam um bocado. Nota-se também que o filme bebeu muito da fonte de 2 FILHOS DE FRANCISCO, provavelmente o melhor exemplo de cinebiografia desde a retomada. A cena em que Lula chama sua futura primeira esposa para dançar é muito parecida com a cena do baile do filme de Breno Silveira.
Os problemas de direção de atores fazem com que um grande intérprete como Milhem Cortaz fique com um papel ingrato. No filme, o pai de Lula tem que ser apenas o bêbado violento e ignorante que não quer que os filhos frequentem a escola. Glória Pires, que não tem que provar mais nada pra ninguém quanto à sua versatilidade como atriz, faz o que pode e acaba sendo o grande destaque, como a Dona Lindu, a mãe de Lula. Inclusive, o produtor Luiz Carlos Barreto anda dizendo por aí que o filme não é sobre Lula, mas sobre sua mãe. E ele não está de todo errado, já que a mãe dele esteve presente em quase todos os momentos importantes da vida do futuro Presidente da República até a hora de seu enterro. Rui Ricardo Dias, o rosto desconhecido que vive Lula dos 18 aos 35 anos, tem uma responsabilidade e tanto, mas infelizmente não tem muita expressividade.
Para a produção mais cara da história do cinema nacional (12 milhões de reais, conseguidos com o patrocínio de dezenas de empresas), LULA - O FILHO DO BRASIL pode desapontar a muitos. Mas isso não deve impedí-lo de ser um dos maiores êxitos comerciais de 2010. E vale dizer que eu sempre dou um desconto para qualquer filme que me deixe com lágrimas nos olhos em sua sequência final.
P.S.: O Pipoca Moderna fechou a sua lista de melhores de 2009. Tive a honra de ser um dos participantes, mesmo tendo começado como colaborador há pouco tempo. Confiram o resultado!
domingo, janeiro 03, 2010
AURORA (Sunrise: A Song of Two Humans / Sunrise)
Que tal começar o ano com uma obra-prima? E com um nome assim tão positivo e luminoso? Engraçado como a chegada do ano novo deixa a gente meio supersticioso, não é? Tudo na busca de um ano melhor. Este mês de janeiro promete ser bem hardcore pra mim, profissionalmente falando. Portanto, não sei se vou conseguir atualizar o blog com a mesma regularidade. Logo agora que eu estou com um monte de filmes acumulados para escrever a respeito. Comecemos o ano, então, com AURORA (1927), do gênio alemão F.W. Murnau.
A apreciação do filme foi mais um dos empurrõezinhos amigos de Martin Scorsese em seu documentário sobre o cinema americano. Nele, o cineasta cinéfilo destaca Murnau na categoria de ilusionista. Já havia percebido a genialidade de Murnau no trato com a câmera desde que fiquei impressionado com os travellings de A ÚLTIMA GARGALHADA (1924). AURORA foi a estreia de Murnau em Hollywood. E que estreia! Tudo bem que eu prefiro a primeira metade do filme à segunda, mas não há como negar a excelência da obra como um todo. E é sempre bom lembrar que o ano de 1927, justo o ano em que o cinema falado começava a dar os seus primeiros passos, era o ano em que o cinema mudo atingia o seu esplendor. E Murnau, de forma pioneira, já utilizava uma trilha sonora original. E ter uma trilha que casa bem com o que está na tela faz uma bela diferença. Há até uma cena com utilização de vozes, numa espécie de ensaio de cinema falado.
A forte carga emocional da primeira parte do filme é impressionante. Na trama, homem casado trai a esposa com uma mulher da cidade. A tal mulher, pintada como uma tentação diabólica e sendo seguida de forma magistral pela câmera andando pela rua escura, passa pela casa do sujeito, assobia, e ele sai atrás dela, hipnotizado. A esposa fica em casa, triste e desolada. Mas o que chega para arrepiar mesmo é quando a amante faz uma proposta para o homem: matar a esposa, simulando um acidente de barco. E nesse momento, até mesmo os intertítulos são brilhantemente executados: as letras caem como se derretidas ou queimadas por algo maléfico. Genial.
E o coração do espectador bate mais forte ainda quando o homem convida a esposa para o passeio de barco. A cena do cachorro latindo como prenunciando o que poderia acontecer e se soltando loucamente para encontrar o barco é outro espetáculo. Como Murnau conseguiu executar esses momentos de forma tão brilhante? E na sequência em que o homem ameaça matar a esposa, já dentro do barco, Murnau havia colocado pesos nos pés do ator para dar a ele uma aparência ameaçadora.
O momento da reconciliação é outro ponto altíssimo do filme. Lágrimas caem no momento da cena da igreja, do arrependimento doloroso do marido, mas principalmente na forma amorosa como a esposa o recebe de volta e o perdoa. Aquilo é muito tocante. Afinal, como perdoar um homem que você ama, mas que pensou em matá-la? E, no lugar dele: como se sentir bem consigo mesmo depois de algo tão terrível? Murnau trabalha com a psicologia através das imagens de maneira impressionante. Sem falar nos efeitos especiais usados na sequência. E estamos ainda na metade do filme e por mais que tudo o que viesse a seguir fosse também ótimo, depois de ter atingido o ápice no meio do filme, fica difícil não achar tudo o mais inferior. Mas Murnau tem outras cartas na manga e outras sequências finais brilhantes.
AURORA é uma prova do quanto o cinema, ainda em sua fase muda, já não ficava atrás de outras artes centenárias.
P.S.: Carlos Primati, o mentor da saudosa Cine Monstro finalmente aderiu à blogosfera. O nome do blog: Cine Monstro! Beatriz Saldanha também inicia um blog dedicado ao cinema de horror: o Cinema Gato Preto. Garantia de boas leituras e aprendizados!