domingo, janeiro 03, 2010

AURORA (Sunrise: A Song of Two Humans / Sunrise)























Que tal começar o ano com uma obra-prima? E com um nome assim tão positivo e luminoso? Engraçado como a chegada do ano novo deixa a gente meio supersticioso, não é? Tudo na busca de um ano melhor. Este mês de janeiro promete ser bem hardcore pra mim, profissionalmente falando. Portanto, não sei se vou conseguir atualizar o blog com a mesma regularidade. Logo agora que eu estou com um monte de filmes acumulados para escrever a respeito. Comecemos o ano, então, com AURORA (1927), do gênio alemão F.W. Murnau.

A apreciação do filme foi mais um dos empurrõezinhos amigos de Martin Scorsese em seu documentário sobre o cinema americano. Nele, o cineasta cinéfilo destaca Murnau na categoria de ilusionista. Já havia percebido a genialidade de Murnau no trato com a câmera desde que fiquei impressionado com os travellings de A ÚLTIMA GARGALHADA (1924). AURORA foi a estreia de Murnau em Hollywood. E que estreia! Tudo bem que eu prefiro a primeira metade do filme à segunda, mas não há como negar a excelência da obra como um todo. E é sempre bom lembrar que o ano de 1927, justo o ano em que o cinema falado começava a dar os seus primeiros passos, era o ano em que o cinema mudo atingia o seu esplendor. E Murnau, de forma pioneira, já utilizava uma trilha sonora original. E ter uma trilha que casa bem com o que está na tela faz uma bela diferença. Há até uma cena com utilização de vozes, numa espécie de ensaio de cinema falado.

A forte carga emocional da primeira parte do filme é impressionante. Na trama, homem casado trai a esposa com uma mulher da cidade. A tal mulher, pintada como uma tentação diabólica e sendo seguida de forma magistral pela câmera andando pela rua escura, passa pela casa do sujeito, assobia, e ele sai atrás dela, hipnotizado. A esposa fica em casa, triste e desolada. Mas o que chega para arrepiar mesmo é quando a amante faz uma proposta para o homem: matar a esposa, simulando um acidente de barco. E nesse momento, até mesmo os intertítulos são brilhantemente executados: as letras caem como se derretidas ou queimadas por algo maléfico. Genial.

E o coração do espectador bate mais forte ainda quando o homem convida a esposa para o passeio de barco. A cena do cachorro latindo como prenunciando o que poderia acontecer e se soltando loucamente para encontrar o barco é outro espetáculo. Como Murnau conseguiu executar esses momentos de forma tão brilhante? E na sequência em que o homem ameaça matar a esposa, já dentro do barco, Murnau havia colocado pesos nos pés do ator para dar a ele uma aparência ameaçadora.

O momento da reconciliação é outro ponto altíssimo do filme. Lágrimas caem no momento da cena da igreja, do arrependimento doloroso do marido, mas principalmente na forma amorosa como a esposa o recebe de volta e o perdoa. Aquilo é muito tocante. Afinal, como perdoar um homem que você ama, mas que pensou em matá-la? E, no lugar dele: como se sentir bem consigo mesmo depois de algo tão terrível? Murnau trabalha com a psicologia através das imagens de maneira impressionante. Sem falar nos efeitos especiais usados na sequência. E estamos ainda na metade do filme e por mais que tudo o que viesse a seguir fosse também ótimo, depois de ter atingido o ápice no meio do filme, fica difícil não achar tudo o mais inferior. Mas Murnau tem outras cartas na manga e outras sequências finais brilhantes.

AURORA é uma prova do quanto o cinema, ainda em sua fase muda, já não ficava atrás de outras artes centenárias.

P.S.: Carlos Primati, o mentor da saudosa Cine Monstro finalmente aderiu à blogosfera. O nome do blog: Cine Monstro! Beatriz Saldanha também inicia um blog dedicado ao cinema de horror: o Cinema Gato Preto. Garantia de boas leituras e aprendizados!

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