sexta-feira, abril 28, 2006

DIÁRIO DE UM PADRE / DIÁRIO DE UM PÁROCO DE ALDEIA (Le Journal d'un Curé de Campagne)

  

Saindo de um mestre (Dreyer) e passando para outro (Bresson). Quem me dera ser um grande crítico para saber escrever bem sobre esses dois gigantes. Mas tem nada não: como sou adepto do lema punk ("do it yourself", "eu não sei fazer música mas eu faço" etc) e quero mesmo é aprender também, nada melhor do que me forçar a ler e a repassar o que eu aprendi, além, claro, de expressar minhas impressões, ainda que errôneas, sobre o filme. Recentemente eu assisti a dois filmes de Robert Bresson. 

Um deles foi DIÁRIO DE UM PADRE (1950), terceiro longa-metragem do homem, mas o primeiro verdadeiramente bressoniano. Foi a partir desse filme que Bresson estabeleceu sua estética: sua intenção de não mais usar atores profissionais, personagens que agem sem o uso da razão e que caminham sempre para uma evolução espiritual, dramaticidade oposta ao teatral, a fragmentação dos espaços, a importância daquilo que não é mostrado. 

François Truffaut, se não me engano, falou que é preferível ver um filme fraco de um grande autor do que um bom filme de um diretor medíocre. E nisso eu só tenho a concordar. Falando isso, não estou querendo dizer que DIÁRIO DE UM PADRE seja um filme fraco, mas é que esse filme não é uma obra-prima, como UM CONDENADO À MORTE ESCAPOU (1956), PICKPOCKET (1959) ou O PROCESSO DE JOANA D'ARC (1962). É um filme complicado de se entender. O mais complicado de Bresson que eu vi até agora. Partes do enredo ficam meio sem razão de ser, parecem sem importância. 

Acho que eu devo ter ficado mais interessado na saúde frágil do padre - ele tem um câncer no estômago e não come nada a não ser pão com vinho. Um dado interessante do filme é que de vez em quando falam para o padre de sua má fama. E, no entanto, o coitado não faz absolutamente nada de errado. Bresson esconde da gente certas coisas, talvez por preferir mostrar o filme sempre do ponto de vista do padre e de maneira bastante fragmentada, com elipses. 

DIÁRIO DE UM PADRE foi a primeira adaptação que Bresson fez de um livro de Georges Bernanos - a segunda foi MOUCHETTE, A VIRGEM POSSUÍDA (1967). Assim como o escritor, Bresson era bem católico. Ao lado de Hitchcock, Bresson está entre os maiores cineastas católicos. O que não quer dizer que ele defenda sempre a Igreja, que é mostrada como passível de erros, que o diga a pobre Joana D'Arc. Como o catolicismo lida com a culpa, com o sofrimento e com a purificação da alma, é natural que seus personagens passem por uma grande provação até atingir a redenção no final. Valendo destacar que a tal redenção muitas vezes é a morte.

quinta-feira, abril 27, 2006

A QUARTA ALIANÇA DA SRA. MARGARIDA (Prästänkan)

 

Não é sempre que se tem a chance de conferir uma boa amostra da excepcional filmografia de Carl Theodor Dreyer. Devo isso à minha amiga Carol, que fez a gentileza de me emprestar a coleção da Magnus Opus do maior cineasta dinamarquês de todos os tempos. Pretendo ver os filmes com calma e aos poucos escreverei algumas linhas sobre os filmes vistos. Dentro da coleção, o filme mais antigo é A QUARTA ALIANÇA DA SRA. MARGARIDA (1920). 

Esse é o segundo filme dirigido por Dreyer, sendo que o primeiro é THE PRESIDENT (1919). Confesso que tenho alguma resistência a filmes mudos. Principalmente quando não são comédias de Charles Chaplin. Acabo achando que o filme vai ser chato e cansativo. Felizmente, esse não é o caso desse título de Dreyer, que chega a ser até empolgante e engraçado. Bastante interessante o uso dos tons de azul, sépia e verde em determinadas cenas. 

A estória é das mais interessantes: Sofren, jovem aspirante a pastor, está noivo de Mari, mas o pai da moça só permite que os dois se casem quando o rapaz se tornar pastor da igreja. Ele consegue passar no "concurso" para pastor. O líder da congregação local havia morrido e deixado uma viúva - a Sra. Margarida do título. De acordo com os costumes locais, a viúva pode se casar com o novo pastor. No fim das contas, Sofren acaba se casando com a velha, apesar de ela ter idade para ser sua avó, de já ter enterrado três maridos e dos rumores que dizem que ela é uma bruxa. Ele leva Mari para a casa onde vive com a anciã, dizendo tratar-se de sua irmã. A fim de apressar a morte da velha, Sofren faz pequenas armadilhas. 

A temática da morte, comum na filmografia de Dreyer, já aparece forte nesse seu segundo filme. A qualidade do DVD está muito boa para um filme produzido em 1920. Isso se deve à masterização digital do negativo original. 

O DVD traz dois curtas dirigidos por Dreyer da fase falada: A TRAVESSIA (1948) é o meu preferido dos dois. Um casal atrasado para pegar o navio tenta chegar de moto a uma balsa em tempo recorde. Impressionante as tomadas. Não dá pra falar mais sob o risco de estragar a surpresa final. O GRANDE ESCULTOR (1949) é um documentário sobre as esculturas de Thorvaldesen. Esse artista fazia esculturas de uma perfeição impressionante. Parece até que as estátuas se movem. Mas Dreyer não se limita a falar apenas das obras do escultor e a religiosidade e a morte acabam sendo fortes elementos desse belo curta. Próximo Dreyer a ver: MIKAEL (1924). 

P.S.: Amanhã, dia 28, vai haver exibição de OS ÚLTIMOS DIAS DE PAPAI NOEL, divertidíssimo curta-metragem de Eduardo Aguilar. A exibição vai acontecer no Alltv, das 15 às 16 horas. Esse curta, eu já tive a oportunidade de ver. O próprio diretor me enviou uma cópia numa fita. Quem acompanha esse blog há mais tempo deve saber que eu sou admirador do trabalho do Aguilar. Pra não perder.

quarta-feira, abril 26, 2006

FASTER, PUSSYCAT! KILL! KILL!

  

Hoje estou de cama. Uma virose me pegou e me deixou arrebentado. Mas como já dormi um bocado e estou suando em bicas, vou tentar escrever alguma coisa para o blog para não deixá-lo parado. Falemos então de um filme que é um verdadeiro alien na cinematografia americana: FASTER, PUSSYCAT! KILL! KILL! (1965), o cultuado B-movie de Russ Meyer. Bom, não sabia muito sobre o filme e assim que ele começou, eu imaginei que se tratava de um filme leve e despretensioso sobre mulheres peitudas dançando e dirigindo em alta velocidade. Aos poucos é que vi que se tratava de um filme de suspense, mas um suspense bem diferente do que a gente está acostumado a ver. Uma coisa é certa: esse Russ Meyer é mesmo um autor. E olha que eu só vi esse filme dele. 

Na trama, três bad girls (Tura Satana, Lori Williams e Haji, sendo que a loira nem é tão malvada assim) encontram no deserto um jovem casal e passam a disputar uma corrida de automóveis. Depois de um grave desentendimento por causa da malvadeza das mulheres, o rapaz tem o seu pescoço quebrado por uma delas e morre. A partir desse momento, o filme muda de tom, vai ficando mais pesado. As coisas começam a se complicar quando as quatro vão parar numa fazenda onde vivem um velho paralítico e seus dois filhos, um deles deficiente mental. 

O filme é bastante representativo da década de 60, quando o rock n' roll e a contracultura imperavam, embora o cinema mainstream americano tenha demorado um pouco a se desvincular da caretice. Por isso os filmes mais ousados da época eram produções de baixo orçamento, como os filmes do Russ Meyer, os westerns vanguardistas de Monte Hellman ou as picaretagens do bem de William Castle. 

No caso de FASTER, PUSSYCAT! KILL! KILL!, Meyer inova ao mostrar os homens como vítimas e as mulheres como perversas e perigosas. Os seios grandes são o equivalente ao pênis masculino, dando à mulher a sensação de estar armada e poderosa. Parece que Hollywood vai fazer um filme sobre a vida de Russ Meyer, chamado BIG BOSOMS AND SQUARE JAWS. Pena que o diretor cotado é Rob Cohen, cineasta sem personalidade alguma. Tenho vontade de ver os filmes seguintes do diretor, bem mais generosos no quesito erotismo. Filme visto em divx.

terça-feira, abril 25, 2006

ABC DO AMOR (Little Manhattan)

 

Meu primeiro amor aconteceu quando eu tinha 9 anos de idade. Acho que fui um pouco precoce nesse sentido, embora as outras coisas tenham demorado um pouco mais para acontecer por culpa de minha timidez crônica. A menina era uma loirinha linda e de olhos verdes. Eu sonhava acordado com essa menina todas as noites. Sonhava que ela aparecia pela minha rua e eu conversava com ela, sonhava que a gente passeava romanticamente. Mas o meu lado pessimista vinha e destruía até mesmo meus sonhos. Eu perdia o controle deles. Geralmente aparecia algum ladrão ou algum sujeito com uma faca na mão e transformava o sonho num pesadelo. Quando eu passei para a quarta série, me apaixonei por outra menina. Dessa vez, uma morena. Foi uma paixão até maior e mais marcante, já que com essa eu falava, abraçava, beijava (no rosto) de vez em quando, disputava com um rival. Engraçado que esse rival tinha uma bicicleta e oferecia carona pra ela. Eu, obviamente, ficava morrendo de ciúmes. Aí pedi ao meu pai para comprar uma bicicleta pra mim. "Você está interessado em alguma menina da escola?", perguntou ele. "Não", disse eu, todo sem jeito. Como será que ele adivinhou, hein? 

Se eu não fosse tão tímido e tão travado até poderia conversar com o meu pai sobre essas coisas. Infelizmente não foi isso que aconteceu e meu pai sempre foi meio que um estranho pra mim. No fim das contas, ele não me deu a bicicleta - ele ganhava pouco, trabalhando de mecânico de automóveis. Na verdade, eu nunca aprendi a andar de bicicleta. E essa menina foi responsável pelo fato de eu ir para determinada escola pública, em vez da particular que minha mãe queria me colocar. Lembro que um dos momentos mais dor-de-cotovelo pra mim foi aquele em que eu a vi dançando numa festa da escola com o meu rival. Imagina, eu com dez, onze anos, chorando minha primeira desilusão amorosa. 

ABC DO AMOR (2005), a estréia na direção de Mark Levin, nos leva para esses momentos mágicos e um pouco constrangedores da nossa infância. O primeiro amor é mostrado como geralmente é: um sentimento forte demais para uma criança. Afinal, até as pessoas mais escaldadas sempre sofrem com o frio na barriga - que pode levar a perda de apetite -, o coração batendo mais forte quando perto da pessoa amada e a incrível capacidade de falar idiotices nos piores momentos, justo quando se quer impressionar a menina. O amor na infância é mais puro, não tem ligação com pensamentos sobre sexo ou algo do tipo. Não diria que é um amor mais espiritual, pois o fator estético desempenha um papel muito importante: eu, pelo menos, sempre me apaixonava pela mais bonita da classe. 

O filme trata com delicadeza de um tema até que pouco abordado pelo cinema. Que eu me lembre, tem a série ANOS INCRÍVEIS e o desenho animado da turma do Charlie Brown, que mostrava o carequinha tendo um colapso nervoso sempre que tinha que passar perto da "Garotinha Ruiva". Em ABC DO AMOR, o garoto tem sua vida virada de cabeça para baixo quando, na aula de caratê, se vê apaixonado por uma menina. Sua chance de se aproximar dela surge quando ele passa a ser o parceiro dela durante as aulas. Depois, ela o chama para treinarem juntos em sua casa. Se há um ponto que possa depor contra o filme, talvez esteja nos diálogos, um pouco maduros demais para a idade deles. Eles conversam, por exemplo, sobre o rápido amadurecimento das meninas, enquanto os meninos continuam agindo como crianças durante um bom tempo. Mas, por outro lado, o fato de os personagens serem mais maduros psicologicamente torna o filme mais atraente para o público adulto. Mais até do que para as crianças, eu diria. 

Há até quem compare o filme a MANHATTAN do Woody Allen, já que a ilha de Manhattan também é mostrada com carinho na fotografia, também em scope. Um dos momentos mais belos do filme é quando a menina o convida para ir ao show de um cantor com os pais dela. É quando ele tem a oportunidade de pegar na mão dela. Na narração em off, ele diz que não lembra direito o que o artista estava cantando, mas que deve ter tudo a ver com aquele momento de felicidade que ele estava vivendo. Difícil não nos colocarmos um pouco no lugar do garoto, sentirmos aquele friozinho na barriga, sentir um pouco de sua ansiedade, especialmente quando ele percebe que precisa agir se não quiser que a relação dos dois fique apenas na amizade. Eu diria que ABC DO AMOR é um dos mais belos filmes sobre o amor que eu já vi. E que se torna ainda mais belo graças àquele final, meio agridoce.

segunda-feira, abril 24, 2006

BRASÍLIA 18%

  

Um alívio poder ver um filme nacional com sabor de década de 80, parecido com aqueles distribuídos pela extinta Embrafilme. Ultimamente eu ando um pouco enjoado de filmes com cara de novela da Globo. E por mais que BRASÍLIA 18% (2006) tenha os seus problemas, o filme de Nelson Pereira dos Santos é uma delícia de se ver. Muita gente anda reclamando de uma certa ingenuidade do diretor em relação à política brasileira. Dizem que ele foi pouco sutil também. Pode até ser, mas que bom que Nelson não fez um thriller político e chato. Que bom que ele fez um filme ambíguo, alucinatório, generoso (no quesito nudez feminina) e divertido. 

Uma das diversões do filme está nos nomes que o diretor deu para os seus personagens, a maioria com nomes de escritores brasileiros. (Será que tem algo a ver com o fato de Nelson Pereira dos Santos ter sido escolhido como membro da Academia Brasileira de Letras?) Assim, o personagem de Carlos Alberto Riccelli chama-se Olavo Bilac; o homem acusado de ter matado a assessora parlamentar é Augusto dos Anjos. Outros nomes conhecidos, como os de Machado de Assis, Gregório de Matos, Rui Barbosa, Jean-Paul Sartre, também são citados. Castro Alves, o poeta favorito de Nelson, foi poupado dessa brincadeira. Outra coisa: posso estar viajando, mas tenho impressão que o nome dado à personagem de Malu Mader (Georgina Romero) foi uma homenagem ao cineasta George Romero. 

Na trama, Riccelli é um médico legista chamado de Los Angeles para elaborar o laudo de um corpo encontrado. Suspeita-se que o corpo seja de Eugênia Câmara (Karine Carvalho), uma jovem assessora parlamentar desaparecida e que, dizem, estaria prestes a denunciar fraudes envolvendo políticos poderosos. A intenção dos políticos é "comprar" o médico para que ele assine logo o laudo implicando a culpa no cineasta namorado da moça, que a teria matado depois de ter visto um vídeo em que ela fazia sexo com dez homens num inferninho. Nesse sentido, o filme até se assemelha a TWIN PEAKS, a série de David Lynch. Enquanto isso, Olavo Bilac tem alucinações com sua falecida esposa (Bruna Lombardi) e com a tal moça. Um detalhe interessante é que Karine Carvalho, sempre que aparece para ele, aparece como veio ao mundo. 

Quando o filme se aproxima do final, em vez de obtermos as respostas para nossas perguntas, ficamos ainda mais sem chão, especialmente na cena final dentro do avião. Não que ela seja de natureza fantástica, mas do ponto de vista da ironia. Independente do que Nelson Pereira dos Santos tenha intencionado dizer com esse filme, sua narrativa é prazerosa o suficiente para me deixar feliz ao sair do cinema. Também fiquei feliz de ter tido a chance de ver no cinema um filme inédito de um lendário e importante cineasta, um homem que mereceria ser mais respeitado. Torço para que alguma distribuidora lance em DVD sua filmografia de mais de vinte títulos.

domingo, abril 23, 2006

16 QUADRAS (16 Blocks)

 

Richard Donner foi um dos mais importantes diretores de filmes de ação de Hollywood. O homem é mais veterano do que se imagina. Ele começou dirigindo seriados de televisão no final dos anos 50. Só nos anos 70 é que ele ficaria famoso, dirigindo os sucessos A PROFECIA (1976) e SUPERMAN (1978). Nos anos 80, ele atingiu o auge com O FEITIÇO DE ÁQUILA (1985), OS GOONIES (1985) e a bem sucedida franquia MÁQUINA MORTÍFERA (1987), que se estendeu para a década seguinte. Foi com essa série estrelada por Mel Gibson e Danny Glover que Donner mostrou o seu potencial como mestre dos filmes de ação. Pena que depois do quarto filme da série (1998), Donner não fez mais nada digno de nota. 

16 QUADRAS (2006) é meio como um retorno ao grande estilo. Bom, ao menos, é um bom filme policial, coisa que está faltando no cinema made in Hollywood. Os americanos sabem que estão perdendo território para os seriados de televisão e para as produções de Hong Kong e da França. Tanto que estão exportando cineastas de fora para darem novo ânimo ao cinemão. O próprio Bruce Willis estreou um filmaço dirigido por um francês, o subestimado REFÉM, de Florent Emilio Siri. 16 QUADRAS é uma espécie de atualização de ROTA SUICIDA, de Clint Eastwood. A história de um policial que luta contra outros policiais a fim de defender suas crenças. O filme não dá tudo de bandeja para o espectador. Só aos poucos vamos sabendo as reais motivações do personagem de Willis e dos vilões, chefiados por David Morse. Willis faz o papel de um tira deprimido e beberrão que, num dia de ressaca, recebe a tarefa de levar um presidiário (Mos Def) para o tribunal. No meio do caminho, obviamente, as coisas se complicam. 

O personagem de Bruce Willis é uma pequena variação dos tipos que ele têm apresentado recentemente. É a figura do tira meio desanimado. Dessa vez, tem até o detalhe do cabelo e do bigode grisalhos e da barriga de cerveja. Em certo momento, quando ele conversa no carro com Mos Def, ele chega a dizer que a vida é longa demais. Parece que esse tipo de personagem, meio zumbi, começou na carreira de Willis com os filmes de Shyamalan, O SEXTO SENTIDO (1999) e CORPO FECHADO (2000). Desde então, ele parece não conseguir fugir disso. Willis nunca foi mesmo um bom ator, mas é com certeza um astro de carisma. E boa parte do sucesso de 16 QUADRAS se deve a ele, embora as cenas de tiroteio e dos carros se espatifando nas ruas, a cargo de Donner também contem pontos. Mas sei lá, sou mais o Jack Bauer.

sábado, abril 22, 2006

INSTINTO SELVAGEM 2 (Basic Instinct 2: Risk Addiction

 

INSTINTO SELVAGEM (1992), o clássico filme de Paul Verhoeven, foi revolucionário ao subverter o film noir dos anos 40, levando a figura da femme fatale às últimas conseqüências e trazendo cenas de sexo que se aproximavam do explícito dentro do cinemão americano. Quem assistiu e lembra com saudade desse filme, de sua violência brutal, da famosa cruzada de pernas de Sharon Stone, do sexo selvagem entre Michael Douglas e Jeanne Tripplehorn, da música de Jerry Goldsmith, entre outras várias coisas, quem curtiu o primeiro INSTINTO SELVAGEM vai querer ver de novo um pouco daquilo, embora o cheiro de bomba esteja no ar o tempo inteiro. É a tal coisa: a gente sabe que o filme não vai ser grande coisa, mas como resistir ao ver as pernas desnudas de Sharon Stone no cartaz? Como, meu Deus, como? Só se eu entrasse para um mosteiro ou algo do tipo. E como dizia Oscar Wilde, eu resisto a tudo, menos às tentações. Resolvi correr risco e caí na armadilha: INSTINTO SELVAGEM 2 (2006) não vale o tempo que se gasta o assistindo, quanto mais o caro valor do ingresso.
  
O filme começa com Catherine Tramell (Sharon Stone) dirigindo um carro luxuoso com um homem ao lado. Ela dirige em alta velocidade e o homem, visualmente afetado por drogas, a masturba. Ela goza e o carro sai de linha e cai num lago. Ela não se esforça muito para tirá-lo do carro e salva apenas a si mesma. Tramell é acusada de assassinato, mas é inocentada, graças ao diagnóstico de um psiquiatra (David Morrissey), que diz que ela é uma viciada em riscos. Ela se aproxima do médico e pede para fazer um tratamento com ele. Ele aceita, mesmo sabendo que pode ser tudo um jogo. 

Embora já soubesse da inferioridade desse filme em relação ao original, ainda esperava que se tratasse de um bom exploitation, um desses filmes que não têm vergonha de apelar para o erotismo e para a violência. Ora bolas, era isso mesmo que a gente quer ver. Ao menos Sharon Stone continua linda. Ela já é uma mulher quase chegando na casa dos cinqüenta, mas nem parece. Rosto lindo, corpo belíssimo. Pena que o filme não soube aproveitar o que tinha de melhor. O ritmo é modorrento, o protagonista (Morrissey) não tem o menor carisma, Sharon Stone não aparece matando ninguém, a fotografia é mal cuidada, os diálogos são toscos, o músico contratado é outro, mas o tema de Goldsmith continua lá tentando empurrar com a barriga uma suposta emoção. Mas o pior de tudo é o sexo: mais fraco que os soft porns pasteurizados do Cine Privê. Há ainda uma chance de se ver cenas cortadas numa versão "do diretor", lançada em DVD. Mas quem viu esse negócio no cinema, não vai querer perder tempo vendo uma versão estendida. 

Que saudade dos filmes do Verhoeven. O homem está sumido desde O HOMEM SEM SOMBRA (2000). Já são longos seis anos sem sua presença nas telas. Ah, e eu nem falei: o diretor desse fiasco é Michael Caton-Jones, diretor pau mandado de filmes medianos. Seu melhor trabalho talvez seja O CHACAL (1997).

quinta-feira, abril 20, 2006

TOP 20 ANOS 80

1. SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, de Peter Weir
2. O HOMEM-ELEFANTE, de David Lynch
3. HARRY E SALLY - FEITOS UM PARA O OUTRO, de Rob Reiner
4. O SACRIFÍCIO, de Andrei Tarkovski

5. UM TIRO NA NOITE, de Brian De Palma
6. A MANSÃO DO INFERNO, de Dario Argento
7. TOURO INDOMÁVEL, de Martin Scorsese
8. PARIS, TEXAS, de Wim Wenders

9. DE VOLTA PARA O FUTURO - PARTE II, de Robert Zemeckis
10. EROS, O DEUS DO AMOR, de Walter Hugo Khouri
11. ESTRANHOS NO PARAÍSO, de Jim Jarmusch
12. SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE, de Steven Soderbergh

13. DRUGSTORE COWBOY, de Gus Van Sant
14. A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, de Philip Kaufman
15. TÚMULO DOS VAGALUMES, de Isao Takahata
16. CONQUISTA SANGRENTA, de Paul Verhoeven

17. ERA UMA VEZ NA AMÉRICA, de Sergio Leone
18. A OUTRA, de Woody Allen
19. CHRISTINE, O CARRO ASSASSINO, de John Carpenter
20. A MOSCA, de David Cronenberg

No mês de maio, a Liga dos Blogues Cinematográficos vai eleger os melhores filmes da década. O pessoal já está se movimentando, mandando seus rankings. Como aconteceu com o ranking dos anos 90, eu pretendia colocar a minha lista apenas depois do resultado final, mas como o Chico também já divulgou a lista dele e a minha já estava pronta, aqui vai ela.

Essa relação é bastante pessoal e segui apenas a minha memória afetiva. Dos vinte títulos desse ranking, apenas seis eu tive a sorte de ver no cinema. É um número até razoável, levando em consideração o fato de que o ano oficial do início de minha cinefilia é 1989. Os outros títulos foram vistos na televisão, ou descobertos mais recentemente.

A presença de SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS no pódio se justifica principalmente pelo grande impacto que o filme teve em mim, cinéfilo iniciante. Foi o único filme que eu vi três vezes no cinema e de certa forma me incentivou a fazer o curso de Letras. Mesmo nos dias de hoje, quando revejo certas cenas, o filme de Peter Weir permanece belo e emocionante. Outro filme marcante do início de minha cinefilia foi a comédia romântica HARRY E SALLY - FEITOS UM PARA O OUTRO, filme que de tempos em tempos eu costumo rever. Inclusive, teve um reveillon que eu fiquei em casa sozinho e resolvi assití-lo. Nunca Meg Ryan esteve tão linda e encantadora. E eu sai do cinema literalmente pulando de alegria. Alegria e entusiasmo, eu também senti durante toda a projeção de DE VOLTA PARA O FUTURO - PARTE II. Dos três da série, esse é o meu favorito e o único que me deixou eufórico.

O HOMEM-ELEFANTE, de David Lynch, acabou por passar à frente de quase todos depois que o revi em DVD. Que obra extraordinária essa do Sr. Lynch, esse que eu considero um dos maiores cineastas vivos e um dos poucos que podem entrar na categoria de gênio. Ao menos é assim que eu o vejo. Quanto a O SACRIFÍCIO, de Tarkovski, vê-lo é como entrar numa janela para outro mundo, onde as coisas acontecem mais lentamente. Se no cinema de Tarkovski cada quadro, cada objeto é dotado de uma importância tremenda, imagine se o homem de repente fala sobre o fim do mundo. De arrepiar.

Os anos 80 foram anos de ouro para Brian De Palma. Por isso, foi muito difícil escolher entre UM TIRO NA NOITE, VESTIDA PARA MATAR e DUBLÊ DE CORPO, três obras-primas inspiradas no mestre Hitchcock. Mas como eu vi UM TIRO NA NOITE na janela correta e o filme me pegou, então, vai ele mesmo. Outro especialista em thrillers presente no ranking é Dario Argento, com seu genial A MANSÃO DO INFERNO, experiência onírica e viajante que compete com SUSPIRIA (1977) na minha preferência.

Woody Allen não poderia faltar e eu escolhi um de seus mais belos dramas bergmanianos: A OUTRA. De Paul Verhoeven, ainda devo a mim mesmo uma revisão decente de ROBOCOP (1987), então, posso dizer que CONQUISTA SANGRENTA, por enquanto, é o meu favorito de sua fase oitentista. Sangrento e sensual como poucos filmes americanos poderiam ser. De John Carpenter, fiquei com o delicioso CHRISTINE, O CARRO ASSASSINO, um de seus trabalhos mais subestimados. De David Cronenberg, o repulsivo A MOSCA continua sendo o meu preferido de toda sua filmografia.

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, eu tive o prazer de ver no cinema, dias depois de ter lido o livro de Milan Kundera. O filme tem o mérito de não diluir a obra do escritor, coisa que geralmente acontece nesse tipo de adaptação. Sem falar que ver a nudez de Juliete Binoche e Lena Olin, as duas na flor da idade, não tem preço. O sexo também fala alto na estréia triunfal de Steven Soderbergh, com o premiado SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE. Outro cineasta que começou com o pé direito foi Gus Van Sant, com o seu excelente DRUGSTORE COWBOY.

Como resolvi colocar apenas um filme por diretor, foi um dilema escolher entre PARIS, TEXAS (que eu vi na tv) e ASAS DO DESEJO (visto no cinema). Acabou vencendo o drama intimista sobre a redescoberta de um homem que havia perdido tudo, até sua própria identidade. É uma obra bastante melancólica. Mas triste mesmo é a animação GRAVE OF FIREFLIES, que faz chorar até os de coração mais duro.

TOURO INDOMÁVEL, ainda pretendo rever em DVD. A falta de tempo não tem me permitido ir à locadora. Mas pela minha memória, da vez que o assisti na televisão, o filme de Scorsese continua imbatível dentro da década de 80. Também pude ver na tv a obra-prima de Jim Jarmursch, ESTRANHOS NO PARAÍSO, no tempo em que a Band passava filmes de vanguarda na madrugada.

O cinema nacional na década de 80 pode não ter sido tão bom quando nas duas décadas anteriores, quando esteve no seu auge, mas coisa boa não faltava. Como Walter Hugo Khouri é um de meus cineastas preferidos, não podia faltar um filme do mestre no meu ranking. Escolhi EROS, O DEUS DO AMOR, todo narrado em câmera subjetiva e com uma carga erótica impressionante. É um dos mais geniais filmes do cinema nacional.

Outros filmes excepcionais que poderiam estar na lista: O TURISTA ACIDENTAL, VELUDO AZUL, VESTIDA PARA MATAR, DUBLÊ DE CORPO, HANNAH E SUAS IRMÃS, A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO, O REI DA COMÉDIA, NAUSICAÄ OF THE VALLEY OF THE WINDS, LAPUTA: CASTLE IN THE SKY, ASAS DO DESEJO, AMOR, ESTRANHO AMOR, UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES, OS ELEITOS, FANNY E ALEXANDRE, ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO?, OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA, INDIANA JONES E O TEMPLO DA PERDIÇÃO, FACA DE DOIS GUMES, KUARUP.

Aguardem o Top anos 70 pra daqui a alguns meses.

P.S.: Quem souber como conseguir, ou puder me enviar, o cartaz de EROS, O DEUS DO AMOR, do saudoso Khouri, favor me ajudar.

quarta-feira, abril 19, 2006

NASCIDO PARA LUTAR (Kerd Ma Lui / Born to Fight)

  

Quando um amigo meu me falou que estava de posse de uma cópia em DVD de NASCIDO PARA LUTAR (2004), eu falei: "rapaz, traz esse negócio pra eu ver." Já tinha ouvido falar que era um troço inacreditável (pelos comentários do Diogenes na Canibal e pelos blogs do André e do Renato), mas não tinha noção do quanto. A seqüência inicial é de cair o queixo, já que os atores/dublês despencam de cima dos caminhões em alta velocidade sem medo de quebrarem todos os ossos do corpo. Só vendo pra crer. Imagino o quanto esse povo deve ter sofrido pra fazer esse filme. Deixa os filmes da série POLICE STORY, do Jackie Chan, parecerem bricandeira de criança. 

A história é simples, meio ridícula até, mas é bem envolvente: policial (Dan Chupong) prende um chefão de contrabando numa operação que custou a vida de seu parceiro. A fim de relaxar um pouco depois do trauma recente, ele viaja com a irmã, uma ginasta que vai participar de uma missão humanitária junto com outros atletas num vilarejo pobre do interior. As coisas vão bem até que, sem mais nem menos, um grupo de homens armados massacra a população do vilarejo e fica com o restante como refém. Eles querem que o seu líder, o chefão que o protagonista havia prendido no começo do filme, seja libertado. Caso contrário, eles lançarão mísseis nucleares sobre a capital. O legal é que na hora que os bandidos deixam tocar o hino da Tailândia nos megafones, os reféns, sentindo-se envolvidos pelo espírito patriótico, começam a cantar juntos o hino e decidem lutar, ainda que sem armas, contra os vilões. É preciso haver um sacrifício para que as vidas de mais pessoas sejam poupadas. Poucas vezes eu vi um sentimento patriótico mostrado de maneira tão bonita quanto nesse filme. E olha que é um filme que nem dá pra se levar muito a sério. 

NASCIDO PARA LUTAR é estrelado basicamente por campeões olímpicos tailandeses. Os momentos ridículos do filme ficam por conta de alguns figurantes nas cenas de luta dos aldeões e dos ginastas contra os malvados vilões. Em alguns momentos, além da utilização de câmera lenta, há também replays. Fica engraçado ver replays nas cenas em que um jogador de futebol chuta bolas pesadas na cabeça de seus inimigos, utilizando suas habilidades futebolísticas. 

Interessante notar que a Tailândia tem uma cinematografia até que bastante diversa, a julgar pelos exemplares que têm pintado por aqui recentemente. Além de vir de lá um dos filmes de arte mais incensados dos últimos tempos (MAL DOS TRÓPICOS), não custa lembrar que o filme de terror mais assustador do ano (ESPÍRITOS - A MORTE ESTÁ AO SEU LADO) também veio de lá. No território da porradaria, além desse NASCIDO PARA LUTAR, tem nas locadoras pra alugar ONG-BAK: GUERREIRO SAGRADO (2003), que dizem também ser muito bom. É melhor o pessoal de Hong Kong tomar cuidado, senão daqui a pouco os tailandeses vão tomar o cinturão de ouro deles de reis do cinema de ação. 

P.S.: Recebi hoje a nova Paisà. Ainda não terminei de ler, claro, mas dei uma folheada e li o comecinho. Parece estar excelente.

terça-feira, abril 18, 2006

O NOVO MUNDO (The New World)

 

O adjetivo "sensacional" se adequa perfeitamente aos filmes de Terrence Malick, em especial a este O NOVO MUNDO (2005), sua mais recente empreitada nas telas. Digo "sensacional" porque Malick é o cineasta das sensações, dos sentidos, da busca da beleza no mundo físico e sensorial. Seus personagens vivem intensamente cada momento. Assim que começa o filme, John Smith, o personagem de Colin Farrell, está preso dentro do navio que se aproxima da costa do estado da Virgínia, no início da colonização americana. Ele estava preso por indisciplina e iria ser enforcado, mas logo seu superior o perdoa e ele passa a chefiar uma expedição pelo território selvagem em busca de mantimentos e ouro. É quando ele é capturado pelos índios. Novamente ele é salvo pela compaixão, dessa vez pelo amor de uma mulher, uma jovem índia, uma princesa, a preferida das filhas do cacique. Por causa desse amor, mais tarde essa moça trairá a confiança de sua tribo e será renegada. Essa é a famosa história de Pocahontas, mais conhecida por causa do desenho animado da Disney, de 1995. 

O NOVO MUNDO é cinema-poesia. Malick se preocupa menos em contar uma história e mais em nos deixar maravilhados com a beleza natural daquele mundo selvagem. Impossível não ficar maravilhado com a fotografia do mexicano Emmanuel Lubezki, de A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA e E SUA MÃE TAMBÉM. A fim de ampliar o nosso prazer estético, além da beleza visual, a música também contribui para que sejamos levados para aquele mundo, como se estivéssemos respirando o ar da floresta. A música original é de James Horner, mas ouvimos também composições de Mozart e Wagner. Quando a música pára, ficamos com o som da floresta - o barulho das águas, o canto dos pássaros, o som dos animais silvestres. 

O cinema é basicamente feito de visão e audição, mas O NOVO MUNDO nos aproxima também dos outros sentidos. Talvez por isso o sentimento de frustração de vez em quando acontece, já que sente-se vontade de se aprofundar nas sensações que o filme provoca, o que nem sempre é possível. (Quem sabe, sob efeito de alguma droga relaxante, esse aprofundamento aconteça.) Em certa cena, a índia (Q'Orianka Kilcher, que tinha apenas 15 anos durante as filmagens) pergunta ao seu marido (Christian Bale) porque existem as cores. Interessante essa preocupação, já que desde o começo o filme nos dá uma consciência da beleza das cores do mundo, seja pelo céu azul, o verde da vegetação, o colorido das tintas nos corpos dos índios, a roupa dos ingleses, o luxo da côrte do Rei James. 

Interessante notar também as narrativas reflexivas dos três personagens principais. Essas narrativas entrecortam os diálogos, não esperam que tudo fique mudo, não acontecem no início das cenas. Elas invadem a ação. Essas vozes, ditas em tom calmo e sereno, passam um sentimento de paz que contamina as seqüências de guerra. Aliás, o filme até evita a violência, não mostrando o sangue nas batalhas. Até mesmo a paixão da índia por John Smith é substituída pelo amor mais realista e maternal quando ela entra em contato com o personagem de Bale. Tudo no filme é um convite à paz, à contemplação, à meditação. Como se o modo de vida dos nativos americanos encontrasse o zen-budismo. 

P.S.: Já está disponível no site do Cinema com Rapadura minha mais nova coluna. O assunto é: rever filmes.

segunda-feira, abril 17, 2006

O ALBERGUE (Hostel)

 

O fim de semana prolongado foi bem legal. Fui para uma casa de praia no Porto das Dunas com praticamente a mesma turma do ano passado. É sempre um prazer estar perto de pessoas inteligentes e de papo agradável e interessante. Os jogos de mesa, a piscina e as sessões de SEINFELD também contribuíram para que o feriadão fosse dos melhores. Pena que quando cheguei em casa ontem, meu computador tinha pifado. Como eu já estava pensando em comprar outro mesmo, parece que essa vai ser a oportunidade de montar uma máquina melhor e mais forte. 

No dia anterior à viagem, fui conferir O ALBERGUE (2006), de Eli Roth. Trata-se de um filme desaconselhável para audiências mais sensíveis, já que é quase impossível, mesmo para quem já está acostumado com gore, ficar indiferente às cenas de tortura e violência gráfica. Em alguns momentos, eu até questionei se esse tipo de filme - assim como o australiano WOLF CREEK - VIAGEM AO INFERNO - não seriam exercícios de masoquismo de nossa parte (ou de sadismo, se nos divertimos com as cenas mais perturbadoras). Porém, essa violência crescente nos filmes parece inevitável, ainda mais com essa onda de revival do horror rural americano e da popularização dos filmes japoneses mais hardcore. Por falar em japa hardcore, O ALBERGUE conta com uma ponta do maluco Takashi Miike, ídolo de Roth. 

Na trama, três rapazes, em férias na Europa e passando por Amsterdã, recebem uma dica de um lugar que é um verdadeiro paraíso para os marmanjos em busca de mulheres lindas e loucas por sexo. O lugar seria um pouco escondido e situado na Bratislava, capital da Eslováquia. O sujeito que deu o endereço pros rapazes disse que lá é onde existem as mulheres mais lindas do mundo. (Bom, eu tinha ouvido falar que era na Hungria, mas como é país vizinho...) Assim que eles chegam lá, eles não se decepcionam. O albergue conta com uma sauna onde homens e mulheres ficam nus e as meninas são bastante receptivas e atraentes. À noite é só felicidade: festa, drogas e muito sexo. A coisa começa a ficar sinistra quando um dos rapazes desaparece sem deixar vestígio. Aí o filme muda de tom e o bicho começa a pegar. E pega pesado. Não vão faltar dedos decepados, tendões partidos, uma assustadora serra elétrica e gente tendo o olho perfurado. Perturbador. 

Interessante que os atuais filmes do gênero, diferente dos SEXTA-FEIRA 13 nos anos 80, têm apresentado menos personagens. Logo, são menos mortes e mais momentos de tensão. De certa forma, isso funcionou como um consolo pra mim, que não estava muito disposto a ver mais gente sendo torturada até a morte. O ALBERGUE é mais uma evolução na carreira de Eli Roth, que já tinha mandado bem com CABANA DO INFERNO (2003). Se esse novo filme não for melhor, com certeza, é bem mais memorável que o anterior. E ainda tem o aval de gente como Miike e Quentin Tarantino, que aparece como produtor executivo, tendo seu nome destacado no cartaz, servindo de chamariz.

quinta-feira, abril 13, 2006

VIVER A VIDA (Vivre sa Vie: Film en Douze Tableaux)

  

Finalmente um filme de Jean-Luc Godard que me deixou extasiado. Acho que isso aconteceu pelo fato de o filme ser um dos mais tristes da filmografia do diretor e todos os outros que eu vi tangenciavam a paródia, tinham um senso de humor peculiar e todo do diretor. Humor é algo muito particular. Mas a tristeza não: ela é universal. E como eu tenho uma queda pela melancolia nas artes ("I only listen to the sad sad songs"), VIVER A VIDA (1962) me pegou. 

Desde os primeiros acordes da música de Michel Legrand até aquele trágico e abrupto final, passando pelas experimentações vanguardistas do diretor e a divisão do filme em capítulos, VIVER A VIDA é uma dessas maravilhas que o cinema gera e que fica guardado no nosso coração e na nossa mente muito provavelmente até nossa morte. Claro que ainda é cedo para ficar proclamando que VIVER A VIDA é o meu Godard favorito - o homem tem uma filmografia de mais de 70 títulos e eu só assisti até agora a apenas nove, incluindo aí três curtas -, mas por enquanto posso dizer que é. E o filme deve crescer ainda mais numa revisão. 

VIVER A VIDA é a história de uma mulher que vende seu corpo para preservar sua alma. Por causa da temática quase espiritual, o filme se aproxima das obras de Robert Bresson e Carl Theodor Dreyer. Inclusive, numa cena, Anna Karina vai ao cinema e assiste ao clássico A PAIXÃO DE JOANA D'ARC, de Dreyer. Em alguns momentos Karina até fica parecida com Maria Falconetti, especialmente quando ela chora enquanto vê o filme. O primeiro capítulo mostra Karina conversando com um homem, os dois de costas o tempo inteiro. Eles estão sentados no balcão de um bar e a câmera em nenhum momento mostra seus rostos, a não ser através de um espelho. Num outro capítulo, vemos detalhes de como o negócio da prostituição se desenvolve. No caso da personagem de Karina, entrar no mundo da prostituição foi a única saída, já que nem mesmo entrar no seu quarto alugado ela podia mais, por falta de dinheiro. Outra seqüência linda é aquela que mostra Karina cantando e dançando num bar enquanto alguns homens jogam sinuca. O gosto de Godard pela leitura aparece quando ouvimos trechos de "O Retrato Oval", de Edgar Allan Poe. 

Se não conseguir cópia de O PEQUENO SOLDADO (1963), devo alugar RO.GO.PA.G (1963), projeto coletivo em que Godard dirige um segmento. Os outros três são dirigidos por Roberto Rossellini, Pier Paolo Pasolini e Ugo Gregoretti. 

Agradecimentos, mais uma vez, a Carol Vieira, que me emprestou esse belo DVD lançado no Brasil pela Magnus Opus.

quarta-feira, abril 12, 2006

QUANDO UM ESTRANHO CHAMA (When a Stranger Calls)

 

Na última segunda-feira resolvi tirar um dia de folga do meu trabalho diurno. É sempre bom poder dormir até às onze da manhã pra colocar um pouco em dia o sono atrasado. Pena que quando se acorda tarde, perde-se metade do dia. Mas, por outro lado, se ficarmos preocupados com o que se perde durante o dia, não se dorme mais. Pois bem. Nesse meu dia de folga, aproveitei, claro, para ir ao cinema. As opções não andam lá tão interessantes, mas filmes de terror e suspense sempre são atraentes para mim. Como tinha chegado atrasado no domingo para a sessão de QUANDO UM ESTRANHO CHAMA (2006), aproveitei a oportunidade para ir vê-lo na segunda. Mas não foi uma tarefa tão fácil. Antes, passei no Centro para fazer uma transferência no banco. Retirar dinheiro de um banco e depositar no outro. Na fila do depósito do Banco do Brasil, vivi um momento de pesadelo. Estava apressado para pegar logo o ônibus pro Iguatemi e uma mulher estava usando a fila de depósito da agência para fazer um monte de pagamentos. Ela ficava o tempo inteiro brigando com um menino que insistia em botar a mão na máquina, impedindo a leitura do código de barras. Pior do que o menino, só mesmo a voz irritante da mulher, que gritava para a agência inteira ouvir: "Tiago, não mexe, Tiago. Tu tá me atrapalhando..." E eu ficava fazendo careta, prestes a desistir da fila. Mas como não sou de desistir fácil - pelo menos para certas coisas - consegui chegar na máquina e efetuar o depósito. Agora era sair dali correndo e com sorte estar em meia-hora no Iguatemi. 

Ir do Centro para o Iguatemi de ônibus não é nenhuma maravilha. Ainda mais quando se está atrasado. Nem vou contar do micro-ônibus de linha lotado e da menina que passou mal. Resultado: cheguei atrasado dez minutos para ver o filme. Contrariando meus princípios, e me recusando a ir embora "com as mãos abanando", comprei o ingresso assim mesmo. Na pressa, não passei no banheiro para lavar o rosto e ainda comprei uma garrafa de água mineral daquelas bem caras que eles vendem nos bombonieres do UCI. Depois de toda essa maratona, quando cheguei na sala, só havia um senhor assistindo ao filme e a tela estava com uma tarja preta em cima e embaixo. Como eu já estava bastante irritando, saí imediatamente da sala puto da vida pra reclamar lá. "A sala 7 tá com problema. Uma mancha preta em cima e embaixo. Não dá pra assistir. Não tem como voltar o filme, não?". Aí o rapaz que recebe o ingresso, muito gentilmente, e ignorando o meu mau humor, ligou lá para o projecionista. E não é que eles voltaram o filme mesmo? Desde o começo? Que sorte a minha, hein. Senti como se tivesse uma espécie de anjo da guarda ou santo protetor dos cinéfilos do meu lado. Ou então, eles já estão me reconhecendo de tanto eu ir lá e acham que eu sou algum jornalista. Mas sabe o que foi mais legal? Ao contrário do que a crítica em geral anda dizendo, eu gostei muito do filme. Assisti do começo ao fim com prazer e interesse. Entre os blogueiros cinéfilos, o único que eu vi elogiando o filme foi o Tobey

Apesar de, para as novas gerações, parecer mais um prolongamento do prólogo de PÂNICO, de Wes Craven, QUANDO UM ESTRANHO CHAMA é uma refilmagem de MENSAGEIRO DA MORTE (1979), de Fred Walton. Inclusive, dando uma olhada na filmografia de Walton no IMDB, vi que ele chegou a dirigir para a televisão WHEN A STRANGER CALLS BACK (1993), que a julgar pelo título deve ser uma espécie de continuação do filme original. A nova produção foi dirigida por Simon West, de CON AIR (1997) e LARA CROFT: TOMB RAIDER (2001). Nesse suspense modesto, ele pôde mostrar melhor seus dotes como diretor, caprichando nos travellings, na ambientação, na construção da atmosfera, na escolha da atriz principal. Quer dizer, nem sei se foi ele quem escolheu a atriz, mas a gente agradece assim mesmo. Camilla Belle é um colírio para os olhos. Ela está em O MUNDO DE JACK E ROSE (2005), de Rebecca Miller. Camilla lembra um pouco a Elisha Cuthbert, só que morena.  
O filme tem uma estrutura bem simples. No começo, ficamos sabendo de um serial killer. O que ele faz com as vítimas não é mostrado. Em seguida, conhecemos a personagem de Camilla, uma jovem que está de castigo por ter exagerado na conta do celular. Seu castigo é ficar sem carro, sem celular e ainda servir de baby sitter numa casa super-luxuosa. A casa, aliás, é uma atração à parte do filme. Fiquei tão fascinado com a casa quanto a protagonista. É uma mansão enorme situada à beira de um lago. O lugar, além de belamente mobiliado e iluminado, é todo equipado com aparelhagem eletrônica, alarme eletrônico, essas coisas. A jovem recebe ligações de um sujeito de voz ameaçadora e que parece estar cada vez mais perto dela. A tensão vai se criando aos poucos até chegar ao clímax e ao belo e meio abrupto final. 

Os melhores filmes de terror podem ser comparados a uma noite de tempestade. A gente se sente bem porque está protegido, mas ao mesmo tempo se assusta um pouco com os trovões e os relâmpagos. Claro que alguns filmes conseguem transcender essa característica e nos levar para outros territórios. Um Lynch ou um Shyamalan, por exemplo, são casos à parte dentro desse universo do horror. QUANDO UM ESTRANHO CHAMA é um exemplo mais convencional, que utiliza os clichês do gênero sem inovar muito, mas que faz isso com muita competência e elegância. Levando em consideração a atual safra dos lançamentos no circuitão, é um filme muito bem vindo e que merece ser conferido.

terça-feira, abril 11, 2006

V DE VINGANÇA (V for Vendetta)

 

Minha lembrança de "V de Vingança", a HQ de Alan Moore e David Lloyd, não é muito viva. Já faz mais de quinze anos que eu tomei contato com essa e outras obras de Moore através de um amigo dos tempos do ensino médio - foi ele quem me apresentou belezuras como "Watchmen" e "A Piada Mortal", só pra citar os Moores. Acho que "V de Vingança" foi uma das obras do escritor que eu menos gostei, mas gostaria muito de reler. Agora que a Panini está republicando em encadernação única a obra, vou ter a chance de reavaliar. 

Quanto a V DE VINGANÇA (2005), de James McTeague, trata-se de um belo filme. Elegante, com um texto subversivo e uma heroína de dar gosto. Interessante como a presença de uma bela mulher contribui para que vejamos um filme com bons olhos. Mas não diria que o mérito do filme está apenas na beleza e no carisma de Natalie Portman. V DE VINGANÇA se diferencia dos outros blockbusters que a gente está acostumado a ver nos cinemas por não rechear o filme com cenas de ação à Michael Bay ou efeitos especiais desnecessários. Os efeitos visuais mais visíveis são poucos e usados a seu favor, como nas cenas em que V corta a garganta de seus inimigos ou naquela bela cena da chuva com a Natalie Portman olhando pra cima. 

A controvérsia toda está no fato de o herói do filme (V, interpretado por Hugo Weaving, de máscara o tempo todo) guardar semelhança com um terrorista. Sua missão é se vingar dos chefões do governo totalitário que mata homossexuais ou pessoas com credos diferentes (o corão é livro proibido). Depois de conseguir entrar em rede nacional, ao invadir uma rede de televisão, ele promete que em um ano, no dia 5 de novembro, ele explodirá o Parlamento inglês. Sua intenção é destruir o símbolo do atual governo e, dentro desse período de um ano, convencer a população da Inglaterra a aceitar a sua causa. O filme é narrado pelo ponto de vista de Evey (Natalie), mas vez ou outra também acompanhamos as investigações do policial vivido por Stephen Rea, o ator fetiche de Neil Jordan. 

Apesar de o filme se passar na Inglaterra, é praticamente impossível não pensar no atual governo de George Bush, nos EUA pós-11 de setembro e ver o filme como uma provocação. Mas acredito que um filme que convida à reflexão é sempre bem vindo. O curioso é ver Natalie Portman, de família israelense, e que até já trabalhou em filme de Amos Gitai, num filme que tem mais sintonia com a causa dos palestinos. Outra curiosidade é que V DE VINGANÇA mostra a população inteira da Inglaterra dependente da televisão. As pessoas parece que não fazem outra coisa na vida. 

Provavelmente, quando eu reler a obra de Alan Moore, o filme vai ficar bem pequenininho, a exemplo do que ocorreu com DO INFERNO (2001). Mas independente da comparação com os quadrinhos, V DE VINGANÇA é uma experiência das mais agradáveis.

segunda-feira, abril 10, 2006

IRMA VAP - O RETORNO

 

Tem coisa mais desagradável do que comédia sem graça? Pois é. E ainda tem gente que fala mal do humor americano, dizendo que suas piadas só quem entendem são eles, mas não tem povo que saiba fazer melhor humor. A comédia é o gênero mais difícil de se fazer bem. Quando sai errado, fica aquela sensação ruim de riso sem graça, e chega uma hora que cansa mesmo. IRMA VAP - O RETORNO (2006), de Carla Camurati, é um desses casos. Eu não me sinto bem falando mal de cinema brasileiro, tendo em vista todas as dificuldades que nós enfrentamos para botar um filme no mercado exibidor, mas tenho que ser sincero e admitir que o filme foi um equívoco. 

A intenção inicial da diretora era levar às telas a bem sucedida peça "O Mistério de Irma Vap", que passou onze anos em cartaz em São Paulo. Um recorde. Mas logo ela viu que não ia surtir o mesmo efeito apenas transpor o teatro para o cinema. Foi aí que surgiu a idéia de beber na fonte de O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE?, de Robert Aldrich. A história ficou bem parecida. Só ficou faltando a Cleide (Marco Nanini) botar um rato no jantar de Tony (também Nanini). Mas por mais que Marco Nanini seja excelente, vê-lo num filme desses é um desperdício. 

No filme anterior de Carla, COPACABANA (2001), ele esteve muito bem também e o filme era ótimo, tinha um sabor de saudosismo, um olhar contemplativo diante da vida que me agradou muito. Infelizmente, o sucesso não se repetiu, embora, na bilheteria, IRMA VAP - O RETORNO até consiga mais dinheiro, já que o filme está sendo distribuído também no circuitão, não apenas no circuito alternativo. IRMA VAP - O RETORNO pode até ser um programa muito bom pra quem viu a peça e tem saudades, mas quem nunca assistiu vai ficar com a impressão de que o espetáculo não passava apenas de puro besteirol. 

Li que Nei Latorraca, um dos protagonistas do filme, vai fazer uma outra adaptação para o cinema, dessa vez, de um sucesso da tv, A GRANDE FAMÍLIA - O FILME. Pelo visto, não é só o cinema americano que está apelando para adaptações de programas de tv para o cinema. A Rede Globo não desiste, mesmo com o fracasso comercial (e artístico) de OS NORMAIS e de CASSETA & PLANETA - A TAÇA DO MUNDO É NOSSA. Enquanto isso, filmes sérios de grandes realizadores como Beto Brant, Carlos Reichenbach, Julio Bressane, Ugo Giorgetti, entre outros, são distribuídos em poucas cópias e demoram séculos para chegar na maioria das capitais.

sexta-feira, abril 07, 2006

NO DIRECTION HOME - BOB DYLAN

  

Interessante como NO DIRECTION HOME - BOB DYLAN (2005) é coerente com a filmografia de Martin Scorsese. O Dylan do documentário é tão solitário e genial quanto o Howard Hughes de O AVIADOR (2004), Jesus de A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO (1988) ou o Dalai Lama de KUNDUN (1997). Provavelmente Scorsese, um sujeito que já declarou que aprecia muito estar sozinho, tem alguma espécie de identificação com esse tipo de pessoa. Claro que não é só isso. Scorsese já havia se mostrado um fã da banda de apoio de Bob Dylan no documentário musical THE LAST WALTZ (1978), que eu ainda não tive a chance de ver. Scorsese andou dizendo por aí que pensa em se dedicar mais aos documentários. Ele pretende abandonar os filmes de ficção porque eles consomem muita energia, são bem mais trabalhosos, e ele já começa a sentir o peso da idade. Ainda mais porque 

Scorsese tem feito ultimamente produções muito caras. Torço para que esse dia demore a chegar, já que prefiro os seus filmes de ficção. Seus documentários são muito longos. NO DIRECTION HOME, por exemplo, eu tive que ver "em fascículos". E o assunto não é tão interessante pra mim quanto o de UMA VIAGEM PESSOAL ATRAVÉS DO CINEMA AMERICANO (1995). Esse sim, eu vi com o coração batendo mais forte de tão entusiasmado que fiquei. Acho que acabei me tornando um fã do cinema americano dos anos 40 e 50 muito por causa desse filme. Pretendo um dia rever esse documentário extraordinário. 

Mas voltando ao doc sobre Dylan, adoro o início, mostrando um dos concertos polêmicos que o cantor fez ao lado de sua banda, fazendo um som eletrificado, mais rock, e levando vaias e gritos de "Judas" do público, que queria ver o Dylan cantor de folk e de canções de protesto. Esse Dylan de 1966 tem um quê de arrogante. A maneira como ele se comporta no palco é semelhante a de rock stars contemporâneos, como Liam Gallagher, por exemplo. E essa impressão fica ainda mais forte quando comparamos com o Dylan iniciante, com jeitão de caipira, com apenas um violão e uma gaita e cantando canções como "Blowin' in the wind" e "A hard rain's a-gonna fall". 

O DVD duplo divide o filme em duas partes que contam, em ordem cronológica, o início da carreira de Dylan até 1966, quando ele alcançou o estrelato. Mas de vez em quando, somos levados de volta para o show de 66, com Dylan interpretando canções extraordinárias como "Like a Rolling Stone" e "Leopard-skin pill-box hat", em arranjos lindos. Em 1965, com "Mr. Tambourine Man", Dylan já apontava uma mudança. Os fãs queriam vê-lo como um cantor de protesto e lá vinha ele com uma música de maconheiro, de quem tem mais vontade de fugir da realidade do que de se envolver com ela a fim de mudá-la. Dylan, aliás, nunca gostou desse negócio de dizerem que ele era cantor de protesto. Interessante sua postura diante da imprensa nas entrevistas. Mas também, com tanta pergunta estúpida partindo dos jornalistas, a gente lhe dá até um pouco de razão ao vê-lo respondendo de maneira tão cínica. Pelo depoimento de Joan Baez, Dylan não era uma pessoa fácil de se relacionar. Ela pareceu até um pouco rancorosa com o passado dos dois. 

De material extra, o DVD traz apresentações de alguns dos entrevistados cantando, além de diversas apresentações do próprio Dylan e de um material promocional com a canção "Positively 4th Street", uma de minhas favoritas do cantor. Essa canção é talvez a melhor já feita sobre alguém que sente raiva por outra pessoa. Dylan é um ótimo exemplo de compositor que aliava com maestria a emoção e a inteligência.

quinta-feira, abril 06, 2006

A DONA DA HISTÓRIA

 

Meu estoque de filmes aqui pro blog está se acabando. Se eu continuar no ritmo da semana passada, quando vi apenas dois filmes, o Diário de um Cinéfilo vai ter bem menos atualizações do que costuma ter. O problema é que tenho trabalhado muito e o tempo para os filmes diminuiu nos últimos dias. Mas é possível que essa situação se reverta e eu consiga ver mais filmes nesse fim de semana e nos feriados que vêm por aí para, assim, poder abastecer isso aqui. Enquanto isso, vamos em frente, ignorando o "déficit técnico". 

A DONA DA HISTÓRIA (2004) é o caso de filme que conquistou a minha antipatia desde os trailers. Eu odiava aqueles trailers. E me recusei a ver o filme no cinema, apesar de ouvir de alguns amigos que ele era legal. Aí, dia desses, a minha irmã chegou com o DVD do filme lá em casa. E como era de graça, lá fui eu assistir. Levando em consideração o pré-conceito que eu tinha com o filme, até que ele se mostrou bem melhor do que eu esperava. Não que seja um grande filme - no fim das contas, parece uma mini-série da Globo exibido na telona -, mas é bem divertido e mantém o interesse até o final. 

O que o filme tem de mais interessante é exatamente a história das escolhas que se faz na vida e das repercussões que elas trazem pra gente. O que aconteceria se eu, em vez de ter terminado o namoro com aquela menina, continuasse com ela até hoje? É possível que eu já estivesse casado. Isso seria bom ou ruim? O filme brinca com essas possibilidades, meio como O EFEITO BORBOLETA, só que de um ponto de vista mais feminino, mais leve. 

Uma das coisas que mais me incomoda é essa mania de mostrarem a juventude dos anos 60 do mesmo jeito. Será que se eu entrasse numa máquina do tempo e fosse parar nessa década, eu daria de cara com um bando de jovens com todos os estereótipos da época e gritando "o povo unido, jamais será vencido" e levando cacetada dos policiais? Duvido que minha mãe freqüentasse essas passeatas. Ela devia trabalhar muito e ouvir "aquela canção do Roberto". Não digo que isso não tenha acontecido, mas é que isso fica muito a cara de ANOS REBELDES (a mini-série da Globo). 

Já uma das coisas que eu gostei no filme foi a fotografia, a cargo de José Roberto Eliezer (A DAMA DO CINE SHANGAI, NINA). Em alguns momentos, a fotografia até que compensa um pouco o estilo de dramaturgia "Rede Globo" que o Daniel Filho impõe. Débora Falabela está igualzinha à Lisbela do filme de Guel Arraes e os outros três atores (Rodrigo Santoro, Marieta Severo e Antonio Fagundes) também não se esforçam pra fazer algo diferente do que se vê nas novelas. 

O roteiro é de João Falcão, baseado numa peça sua. O Falcão que está estreando na direção com A MÁQUINA. Comparando os dois filmes (mesmo sem eu ter visto A MÁQUINA ainda, apenas o trailer), parece que Falcão gosta muito de viagens no tempo, esse tipo de coisa. Bom, eu gosto também. E vou tentar ver A MÁQUINA antes que ele saia de cartaz.

quarta-feira, abril 05, 2006

DESAFIO AO ALÉM (The Haunting)

  

A impressão que se tem vendo DESAFIO AO ALÉM (1963) é que trata-se de um filme dirigido por um grande cineasta, um diretor de primeiro escalão, mas pouco afinado com o gênero terror. E olha que Robert Wise começou a carreira fazendo filme de terror - A MALDIÇÃO DO SANGUE DE PANTERA (1944). Desde o início percebemos as qualidades cinematográficas do filme, principalmente no dinâmico prólogo que apresenta um histórico das tragédias que aconteceram na casa. O problema é que em nenhum momento sente-se aquela atmosfera ao mesmo tempo opressiva e prazerosa característica dos melhores exemplares do gênero. Robert Wise opta por esconder o jogo o tempo todo, tornando o filme frio e racional, como o personagem do cientista que vai até a casa assombrada a fim de pesquisar fenômenos extrasensoriais. 

Durante as quase duas horas de filme, pouca coisa realmente acontece. Em certo sentido, o filme é interessante, especialmente quando nos leva para a mente perturbada de Eleanor (Julie Harris), a mulher que passou boa parte de sua vida cuidando de sua mãe doente e cuja experiência dentro daquela casa significa para ela o melhor momento de sua existência. 

Para dar uma impressão de que a casa estava quase viva, Robert Wise utilizou um protótipo de lentes que causavam uma certa distorção, as chamadas lentes 30 mm. Para passar uma impressão de profundidade de campo, Wise também usava montagens em certas cenas. Wise teve a idéia de filmar DESAFIO AO ALÉM quando estava lendo o livro "The Haunting of Hill House", de Shirley Jackson, durante as filmagens de AMOR, SUBLIME AMOR (1961). 

Dizem que a casa usada para as filmagens era realmente assombrada pelo fantasma de uma mulher que se matou porque não casou com seu amado numa sexta-feira. Por causa disso, Wise falou que não filmava nas sextas-feiras. Pode até ser que a casa e o bosque ao seu redor fossem mesmo assustadores para quem estava filmando, mas o filme não passa essa sensação. Filme visto em divx, numa cópia que preserva a bela fotografia p&b em scope

DESAFIO AO ALÉM recebeu uma refilmagem recentemente: A CASA AMALDIÇOADA (1999). Bem ruim e cheia de CGI, pelo que dizem. 

P.S.: Está no ar, no CCR, coluna nova. O que a falta de idéias não faz com a gente, hein.

terça-feira, abril 04, 2006

O SOL DE CADA MANHÃ (The Weather Man)

 

Acredito que os grandes filmes são aqueles que ficam com a gente bem mais tempo do que as cerca de duas horas de projeção. Quando o filme é desses que tenta passar uma mensagem e essa mensagem vai embora quando saímos do cinema é sinal de que: 1) não entendemos a proposta do filme; 2) não nos sensibilizamos com o filme; ou 3) trata-se de uma obra descartável e tão digna de desprezo quanto os piores livros de auto-ajuda. Não saberia dizer em qual dessas situações entra este O SOL DE CADA MANHÃ (2005), mas com certeza o filme, assim como desceu fácil, também foi para o esquecimento fácil. Talvez pelo fato de eu não ter me identificado com o personagem de Nicolas Cage. 

Na trama, Cage é um "homem do tempo", um apresentador de meteorologia de um canal de televisão de Chicago que vive recebendo fast food na cara quando caminha pela rua. Ele é um homem bem sucedido financeiramente, mas é bastante insatisfeito com a vida. Principalmente pelo fato de seu casamento ter naufragado. Além do mais, seus dois filhos também têm problemas. Sua filha caçula, inclusive, sofre por ser um pouco gordinha e usar roupas bem apertadas para suas dimensões - a cena da "pata de camelo" é ao mesmo tempo engraçada e constrangedora. 

Para um filme que se pretende sério, O SOL DE CADA MANHÃ tem outros problemas, como a caricaturização de alguns personagens. O personagem de Michael Caine, no papel de pai do protagonista, por exemplo, é sempre mostrado como uma figura fria e distante. Já o sujeito que tenta seduzir o filho de Cage é mostrado como um tarado filho-da-puta. Mas no geral, O SOL DE CADA MANHÃ é bastante agradável de se acompanhar, a narrativa é lenta e prazerosa, mas suspeito que Gore Verbinski seria muito mais feliz em sua carreira se ele se dedicasse aos filmes de terror. O CHAMADO (2002) foi a melhor coisa que ele já fez e duvido muito que vá fazer coisa melhor algum dia. Não tenho a mínima vontade de ver as continuações de PIRATAS DO CARIBE (2003), embora ele até possa acertar a mão e os filmes sejam divertidos.

segunda-feira, abril 03, 2006

A ERA DO GELO 2 (Ice Age: The Meltdown)

 

A primeira pergunta que se costuma fazer em se tratando de continuações é: o filme é melhor que o primeiro? No caso de A ERA DO GELO 2 (2006) a resposta é não. Mas isso não quer dizer que o filme não seja legal. É que o primeiro filme era mais sentimental, não era muito centrado na ação, como esse. O que muda agora também, além da natural evolução na parte técnica, é que A ERA DO GELO 2 é mais engraçado que o primeiro. Até Scrat, o esquilo que vive em busca de uma noz maior do que ele, aparece bem mais vezes. Suas aparições são como vinhetas inseridas ao longo do filme. 

Dos três personagens principais - o mamute Manny, a preguiça Sid e o tigre dentes-de-sabre Diego -, o filme centra mais em Manny, que vive deprimido por acreditar ser o último dos mamutes, um animal em extinção. Até o dia em que ele conhece Ellie, a mamute fêmea que acredita ser um gambá. Nem sempre essa situação gera momentos engraçados. Mas os dois gambás são bem divertidos e se integram à turma com facilidade. 

Aqui no Brasil, todas as cópias do filme lançadas nos cinemas foram dubladas. Mas eu nem liguei muito pra isso, já que me acostumei com as vozes de Tadeu Mello e Diogo Vilela, dublando muito bem Sid e Manny. O personagem do tigre recebe menos destaque dessa vez, a não ser por conta do seu medo da água. Pode-se dizer que o filme retoma a temática da amizade, já muito bem explorada no primeiro filme. A principal novidade, porém, é o clima meio apocalíptico: o mundo de gelo deles iria se acabar por causa do aquecimento global, o que não deixa de ser um tema bastante atual. Em alguns momentos, o filme lembra a história da Arca de Noé, tanto por causa das inúmeras espécies de animais migrando, quanto pela figura de algo parecido com uma arca, que aparece em certa parte do filme. 

A sessão a que eu fui estava lotada. E olha que eu vi o filme na maior sala do shopping e logo quando cheguei a sessão anterior já estava esgotada. (Por causa disso, acabei passeando mais com meu sobrinho e gastando mais dinheiro.) Pelo visto, essa indústria dos desenhos animados ainda é bastante lucrativa. Tanto é que antes do filme começar passaram vários trailers de novos desenhos. Dos que eu me lembro, os mais divertidos são DEU A LOUCA NA CHAPEUZINHO e CARROS - esse é emocionante - e o mais visivelmente ruim é SELVAGEM.