Quem comprou as quatro edições da já saudosa Cine Monstro com certeza deve saber que a revista era uma publicação de respeito. Entre os ótimos textos que abrilhantavam suas páginas, eu destaco as matérias sobre filmes antigos, escritos pelo Daniel Camargo. Nas edições #2 e #3, Camargo fez um dossiê de Tod Browning chamado "O Circo de Horrores de Tod Browning", onde falava da vida e da obra desse cineasta, que tinha um gosto pelo bizarro que era único na época. Camargo, na seção Zona Morta da edição #2, destacou o filme O MONSTRO DO CIRCO (1927), que tem uma história absurdamente deliciosa. Foi a partir desses textos que eu me interessei mais pelo cinema de Tod Browning.
Minha intenção inicialmente era falar não apenas de DRÁCULA (1931), mas também de MONSTROS (1932), mas não consegui ver esse último em divx. Ainda não sei se o problema é no meu computador, que não agüenta certos tipos de divx, ou do próprio disquinho. Qualquer dia eu verifico, mas suspeito ser problema do meu computador mesmo. Já o clássico DRÁCULA, vi num DVD emprestado de minha amiga Érika. O DVD está excelente: vem com comentários em áudio do historiador de cinema David J. Skal, um documentário de 35 minutos chamado "A Estrada para Drácula" e a opção de se ver o filme com a nova trilha sonora de Philip Glass, que dá um ar bem diferente ao trabalho de Browning. Pena que, ao contrário da edição americana, a brasileira não vem com a versão espanhola de DRÁCULA, que foi filmada paralelamente à versão americana e dirigida ao mercado latino. Dizem que a versão espanhola ficou tecnicamente muito melhor. Ela foi feita porque na época da aurora do cinema falado, os espanhóis e mexicanos também iam querer ver filmes em sua própria língua.
DRÁCULA foi o primeiro filme de terror do cinema falado num tempo em que a Universal investia pesado em filmes de terror. Inclusive, o DVD de DRÁCULA faz parte do pacote Classic Monster Collection que traz também os filmes FRANKENSTEIN, A NOIVA DE FRANKENSTEIN, A MÚMIA, O MONSTRO DA LAGOA NEGRA, O HOMEM INVISÍVEL, O LOBISOMEM e O FANTASMA DA ÓPERA. Dizem que A NOIVA DE FRANKENSTEIN é uma obra-prima.
A desvantagem de ver essas adaptações do livro de Bram Stoker é que o fator surpresa é quase inexistente. A diferença está nos detalhes, na maneira como é mostrado o Conde Drácula, seja ele repugnante como o de NOSFERATU, de Murnau, sangrento como o da Hammer, ou elegante como o Drácula de John Badham ou o de Coppola. Dessa versão de Browning, gostei particularmente do final, com o Van Helsing furando o coração do Conde com uma estaca e subindo as escadas com Mina Harker na maior calma do mundo. Engraçado que a maneira como Drácula foi destruído foi muito fácil nesse filme e que a censura não permitiu mostrar a estaca perfurando o coração. Então, só víamos as caretas de Mina.
A importância desse filme está justamente na definição de muitos dos clichês que ficariam até hoje marcados em vários filmes de terror, como o castelo escuro, as teias de aranha, os ratos. O medo da cruz acabou ficando fora de moda nos dias de hoje, ainda que alguns filmes continuem usando - lembro no momento de UM DRINK NO INFERNO (1996), de Robert Rodriguez. No DRÁCULA de John Badhan (1979), por exemplo, o vampirão chegou a explodir uma cruz só com a força do pensamento.
Muita gente comenta que foi uma decepção essa versão de Browning. O diretor parecia não estar à vontade com super-produções e fez apenas um filme de encomenda, sem muitas das características que marcaram seus estranhos filmes mudos. Do mesmo modo, o diretor de fotografia, Karl Freund, que fez milagres com a câmera naqueles travellings maravilhosos em A ÚLTIMA GARGALHADA (1924), de Murnau, também não ficou à vontade para desempenhar seu ofício, já que Browning gostava mais de câmera estática.
Ver o filme com os comentários de David J. Skal é mais prazeiroso do que ver o filme sem os comentários. Aprende-se muito. Há muitas referências ao texto original de Bram Stoker. Texto esse que foi chamado de "literatura pobre do século XIX", por Clive Barker, presente no documentário dos extras. Algumas coisas que aprendi:
- A cena da tempestade no mar foi retirada de um filme mudo por restrições orçamentárias. Dá pra perceber que os closes de Drácula nessa cena destoam bastante dos planos gerais.
- A música dos créditos de abertura - "O Lago dos Cisnes", de Tchaikovski - se tornou uma marca dos filmes de terror da Universal.
- A palavra "Nosferatu" é um termo que Bram Stoker coloca em seu livro, fazendo menção a um livro de folclore escocês chamado "A Terra Além da Floresta", que por acaso é o significado literal de Transilvânia. Nesse livro, menciona-se que "Nosferatu" significava "vampiro" em romeno, mas essa palavra não é encontrada em nenhum dicionário.
- Bela Lugosi parece que não era mesmo bom da cabeça, como já dava pra desconfiar pelo jeito que Tim Burton o pintou em ED WOOD (1994). Dizem que durante as filmagens de DRÁCULA, ele mal falava com as pessoas da equipe e ficava recitando o tempo todo "I am Dracula".
O DVD de Drácula é imperdível, mesmo pra quem já viu o filme em VHS ou na televisão.
Entre os diversos filmes de Drácula, um dos que eu mais gostaria de ver é BLOOD FOR DRACULA (1974), de Paul Morrissey e Antonio Margheriti, também conhecido como o "Drácula de Andy Warhol". Difícil é conseguir uma cópia.
E pra quem quiser ver cartazes bem legais dos filmes de Tod Browning, eis um
link.