Ultimamente tenho me obrigado a sempre que passar numa locadora levar um filme de Alfred Hitchcock. Trata-se de uma obrigação deliciosa. (Ah, se todas as obrigações que tivéssemos fossem assim.) Por conta das leituras em paralelo das entrevistas de Hitch contida nos livros Hitchcock/Truffaut e Afinal, Quem Faz os Filmes, estou dando preferência em ir pegando os filmes do diretor por ordem cronológica, ainda que esteja pulando alguns títulos. Dos filmes mudos, só peguei um, que foi O PENSIONISTA (1926). Na verdade, os filmes em que estou mais ansioso pra ver são PAVOR NOS BASTIDORES (1950) e A TORTURA DO SILÊNCIO (1952), que foram lançados recentemente pela Warner. Mas vamos com calma, que eu chego lá. Ainda têm muitos filmes anteriores a esses dois que eu pretendo pegar.
Dessa vez, peguei um filme da fase inglesa que nunca tinha visto: JOVEM E INOCENTE (1937). A cópia do VHS (acho que não chegou a ser lançado em DVD), lançada no Brasil pela Reserva Especial, está bem ruinzinha, mas com o tempo a gente se acostuma. Até porque o filme é uma pequena pérola e tem um ritmo difícil de causar qualquer aborrecimento.
A história do filme é bem familiar: um homem inocente é acusado de ter matado uma mulher, cujo corpo é encontrado numa praia, junto a um cinto. Durante o julgamento, ele foge e pede ajuda à filha do comissário, quase um anjo da guarda para ele. Esse tipo de trama é muito parecida com o que Hitchcock tinha feito antes - OS 39 DEGRAUS (1935) - e que ainda faria depois, em filmes como SABOTADOR (1942), LADRÃO DE CASACA (1955) e INTRIGA INTERNACIONAL (1959). Mas em comparação com a maioria desses filmes, JOVEM E INOCENTE tem algo de mais romântico e melodramático, já que o casal se apaixona. Tem uma coisa meio Romeu e Julieta, do amor impossível, da filha do comissário de polícia que se apaixona por um fugitivo.
Fiquei até um pouco chateado que na entrevista para François Truffaut, o diretor francês, como tinha visto o filme há muito tempo e não lembrava direito, não deu o devido valor a essa obra e os comentários sobre o filme foram poucos, mas Hitchcock, ao falar da trama do filme, parecia estar bem entusiasmado. Especialmente ao narrar a famosa seqüência do show de jazz.
Nessa seqüência, há um travelling importante que levou dois dias para ser feito, e que cataliza com maior intensidade o suspense do filme. Isso acontece na cena em que a filha do comissário, junto com o velho Will, vão à procura de um homem que tem um tique nervoso nos olhos. Quando a câmera, e conseqüentemente o espectador, descobre primeiro onde está o culpado através desse travelling, o suspense está formado. Nesse momento, torcemos para que esse homem seja descoberto por nossos heróis.
Um detalhe interessante é que esse homem estava pintado de preto, disfarçado de negro, algo um pouco inverossímil. E nessa banda não apenas ele estava pintado de preto. Quase todos estavam parecidos com O CANTOR DE JAZZ. Muito estranho. Os filmes da fase inglesa de Hitchcock são mais cheios desses elementos inverossímeis. Ele falou que quando foi pra Hollywood é que viu que as pessoas eram mais questionadoras.
Outra cena que merece destaque é a primeira cena, em que vemos a vítima e o homem do tique nervoso discutindo, enquanto lá fora uma tempestade serve de trilha sonora. Um dos começos de filmes de Hitchcock mais impactantes que eu já vi.
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