sábado, novembro 23, 2024
HEREGE (Heretic)
Li há pouco um texto do site do jornal britânico The Guardian sobre o quão fiel foi o trabalho dos diretores e roteiristas Scott Beck e Bryan Woods no que se refere à apresentação dos mórmons, tanto as duas jovens personagens missionárias, quanto as próprias discussões teológicas, iniciadas pelo personagem de Hugh Grant. Lembrei-me que namorei uma moça que era mórmon, mas que não me disse nada a respeito durante muito tempo, a não ser em nosso último encontro. E acho que só falou quando perguntei a ela, meio que sem querer, se ela era mórmon e ela disse que sim.
De repente, algumas coisas passaram a fazer sentido, como o não tomar nem Coca-Cola (por causa da cafeína) quanto rejeitar o sexo (antes do casamento). Depois, ela entrou na casa dela e voltou para me mostrar algumas fotos do evento e citou até mesmo o tipo de vestimenta íntima que os mórmons usavam, os chamados garments. Interessante que nunca me interessei a ler detalhes sobre esse aspecto (da vestimenta), até hoje, e li há pouco que é polêmico até entre membros da igreja, que reclamam ser no mínimo desconfortável. Sobre essa “roupa íntima mágica”, há uma cena específica do filme em que uma das meninas sofre humilhação de uma jovem na rua.
2024 está sendo um ano particularmente muito bom em se tratando de bons e ótimos filmes de terror. O gênero está em alta e cheio de ótimos exemplares. Entre os melhores, podemos citar: A PRIMEIRA PROFECIA, LOVE LIES BLEEDING – O AMOR SANGRA, OS OBSERVADORES, ENTREVISTA COM O DEMÔNIO, MAXXXINE, ARMADILHA, ALIEN: ROMULUS, LONGLEGS – VÍNCULO MORTAL, NÃO FALE O MAL, STRANGE DARLING, A SUBSTÂNCIA, A GAROTA DA VEZ, CONTINENTE, SORRIA 2, TERRIFIER 3, entre outros títulos que tangenciam o terror, como os novos filmes de Jonathan Glazer, Paul Schrader, Guto Parente, Petrus Cariry e Yorgos Lanthimos. E há vários novos do gênero bastante louvados por fãs e críticos que não vi ainda, alguns lançados direto em streaming.
HEREGE (2024) se junta a essa nova safra de filmes de terror no mínimo muito interessantes que parecem trazer fôlego novo ao gênero. Os diretores Beck e Woods até têm uma carreira maior do que eu suspeitava. Não cheguei a ver 65 – AMEAÇA PRÉ-HISTÓRICA (2023), lançado nos cinemas, mas acabou ficando na minha lista de interesse depois de ter visto HEREGE. Assim como outros trabalhos dos realizadores, feitos, em sua maioria, com baixo orçamento, e que serviram como escola para um tipo de direção sofisticada como a apresentada em HEREGE, obra que guarda semelhanças também com o cinema de M. Night Shyamalan, tanto visualmente quanto na criação de regras, jogos e surpresas. O amigo e crítico Messias Adriano, ao final da sessão, até comentou comigo que o filme é mais Shyamalan que os próprios Shyamalans lançados neste ano (ARMADILHA, OS OBSERVADORES). Mas comentei com ele que Shyamalan talvez não fizesse um trabalho tão cheio de diálogos quanto este de Beck e Woods.
Apesar de gostar bem mais da primeira metade do filme do que de seu desenvolvimento se aproximando da revelação do que guarda o personagem de Grant, não deixa de ser um prazer ver no cinema um filme como este, com uma direção cuidadosa e caprichada (que se destaca até mesmo nos créditos iniciais e na primeira cena) e diálogos muito bem construídos. Aliás, apesar da belíssima construção visual e muito uso da câmera mostrando as costas de suas heroínas, a base do filme está nos diálogos e nas interpretações de Hugh Grant e das jovens Sophie Thatcher e Chloe East. Muito bom ver Grant se aventurando por um papel de vilão e sendo tão perturbadoramente assustador, afastando-se da persona tímida e cínica de protagonista de comédias românticas.
Na trama, duas jovens missionárias mórmons batem de porta em porta numa cidadezinha montanhosa e vão parar na casa de um homem que aparentemente é muito simpático e estaria em casa com a esposa – ela estaria fazendo uma torta. Elas entram, uma vez que supostamente a mulher dele estava em casa, e elas deixam clara a importância de não poderem ficar num mesmo espaço fechado apenas com um homem. Acontece que elas começam a achar que aquele homem está mentindo para elas e ficam em pânico quando descobrem que a porta da frente não abre para que possam escapar.
As conversas entre os três são muito interessantes e ele questiona bastante tanto a própria religião delas quanto todas as demais, que seriam baseadas em crenças e mitos mais antigos. Quando isso acontece, as meninas começam a ficar um tanto desconcertadas, embora aquilo fosse só o começo. Um terror bem maior estaria por vir. A comparação que ele faz com músicas pop é ótima e espirituosa. E ainda que não seja um filme para se gargalhar (até pela tensão), há um humor muito interessante que se deve tanto ao roteiro da dupla de diretores quanto ao próprio trabalho dos atores, especialmente de Grant.
No mais, não li nenhuma entrevista dos diretores, mas é possível que a aproximação deles com a jovem Sophie Thatcher tenha se dado com o filme BOOGEYMAN – SEU MEDO É REAL (2023), em que Beck e Woods trabalharam como roteiristas. Aliás, esse filme eu também não vi. Parece interessante.
+ TRÊS FILMES
TERRIFIER 3
Uma das coisas que mais gosto nestes Terrifiers, do Damien Leone, é o quanto às vezes temos a impressão de que estamos vendo alguma coisa muita errada, muito proibida. Isso se dá pelos excessos do gore e da violência aliada a um tipo de humor mais perverso. Mas são filmes que me dão prazer, em especial por terem algo de anacrônico, como se estivéssemos vendo uma produção dos anos 1980, proibida e só liberada agora. O prólogo de TERRIFIER 3 (2024) já chama a atenção pelo caráter transgressor: o palhaço Art chega vestido de Papai Noel numa casa habitada por uma família (homem, mulher e duas crianças de sexos diferentes). A menina acredita que ouviu passos na parte de cima da casa, a mãe não acredita e a menina acaba sendo a testemunha do banho de sangue que o palhaço faz em sua casa, começando pelo pai. Vejo esses filmes como algo que funciona também para satisfazer fãs de slashers que não ficam totalmente contentes com uma violência gráfica mais sutil e finalmente podem ver algo que a escancara sem piedade. Talvez a cena que mais me impressionou foi a do Papai Noel no bar, mas a cena dos ratos é igualmente perturbadora. O grafismo no sangue e nos corpos mutilados aqui não tem a elegância e a beleza de um Argento, por exemplo, o que não quer dizer que não seja bonito, dependendo dos olhos de quem vê, como na cena do chuveiro. Aliás, essa cena tem até uma moral interessante, pois faz uma crítica aos fãs entusiasmados de true crime, fãs que perdem um pouco a noção da dor das vítimas. E nisso a cena de Art olhando para os olhos da moça no chuveiro tem algo de moralista. O final do filme, assim como acontece com o segundo, guarda elementos sobrenaturais, que eu acho interessantes e aproxima Art de uma força maligna e amplia a mitologia do personagem. Por outro lado, essas relações que o filme estabelece com os anteriores e com a próxima continuação faz com que ele se torne mais dependente dos demais. Sienna (Laura LaVera), por outro lado, ganha com isso, torna-se uma heroína de fato. E nesse sentido o filme se distancia dos slashers mais misóginos. Tanto pelo empoderamento de Sienna quanto pelo fato de que as vítimas de Art são homens, mulheres e até crianças, sem nenhuma preferência de gênero ou idade.
A ORGIA DA MORTE (The Masque of the Red Death)
Revisto depois de mais de 20 anos, A ORGIA DA MORTE (1964) se mostra mais bonito, mais extravagante e mais sinistro também, uma vez que o personagem de Vincent Price e de sua esposa são adoradores de Satã e têm uma visão do mundo muito própria. Ele, como o Príncipe Prospero, se sente superior aos demais, inclusive às pessoas do vilarejo, dotadas de fé cristã, mas agora perecendo com uma peste vermelha. Roger Corman faz aqui um de seus trabalhos mais visualmente bonitos, com cores vivas para cada canto do castelo. Como o conto de Poe é muito curtinho, o filme tem um roteiro até que bem original, usando a história como esqueleto. Continuo não gostando tanto assim da performance de Price, muito espalhafatosa, mas aqui, principalmente perto do final, com o tom mais teatral da narrativa, essa performance fez até mais sentido, combinou bastante. Gosto da cena do anão e do gorila, uma das mais fortes e que mais coloca o filme numa situação de exposição da maldade humana. Não apenas pelo homem sendo morto, mas pelas pessoas assistindo com alegria e satisfação.
MOMENTOS DE PRAZER E AGONIA
Eis um dos raros casos de produções apelativas brasileiras que teve a sorte de ganhar uma restauração boa o suficiente para que parecesse novo de novo em sua exibição no Canal Brasil. Na época do lançamento, Anthony Steffen havia voltado de sua carreira como ator na Itália, especialmente em westerns. Em MOMENTOS DE PRAZER E AGONIA (1983), de Adnor Pitanga, ele aparece como o namorado maduro de uma professora vivida por Rossana Ghessa, uma mulher que optou por sair da cidade grande e passar uma temporada no interior. Como é um filme já de 1983 as cenas eróticas são um pouco mais gráficas, embora o erotismo em si seja bem pouco eficiente. Uma cena que poderia ter rendido bastante é aquela em que duas mulheres fazem sexo próximo do marido cego de uma delas, mas isso não passa de algo apenas curioso. O lado slasher, ou giallo, melhor dizendo, até causa algum interesse, mas com a conclusão ruim fica difícil guardar um carinho maior pelo filme. Rossana Ghessa, boa atriz que era, felizmente teve a sorte de atuar em ótimos trabalhos de Alfredo Sterheim e Walter Hugo Khouri.
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