sábado, março 30, 2024

CAPACETE DE AÇO (The Steel Helmet)



Uma dos presentes que o saudoso Carlão Reichenbach me deu foi ter me deixado muito interessado em conhecer muitos filmes e cineastas que não faziam parte da minha cultura de cinéfilo até então. Aliás, alguns nomes eu conhecia de certos títulos resenhados na revista SET, mas mesmo esses eu precisava conhecer com mais profundidade. O tempo mais livre que tive durante a pandemia me fez entrar em contato com a filmografia completa de Fritz Lang, por exemplo. Finalmente pude ficar mais íntimo de sua filmografia. Outros cineastas muito queridos por ele eram Samuel Fuller e Valerio Zurlini. O diretor italiano, que até tem uma filmografia muito menor, vou deixar para fazer uma peregrinação com mais calma depois. Agora é o momento de conhecer mais Fuller.

Que, por enquanto, ainda é um diretor que mais me intriga do que me ganha. Pelo menos por enquanto. Ainda gosto bem mais de seu primeiro filme, EU MATEI JESSES JAMES (1949), mas sigo muito interessado em entender mais seu cinema, justamente por que os poucos títulos que vi do realizador me pareceram, de certa forma, pouco palpáveis, mesmo os mais elogiados, como PAIXÕES QUE ALUCINAM (1963) e O BEIJO AMARGO (1964), filmes a que voltarei em breve, com mais atenção.

Em CAPACETE DE AÇO (1951), seu terceiro longa-metragem e primeiro filme de guerra, se percebe logo de cara o baixo orçamento da produção (foi filmado em apenas seis dias), já que a maior parte do filme se passa ou num lugar fechado ou numa selva, ou melhor, no Griffith Park, em Los Angeles, onde foi rodado. Engraçado que no anterior dele, O BARÃO AVENTUREIRO (1950), eu não senti essa questão do orçamento tão de cara, já que havia uma preocupação maior com a direção de arte. E como tenho pouca experiência com produções hollywoodianas mais baratas desse período, ver este Fuller foi como se estivesse vendo uma produção europeia com atores desconhecidos. E talvez esse seja um dos motivos de Godard ter o cineasta americano no coração com tanta paixão.

Uma coisa que me saltou aos olhos vendo, em intervalo de tempo menor, três filmes do realizador em sequência, está no quanto o diretor é um grande humanista. Neste drama de guerra, os homens são apenas homens, às vezes homens que precisam ver sua profissão como um meio de se ganhar dinheiro enquanto se está atirando e correndo o risco de morrer de uma bala de um inimigo que nem é na verdade um inimigo, já que naquela época, a Guerra da Coreia já era problematizada. Não foi uma guerra tão vista como uma batalha do bem contra o mal, como na Segunda Guerra Mundial. Até porque a bomba atômica fez muita gente pensar nos Estados Unidos como uma nação genocida, por mais que esse pensamento não fosse hegemônico dentro do próprio país.

Depois de se mostrar afetuoso com um covarde traidor (no primeiro filme) e com um criminoso falsificador no segundo, é muito mais fácil abraçar agora um sofrido e velho sargento que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e agora sobrevive à Guerra da Coreia, tendo que engolir o choro e ser o mais duro que se pode naquele cenário de dor e morte.

O filme começa com esse sargento se confundindo com um grupo de soldados de seu grupo que foram mortos em batalha. Ele estava vivo e amarrado e com seu característico capacete furado por uma bala. Um garotinho sul-coreano o encontra, lhe dá água e diz que agora se sente responsável por sua vida, por ter lhe salvado. Começa uma relação de amizade entre o velho e a criança naquele cenário sombrio acentuado pela fotografia em preto e branco e pelas sombras das árvores. No meio do caminho, eles são atacados por norte-coreanos disfarçados de mulheres religiosas, e também se encontram com um grupo de soldados no meio da selva. Os grupos se juntam, são alvejados pelo inimigo e depois se reúnem numa espécie de abrigo budista, com uma enorme estátua de Buda. A partir daí, a maior parte do filme se passa dentro desse lugar, onde esses homens conversam sobre a vida, suas experiências, o que querem fazer ao voltarem vivos para casa etc.

Como alguém que viveu na pele o cenário da guerra, CAPACETE DE AÇO é apenas o início de uma série de filmes em que Fuller abordaria o tema. O próximo será BAIONETAS CALADAS (1952). Depois virão ainda NO UMBRAL DA CHINA (1957), PROIBIDO! (1959), MORTOS QUE CAMINHAM (1962) e AGONIA E GLÓRIA (1980). Mas, para falar a verdade, estou mais interessado é nos seus policiais, filmes noir etc. Eu chego lá.

+ DOIS FILMES

NAPOLEÃO (Napoleon)

Quer dizer que Ridley Scott entrega esta versão condensada e vai deixar a versão de 4h10min para o lançamento no streaming, Deus sabe quando? Será que ele está seguro que isso motivará as pessoas a verem o filme novamente na telinha com a certeza de que será melhor? Ou acha que não é bom o suficiente para lançamento com essa duração nos cinemas? Um dos problemas da versão dos cinemas de NAPOLEÃO (2023) é não aprofundar ou não nos fazer conhecer mais o próprio Napoleão (Joaquin Phoenix) idealizado por Scott e pelo roteirista David Scarpa, ainda mais sendo um protagonista que não demonstra ter tanta astúcia política quanto imagino que deveria. De todo modo, é um filme que mantém o nosso interesse do início ao fim, seja quando mostra as cenas de batalha, seja quando aborda o difícil casamento com Josephine (Vanessa Kirby), seja quando apresenta as crises no país - se bem que esse aspecto é um dos mais frágeis do filme. É tudo mostrado muito rapidamente. Ainda assim, gostei da cena do golpe de estado: é ao menos de fácil compreensão e divertida. Senti falta de mais vigor nas cenas de batalha. E de mais cor na fotografia - essa moda atual de se fazer filmes quase sem cores é uma tristeza. De carreira irregular, Scott tem conseguido a proeza de seguir incansável no ofício aos 85 anos, ainda por cima com filmes desse porte. Louvável. Curiosamente, o novo filme remete ao primeiro longa para cinema do diretor, o ótimo OS DUELISTAS (1977), que se passa justamente no tempo de Napoleão Bonaparte.

ZONA DE INTERESSE (The Zone of Interest)

De jeito nenhum um filme como ZONA DE INTERESSE (2023) passaria numa sala de cinema de shopping que costuma exibir produções mais comerciais. Só mesmo uma indicação importante ao Oscar é capaz disso. O que Jonathan Glazer faz aqui é fugir deliberadamente de uma narrativa mais clássica - algo já iniciado em SOB A PELE (2013) - e nos fazer abraçar uma experiência em que o que está fora da tela, ou o que aparece quase que discretamente, é tão ou mais importante quanto aquilo que estamos vendo, aquilo que a câmera deseja mostrar. Ou seja, a beleza da casa grande e arborizada da família Höss é uma espécie de negativo dos horrores que acontecem do outro lado do muro (ainda não entendo bem as cenas do sonho da filha do casal, mas gosto dos efeitos). Acho que uma das cenas de que eu mais gosto é aquela em que o comandante diz que vai precisar sair de Auschwitz para a esposa e eles conversam sobre essa decisão que ele diz ser política. Há tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo em nossa cabeça, na cabeça dos personagens e a poucos metros dali. ZONA DE INTERESSE talvez dê uma boa dobradinha com A FITA BRANCA, de Michael Haneke. E Sandra Hüller, se não é a Rainha de Auschwitz, foi a rainha de Cannes-2023.

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