segunda-feira, julho 03, 2023

QUE HORAS EU TE PEGO? (No Hard Feelings)



Eu adoro a Jennifer Lawrence. Não apenas pelos seus trabalhos no cinema, que acompanho desde INVERNO DA ALMA (2010), o filme que a revelou para o mundo, mas também pelo seu jeito moleca e descontraída em festas, premiações e entrevistas. A atriz agora está passando por uma nova fase em sua carreira, depois de ter sido indicada ao Oscar quatro vezes e de ter vencido por O LADO BOM DA VIDA (2012), além de ter participado de duas franquias milionárias (JOGOS VORAZES, X-MEN). Lawrence parece agora, mais do que nunca, ser dona de sua vida profissional. Tanto seu filme anterior, o drama intimista PASSAGEM (2022), quanto este QUE HORAS EU TE PEGO? (2023) foram produzidos por ela, como projetos menores, mas que evidenciam sua forte presença em cena.

Com relação ao novo filme, fico me perguntando quando foi a última vez que ri tanto no cinema com uma boa comédia – sim, suspeito que estamos vivendo uma crise também nas comédias. E fico feliz que desta vez tenha sido com um novo filme desta nova fase de Lawrence, que também teve a coragem de enfrentar o preconceito e as acusações de que estaria fazendo comédia chula e popularesca.

Aqui ela interpreta Maddie, uma jovem mulher de 30 e poucos anos que aceita a oferta dos pais que querem que seu filho tímido e virgem de 19, Percy, esteja pronto para a vida na faculdade, contratando para ele uma espécie de namorada, sem que ele saiba. Em troca, a moça ganharia um carro, perfeito para quem acabou de ter o seu apreendido e agora não tem como trabalhar de Uber para pagar as contas. O pai rico do garoto, vivido por Matthew Broderick, conta que costumava ser muito tímido, e que tudo mudou em sua vida quando ele conheceu uma garota que lhe abriu o mundo e o deixou mais autoconfiante. Assim, a intenção do pai parece válida, embora um pouco polêmica para os dias de hoje, já que lembra a velha tradição dos pais do passado de levarem seus filhos para se iniciarem sexualmente com prostitutas.

Aliás, é interessante como QUE HORAS EU TE PEGO? está sempre fazendo uma ponte entre a década de 1980 com os anos 2020, inclusive na questão comportamental. Enquanto nas comédias oitentistas os jovens se mostravam desesperados para tirar a virgindade o mais rápido possível, temos aqui um rapaz que vive no mundinho de seu celular e que prefere conhecer primeiro a pessoa para, só depois, ter a sua primeira experiência sexual. O filme também busca situações que anteriormente não seriam tão pensadas, como na cena em que o rapaz está bêbado e diz que está apaixonado por Maddy e que está pronto para transar e ela diz que não pode fazer isso, por causa da condição etílica dele.

O próprio ponto de partida já sugere uma série de situações divertidas, mas o grande barato de QUE HORAS EU TE PEGO? é o quanto o filme nos surpreende com frequência. A cena da praia está entre as mais surpreendentes e divertidas que já vi em muito tempo, além de representar um gesto de ousadia e senso de humor de Lawrence. Isso tem a ver em parte com a nudez da atriz, mas não apenas isso. O filme investe bastante na inadequação, inclusive apresentando a atriz em ângulos que a tornam mais alta (e maior) do que realmente é. Isso acontece, por exemplo, na cena que Maddy encontra Percy pela primeira vez no abrigo de cães. Ela usa um vestido vermelho curto e sensual, enquanto Percy é visto de baixo, pequeno e parecendo uma criança, segurando um cachorro salsicha, que vira objeto de piada de duplo sentido logo em seguida. Há também várias cenas que lembram as presepadas dos irmãos Farrelly nos anos 1990-2000, como a cena do spray de pimenta nos olhos ou a do garoto agarrado no capô do carro.

Ainda que o sexo seja um elemento importante para a história, ele é quase formatado para ser menos sensual do que nas comédias clássicas oitentistas que o filme busca homenagear, o que também diz muito do momento em que estamos vivendo. O jovem ator que faz a vítima (ou sortudo), Andrew Barth Feldman, é ótimo e tem tudo para fazer sucesso no futuro. A cena em que ele canta e toca no piano um hit dos anos 80 ("Maneater") é arrepiante, por exemplo.

Este segundo longa-metragem de Gene Stupnitsky é também um belo coming of age masculino que tem o privilégio de contar com o brilho de uma das mais carismáticas atrizes do novo século. O primeiro longa do diretor, BONS MENINOS (2019), é uma comédia estrelada por crianças, mas que também tem algo de transgressor, já que, na trama, os meninos transportam drogas roubadas acidentalmente. Ou seja, é possível que esse cartão de visitas do diretor tenha sido essencial para sua escolha. Até mais do que sua carreira como um dos produtores da série THE OFFICE.

+ DOIS FILMES 

SEM URSOS (Khers Nist)

Foi bom sair da velocidade da nova animação do Homem-Aranha e partir para o andamento mais cadenciado de um novo trabalho de Jafar Panahi. Este SEM URSOS (2022), se não é um milagre como foi 3 FACES (2018), segue trazendo uma visão crítica, mas com vontade de compreender melhor o país em que vive. Na trama, o próprio Panahi é um cineasta proibido de sair de seu país, mas que agora mora num vilarejo próximo à fronteira com a Turquia. De sua pequena casa alugada, ele dirige remotamente uma produção de cinema no país vizinho. A confusão se estabelece na comunidade por causa de uma suposta foto que Panahi teria tirado de dois jovens amantes, já que a garota estaria prometida para se casar com outro rapaz. Gosto muito do que já é comum nos filmes do realizador, como seus passeios de carro pelo solo árido, mas também o modo como ele parece uma pessoa estrangeira naquele lugar pequeno e cheio de tradições estranhas. Grande momento: a gravação do testemunho.

EO

Em atividade desde os anos 1960, Jerzy Skolimowski não é um cineasta cuja poética eu conheça, já que este é apenas o terceiro filme do realizador que vejo. Esta homenagem a A GRANDE TESTEMUNHA, de Robert Bresson, tem um visual tão deslumbrante que, confesso, me tirou um pouco a capacidade de me envolver emocionalmente com o burrinho de olhos lindos e tristes, o protagonista da história que viaja por diferentes países da Europa, sendo às vezes vítima de agressão pelos chamados seres humanos. EO (2022) nos convida a olharmos para além do nosso umbigo humano e há uma cena que achei muito comovente, que é quando a primeira dona de Eo deseja que todos os sonhos do burro se realizem, como se aquele animal que fica frequentemente preso ou amarrado tivesse o direito de sonhar. Há abundância de imagens que parecem quadros pintados, como na cena em que Eo atravessa uma ponte de pedra sobre uma cachoeira, ou nas paisagens rurais dos lugares por onde ele anda. De todo modo, acho que o filme mereceria uma revisão de minha parte, já que fui ver com o inconveniente "sono alérgico".

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