quinta-feira, junho 08, 2023

OS NOVOS CENTURIÕES (The New Centurions)



Uma das desvantagens de ver uma dessas obras-primas que nos deixam tão emocionados quanto impressionados, tão tristes quanto felizes (por ter visto algo de tal estatura), tão extasiados quanto melancólicos, é que não poderemos fazer um texto à altura de tal obra, não poderemos prestar a devida homenagem a um dos filmes que mais nos impactou nos últimos tempos, quiçá na vida. E aí entra também outra série de questões pessoais de um cinéfilo que deseja ver não apenas os filmes de grandes autores, mas também filmes menores de gêneros do coração, e que não tem o devido tempo para se dedicar a eles. E que deixou de conferir praticamente a filmografia completa de Richard Fleischer (1916-2006), embora tenha visto dois de seus filmes tardios e menos inspirados no cinema em tempos de pré-cinefilia, casos de CONAN, O DESTRUIDOR (1984) e GUERREIROS DE FOGO (1985), por ser na época um leitor de quadrinhos da Marvel.

A culpa disso talvez seja dos primeiros críticos a que cheguei a acompanhar. No caso, a revista SET, se não me engano, nunca chegou a enaltecer a obra de Fleischer; Peter Bogdanovich não escolheu Fleischer para ser entrevistado em seu livro Afinal, Quem Faz os Filmes; a turma da Cahiers du Cinéma não o adorava, e isso acabou repercutindo bastante mundo afora. Ao que, parece, mais recentemente é que tem se buscado uma revisão de suas grandes obras e de seu trabalho como autor, ainda que procurar elementos em comum entre seus filmes pareça ser um desafio, pelo que andei lendo. Agora mesmo, lendo um texto do português João Palhares, publicado na postagem do Making Off de OS NOVOS CENTURIÕES (1972), fiquei arrepiado diversas vezes. Tanto pela forma poética como o crítico presta tributo à obra, quanto pelas lembranças emocionantes de várias cenas do filme que ele destaca.

Antes de tentar falar do filme à minha maneira, quero deixar registrado aqui meus agradecimentos a Fernando Brito, da Versátil Home Video, que vem prestando um trabalho fantástico não apenas na curadoria dos títulos presentes nas variadas coleções da empresa, mas no trabalho atual de publicação de livros temáticos. O fato de certos filmes serem destacados em tais livros chama uma atenção maior para eles. E eu não teria visto OS NOVOS CENTURIÕES na semana passada se o filme não tivesse sido escolhido para integrar um dos 14 títulos essenciais da coleção Cinema Policial, embora o filme em questão tenha sido lançado no box A Arte de Richard Fleicher. No livro, há um belíssimo texto sobre o filme escrito por Sérgio Alpendre que complementa a experiência de ver a obra-prima de Fleischer. Não que o filme não fosse ficar em nossa lembrança por um bom tempo por conta própria, mas certas obras merecem uma extensão maior de tempo em nosso ruminar.

Com OS NOVOS CENTURIÕES, Richard Fleischer conquista meu respeito pra valer. O filme é tão impressionante em sua busca pelo realismo que não consigo encontrar muitos paralelos, mesmo no cinema produzido depois dos anos 1980. Nem mesmo entre os dirigidos por Michael Mann. O título é mais um exemplo do quanto o cinema americano setentista estava impregnado da melancolia e do pessimismo da sociedade daquele tempo e do quanto o cinema, que como toda arte é uma antena, acabou saindo beneficiado.

Não há uma trama em si no filme e por isso é até difícil formular uma sinopse. O que temos são várias histórias de seus personagens, sendo os principais, o mais velho vivido por George C. Scott e o mais novo na corporação interpretado por Stacy Keach. Scott e Keach, ou melhor, Kilvinski e Fehler, são aqueles que mais acompanharemos como policiais em seus trabalhos pelas ruas de Los Angeles, principalmente à noite. Ser policial, no filme, é como uma espécie de sacerdócio pela dedicação integral, e algo que traz infelicidade, traumas e, com frequência, destrói famílias, seja pela separação, seja pela morte desses policiais.

Há várias situações que nos pegam de surpresa e que surgem como que do nada, sem uma antecipação óbvia, como é o caso do tiro que o personagem de Keach recebe, ou da morte de um homem acidentalmente por um policial (acho que foi a primeira cena que me deixou abalado e comovido), ou do comportamento das prostitutas dentro do camburão, ou do caso envolvendo um bebê que estaria sendo machucado pela própria mãe. OS NOVOS CENTURIÕES é uma espécie de crônica da vida desses homens e que traz uma carga humanista que o diferencia da tendência mais à direita dos filmes policiais da época.

Somos convidados a nos solidarizarmos com policiais, criminosos, prostitutas, as esposas dos policiais, enfim, todas as pessoas que se apresentam como vítimas desse moedor de carne que é o sistema de autoridade das ruas. Como esquecer a chegada da esposa de Fehler ao hospital, lutando entre a raiva e a tristeza, ao ver o marido sofrendo depois de levar um tiro no estômago e ser consolada por Kilvinski, seu parceiro na viatura, que antes era tido como uma figura paterna para Fehler, mas que com o tempo foi virando um irmão? Aliás, que sensibilidade de Fleischer ao trazer aquela cena da despedida de Kilvinski da corporação, quando ele se aposenta, e nos mostrar o olhar triste e nos fazer sentir o nó na garganta do amigo Fehler, que não sente ares de festejo no momento, já que sabe que sentirá falta do amigo. Depois, saberemos que Kilvinski, viciado em sua profissão, não saberá seguir em frente na vida, noutra cena que nos pega de surpresa e funciona como outro soco no estômago.

Sobre as amizades masculinas no filme, eu até pensei em fazer comparações com o trabalho de Howard Hawks, mas talvez Hawks seja ainda mais duro no quesito “homem não chora”. Fleischer nos permite ver seus personagens chorando, seja pelo fato de ter matado um homem por acidente, seja pelo fato de estar perdendo a própria vida, logo quando ele agora tinha encontrado a felicidade. As palavras de Fehler, “Can’t happen now, I was beginning to know…”, são doloridas e ajudam a encerrar o filme com um gosto bem amargo.

Quanto a George C. Scott, recentemente o havia visto em HOSPITAL, de Arthur Hiller, como um médico amargo, papel que lhe deu uma quarta indicação ao Oscar, mas não estava preparado para vê-lo como um personagem tão apaixonante quanto Kilvinski. Aliás, é interessante pensar em Scott como um ator com um tipo de ética muito particular. Quando ganhou o Oscar por PATTON – REBELDE OU HERÓI, em 1971, ele recusou receber o prêmio por não se ver em nenhuma competição com outros atores.

No fim das contas, não deixa de ser um gesto nobre e humano, que combina com Kilvinsky e com OS NOVOS CENTURIÕES, cuja cena mais progressista apresenta a chegada de dois policias numa favela habitada por imigrantes latinos ilegais, vivendo em condições subumanas para poder pagar um aluguel alto demais para o lugar e para seus salários. Na cena, quem acaba levando uma dura dos policias é o sujeito que aluga o espaço. No filme de Fleischer, vemos a polícia que gostaríamos que fosse notícia, mas que talvez exista e tenha se tornado invisibilizada pela má fama gerada por uma parcela considerável de seu contingente.

+ DOIS FILMES


ELES VIVEM (They Live)

Um prazer poder rever ELES VIVEM (1988), de John Carpenter, em BluRay com um som DTS HD límpido e maravilhoso e imagem remasterizada. O filme nasceu depois de um momento de forte queda da bolsa, seguido de triste recessão. E isso é visto logo de cara no começo do filme, com a chegada do personagem de Roddy Piper naquela cidade, a fim de ter o mínimo para sobreviver. Mas hoje em dia, com as fake news e a queda das máscaras de pessoas de más intenções da era pós-Trump (e Bolsonaro), o filme ganha conotações políticas até mais interessantes, mas sem nunca perder de vista o prazer de ver um belo filme de ação/sci-fi B dirigido por um mestre do cinema fantástico. Como só havia visto o filme em VHS lá no início dos anos 90, foi um prazer rever como se fosse a primeira vez, e finalmente captando a referência (explícita) que Kleber Mendonça Filho usou em BACURAU. Ainda estou me devendo ver todos os extras presentes no belo tijolinho lançado pela Versátil.

VELOZES E FURIOSOS 10 (Fast X)

A ideia de dar um fim à franquia com um certo tom dramático (embora isso não se materialize de fato) me soa interessante. VELOZES… é uma cinessérie de altos e baixos que, pelo menos para mim, começou a ficar interessante a partir do quarto filme (2009), quando o grupo passou a ganhar mais força, embora não tenha deixado de ser aquele estilo de ação tosca disposta a ser ruim no roteiro e nas caracterizações sempre que possível. Mas é preciso ser ruim dentro de certo limite, e infelizmente eles chegaram ao fundo do poço no nono filme (2021), que considero um horror. Em VELOZES E FURIOSOS 10 (2023), com direção agora do francês Louis Leterrier (O INCRÍVEL HULK, 2008), após treta entre o diretor Justin Lin e Vin Diesel, não consegui ver muitas mudanças formais. Os diálogos atravessados, o humor sem graça, as lutas coreografadas sem muita inspiração e a montagem picotada, tudo está lá. Assim como estão personagens/atores de filmes anteriores, que reaparecem para dar um tom grandioso, de come back, a esta primeira parte do fim. Se pensarmos que temos quatro atrizes vencedoras do Oscar (Charlize Theron, Brie Larson, Helen Mirren e Rita Moreno) dando um pouco de prestígio à produção, que possui um orçamento estimado de 340 milhões de dólares, é fácil entender o motivo de a Universal estar apostando tanto suas fichas em novos filmes estrelados por Toretto e família. Há algumas boas cenas envolvendo carros, sendo que várias delas seguem brincando com a verossimilhança, o que contribui para a diversão, na verdade. Ainda assim, já faz um tempo que não me conecto com esses filmes, e o eixo dramático é tão qualquer coisa que sigo desanimado. Ainda mais depois de ter visto um filme de família tão cheio de coração como GUARDIÕES DA GALÁXIA VOL. 3. Enfim, o problema dos filmes da franquia se resolveria com um bom diretor? Ou Vin Diesel e os demais produtores é que mandam no tom que os filmes devem manter, mesmo com a mudança de realizadores? Antes que eu esqueça: Jason Momoa está bem divertido como o novo vilão alucinado. Antes que eu esqueça 2: por que uma produção tão cara não quer pagar atores brasileiros para interpretarem brasileiros, e em vez disso optam por portugueses?

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