quinta-feira, fevereiro 02, 2023

NOITES DE PARIS (Les Passagers de la Nuit)



Chega fevereiro e eu estou com um pouco de desânimo no espírito, embora esteja sem compreender direito o motivo. De todo modo, o cinema ainda segue sendo o espaço de refrigério. Encontrar os amigos no Cinema do Dragão, por exemplo, quase uma segunda casa pra mim, é uma alegria. Na terça-feira, saí de casa para a Mostra Retroexpectativa para ver dois filmes inéditos (pra mim): NOITES DE PARIS (2022), de Mikhaël Hers, e A VIDA SÃO DOIS DIAS, de Leonardo Mouramateus. Antes disso, encontro o amigo Murilo, que estava na sessão de MOONAGE DAYDREAM e que me presenteia com um box de CDs do Lou Reed e conversamos um pouco antes da sessão no café Santa Clara sobre vida e arte. Em seguidas, ainda conversamos sobre os filmes da mostra com o Luiz e o Messias. A alegria de estar naquela sala, naquela tarde, é até um pouco difícil de descrever. 

E ver NOITES DE PARIS, com seu pacote de alegrias e tristezas, quase na mesma proporção, funciona como um consolo. É um filme que começa com uma alegria muito parecida com a que vivemos no dia 30 de outubro passado, com a eleição de Lula. A história começa em 10 maio de 1981, quando François Mitterrand é eleito e acaba passando 14 anos como presidente do país. Foi o primeiro presidente socialista a vencer as eleições na França e por isso as alas mais progressistas festejaram tanto nas ruas. Enquanto isso, Elisabeth (Charlotte Gainsbourg) chora, pois seu marido a abandonou. O motivo do choro é menos pelo amor pelo agora ex-esposo e mais pelo fato de o sujeito não dar as caras e não pagar a pensão. Ou seja, ela, que nunca trabalhou na vida em empresa, teria que procurar algum emprego para sustentar os dois filhos adolescentes.

Como o filme lida com a família, conhecemos um pouco dos filhos também. A filha mais velha, Judith (Megan Northam) tem interesse por política e é esse o caminho que ela pretende trilhar. O mais novo, Matthias (Quito Rayon-Richter), não sabe muito bem o que quer, mas uma professora percebe que ele tem jeito para ser poeta (ele parece algo próximo a um alter-ego do diretor). Uma quarta personagem jovem entra na história, a delicada Talulah (Noée Abita), que Elisabeth conhece na rádio noturna onde está trabalhando e lhe dá abrigo e amparo em sua casa. Já se percebe que NOITES DE PARIS (título, aliás, bem genérico e que nada diz do filme) é uma obra que tem um quê de maternal. E isso geralmente é um elemento que me ganha pelo coração. Tanto que pouco me importei com as irregularidades do enredo, montagem ou coisa do tipo. Pra mim, tudo funcionou muito bem, do jeito que ficou.

Considero NOITES DE PARIS um filme agridoce que aquece os corações, até tendo um efeito muito mais forte em mim do que o mais celebrado AMANDA (2018), o anterior do realizador francês. E isso se dá muito provavelmente por causa das dificuldades da personagem de Gainsbourg. Solidarizei-me com a personagem, ficando triste com suas dificuldades e feliz com suas vitórias. Adorei ver o rosto de alegria dela ao ser aceita na rádio, depois de ter sido demitida de outra empresa. Da mesma maneira, é de lamentar o fora que ela recebe do colega de trabalho, mas depois a vemos feliz com um novo namorado. Ou seja, é como se a vida estivesse ensinando a pessoa (a gente, aliás) a valorizar os momentos de alegria, ao ter experienciado as situações difíceis antes.

O filme também explora muito bem o personagem do filho, Mattias, que acaba se apaixonando pela jovem Talulah, e é com ela que ele tem sua primeira relação sexual, por quem se apaixona e por quem sofre. Ou seja, mais uma vez o filme evoca a vida, no que ela traz de gostoso e de doloroso. E Hers ainda deixa um presentinho para os cinéfilos, na cena em que os três jovens, entram de fininho numa sessão dum filme de Éric Rohmer (NOITES DE LUA CHEIA). E o filme mexe com os personagens. Talulah muito bem diz que alguns filmes são devidamente apreciados com o passar do tempo, quando ele cresce mais na memória afetiva.

Não sei se esse é o caso de NOITES DE PARIS, mas deixar registradas as cenas que mais me emocionaram pode me ajudar: a cena do jantar, ao som de “Jodie” (Les Innocents); e a cena dos presentes. No mais, o filme é um triunfo visual, como uma obra que se conecta muito bem com a década de 1980, com uma fotografia que usa diferentes bitolas em película (8 mm, 16 mm, 35 mm) e obtém uma imagem com uma textura muito aproximada da que vemos em filmes de Rohmer desse período, por exemplo.

+ DOIS FILMES

A METAMORFOSE DOS PÁSSAROS

A vontade que tive, assim que terminei de ver A METAMORFOSE DOS PÁSSAROS (2020), foi de revê-lo imediatamente. Mas, ao mesmo tempo, vê-lo em casa, na Netflix (aliás, quase um milagre encontrar obra tão refinada nesse serviço de streaming!), senti dificuldade de me concentrar em todos os momentos - em casa é tão mais fácil nos dispersarmos. Além do mais, há vários personagens-narradores e o filme trata de três (ou mais gerações) da família da diretora Catarina Vasconcelos. Mas todas as cenas que me pegaram, elas me pegaram forte, como quando o filme aborda as questões da morte do avô ou da mãe, especialmente da mãe. Fica tudo impregnado de tristeza, mas a diretora trata tudo de forma tão poética (adoro as escolhas das palavras e o tom de sua voz) que é tão bom abraçar essa tristeza, que além de tudo ainda vem numa "embalagem" linda, com imagens tão bem pensadas e tão em consonância com a narrativa oral. Há um momento, da conversa da mãe morta com a filha, que me lembrou o romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago, e me fez pensar no jeito singular que possivelmente os portugueses têm de lidar com a morte. Também fiquei pensando mais uma vez nas razões de tantos filmes que se voltam para as memórias da família estarem surgindo, se isso é sinal de um mundo mais preparado para a compreensão de si ou se é uma maneira quase desesperada de registrar algo da maneira mais bonita possível, antes que isso tudo seja esquecido pelo tempo e pela morte. No mais, há tantas cenas tão inteligentes (a tomada na parede, o voo dos pássaros, os nomes de "mãe" em várias línguas) que o filme mereceria uma investigação mais aprofundada em revisões posteriores. Um privilégio poder ver A METAMORFOSE DOS PÁSSAROS.

A ÚLTIMA FESTA

Matheus Souza tem se especializado nessas comédias dramáticas acerca das dores e das alegrias dos jovens dos dias de hoje, inclusive com um uso muito eficiente da comunicação pela internet. Nos dois anteriores, ANA E VITÓRIA (2018) e ME SINTO BEM COM VOCÊ (2021), isso já se mostrava muito presente, principalmente no filme da pandemia, quando a internet passou a ser ainda mais presente em nossas vidas. Em A ÚLTIMA FESTA (2023), acompanhamos quatro amigos que compõem um grupo de whatsapp chamado "Bobas para a Idade". São unidos e o filme quase consegue explorar suficientemente bem cada um dos quatro, além dos agregados (namorados ou interesses amorosos), que surgem na festa. A personagem mais carismática é a de Giulia Gayoso, em sua missão de tirar a virgindade com o namorado em algum lugar do castelo português onde se passa a festa. Ora trabalhando com um tipo de humor que desperta risos, ora lidando com um humor mais amargo, Souza segue fazendo seus trabalhos bem pessoais num esquema que me faz lembrar o que fazia Domingos Oliveira e seus filmes de conversa, inclusive pelos personagens mais abastados. Nem sempre os diálogos se materializam tão bem na boca dos atores, mas isso faz parte do risco de ser um diretor cujo texto bem-humorado está em primeiro lugar na lista de prioridades.

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