domingo, fevereiro 05, 2023
BATEM À PORTA (Knock at the Cabin)
M. Night Shyamalan é um dos cineastas mais singulares em atividade. E é impressionante como ele também se tornou controverso no meio cinéfilo já desde seu segundo sucesso, CORPO FECHADO (2000), talvez por entregar algo diferente do celebrado O SEXTO SENTIDO (1999) e ter se tornado desde então um mestre dos plot twists, embora nem sempre ele tenha usado esse recurso em seus trabalhos posteriores. Mas é impressionante o quanto as opiniões sobre seus filmes variam, o quanto o amor e o ódio pelo diretor seguem em intensidade, embora hoje em dia o cineasta tenha recuperado, com alguns filmes recentes, o respeito de certos cinéfilos que o tinham já colocado na lista negra.
No meu caso, sempre gostei muito de seu trabalho e procuro acompanhar até mesmo as séries de televisão que ele cria ou dirige, como foi o caso de WAYWARD PINES (2015-2016) e a atual SERVANT (2019-2023). Diria, inclusive, que o formato de séries combina muito com suas ideias. Enquanto via seu novo trabalho, BATEM À PORTA (2023), por exemplo, fiquei imaginando como o filme se beneficiaria no formato de série, trazendo, além dos flashbacks da família feita de refém, flashbacks também dos chamados “quatro cavaleiros do apocalipse”, por mais que a estrutura pudesse ficar parecido com a de LOST.
Lendo, porém, uma entrevista de Shymalan para o site Collider, ele menciona que, para chegar ao resultado final de BATEM À PORTA, ele enxugou ao máximo as cenas, de modo que nada ficasse sobrando. Não sei se ele foi tão bem-sucedido assim, mas também não tenho muito do que reclamar. Afinal, o interesse do filme, que já é instigante desde o primeiro diálogo de Leonard, o personagem de Dave Bautista, com a menininha Wen (Kristen Cui), permanece assim até os instantes finais. Dave Bautista é uma surpresa e tanto com sua atuação amorosa, fazendo um contraponto com seu físico gigantesco. É dele a melhor atuação do filme.
Ver BATEM À PORTA nos ajuda a valorizar ainda mais a obra de Shyamalan. Isso porque temos um filme que dialoga muito bem com pelo menos duas obras suas, FIM DOS TEMPOS (2008) e TEMPO (2021). Assim como os filmes citados, há no novo a questão do fim (do mundo ou do mundo a partir da morte, de um ponto de vista mais subjetivo), ainda que visto de uma maneira mais desesperada pelo casal.
Como o diretor usa de um requinte visual que salta aos olhos, esse poder da imagem está presente na própria maneira como vemos "os quatro cavaleiros do apocalipse", usando o que eles chamam de ferramentas (não são, para eles, armas, como a garotinha diz). O ponto de partida é tão genial quanto o de TEMPO (ambos são adaptações: o anterior de uma graphic novel, este de um romance) e a gente torce para que desta vez o filme se mantenha muito bom até o fim. Felizmente este aqui é o caso e o último ato é tão bonito quanto emocionante. Mais uma vez, Shyamalan trata no mesmo filme de família, amor e a aproximação da morte, com um misto de horror e ternura.
É bom deixar claro que não temos em BATEM À PORTA um trabalho de terror próximo do sadismo, como em VIOLÊNCIA GRATUITA, de Michael Haneke, e nem uma cena como a do “jogo” parecida com a de O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO, de Yorgos Lanthimos. Aliás, muito curioso eu trazer lembranças de filmes dirigidos por cineastas costumeiramente tidos como polêmicos. Shyamalan, mesmo sendo um mestre da condução do suspense e do horror, tem um estilo muito mais terno, muito mais próximo de um cinema cristão – SINAIS (2002) é um filme sobre a perda da fé, se não me engano.
Agora, sobre acreditar ou não nos homens que trazem a notícia do apocalipse e sua solução ao mesmo tempo simples (de um ponto de vista mais frio e prático) e extremamente difícil, isso pode incomodar um pouco, pode não ser visto com bons olhos em tempos de pós-verdade, e é justamente onde se enquadra BATE À PORTA, que inclusive podemos dizer se tratar do filme de pandemia do cineasta.
Ainda assim, sinto uma necessidade de revê-lo, de preferência numa sala de cinema melhor, para não apenas perceber melhor a beleza das imagens (a fotografia é assinada por dois profissionais e há o uso preferencial de luz natural), como também para repensar os simbolismos e o jogo de cena que o cineasta tão habilmente elabora, com seus close-ups, campo/contracampo e outras opções visuais.
+ DOIS FILMES
RESURRECTION
Achando bem curioso este caminho que o cinema está tomando, especialmente dentro do cinema de gênero, para lidar com os traumas que as mulheres enfrentam de homens abusadores, das mais diversas maneiras. Neste ano tivemos MEN – FACES DO MEDO, de Alex Garland; WATCHER, de Chole Okuno; e podemos incluir, ampliando o espectro, até mesmo SPENCER, de Pablo Larraín. Muito da força de RESURRECTION (2022), de Andrew Semans, está na performance intensa e vibrante de Rebecca Hall. Muito bom vê-la participando de filmes de horror para ajudar a valorizar o gênero - sem ela, o filme talvez não tivesse o mesmo sucesso. Aqui ela é uma mãe solteira com uma filha prestes a completar 18 anos que volta a ser assombrada pela presença do homem que a abusou na juventude. Há várias cenas que irritam, pois logo queremos uma ação imediata dela contra aquele homem, mas dentro da estratégia de construção do monstro, do vilão, Tim Roth em cena transmite uma carga bem maligna. Pena que o final, eu tenha achado um pouco previsível, embora haja muito o que pensar sobre o que o filme diz e o que ele apenas deixa implícito.
SPEAK NO EVIL (Gæsterne)
Se você quer um filme que vai deixá-lo com um quentinho no coração, definitivamente é melhor passar longe de SPEAK NO EVIL (2022), de Christian Tafdrup. O clima de algo ameaçador é antecipado pela trilha sonora e isso dá ao espectador uma sensação de certa superioridade ao saber mais do que os personagens principais, ou seja, os dinamarqueses que aceitam a estadia de um casal de neerlandeses para visitá-los em uma casa na área rural dos Países Baixos. A habilidade da direção de saber como ampliar gradativamente a tensão dentro da casa é admirável. O ideal é ver o filme sem saber muito coisa, ou até mesmo nada. Não sei se SPEAK NO EVIL passará nos cinemas brasileiros, mas quem sabe o fato de ser falado majoritariamente em inglês ajude. Mesmo assim, o silêncio das distribuidoras para filmes já bastante populares entre cinéfilos é desanimador. Ver este filme no cinema, por exemplo, ajudaria bastante, pois é uma obra que traz várias cenas em planos gerais, melhor visualizadas numa tela grande.
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