quinta-feira, novembro 17, 2022
NOITES BRUTAIS (Barbarian)
Um dos maiores baratos de NOITES BRUTAIS (2022), um dos mais celebrados exemplares de horror da atual temporada, é o quanto o filme vai tentando se reinventar, quebrando nossas expectativas o tempo todo. Logo, o ideal é que nada seja lido sobre o filme antes de vê-lo. Inclusive, se você não o viu ainda, recomendo que pare de ler este texto. Não que eu vá dá muitos spoilers, mas quanto menos se souber a respeito, mais prazer o filme proporcionará. E gosto muito quando isso acontece, mesmo quando a obra em questão se mostra até um pouco descompromissada na ampliação de sua “importância”, por assim dizer. Falo isso pois a tendência geral dos novos filmes do gênero é serem bem mais do que filmes de horror, serem uma espécie de tratado sobre alguma questão sociológica ou psicológica. Não que isso falte em NOITES BRUTAIS, mas não está longe de ser comparado a um Jordan Peele, por exemplo.
A direção é de um cara pouco conhecido do meio chamado Zach Cregger, que até então era mais ligado à comédia. Seu primeiro longa foi uma comédia (romântica?) entitulada MISS MARÇO – A GAROTA DA CAPA (2009). Cregger foi um dos criadores de um programa de televisão chamado THE WHITEST KIDS U’KNOW (2007-2011). É muito provável que essa passagem pela comédia tenha sido fundamental para a efetivação do tom de NOITES BRUTAIS, que é um filme que pode, sim, meter medo, mas que se assiste principalmente com muito prazer e às vezes com um sorriso no rosto. Como fazer boa comédia é saber usar acertadamente o timing, isso pode ser um grande trunfo para a construção de um filme de horror que não tenha a pretensão de ser solene ou coisa do tipo.
A trama de NOITES BRUTAIS começa quando Tess, a personagem de Georgina Campbell (bastante lembrada pelo ótimo episódio “Hang the DJ”, da quarta temporada de BLACK MIRROR), aluga uma casa pelo Airbnb. A localização, em um bairro muito estranho no subúrbio de Detroit, já deixa no ar o perigo. Ainda mais com a chuva, que cai torrencialmente. Outro detalhe importante é que a moça vem tentando evitar a ligação do namorado ou ex-namorado. Acontece que, ao chegar à tal casa, ela descobre que alguém já havia alugado, um rapaz vivido por Bill Skarsgård (que viveu o palhaço em IT – A COISA). Com a dificuldade de encontrar outro lugar para ficar, ela resolve passar a noite na tal casa, mesmo não confiando muito naquele sujeito. Até rola um tipo de atração entre os dois, quando resolvem tomar um vinho, inclusive. Mas a casa possui segredos e de alguma forma esses segredos chamarão a atenção dos dois, o que será fatal.
Fico até sem graça de estar contando parte da história, e nem pretendo prosseguir, pois essa parte é apenas do primeiro segmento do filme, que mudará de rumo e talvez até de protagonista (será?), com a entrada em cena do controverso personagem de Justin Long (ARRASTE-ME PARA O INFERNO), um sujeito que está passando por uma situação complicada de acusações de assédio sexual, o que poderá representar o fim de sua carreira profissional no ramo do entretenimento. A relação dele com a casa do primeiro segmento logo surgirá. Assim como um olhar do filme para pautas atuais.
NOITES BRUTAIS engrossa a lista de ótimos títulos de horror lançados em 2022, que talvez seja um ano a ser estudado futuramente como um dos mais marcantes para o gênero – como foi o de 1981 para o slasher e o de 1972 para o giallo. Falando em décadas passadas, senti no filme de Cregger um tom de horror dos anos 1980, especialmente pelo uso do gore, ainda que o tom cômico seja mais comedido, estando presente mais nas entrelinhas e no prazer das surpresas, dos sustos e dos absurdos. É impressionante, inclusive, quando o filme explora a geografia dos subterrâneos da casa. É uma pena que não tenha passado nos cinemas, mas de vez em quando é bom ter essas surpresas exclusivamente em streaming, até porque o nosso circuito do gênero na telona nem sempre funciona como um bom curador, a julgar pelo que as distribuidoras costumam trazer, sem o menor critério de qualidade.
+ DOIS FILMES
HELLRAISER
Um dos grandes trunfos do HELLRAISER original (1987) foi não se prender tanto ao cubo e aos cenobitas e mais à história sangrenta de assassinatos e de reconstituição/regeneração do corpo de um homem graças ao amor de uma mulher. Este novo filme que promete, talvez, reacender a chama da franquia, aposta no cubo e na mitologia dos demônios criados por Clive Barker. Por sorte, HELLRAISER (2022) vai ficando empolgante depois da primeira metade, quando novas situações vão se apresentando cada vez mais desafiadoras e perturbadoras para a heroína (Odessa A'zion), uma jovem dependente química que acaba sendo apresentada ao "cubo mágico" e tem sua vida obviamente amaldiçoada. O novo filme tem um visual bem mais limpo que o original, mas não pega leve na violência gráfica e no gore, sendo até mais explícito no quesito apresentação de dor – destaque para uma certa cena envolvendo uma agulha. O filme também tem a sorte de ter um diretor habilidoso como David Bruckner, que já havia mostrado seu talento em A CASA SOMBRIA (2020), seu melhor filme até o momento, acredito.
O LIVRO DE PEDRA (El Libro del Piedra)
Muito provavelmente inspirado em OS INOCENTES, este belo filme de Carlos Enrique Taboada conta a história de uma mulher que começa a trabalhar como governanta em uma casa enorme e afastada do vilarejo e que precisa lidar com uma menina que acredita falar com uma criança-fantasma chamada Hugo. O andamento do filme é lento e, assim como o clássico de Jack Clayton, leva-nos a pensar, a princípio, que todos esses elementos sobrenaturais possam ser frutos da imaginação ou do medo que se instala naquela casa, especialmente à noite. Mais ou menos como VENENO PARA AS FADAS (1986) se utiliza mais da sugestão. Porém, O LIVRO DE PEDRA (1969) vai seguindo por outros caminhos e trazendo momentos verdadeiramente arrepiantes, como a cena do espelho, ou outros momentos de terror mais sutis e que também lidam com a escuridão da noite e com o mistério que habita o coração da menina. Visto no box Obras-Primas do Terror - Horror Mexicano 2.
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