sábado, setembro 10, 2022

SANDMAN – PRIMEIRA TEMPORADA (The Sandman – Season One)



Lembro-me de meu primeiro contato com Sandman, a obra-prima de Neil Gaiman. Foi na faculdade, em 1994. Um amigo, ouvindo a minha redação escolhida pela professora Laura sobre a descoberta da leitura e de minha paixão por quadrinhos que remontava à infância, tira da mochila o encadernado de Prelúdios e Noturnos, o primeiro arco de Sandman, lançado pela Editora Globo, a primeira de várias editoras a lançar essas histórias no Brasil. Ele me emprestou a HQ e fiquei impressionado. Na década de 1990, eu andava meio afastado dos quadrinhos e foi um deleite poder descobrir aquele universo tão fascinante sobre um senhor do sonhar histórias inventivas a seu respeito. Lembro de uma vez que, estando de posse do arco Estação das Brumas, eu saí do de barzinho próximo ao Centro de Humanidades e, sob efeito do álcool, do sabor da noite e do movimento do ônibus, lia aquela história louca sobre Morpheus tendo que assumir o inferno com muita alegria.

Eis que, passados 30 anos, uma adaptação de Sandman finalmente chegou às telas. E foi bom que tenha chegado em forma de série de TV, já que um filme não conseguiria abarcar tantas histórias – a série principal de quadrinhos tem 75 edições + a edição especial Sandman – Orpheus. E ter Neil Gaiman como um dos comandantes da série, ao lado de David S. Goyer e Allan Heinberg (o showrunner) pode garantir que a essência da obra original não se perca em sua adaptação. O problema é que senti falta de melhores diretores para os episódios. Acho que o(a) único(a) mais conhecido(a) é Colarie Fargeat, a francesa diretora do rape and revenge VINGANÇA (2017). Ela provavelmente foi escolhida para o episódio “Collectors” pelo aspecto mais sangrento desse capítulo da série.

Há coisas de que gostei um bocado em SANDMAN (2022) e coisas que me incomodaram. E o fato de uma das coisas que mais tenha me incomodado seja justamente o ator escolhido para interpretar Morpheus comprometeu bastante o meu prazer pela série. Tanto que gosto muito mais quando o Sandman está ausente de cena, como na maior parte dos episódios especiais que encerram a temporada (como no especial final que traz os contos "Um Sonho de Mil Gatos" e "Calíope") ou em vários momentos do arco Casa de Bonecas.

O CGI meio barato e a barba por fazer aparente do ator também não ajudaram. Inclusive, o CGI impede a boa apreciação do episódio no inferno, o que me deixa preocupado com o que pode acontecer com a segunda temporada, quando o arco Estação das Brumas for adaptado. Ficaria muito mais feliz se a série optasse por efeitos práticos, por mais que ganhasse um aspecto de produção barata de terror.

Pontos positivos: a jovem atriz que interpreta Rose Walker, Vanesu Samunyai; a atriz que interpreta a Morte, Kirby Howell-Baptiste; a presença marcante de David Thewlis como John Dee (aliás, o episódio "Imperfect Hosts" é um dos melhores, sem dúvida, e muito por causa do ator); Charles Dance como o Mago que prende Morpheus; e o respeito à obra original. Se bem que, tendo Neil Gaiman como um dos caras que comandam a série, percebe-se quase uma mão de ferro no sentido de não se obter muitas liberdades na condução das tramas. Para o bem e para o mal. Eu fico me perguntando se não preferiria uma obra mais liberta das amarras dos quadrinhos e com um excelente diretor por trás, mas sei que isso faria muita gente irritada, sendo que muitos já ficaram com as mudanças de gênero e raça em alguns personagens.

Enfim, é uma boa série, com momentos ótimos e outros fracos, e que espero que melhore no futuro. Morpheus ainda será apresentado como uma pessoa nada boazinha quando as histórias sobre Orpheus e Nada aparecerem, provavelmente na segunda temporada. Por enquanto, Tom Sturridge com essa cara de bebê chorão não vai convencer muito como uma espécie de deus implacável, ciumento e malvado.

É possível que minha impaciência ou quase implicância com a série venha do fato de tê-la visto ao mesmo tempo que via os excelentes episódios da temporada final de BETTER CALL SAUL. Ou seja, ficava muito difícil não fazer alguma comparação, por mais que eu soubesse que se tratavam de tipos distintos de intenções. Além do mais, o que há de melhor na série ainda vem de Neil Gaiman, de seu material inventivo, trazendo ideias geniais, como a do escritor que captura uma musa em “Calíope”, um homem que deseja viver para sempre no episódio “The Sound of Their Wings”, que também apresenta a irmã do personagem-chave para a audiência; a jornada de Sandman para recuperar seus objetos roubados no primeiro arco. Ou seja, está tudo nos quadrinhos. E quem não leu não sabe o que está perdendo.

+ DOIS FILMES

QUANDO DESCEM AS SOMBRAS (The Night Walker)

Interesssante ver um filme dos anos 1960 que traz um personagem chamado "Sonho" logo depois de ter finalizado a série SANDMAN. QUANDO DESCEM AS SOMBRAS (1964) não é dos meus favoritos de William Castle - prefiro ALMAS MORTAS (1964) e TRAMA DIABÓLICA (1961) -, mas é uma obra bem interessante em sua proposta, e tem tudo a ver com o espírito "truqueiro" e enganador do cineasta. Outra coisa que ajuda muito o filme é a presença de Barbara Stanwyck, uma das maiores atrizes da velha Hollywood, aqui em seu último papel no cinema - depois ela só apareceria em séries de televisão. Na trama, ela é esposa de um homem cego que tem ciúme dela com um homem que aparece em seus sonhos. Ela mesma não sabe quem é o tal homem. Lá pelo final, o filme apresenta uma série de surpresas e reviravoltas. Gosto mais da segunda metade do que da primeira. E adoro o cartaz estiloso, que vende o filme como se fosse um título sobre satanismo ou coisa parecida. Visto no box Obras-Primas do Terror 13.

ANNABEL LEE

Com a narração de Vincent Price para dar o lirismo romântico e gótico necessário para esta história, adaptada do célebre poema homônimo de Poe, o que temos aqui é um curta de apenas 10 minutos que consegue ser ao mesmo tempo aterrorizante, angustiante, trágico e terno. Na trama de ANNABELL LEE (1969), de Ron Morante, uma família tenta impedir o romance de um casal ao matar a jovem Annabel Lee. E o modo como ela é morta é aterrador, um pesadelo. Muito inventivo o uso das fotografias para dar um ar de estranheza, assim como as cenas "mudas", narradas por Price. Belo pequeno filme presente nos extras do box Edgar Allan Poe no Cinema Vol. 3.

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