quinta-feira, junho 16, 2022

AMOR À FLOR DA PELE / IN THE MOOD FOR LOVE (Fa Yeung Nin Wah)



É muito curioso o fato de que o último texto que escrevi para o blog (já faz mais de um semana. :/) tenha sido sobre MURIEL, de Alain Resnais, e agora seja sobre AMOR À FLOR DA PELE (2000), de Wong Kar-Wai, revisto depois de mais de 20 anos. A primeira vez foi em película no dia 14 de julho de 2001, no Cinema do Dragão, que ainda se chamava Espaço Unibanco Dragão do Mar. Na época, não foi um filme que me deixou apaixonado. Talvez por eu não ter entendido muito bem, talvez por ser um período da minha vida em que ainda não tinha me restabelecido completamente do fim de um relacionamento estável. E o filme de Kar-Wai demanda atenção, demanda percepção e um olhar tão racional quanto sensível às imagens e aos sentimentos dos personagens. Agora, revendo numa cópia DCP 4K remasterizada lindona, pude perceber muito mais sua beleza e sua importância justíssima na história do cinema.

Agora eu vejo que muito da graça do filme está em não ser tão fácil de compreender, em não sabermos detalhes que o próprio Kar-Wai esconde do espectador, como a dúvida que fica sobre se o casal de protagonistas faz ou não faz sexo. Ou a decisão de nunca mostrar seus cônjuges, tornando a narrativa mais misteriosa. O fato de Kar-Wai mudar diversas vezes o figurino da personagem de Maggie Cheung também desnorteia um pouco. Mais ou menos como fez Resnais em seu MURIEL, quando mudou mobílias de lugar na mesma cena.

Acredito que ver os filmes anteriores do cineasta chinês ajude mais a compreender AMOR À FLOR DA PELE – há personagens em comum, por exemplo, com DIAS SELVAGENS (1990). Saber um pouco mais da história de Hong Kong também pode ajudar. O território passou mais de 150 anos sob domínio britânico e só foi devolvido à China em 1997. E no meio disso tudo houve a dominação japonesa nos anos da Segunda Guerra. Nesse ínterim, Hong Kong criou sua própria identidade, identificando-se tanto com o ocidente quanto com a China, presente de modo mitológico em tantos filmes de kung fu produzidos durante a primeira geração de cineastas do território.

O próprio personagem de Tony Leung, o sr. Chow, está trabalhando na confecção de um roteiro para um filme de artes marciais. (Ou seria um romance? Não lembro mais.) Curiosamente, quem mais vai ao cinema é a sra. Chan de Maggie Cheung. O sr. Chow apenas diz: eu já fui muito ao cinema antes. Sabendo que seus cônjuges estão os traindo, eles começam a se aproximar e a relação dos dois ganha um contexto de possível caso amoroso, embora nunca fique muito claro até que ponto a aproximação dos dois foi consumada. Isso se aproxima um pouco do sentimento de proibição que estava no ar naquela Hong Kong ainda muito tradicionalista e moralista dos anos 1960. E isso deixa claro o quanto o território ainda não estava tão atrelado assim às modernidades da contracultura do mundo ocidental, pelo menos no que se refere aos relacionamentos.

Há uma cena que diz muito disso. A sra. Chan entra escondida no quarto do sr. Chow e ela acaba tendo que ficar mais de um dia lá, já que seus quartos eram conjugados e uma senhora iria passar a noite inteira jogando com seus amigos. O espaço onde eles vivem é como uma pensão familiar e, portanto, sem privacidade.

Kar-Wai esbanja elegância e sensualidade, especialmente nas vezes que vemos Maggie Cheung caminhando pela cidade ou pelos becos em slow motion e ao som da trilha de Michael Galasso (AMORES EXPRESSOS, 1994) e Shigeru Umebayashi (2046 – OS SEGREDOS DO AMOR, 2004). A trilha é carregada de uma melancolia bem pesada e as canções em espanhol cantadas por Nat King Cole também enfatizam o sentimento de estarmos vivendo em um passado quase remoto.

O sentimento de abandono é tão forte, especialmente do ponto de vista da personagem de Maggie Cheung, que a relação amorosa (ou de amizade) que ela passa a estabelecer com o personagem de Leung passa a ser menor. De certa forma é compreensível que Leung ame mais Cheung do que ela a ele. A própria câmera namora o balançado do corpo da mulher, sempre vestida com roupas que fazem jus à sua exuberância.

Como o estilo de Kar-Wai se sobrepõe ao sentimento dos amantes abandonados, não fiz a mesma torcida pelo casal como fiz com outra produção de Hong Kong, COMPANHEIROS – QUASE UMA HISTÓRIA DE AMOR, também estrelada por Cheung e mais próxima de uma comédia romântica convencional, se comparada com o impacto visual e narrativo do filme de Kar-Wai. Mesmo assim, e apesar de meu corpo ainda não estar suficientemente favorecendo as apreciações fílmicas, rever AMOR À FLOR DA PELE foi bom demais. E acredito que tenderá a crescer mais ainda nas futuras revisões. Quem sabe um dia eu volto aqui para escrever um texto mais decente sobre o filme. De todo modo, há toneladas desses textos mais aprofundados na internet, que só provam que escrever sobre esta obra parece ser sempre insuficiente, seja pelo que percebemos (especialmente na forma), seja pelo que ainda precisamos aprender ou notar.

+ DOIS FILMES

TRE PIANI

Um filme que traz imenso prazer em seu terço inicial, principalmente, mas que infelizmente vai perdendo a força à medida que avança em sua estrutura narrativa. Como nenhuma das três histórias é exatamente excelente, talvez a opção de amarrá-las em um único filme tenha sido uma alternativa interessante. E com alguma frequência TRE PIANI (2021), de Nanni Moretti, funciona, embora na maioria das vezes não faça muita diferença esse link. A história liderada por Ricardo Scarmacio, que sofre com um evento envolvendo a filha e depois com uma situação com uma jovem, talvez seja a que mais apresenta elementos dramáticos mais densos. Ainda assim, é a história liderada por Alba Rohrwacher que tem mais potencial trágico, levando em consideração a doença e a solidão da protagonista. Enquanto isso, Margherita Buy, a atriz de MIA MADRE (2015), é a que lidera o mais representativo dos temas que Moretti tem abordado nas últimas duas décadas, como a dor da ausência do filho. As outras histórias também tratam de temas caros ao diretor. Por mais que não tenha sido o sucesso que gostaríamos que fosse, é sempre bom acompanhar o trabalho de um diretor maduro e talentoso.

LAÇOS DE SANGUE (Hard, Fast and Beautiful)

E eis que, para minha surpresa, LAÇOS DE SANGUE (1951), o meu filme favorito da Ida Lupino na direção, não trata de nenhum tema trágico ou com uma carga de horror intensa. Trata-se de um lindo trabalho sobre ambição, carreira, escolhas, e mais um bocado de coisas que dão muito o que falar. Fiquei feliz de ter ido ver no Cineclube da Mostra “Ida Lupino - Subversão e Resiliência” anos atrás, em vez de ter deixado pra ver em casa. O debate também foi bastante enriquecedor. Na trama, uma jovem prodígio do tênis é forçada a escolher entre um romance e as ambições de sua mãe.

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