domingo, maio 01, 2022
SCHOCK
Um dos eventos mais importantes da minha vida – e que culminou com a criação deste blog – foi a minha entrada na lista de discussão Cannibal Holocaust, criada pelo amigo Carlos Thomaz Albornoz, um entusiasta de filmes de horror europeus. Naquela época, maio de 2001 em diante, eu sequer sabia da existência de dois mestres do cinema de horror italiano, Mario Bava e Lucio Fulci. Dario Argento, o outro membro da “santíssima trindade”, havia furado a minha bolha e aparecido na revista SET, até então um dos poucos veículos para minha formação cinéfila – lembro que quando TERROR NA ÓPERA foi lançado nos cinemas houve uma repercussão bem positiva por parte da crítica da revista.
Uma pena, porém, que a crítica da época do lançamento dos filmes de Bava nos cinemas, mesmo a estrangeira (americana, francesa e mesmo a italiana), não tenha louvado em vida a genialidade do diretor, o maior e mais influente dos três cineastas citados. Ontem, por ocasião de um curso sobre o grande mestre do horror italiano, ministrado por Fernando Brito, resolvi pegar um filme do cineasta ainda inédito por mim, por mais que na verdade eu precise rever todos os demais, inclusive os mais famosos e importantes. Mas gostei muito de ter visto SCHOCK (1977), seu último trabalho na direção, quando ele já passava o bastão para o filho Lamberto Bava, que dirigiu algumas cenas, foi um dos roteiristas e teve a solução para vários efeitos visuais, inclusive o mais famoso, o da criança correndo para os braços da mãe.
Gosto muito de como SCHOCK é tanto um filme de horror de fantasma quanto uma história sangrenta de assassinato, de como lembra um filme americano, mas sem deixar de parecer italiano. Na verdade, a história poderia se passar em qualquer lugar. Na trama, Daria Nicolodi é uma mulher que começa a ficar bastante perturbada com o comportamento do filho pequeno. A narrativa é cadenciada e o horror começa de maneira quase sutil. Algumas coisas só são ditas aos poucos, como um detalhe ou outro sobre o primeiro marido da protagonista, que supostamente teria se suicidado por causa do vício em drogas. Ao falar sobre o pai, não mais presente, o menino pergunta à mãe: o que é estar morto? Ela responde com carinho que é nunca mais podermos ver a pessoa novamente.
A primeira metade do filme tem uma força grande pois se apoia mais em um horror psicológico e fornece as bases para todo o desenvolvimento. Assim, quando o filho tenta imitar os gestos do companheiro da mãe fazendo sexo com ela em uma das primeiras cenas, isso sim é perturbador e incômodo. Ou quando o menino a ameaça de morte com aquela cara de ódio, ao vê-la beijando o segundo marido em uma festa. Esse segundo marido, um piloto de avião comercial, também parece um sujeito suspeito, já que coloca gotas de um remédio na água da personagem. Estaria ele a ajudando ou a envenenando? Como sabemos que ela passou um tempo internada em uma clínica psiquiátrica depois da morte do marido, seguramos essa informação, embora ela seja ainda insuficiente para nós.
Esse tipo de incerteza contribui para que fiquemos em um estado próximo ao da protagonista, que já não sabe mais o que está acontecendo. Estaria ela sendo assombrada pelo espírito do falecido? O que é aquela mão putrefata que aparece em suas visões com frequência? O tal fantasma teria possuído o corpo do filho, a exemplo do que acontece em OS INOCENTES, de Jack Clayton? E o principal, no terço final: ela teria alguma culpa direta na morte do marido? O filme demora um pouco para responder a essas perguntas e nos instantes finais brica com efeitos visuais que enfatizam o ataque sobrenatural a uma mulher fragilizada psicologicamente.
Mas é curioso eu falar disso sem mencionar o visual, os cuidados plásticos, que são a principal característica dos filmes de Bava, desde sua estreia solo, com A MALDIÇÃO DO DEMÔNIO (1960). Não vi na cópia em BluRay, lançada lá fora apenas neste ano pela Arrow (com comentários em áudio de Tim Lucas!), mas na cópia em DVD presente no box Obras-Primas do Terror 4. Já é possível ver que aqui não há um visual tão deslumbrante quanto em outros trabalhos do mestre. O que não quer dizer que não tenha uma fotografia muito interessante, com os efeitos visuais que ajudam a nos colocar dentro do inferno mental da protagonista, especialmente quando ela sonha ou parece estar em um estado de confusão mental provocada por alucinações.
No que se refere ao que poderíamos chamar de uma evolução do cinema de Bava, houve também uma busca dos produtores de SCHOCK de aproveitar o sucesso dos filmes de Dario Argento e trazer uma banda de rock progressivo para fazer a trilha sonora. A banda Libra causa uma boa impressão e ajuda a trazer empolgação para as cenas mais movimentadas.
Enfim, não deixa de ser uma alegria que, mesmo passados vários anos da morte do autor, em 1980, esse processo de descoberta de Bava pelas novas gerações continue aumentando, principalmente a partir da maior acessibilidade que a internet trouxe.
+ DOIS FILMES
DUAS MULHERES (La Ciociara)
Belo e tocante melodrama do grande Vittorio De Sica. Talvez, junto com LADRÕES DE BICICLETA (1948), seja seu filme mais popular, tendo conquistado até o Oscar de atriz para Sophia Loren, que já havia ganhado o prêmio de atriz em Cannes). Ela de fato está deslumbrante e entrega uma interpretação comovente. O fato de DUAS MULHERES (1960) se passar durante a Segunda Guerra na Itália, quando tudo era muito difícil e o país estava devastado, acentua a carga dramática. Na trama, Loren é uma viúva que deixa Roma com sua filha adolescente e vai para o campo, a fim de evitar os bombardeios. O filme se detém bastante no relacionamento que elas têm com os camponeses, principalmente com o personagem de Jean-Paul Belmondo, que faz um intelectual antifascista. Achei a cena mais dramática do filme mais tensa e incômoda do que esperava e o final é muito bonito. Melancolicamente bonito.
NEGÓCIO À ITALIANA (Il Boom)
Tem sido uma maravilha poder conhecer melhor a obra de De Sica, que vai muito além de LADRÕES DE BICICLETA e UMBERTO D. (1952). Em NEGÓCIO À ITALIANA (1963), tive contato com uma excelente comédia social que apresenta uma Itália bem diferente do momento imediatamente pós-Segunda Guerra, tão explorado nos melodramas do cineasta. Dado o drama do personagem, o registro poderia ser dramático, mas me pareceu muito acertado ter optado pelo cômico. Alberto Sordi faz o papel de um sujeito brincalhão, casado com uma mulher linda e que frequenta os ambientes da alta sociedade romana. O problema é que ele está gastando mais do que devia e está completamente arruinado, e sem ninguém que o ajude. Melhor não contar mais para não estragar as surpresas. Grande cena (entre tantas): a festa que o protagonista dá para seus amigos burgueses.
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