terça-feira, setembro 07, 2021

TERAPIA DE DOIDOS (Home Movies)



Assim como aconteceu comigo nesses anos todos de cinefilia, sem me interessar muito pelas comédias de Brian De Palma, o público não ficou muito animado com o lançamento de TERAPIA DE DOIDOS (1979), após um momento em que o cineasta já havia ficado famoso pelos gêneros terror e suspense. De fato, é um filme um pouco estranho, mas bastante familiar se pensarmos em suas primeiras comédias dos anos 1960, como QUEM ANDA CANTANDO NOSSAS MULHERES (1968) e FESTA DE CASAMENTO (1969). Na verdade, esta nova comédia representa um momento em que De Palma precisava esfriar a cabeça da frustração das filmagens e dos resultados de A FÚRIA (1978).

Assim, ele resolve voltar às origens, fazendo uma produção mais barata, do seu próprio bolso, e com a ajuda dos amigos Steven Spielberg e George Lucas. Voltar às origens também significa, no caso de TERAPIA DE DOIDOS, voltar às origens familiares, já que é aqui que encontramos a maior quantidade de elementos autobiográficos já vistos na obra do cineasta. Tanto que o filme se tornou uma obra de referência quando alguns jornalistas fazem perguntas sobre a vida pessoal do diretor. Ele diz: "veja TERAPIA DE DOIDOS, está tudo lá".

E de fato é impressionante o quanto o diretor, mais do que nunca se desnuda. No entanto, como o registro usado foi o da farsa, sente-se um distanciamento maior entre memória e ficção, além também de um pouco de acidez ao tratar de um dos temas que mais se manifestam em seus trabalhos, a manipulação – basta lembrar dos personagens Swan, em O FANTASMA DO PARAÍSO (1974), e Childress, em A FÚRIA. Assim, ele não poupa nem a própria mãe, que depois descobriria ser uma pessoa que apelava bastante para a chantagem emocional. Até a suposta tentativa de suicídio dela é posta em xeque, já que, no filme, a mãe apenas simula ter tomado várias pílulas, e acaba tendo que fazer uma lavagem estomacal, de todo modo.

Assim, estão presentes no filme o adultério do pai, a chantagem da mãe, a maluquice do irmão “gênio”, o flagra utilizando câmera, a dor de ser considerado um filho menos importante pelos pais e mesmo assim se esforçar para ser visto como melhor do que o irmão. Além do mais, ele lida com suas neuroses: seu sentimento de culpa ao desejar a namorada do irmão James (Gerrit Graham) e também de, com frequência, ser também, de certa forma, manipulador, ao tentar tirar Kristina (Nancy Allen), do irmão, apresentado como um sujeito um tanto assexuado, ou mesmo impotente. Ele tenta tirar Kristina do vício na carne, tornando-a vegetariana, e nos prazeres do sexo, sendo que ele mesmo não fazia sexo com ela e a proibia de voltar à vida mais livre que levava.

E o curioso é que o próprio Keith Gordon, o intérprete de Denis, o jovem alter-ego de De Palma, disse ter sentido uma paixonite por Nancy Allen na época das filmagens, mas que sentia um pouco de culpa pelo fato de ela ser a namorada do diretor. Isso é curioso pois Gordon ainda era muito garoto para ela. Mas quem nunca, hein? Gordon, posteriormente, se tornaria diretor também e diz que deve muito a De Palma. Hoje, lembro e gosto de seu trabalho na direção em AMOR MAIOR QUE A VIDA.

De Palma também gosta de exercitar outras comparações que provavelmente o ajudaram a superar certos traumas, como fazer um paralelo entre ele e o pai. Logo no começo, Denis está dando uns amassos em uma garota no sofá da sala e é flagrado pela mãe, que fica horrorizada, mas depois que o pai entra em casa, a reclamação dela é com os dois, já que ela mesma havia acabado de flagrar o marido com uma enfermeira (ele era médico). Além do mais, por diversas vezes, tanto ele quanto o pai tentam, de alguma maneira, se aproximar com segundas intenções de Kristina, uma garota tão doce e gentil quanto sensualmente natural.

Uma coisa que acho que não funciona muito bem no filme é a participação de Kirk Douglas, como uma espécie de guru de Denis, em sua evolução de voyeur para cineasta. Douglas faz o papel do Maestro e sua presença serve para dar ao filme um toque de metalinguagem. O fato é que uma coisa não exclui a outra e a qualidade voyeurística do cinema de De Palma nunca deixou de se fazer presente, de uma forma ou de outra. Uma coisa que o Maestro diz a Denis é que “voyeurs não participam de suas próprias vidas. Eles são basicamente figurantes, não personagens principais.”

Quando o filme se aproxima do fim, com um tom um tanto amargo, ao mostrar as frustrações de Denis e sua solidão, há um final definitivo que é claramente artificial, que foi sugerido por amigos, já que o final triste não combinaria muito com o tom do filme. Esse final feliz, porém, acaba sendo ainda mais deslocado, fica parecendo um sonho de Denis, ao ter Kristina de volta à vida e em seus braços. No fim das contas, exatamente por não ser facilmente comprado, esse final funciona para nos lembrar de que a realidade é muito mais cruel do que aquele final feliz montado.

+ DOIS FILMES

SHIVA BABY

Uma estreia muito feliz a de Emma Seligman neste SHIVA BABY (2020), que parte de uma situação cheia de surpresas dentro de um espaço familiar onde geralmente as pessoas devem manter uma aparência aceitável perante uma sociedade tradicional, em um tom bem humorado, para ir se encaminhando para algo um pouco mais dramático e até tomando emprestado algo de terror psicológico, com um uso de trilha sonora que beneficia a situação perturbadora da protagonista. Mas, no final, depois de tantas situações que o filme nos brinda, o tom de bom humor acredito que é o que predomina. O que é aquela cena da van? Maravilhosa! A história é divertida já do ponto de partida: uma estudante de faculdade se encontra com os pais para uma reunião pós funeral de um conhecido da família. Lá ela acaba encontrando alguém que não esperava, seu sugar daddy, além de sua paquera ou quase ex-namorada dos tempos de escola. O fato de a ação se passar quase o tempo todo dentro de uma casa relativamente pequena para tantas pessoas passa um ar claustrofóbico interessante. Sem falar que a diretora se mostra muito habilidosa em trafegar por tanta gente em espaços apertados.

TRAMA DIABÓLICA (Homicidal)

PSICOSE é um filme tão maravilhoso que até os que tentam encontrar uma espécie de fórmula nele como guia, como este TRAMA DIABÓLICA (1961), acabam se beneficiando de alguma maneira. Sem falar que William Castle era um mestre na arte de criar algo diferente para atrair a plateia. Neste aqui, ele chega a desafiar o público a ficar na sala de cinema em um momento-chave de suspense da narrativa. Não deixa de ser um exagero para a cena em si, por mais que ela seja mesmo muito boa, mas ela se torna memorável por causa dessa brincadeira de Castle. As semelhanças com PSICOSE também se apresentam na escolha de certos ângulos (o carro de Marion Crane; a escada da Mansão Bates etc). A trama já começa muito envolvente, com uma loira fazendo um convite a um empregado de hotel. O resto da trama é tão cheia de situações imprevisíveis que é melhor não contar.

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