segunda-feira, julho 27, 2020

A MULHER INFAME (Uwasa no Onna)

Da lista de cineastas homens que melhor conseguiram traduzir o sentimento feminino, ou pelo menos se solidarizaram a ponto de fazer do sentimento da mulher um dos principais aspectos de seu corpo de trabalho, se destaca o mestre japonês Kenji Mizoguchi. Muito de sua filmografia é profundamente interessada na vida e no drama de mulheres que foram vitimizadas pela sociedade e/ou pela pressão de seu tempo.

Há toda uma questão biográfica que justifica isso: o jovem Mizoguchi era terrivelmente contra o modo como seu pai tratava sua mãe e sua irmã. Além do mais, há o fato de que, por causa de problemas financeiros, seu pai vendeu a própria filha, irmã mais velha de Mizoguchi, para se tornar gueixa. Assim, sua obra costuma ser vista como uma espécie de tratado contra a sociedade machista. Claro que isso não é motivo suficiente para validar e tornar a sua obra uma das mais importantes. Há também questões formais de seu cinema as quais não me sinto muito apto para falar aqui, mas que corroboram sua imagem hoje inegável de ser um dos maiores cineastas do Japão de todos os tempos. Se não o maior.

Vi pouco mais do que meia dúzia de filmes de Mizoguchi, o que ainda é muito pouco. Mas digo com certeza que ele foi um dos diretores, junto com Yasujiro Ozu, que fez eu me apaixonar pelo cinema japonês clássico, já que até hoje ainda tenho uma certa resistência a gostar de verdade dos filmes de Akira Kurosawa. Mas isso é um problema que preciso resolver no futuro. Falemos, então, de um dos títulos de Mizoguchi que vi recentemente, A MULHER INFAME (1954), realizado entre duas obras-primas do diretor: O INTENDENTE SANCHO (1954) e OS AMANTES CRUCIFICADOS (1954). Reparem que os três filmes foram lançados no mesmo ano, o que é absolutamente admirável.

Em A MULHER INFAME, acompanhamos o drama da jovem interpretada por Yoshiko Kuga que é filha da dona de um bordel. Ela tenta suicídio depois que seu noivo descobre a profissão de sua mãe, que é algo de que a garota tem muita vergonha, por mais que o estabelecimento seja um dos mais respeitáveis do ramo na cidade. A mãe dela (Kinuyo Tanaka) mantém um caso secreto com o médico do bordel, um homem mais jovem do que ela vivido por Tomoemon Otani. A mãe, inclusive, tem o sonho de se casar com o médico e vender o seu negócio, a fim de começar uma nova vida.

Não sabendo do envolvimento da mãe com o médico, a jovem, a partir do momento em que passa a ser tratada por ele após a tentativa de suicídio, começa a gostar do rapaz. E ele também fica muito mais interessado nela, também por ser mais jovem e mais bonita que a mãe. Os dois passam a fazer planos, irem embora para Tóquio, onde ele montaria um consultório. Uma hora a mãe descobre e sente uma dor imensa na alma.

Mizoguchi, ao invés de fazer um filme sobre a rivalidade entre mãe e filha, percebe o modo bem pouco honesto do rapaz e apresenta gestos lindos das duas mulheres. Esse interesse pela psicologia da mulher, pelo seu sofrimento, pelo seu universo, se mostra muito feliz nesta obra que se passa na contemporaneidade, com uma imagem de uma mulher mais independente, ainda que a própria sociedade japonesa até hoje seja extremamente tradicionalista nesse sentido.

Em A MULHER INFAME, mais uma vez, Mizoguchi usa o melodrama para mostrar auto-sacrifícios românticos das suas personagens femininas. E se não é um de seus grandes filmes, é justamente porque ele foi tão alto em suas obras-primas, que alguns de seus outros títulos acabam ficando um pouco abaixo do cume que ele alcançou. Mas só um pouco.

+ TRÊS FILMES

BRUMAS (Moontide)

Segundo filme da Fox que Fritz Lang inicia as produções mas que algo dá errado e ele é substituído novamente por Archie Mayo. Aqui, ao que parece, o problema teve a ver com Marlene Dietrich, que teve relações tanto com Jean Gabin quanto ele. É um filme um bocado estranho, e é justamente da estranheza que vem sua singularidade. Foi o primeiro papel de Gabin em Hollywood, saído da França por causa da guerra. Grande astro lá, mas totalmente desconhecido nos Estados Unidos, a produtora teve que fazer um jogo de marketing bem engenhoso para vendê-lo como o novo astro a despontar. Mas ele não durou muito lá. Uma das melhores coisas do filme é Ida Lupino, no papel da jovem deprimida e suicida que é salva da morte pelo francês com modo de vida cigano. Os dois, de espírito quebrado, se apaixonam. Mas há uma trama de um assassinato misterioso no meio. Construído em estúdio, o filme tem um ar artificial interessante e umas coisas meio WTF. Como era de se esperar, o filme seguinte de Lang não seria mais com a Fox. Ano: 1942.

BELEZA OCULTA (Collateral Beauty)

Não achei tão feio quanto pintaram. Tem o Will Smith de novo fazendo a mesma cara chorosa, mas o drama não é só dele, há também os de seus colegas. O bom elenco também compensa um pouco as falhas. Gostei muito da Naomie Harris, atriz cujo trabalho ainda conheço muito pouco. Direção: David Frankel. Ano: 2016.

O AMOR DE CATARINA

É um filme melhor do que eu esperava. O diretor se mostra amador também no sentido de mostrar o amor pelo cinema, em pequenas coisas, como em cenas de AURORA, de Buster Keaton, do nome de Gus Van Sant, em cartazes de filmes de terror no quarto da filha da protagonista.. Que é meio uma Macabeia repaginada. Mas muita coisa ficou apenas nas intenções. Ainda assim, não deixa de ser um filme estranho e por isso até que bem-vindo dentro das produções brasileiras exibidas nos cinemas de shopping. Direção: Gil Baroni. Ano: 2016.

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