terça-feira, maio 19, 2020

NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI

Depois de GO GO TALES (2007), Abel Ferrara fez uma experiência pelo gênero documentário que durou a princípio três títulos: CHELSEA ON THE ROCKS (2008), NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI (2009) e MULBERRY ST. (2010). Não consegui dois deles ainda com legendas pelo menos em inglês, mas tive a oportunidade de ver ontem NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI, que foi um filme encomendado pela Prefeitura de Nápoles, o que muito me admira, já que não há nada que torne a cidade agradável aos olhos da administração local e de seus habitantes. Por isso, talvez tenha sido uma espécie de pedido de socorro, já que a situação nessa que já foi capital da Itália não é nada fácil. Ou pelo menos não era, na época da realização deste longa-metragem.

Vale lembrar que Ferrara é neto de um napolitano. Conta-se que seu avô partiu para os Estados Unidos quando tinha 16 anos, ficou em Nova York, teve onze filhos e ainda criou outros quatro ou cinco que encontrou na rua. Com certeza foi uma figura admirável que valeria a pena ser entrevistado se houvesse uma espécie de máquina do tempo que voltasse no passado. Conta-se também que o pai de Ferrara era um gerenciador de apostas que também era um apostador. Talvez muito disso explique algumas obsessões do cineasta pelo vício.

O filme de ficção de que me lembrei mais vendo este documentário foi O REI DE NOVA YORK (1990), que já trazia uma interessante discussão sobre a questão do tráfico de drogas, sobre quem realmente seria o culpado. No primeiro filme realizado totalmente com dinheiro italiano, Ferrara busca traçar não exatamente um painel da situação social e econômica da cidade, mas foca principalmente nos dramas de pessoas marginalizadas. Por isso, sua escolha por enfatizar um presídio feminino foi muito acertada.

Algumas histórias são muito tocantes. Fiquei especialmente comovido com a história da nigeriana que se mudou para a Itália há cinco anos, mas cujos últimos quatro passou na prisão. E ela era uma estudante de medicina em seu país. Há outras histórias comoventes. Nesse sentido, sentimos novamente o apreço do cineasta por figuras que parecem viver em uma espécie de inferno na Terra, já mostradas com força em seus filmes de ficção e que aqui ganham retratos mais realistas e mais brutais.

No entanto, senti falta de um maior aprofundamento nas entrevistas. Talvez se Ferrara não fosse a pessoa que fizesse as perguntas e não o assistente isso teria funcionado melhor. Lembrei do quanto os filmes de Eduardo Coutinho são tão mais intensos. Mas aí lembrei também que são dois cineastas de intenções e caminhos totalmente diferentes. Ainda assim, a parte totalmente documental do filme é muito mais interessante do que as partes dramatizadas, que ganham um ar documental por se passarem em cenários naturais, como ruas e casas pobres de Nápoles. A atriz Shanyn Leigh interpreta uma prostituta e há outros que interpretam pessoas vinculadas à Camorra, a máfia local, responsável por muito da miséria e do sofrimento do povo italiano.

NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI nos apresenta a uma cidade totalmente abandonada pelos governantes, extremamente decadente, muito longe de qualquer imagem de cartão postal da Itália, com uma taxa de desemprego altíssima, e cujos habitantes costumam dizer que a única saída seria fugir de lá para outro lugar. O problema é que não é todo mundo que pode se dar ao luxo de ir embora, e muitas das pessoas já têm alguma relação com a Camorra. O filme é um tanto torto e procura terminar com um ar mais alto astral, com a apresentação do grupo de rock de Ferrara na penitenciária feminina, talvez para mostrar que o cineasta não estava parasitando a desgraça alheia ao colher os depoimentos das pessoas do lugar.

+ TRÊS DOCUMENTÁRIOS

HUMBERTO MAURO

Para quem conhece pouco da obra de Humberto Mauro, este filme serve como uma comprovação da genialidade do cineasta, que desde a era muda já fazia filmes na raça e na coragem e com um trato visual impressionante. As imagens que passeiam pela tela são de encher os olhos; a cena sensual de GANGA BRUTA é maravilhosa; a descrição do diretor sobre a natureza e o fato de o progresso ser anti-fotográfico são bem coerentes com o que ele gosta de mostrar. O filme tem um quê de CINEMA NOVO, aquele doc também todo trabalhado na sala de montagem, mas aqui é um pouco menos picotado e um pouco mais contemplativo. Há coisas que parecem distantes dos dias de hoje, mas há cenas que ainda emocionam. Minas Gerais tem a sorte de ter um cineasta grandioso como Mauro. Direção: André Di Mauro. Ano: 2018.

SANTIAGO, ITÁLIA

Um filme bem-vindo, mas passa a impressão de que Nanni Moretti fez sem muito capricho ou paixão, algo que é tão próprio do cinema dele. Gosto de como ele confunde a gente no começo da narrativa, com pessoas falando em espanhol e em italiano, para depois deixar mais claros a situação e até o porquê do título. Embora muitos já conheçam a história da deposição terrível de Salvador Allende, essa é a minha parte favorita do filme. O terceiro terço do filme não trouxe grandes depoimentos e acabou esfriando um pouco aquilo que já parecia frio. Ano: 2018.

ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR 

Uma reflexão sobre o sentido do trabalho e do tempo livre a partir da visão da rotina de uma cidade que gira em torno de fábricas de fundo de quintal para fabricação de roupas jeans. O material é tão bom que o diretor já estava com a bola na área para chutar. Além de tudo, ter um personagem como o Leo é um verdadeiro presente para um documentarista. Para um cineasta que vem se destacando fortemente na ficção desde CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (2005), é uma beleza ver que ele se sai tão bem em sua volta ao registro documentário. Direção: Marcelo Gomes. Ano: 2019.

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